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LIVRO DIDÁTICO: O GRANDE VILÃO?

Jorge Henrique Vieira Santos1


poetajorge@gmail.com

Este texto se propõe a discutir a ideia, bastante difundida, de que o livro didático constitui uma
ferramenta que limita o processo de ensino-aprendizagem, uma vez que o docente, o mais das
vezes, reduz sua atuação pedagógica ao seguir estritamente a proposta didática do livro em
detrimento de um planejamento pessoal mais abrangente. Busca-se fazer justamente o
contraponto dessa concepção, discutindo-se um dos motivos que contribui para que o processo
pedagógico se limite à proposta do livro que se utiliza. A partir daí, discute-se outro aspecto da
utilização exclusiva do livro didático como motivador de procedimentos que diversificam a
atividade de sala de aula e impelem o educador a adotar metodologias e suportes de textos
diversos. Em seguida, aborda-se uma utilização mais produtiva do livro didático, mesmo quando
apresente características inadequadas ou impróprias, do ponto vista pedagógico.

Palavras-chave: livro didático, ensino-aprendizagem.

É bastante difundida no meio acadêmico, sobretudo entre os adeptos de propostas


pedagógicas que se opõem ao ensino mais tradicional, a concepção de que o livro didático
atua como limitador do processo de ensino-aprendizagem, uma vez que leva o professor a
uma situação de comodidade e reduz sua atuação pedagógica. O prof. Nélio Bizzo (1999),
integrante da Comissão Técnica do PNDL, veemente defensor da qualidade dos livros
didáticos que circulam atualmente nas escolas, descreve claramente essa concepção:

“O livro didático (...) tem sido apontado como o grande vilão do ensino no Brasil
(...), muitos educadores apontam o livro didático como o grande obstáculo a
impedir mudanças significativas nas salas de aula. Alguns chegam a afirmar que
ele deve ser simplesmente retirado do alcance do professor para que as mudanças
possam de fato ocorrer”.
(BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo, Ática, 1999).

Embora em alguns casos, realmente, o professor se valha da comodidade oferecida


pelo livro didático, isso não representa uma constante.

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Graduado em Letra pela UFS (2001); Especialita em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa pelo
IBEPEX/FACINTER (2003); Especialista em Mídias na Educação, Universidade Federal de Sergipe pela
UFS (2009).
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De certa forma, o livro didático, que deveria figurar como uma ferramenta para o
processo de ensino-aprendizagem, o mais das vezes, transforma-se num elemento
limitador da atuação do professor. Muito se deve, é bom que se diga, ao fato de o
professor, para garantir sua qualidade de vida, ter de se desdobrar em dois ou três,
trabalhando em diversas escolas, tendo de cumprir uma carga horária excessiva e sendo
cobrado o tempo todo por causa de inúmeros procedimentos “burocráticos” inerentes à sua
atuação. Muitos professores de meu círculo de conhecidos possuem dois vínculos na
esfera pública e ainda ministram aulas na rede particular. Resultado disso, o planejamento
das atividades é transferido para a esfera do livro didático utilizado, ou seja, escolhe-se um
livro que preencha de maneira mais plena a linha teórica que se julga mais eficaz e que,
além disso, enquadre-se na perspectiva da proposta pedagógica da escola em que se
trabalha (há muitos livros bons no mercado) e, simplesmente, segue-se o livro. Quando
isso ocorre, e não é raro, o professor torna-se “escravo” desse instrumento didático e tudo
o que acontece em sala de aula se resume ao universo construído a partir deste recurso
pedagógico.

Contudo é bom salientar que executar essa tarefa supõe a predisposição de utilizar
outros recursos pedagógicos também propostos ali, de forma que o professor, ao seguir o
livro didático, obriga-se a diversificar sua própria atuação e a utilização de recursos.
Explico. Ocorreu em minha experiência profissional há alguns anos de ter de trabalhar
com um livro didático (do qual não participei do processo de escolha) e, como estava
naquele ano sobrecarregado de atividades, resolvi seguir a proposta do livro. Como
resultado disso, desenvolvi com minhas turmas, ao longo do ano letivo, alguns projetos
que constavam do material didático de que dispunha: um projeto de elaboração de um
jornal (desenvolvido numa turma de 6ª série), um concurso literário (desenvolvido numa
8ª série) e um projeto sobre folclore (desenvolvido numa turma de 5ª série).

