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a de Letras
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Confrades e Confreiras.
POSICIONAMENTO
A AAL afirma ser o gentílico acreano é forma consagrada pelo uso regional
desde o século XIX, segundo dados colhidos nas Revistas do Instituto do Ceará -
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ANNO XLIV – 1932 ; ANNO LIII – 1939 ; ANNO LIV – 1940 ; em Subsídios para
a História do Alto Purus , Separata da Revista do Instituto do Ceará, Tomo LIV – Ano
LIV -- Editora Fortaleza, de autoria de Soares Bulcão.
Também esta Casa cotejou o Folheto Unitas, publicado na typ. e Enc. de A.
Loyola, 8 Pará, 1900, em cuja capa traz os seguintes dizeres: “ A Questão do Acre.
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Manifesto dos Chefes da Revolução Acreana ao venerando Presidente da República
Brazileira, ao povo brazileiro e às praças do commercio de Manaos e do Pará”, com a
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BULCÃO, Soares. Revistas do Instituto do Ceará. TOMOS ESPECIAIS DA REVISTA DO
INSTITUTO DO CEARÁ. Publicações eventuais para cobertura de temas relevantes. Revista do Instituto
do Ceará - ANNO XLVI – 1932.
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Revistas do Instituto do Ceará. TOMOS ESPECIAIS DA REVISTA DO INSTITUTO DO CEARÁ.
Publicações eventuais para cobertura de temas relevantes. Revista do Instituto do Ceará - ANNO LIII –
1939. O Comendador João Gabriel.
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BULCÃO, Soares. Revistas do Instituto do Ceará. TOMOS ESPECIAIS DA REVISTA DO
INSTITUTO DO CEARÁ.Publicações eventuais para cobertura de temas relevantes. Revista do Instituto
do Ceará - ANNO LIII – 1939.
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Grifo Nosso para apontar que o gentílico acreano está presente numa publicação histórica do ano de
1900.
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A Bolívia jamais ocupara efetivamente a parte da Amazônia, situada no seu território, devido às
dificuldades de acesso e ao fato de que a maior parte de sua população se concentrava no altiplano.
Destarte, longe dos centros políticos e administrativos, o Acre nunca fora habitado até 1869, quando os
brasileiros começaram a penetrar naquele vale. Textos históricos, datados a partir de então,
particularmente entre 1878-1880 trazem a grafia do gentílico acreano.
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Grifo nosso, para enfatizar o uso do gentílico em 1900.
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Grifo nosso. Ofício assinado por Gentil Noberto e Rodrigo de Carvalho.
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Fernão de Oliveira (1536) que “os homens fazem a língua, e não a língua os homens”.
Assim, segundo o mestre, “cada um fala como quem é”. E, aqui, no extremo oeste do
Brasil a população é acreana, desde o nascimento.
Dessa forma, fica claro, pelas lições de Oliveira (1536) que os USUS não
nascem de imposição e sim da vontade livre dos falantes. E como se está, aqui, a
vasculhar antigos baús de memórias lingüísticas, nada custa encadear, neste espaço
textual, em que se busca comprovar a antigüidade dos assuntos focados na variação
lingüística, as palavras de Horácio, em Arte poética (pp.118-9):
Essa citação apóia a inserção da questão ora trazida à baila, num quadro de
preocupações ancestrais, de vera e reconhecida importância para as discussões travadas
entre os que se sensibilizam com assuntos desse jaez. E ao se categorizarem norma e
uso, é importante recorrer a autores consagrados, mestres da Lingüística, que ditaram
rumos seguros para o trilhar de um idioma.
A posição tomada por este Silogeu vem sendo progressivamente demonstrada e
segue atinente ao que se concebe como verdade, variações, inovação, adoção, mudança.
Vejamos ipso fato o aporte teórico, o pensamento, de alguns mestres da atualidade.
O primeiro deles é Charles Bally, ao afirmar que uma palavra torna-se usual em
duas oportunidades principais: 1) quando designa algo indissociavelmente ligado à vida
de um grupo lingüístico; 2) quando dá a qualquer membro do grupo lingüístico a
impressão de que isso não se diz assim, isso deve ser dito assim, isso aqui sempre foi e
será dito assim. E mesmo que tais assertivas contradigam a expectativa de constante
evolução da linguagem, elas se constituem em realidade absoluta, sem a qual seria
impossível descrever um estado de língua.
