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A obra que vos apresento eu mesmo – seu autor – lhe dei o título de “O corte”.
Cabe a mim, que concebi a obra, explicar o que ela mostra em si, ou seja, num
campo real e não semântico ou, para os que gostam de Heidegger, na terra e não
no mundo. Ela consiste numa performance que culmina num vídeo que não é
registro, mas também debate essa questão. O vídeo tem no máximo 50 segundos.
A performance consistiu em andar por todo o lugar aonde ia durante uma semana
com um curativo na face, na minha bochecha direita, molhado em iodato – o que
dava a entender que havia me ferido profundamente – se me perguntassem o que
havia ocorrido a resposta era simples: Um corte. Se insistissem a resposta era a
mais irônica, ou sarcástica –como quiserem -possível: Feri-me num safári pela
África quando 32 ninjas poloneses, clandestinamente, surgiram para caçar um dos
leões.
Enfim, essa foi a performance. O vídeo consistia em um título no seu início (“O
corte”) em letras brancas e um fundo preto, e uma pessoa com uma faca –eu com
um cutelo- apontada e pressionada contra o rosto (é extremamente necessário que
fique claro aqui que em momento nenhum eu me feri), não havendo música ou som
algum durante o plano seqüência, apenas o artificial silêncio, durante todo o vídeo.
No momento em que se espera que finalmente aconteça o corte em minha face
acontece um corte para um tela preta e em seguida aparecem os créditos.
Pois bem, esta é a obra. A sua concepção partiu do pedido de um professor para
que criássemos uma obra prima. É eu sei: uma obra prima? O que é uma obra
prima foi o meu primeiro questionamento, em seguida foi o que é uma obra, depois
o que é uma obra de arte, enfim o que é arte. Como percebem, e eu também
percebi, é meio difícil se responder a essa(s) questão(o que eu deveria por aqui
para que vocês percebam que pode ser “questão” ou “questões”?), logo, decidi por
fazer uma obra e dá-la todo o meu empenho - pelo menos o mental, que para mim
é o que mais vale, mesmo sabendo que não vale por ela toda – e começar a
trabalhar. Toda obra de arte – disso eu já sabia quando pensava a obra – como
pude perceber durante os meus estudos na faculdade parte de um princípio básico:
um problema. Para que a obra tenha potência, ou seja, o poder de ser
compreendida por qualquer um, o seu problema deve ser referir a algo de um
cônscio geral. Qual problema? Depende do artista e de sua época. Pode ser a
representação do espaço (a perspectiva no renascimento); a representação de
idéias e não de meras mimeses (no tempo em que os gregos filosofavam com o Sr.
Platão); a luz na pintura (os impressionistas, vide o Sr. Manet); ou a voz da arte de
uma nação (a semana de arte moderna de 22); enfim, não importa a época nem se
é escultura, pintura ou desenho o que importa é a potência do problema que a obra
irá ferir.
Qual foi o meu problema? Amigos, foram vários. Tirando os monetários, o meu
problema era o que víamos quando não víamos. Será que era preciso ver para
entender ou sentir? É óbvio que não. Além desse, também decidi incluir na obra um
questionamento que vem me aborrecendo durante um tempo. O problema era o
corte cinematográfico. Ismail Xavier, Jean-Claude Carrière, e Bernadet – sem
desmerecer ninguém, esses foram os que lembrei- entendem que a linguagem
cinematográfica se diferencia, primordialmente, da teatral no que confere o
nascimento do corte. Assim sendo ironizei o meu corte, o que é sugerido com a
faca, com o corte cinematográfico.
Lembro-me agora do filme BORAT. Um filme que gerou repercussão mundial, tanto
pelo teor dele quanto pela sua maneira de chamar o público. A ação publicitária
consistiu no ator do filme durante um tempo viver exatamente como a personagem
que interpretara, assim, muitos entenderam que o filme na verdade não era ficção
e sim real. Ou seja, o ator fez uma performance.
Retomando:
Enfim apresentei o vídeo, muitos (a maioria) se sentiram enganados e até
ofendidos, alguns ameaçaram não acreditar mais em mim, outros entenderam
tudo como uma grande piada. Mas afinal de contas –pergunto eu- quem quer
mentira maior que a arte? Quem de nós, que já parou para pensar um pouco sobre
arte, mercado artístico ou a profissão de artista não se sentiu enganado e até
ofendido, ameaçamos não acreditar mais nela ou até a entendemos como uma
grande piada? Não me elevo nesse discurso a um artista, e também não rebaixo a
arte a minha obra, apenas abro a discussão – é o que vale mesmo, não?
- .
Claro, a inúmeras falhas em minha obra e eu mesmo posso apontá-las ao
espectador menos atento: Para os que não viram a minha performance a obra
perde potência; ela só fala em um contexto de sala de aula e não consigo a ver
falando mais que isso (a não ser pela questão do corte cinematográfico). Num todo
foi um bom trabalho, e não vejo nada além disso. Obra prima? Acho que sim:
enganei a todos no final das contas.