O primeiro obrigou-nos a compulsar diversos jornais, revistas e paradidáticos, a fim


de nos familiarizarmos com a linguagem jornalística que iríamos desenvolver. Foram
diversas aulas, bastante animadas, em que lemos e discutimos formas de elaboração de
matérias, propaganda, estruturas textuais, recursos estilísticos. O segundo levou-nos a
trazer para a sala de aula, além de poemas avulsos de poetas locais, dos próprios alunos ou
seus conhecidos, clássicos escolares diversos de poetas consagrados e, ainda, alguns

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poemas pesquisados na internet. A partir da análise e comparação de processos de criação


poética, partimos para a nossa própria autoria no processo. O terceiro levou-nos a buscar
na comunidade e entre nossos próprios familiares o repertório das lendas e fábulas da
oralidade, cantigas de roda, trava-línguas, adivinhas, brincadeiras, que motivaram alguns
trabalhos cujos resultados agradaram muito aos alunos.

As atividades desenvolvidas produziram resultados satisfatórios no trabalho com


diversos gêneros textuais. Diante disso, “escravizar-se” às propostas do livro didático, se
considerarmos que o PNLD elevou bastante o nível destas publicações, muitas vezes não
significa limitar procedimentos metodológicos, pelo contrário, às vezes, o livro salva as
aulas de um planejamento que seria deficiente e improdutivo pelo fato de ter sido
elaborado sem o tempo necessário à reflexão e ao amadurecimento de idéias, porque o
docente encontra-se sobrecarregado de tarefas.

Outras vezes, entretanto, o livro resultado da escolha coletiva não corresponde a


uma perspectiva individual do docente e não apresenta, para ele, uma proposta razoável.
Nestes casos, é importante que o professor tenha autonomia para utilizar dele apenas o que
julgar produtivo e coerente e planejar suas atividades de outra forma, utilizando outros
recursos ou outros suportes de textos. Não é interessante, contudo, que se abandone por
completo o livro porque sua proposta é inadequada, uma vez que os alunos dispõem desse
recurso, que é um dentre tantos de que o educador pode dispor, e nada é completamente
inaproveitável.

Aconteceu comigo, certa vez, de o livro apresentar uma forma mecânica de abordar
o estudo da gramática da língua, seus exercícios visavam meramente o desenvolvimento
no aluno de uma habilidade em classificar elementos gramaticais. Utilizávamos então
alguns de seus textos para nossas práticas de leitura e, quando partíamos para a gramática,
trabalhávamos com atividades e exercícios por mim elaborados. Ocorreu, inclusive, de os
alunos questionarem o porquê de não utilizarmos os exercícios e atividades do livro
didático. Depois de amadurecer os conhecimentos nos conteúdos estudados, íamos às
atividades propostas pelo livro didático e analisávamos seu teor, de forma que também nos
serviram aos estudos e pudemos aprofundar conhecimentos a partir das discussões a
respeito de suas inadequações, ou seja, até nesse aspecto, a depender da forma como se

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utiliza o livro didático, seu recurso se torna indispensável, pois também servirá ao
desenvolvimento de uma postura mais crítica do aluno em relação ao que lê.

Enfim, o livro didático, como qualquer outra ferramenta pedagógica, não pode ser
visto como herói ou vilão do processo educativo em si, uma vez que sua utilização
depende da postura do professor. Apontá-lo como herói ou vilão talvez não reflita sua
realidade como um recurso didático rico de possibilidades e que está ao alcance do
professor e do aluno.

REFERÊNCIAS

BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo, Ática, 1999.

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