O segundo teórico é o mestre dos mestres, o romeno Eugenio Coseriu, e a sua
compreensão sobre o tema [inovação/adoção/mudança], a partir do seu livro Sincronia,
diacronia e história. A sua perspectiva não se resume em perguntar por que as línguas
mudam, mas sim porque as mudanças ocorrem tal como ocorrem. E no espaço
geográfico do Acre, essa inovação acriano, que ora se impõe, pelo Novo Acordo, soa
como uma imposição que a comunidade não aprecia escrever ou ouvir. Pois, em
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O Acre faz parte do Brasil. A ele foi oficialmente incorporado em 1903. Antes,
tanto o Tratado de Ayacucho (1867), quanto o Protocolo que estabeleceu a famosa
Linha Cunha Gomes (1898) declaravam ser bolivianas toda essa riquíssima região,
ocupada e explorada por brasileiros desde a segunda metade do século XIX.
A chamada Questão Acreana surge, então, da resistência desses brasileiros em
se submeterem a um governo boliviano. Entre agosto de 1902 e início de 1903
ocorreram vários conflitos armados, resolvidos em parte com a assinatura do Modus
Vivendi em março de 1903 e, definitivamente, com a assinatura do Tratado de
Petrópolis, em novembro de 1903. As últimas pendências sobre a anexação do Acre ao
Brasil foram decididas com o Peru em 1909, quando ambos firmaram um tratado de
determinação de fronteiras.
Situado na Amazônia Ocidental, o Estado do Acre faz divisa com os Estados
do Amazonas e Rondônia, e fronteira com os países Peru e Bolívia. Sua superfície
territorial é de 153.149,9 km², o correspondente a 3,2% da Amazônia Brasileira, e 1,8%
do Território Nacional.
O habitante natural do Acre tem como gentílico, desde 1878-1880, acreano8.
Aqui, nesta parte do país, como em outras, há traços regionais fortes. E uma língua é
assim: uma riqueza na pluralidade de normas: culta, familiar, literária, popular, técnica
etc. A Língua Portuguesa seria muito pobre se apresentasse apenas uma forma para seu
léxico, para sua sintaxe.
JUSTIFICATIVAS LINGUISTICO-CULTURAIS
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Segundo a explicação corrente sobre o surgimento do nome Acre, esta designação para o rio Aquiry
passa a existir a partir de 1878-1880, exatamente no período em que começaram a ocorrer as primeiras
expedições que abririam os pioneiros seringais deste vale. Portanto, só a partir de então podem ter nascido
aqui os primeiros acreanos.
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Desse entendimento, resultou saber-se que uma língua histórica seria USUS,
instituição tradicional [costume], e as regras dessa mesma língua adviriam desses
mesmos costumes. Dizendo de outra forma, tomando por foco às normas sócio-
históricas, consoante Oliveira, a gramática de uma língua, em sua essência, seria sempre
descritiva, nunca normativa. Seu objetivo maior visa ao registro do costume e não à
imposição de regras, não sendo legítima, portanto, restrição alguma à liberdade de
expressão dos falantes que, em contrapartida, devem arcar com as escolhas lingüísticas
que se arvorarem a fazer.
Assim, no contexto das mudanças e alterações que podem ocorrer no interior
de uma língua, não é possível perder de vista a sua cultura, costumes, tradições. Pois
desde Fernão de Oliveira (1536), o primeiro gramático da lusofonia, firmou-se na
cultura portuguesa a consciência de„que os homens fazem a língua e não a língua os
homens‟. Isso significa dizer que a língua está impregnada dos traços culturais dos seus
falantes. Não há como separar a língua da cultura, mesmo porque a cultura está à frente
e a língua vem depois, traduzindo-a.
Segundo Paraquett (2000, p.118) cultura é “o conjunto de tradições, de estilo
de vida, de formas de pensar, sentir e atuar de um povo”. A partir dessa definição, o
estudioso de línguas deve ter consciência de que, na transmissão de conhecimentos, ele
é o representante da cultura de um povo. Pois, o estudioso de línguas é um difusor de
uma dada cultura, visto que a língua é um dos aspectos culturais da sociedade. Portanto,
a língua não está dissociada da cultura, ou seja, uma não existe sem a outra, não é mais
importante, apenas se complementam.
Milton Bennett (1993), um importante nome nos estudos interculturais, em seu
artigo “Intercultural Communication: A Current Perspective”, caracteriza dois tipos de
cultura: a cultura objetiva e a cultura subjetiva. Cultura Objetiva consiste nas
manifestações produzidas pela sociedade, como literatura, música, ciência, arte, língua,
enquanto estrutura, entre outras; seria o produto concreto criado pela sociedade. Por
outro lado, a Cultura Subjetiva pode ser encontrada em manifestações abstratas, como
valores, crenças e no uso da língua, levando a uma competência intercultural.
A língua é vista em muitos trabalhos como um instrumento de interação
humana. A cultura subjetiva, ou seja, os valores e as normas culturais, modela as
diferentes formas de interação entre um falante e um ouvinte. Estes valores e normas
estão presentes na competência comunicativa dos participantes, ao fazerem
determinadas escolhas durante a interação social. Essas escolhas são ditadas pelos
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costumes, tradição, cultura de cada povo, região, localidade. E, nesse aspecto, a língua é
meio, ferramenta, lugar.
Para o lingüista Lyons (1982, p.274) cultura deve ser tomada no sentido
antropológico, sem nenhum julgamento de valor a priori, quanto à qualidade estética ou
intelectual da arte, literal etc, de determinados grupamentos sociais. Nesse ponto de
vista, a língua e a cultura de uma nação são manifestações de seu espírito ou de sua
mente nacional. A cultura é descrita como o conhecimento que uma pessoa tem em
virtude de ser membro de determinada sociedade.
Esse conhecimento envolve o saber prático, quanto a saber se algo é, ou não,
de determinada maneira; se é, ou não, considerado verdadeiro, independentemente de
sua veracidade real. Não se deve, na relação entre linguagem e cultura, priorizar o
conhecimento técnico em detrimento do conhecimento prático, ou mesmo da chamada
crença popular. A linguagem é um traço cultural adquirido em função de o indivíduo
pertencer à determinada sociedade, mesmo que para isso não haja disposição inata. O
cultural e o emocional na linguagem são interdependentes.
Para falar da relação entre língua - traços histórico-culturais -- compreende-se ser a
língua um grande ponto de encontro entre o falante atual e aquele do passado, com aqueles
que, de qualquer forma, fizeram e fazem a história da língua. Assim, a língua está na
memória coletiva. (...) Tudo isso porque linguagem, língua e cultura são realidades
indissociáveis.
A língua não tem finalidade em si mesma, é fator de expressão e comunicação
social, por isso é acompanhamento de cada fato cultural, dando-lhe um acréscimo
lingüístico e permitindo atuação dos membros da comunidade. A língua é arbitrária em
relação ao meio físico, ao contrário da indústria e da agricultura, que dependem dos
recursos naturais, e da religião que é ligada às condições de vida. Isso faz da língua uma
instituição mutável. As modificações são teoricamente aceitáveis, dado o caráter
arbitrário daquilo que vigora.
Entende-se, então, que as línguas só não mudam mais velozmente pelo peso da
tradição, que marca certas formas como corretas e outras como erradas. Por outro lado,
os elementos lingüísticos formam uma estrutura, onde se apóiam e se reforçam
mutuamente. Dá-se o nome de cultura a todas as criações humanas. A língua usa sons
que são fenômenos físicos (mundo inorgânico), produzidos pelos órgãos da fala (mundo
orgânico), que criam comunicações com propósito claro e definido (linguagem – mundo
superorgânico). A linguagem é criação do ser humano, tanto quanto a habitação, os
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instrumentos etc, ou as criações mentais (religião, direito etc). Por isso mesmo a língua
é uma instituição cultural, transmissora de cultura, sendo essa a sua finalidade (a oração
na religião, as leis no direito).Transmite, ainda, ordens, instruções. Por isso tudo, a
língua, frente à cultura, é:
1. O seu resultado, ou sua súmula;
2. O meio de operação;
3. A condição para subsistência.
A língua tem na cultura a sua razão de ser, não é apenas um recurso para
expressar pensamentos, emoções e vontades. É também um meio para chegar a esses
estados mentais. Há uma aderência do pensamento às palavras. A(s) língua (s) figura
entre as instituições sociais. Falar é sempre um ato social (há distinção entre língua e
fala). O indivíduo não cria a linguagem. Faz uso daquela que a sociedade lhe ministrou.
É uma pauta sobre a qual se realizam os discursos sociais (V. funções da linguagem,
segundo Bühler, e segundo Jakobson (in Mattoso, 1964).
Avista-se, também, que a lingüística, segundo Vossler (1975) e seus
seguidores, pode ter uma abordagem estilística. O estudo lingüístico focaliza a
expressão do que se passa na mente humana. Por outro lado, traduz um “pensamento
socializado”. Oferece subsídios, portanto, à psicologia individual, ou à social, mas não
deve ser com elas confundido. Por exemplo: registra-se, em português, a existência de
gêneros gramaticais como o masculino e o feminino, não se pesquisam causas
sociológicas ou psicológicas para isso.
Dessa forma, a análise da cultura e do conjunto de valores de uma sociedade
exige, precipuamente, um estudo centrado na língua – pois é através dela que são
revelados os pensamentos e os costumes dos diferentes grupos humanos. A língua
“traduz toda uma cultura, traduz todo um universo peculiar com suas implicações
psicológicas e filosóficas que é preciso alcançar para enriquecimento da experiência”
(BORBA, 1984, 07). Exemplo disso é o estudo dos designativos escolhidos pelos
grupos sociais para nomear o espaço e os elementos físico-geográficos que os cercam. A
disciplina que se ocupa do estudo de nomes próprios de lugares é a Toponímia. Cabe à
Toponímia estudar a procedência da significação dos nomes dos lugares, levando em
consideração aspectos geo-históricos, socioeconômicos e antropo-lingüísticos que
tenham influenciado sua escolha. Portanto, o campo de investigação toponímico não se
limita ao aspecto lingüístico ou etimológico.
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Assim, entendendo que o estudo toponímico de uma região exige, entre outras
ações, o regate da motivação que há por trás da escolha dos designativos, neste estudo
objetiva-se discutir o topônimo Acre e a formação do adjetivo gentílico acreano9. Com
isso, pretende-se, num âmbito geral, verificar de que forma ocorre a inter-relação língua
– homem – cultura no ato de nomear os acidentes humanos, no caso Acre e buscar
argumentos histórico-lingüísticos capazes de sustentar o gentílico acreano, uma marca
de identidade que tem 106 anos de uso consagrado no meio regional. Ser acreano é
algo único, é aptidão revolucionária, é a caracterização de um povo, e isto não é
mutante. Ser acreano é perene!
Compreendem-se, ainda, ser fundamental, no caso acreano, olhar dois lados: o
histórico e o lingüístico. O histórico assegura a manutenção de acreano, pela
consagração do uso da forma ao longo de 129 anos. Do lado lingüístico deve-se
considerar que o próprio Acordo está repleto de concessões ou exceções que permitem
dupla grafia, palavras com acento agudo ou circunflexo, palavras com consoantes
mudas, entre as muitas quebras de unidade entre o cânone europeu e o brasileiro. A
Base I, item 3º, diz que „os vocábulos autorizados registrarão grafias alternativas
admissíveis‟. Na Base II, pela etimologia se mantém o h em herbáceo, mas pela
consagração do uso ele permanece suprimido em erva. A Base III, aborda a
diferença no emprego de homofonia, afirmando que o emprego de uma ou outra
forma se regula pela história das palavras. Na Base IV, assegura que conservam-se
ou eliminam-se, facultativamente, aspecto ou aspeto, caracteres ou carateres, dicção
ou dição, corrupto ou corruto, recepção, receção etc. Ainda, na Base IV, item 3º,
conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, o b, bt, g, gd de palavras como:
subtil e seus derivados; amígdala ou amídala etc. Na Base VII, admitem-se,
excepcionalmente, o uso dos ditongos orais que tanto podem ser tônicos quanto
átomos, representados nos antropónimos/antropônimos [um cânone europeu e outro
brasileiro] como Caetana, Caetano, caetaninha. Na Base VIII, avista-se, também, a
possibilidade de se grafar académico ou acadêmico, bidé ou bidê, croché ou crochê,
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Existem várias formas de criar gentílicos. Os mais comuns são os formados por sufixos como -ês
(português), -ense (macaense) e -ano (americano). A formação dos gentílicos nem sempre consiste na
junção de um sufixo à base do topônimo, existindo processos mais complexos, por vezes com
justificações etimológicas: por exemplo, o gentílico de Castello Branco é albicastrense e não *castelo-
branquês, *castelo-branquense ou *castelo-brancano.
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dentre outras formas. Ou seja, duas grafias quando deseja o Acordo Ortográfico um
único cânone para o idioma português. Os exemplos configuram que nenhuma rigidez é
imutável na regra ortográfica, como também não é na vida. E a língua é personificada
na vida das pessoas, pelo uso, pela significação, pelo contexto histórico e pela tradição,
como ocorre com acreano.
Considera-se, nesta exposição, ser controvertida a origem do nome Acre.
Conforme alguns, teria origem na palavra tupi Uwákürü ou Uakiry, vocábulo do dialeto
Apurinã, que significa rio dos jacarés. Para outras pessoas a palavra é uma corruptela de
Aquiri, também de etimologia tupi. Assim, numa certa carta o nome desse rio teria sido
mal escrito, dando pretexto a que se lesse "Agri" “Acri” ou "Acre". Conta-se que em
1878, o colonizador João Gabriel de Carvalho Melo escreveu ao comerciante paraense,
Visconde de Santo Elias, pedindo-lhe mercadorias destinadas à "boca do rio Aquiri".
Como em Belém o dono e os empregados do estabelecimento comercial não
conseguissem entender a letra de João Gabriel ou porque este, apressadamente, tivesse
grafado Acri ou Aqri, em vez de Aquiri, as mercadorias e faturas chegaram ao
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colonizador como destinadas ao rio Acre. Esta é a versão encampada pelo IBGE.
Todavia, há outra hipótese, ser derivado de Yasi'ri, Ysi'ri, 'água corrente, veloz' ou do
tupi a'kir ü interpretado como,'rio verde'. Daí veio a variante acreano [cf.
Nascentes,vol. II].
Outro fator importante a considerar é que a Antroponímia e a Toponímia,
embora façam parte da Onomástica, são campos diversos do conhecimento humano. A
escolha dos Antropônimos acontece pela motivação afetiva que as pessoas têm com
determinados nomes, enquanto a escolha dos topônimos acontece por outras
motivações, tais como aspectos geográficos, costumes, tradições, o processo histórico e
a cultura do lugar.
No Acre, até mesmo antes de sua criação oficial, em período anterior a 1903,
portanto há 129 anos, tem-se o uso consagrado de ACREANO. Este gentílico está nos
textos históricos e oficiais, com registros em cartório, com toda uma sagração de usos.
Até mesmo os dicionários respeitáveis do idioma pátrio, como Nascentes, Aulete,
Aurélio e Houaiss, trazem as duas formas, ou seja, duas variações: acreano e acriano.
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Para José Moreira Castello Branco in Descobrimento das Terras da Região Acreana (1960) o nome do
atual rio Acre, começa com a nominação Canaquiri atribuída, por dedução de Castello Branco, ao
explorador Serafim da Silva Salgado, in Relatórios dos Presidentes, em 1852.Castello Branco documenta
a evolução confirmada por vários autores, até Pereira Labre (1872) que o denomina ACRE.Cf.nota 11.
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Mesmo assim, a população sempre elegeu acreano como a forma de denominar aquela
pessoa nascida no Acre. E agora, vem o Acordo Ortográfico retirar o uso consagrado
pela cultura do lugar, justificando tratar-se de vogal átona que recebe a formação –iano.
Assim, trata da formação dos adjetivos derivados dos Antropônimos (Camilo,
camiliano; Camões, camoniano etc) da mesma forma que trata os gentílicos derivados
do topônimo como Acre (acriano), um equívoco cultural.
De outra parte, observa-se, pela apreensão da realidade extralingüística, pela
análise da toponímia, ser possível dizer que os topônimos são signos lingüísticos
semelhantes aos demais e pertencentes ao mesmo sistema, mas não têm as mesmas
características, ou seja, não possuem, como os outros nomes, uma natureza apenas
arbitrária ou convencional. É como diz Dick (1990), o topônimo pode ser caracterizado
como um signo lingüístico comum. Porém, revestido que é dessa função identificadora
de lugar, integra um processo pleno de motivação a partir do qual, muitas vezes, é
possível deduzir conexões entre o nome e a área geográfico-social por ele designada.
E é por meio dessa especificidade que se pode acessar os referidos aspectos da
realidade extralingüística relacionada ao topônimo Acre, que possui história, com
características peculiares, um Estado brasileiro por opção própria, resultado de uma luta
aguerrida contra os bolivianos. Assim, o gentílico acreano está impregnado pela
história do topônimo Acre, que se formou com o sufixo –ano, com registro em cartório,
documentos oficiais, livros, artigos científicos, contos populares, folclore, com uso
consagrado por mais de um século de lutas e conquistas heróicas.
Indaga-se, neste cenário, o que o povo vai fazer com sua tradição e costumes?
O Acordo é maior do que a soberania do povo amazônico do Acre? Essa relação
onomástico-geográfica torna-se visível, na análise toponímica, em língua tupi, no
Estado do Acre, com seus rios, cidades, ruas e bairros, em sua grande parte, nominados
pela herança indígena. Como, então, mudar a história por força de um Acordo
Ortográfico que se interpõe contra os costumes e as tradições do lugar? A população
nascida no Acre é ACREANA, assim a fez a história desta terra. Tem-se, aqui, um
berço também acreano, assim como os costumes e as tradições do lugar.
Nesta região se avista um povo consagrado pela luta de ser acreano, luta de
sangue que correu neste solo e, depois, veio a luz gloriosa da vitória, como diz o hino:
escopo deste estudo. Pois olha as palavras tendo em vista o seu verdadeiro significado,
ou seja, o , aquilo que é “correto, verdadeiro, justo”, que às vezes é encontrado
não no étimo, mas na própria história do vocábulo consagrado pelo uso. Então, se o
Acre vem ou não de Aquiri fez-se Acre no percurso histórico *, por força dos costumes,
da tradição, da vontade de um povo que desejou incorporar estas terras ao solo
brasileiro. O nome está consagrado desde 1903 aos dias atuais, formando o seu gentílico
em Acre +ano, como registra a Lexicologia e a Lexicografia, forma assentada nos
dicionários de Nascentes, Aulete, Aurélio, Houaiss.
Francisco da Silva Borba (1967, p.157), diz que o método investigativo
“Palavra e Coisa” postula “a necessidade de estudar-se, simultaneamente, os vocábulos
e às realidades por eles expressas, para poder-se obter uma imagem clara da evolução da
língua e de sua situação num dado momento.” Por conseguinte, a coisa é o elemento
primário e constante em relação à palavra. Esta última liga-se à primeira e gira ao seu
redor. Então, com acreano é assim. A palavra liga-se aquele que nasceu no Acre. Esse
gentílico consagrou-se pelo uso, tradição, costumes do lugar.
Assim, esta inserção do estudo do vocabulário de uma língua, na história
cultural do povo que a usa, pode ser claramente depreendida através da observação da
toponímia. As sociedades indígenas que ocupavam o território do Acre, bem como os
demais pontos do Brasil, refletiam nos topônimos a importância daquelas paragens para
o seu modus vivendi. Esses topônimos, criados espontaneamente pelos nativos, eram
gerados devido à escassez ou abundância de determinados elementos dos reinos vegetal,
animal ou mineral. Como bem assevera Iorgu Iordan (1982, p.102):
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Ex-oficial do exército federalista, combatente veterano da Revolução de 1893-5 no Rio Grande do Sul,
Plácido de Castro teve sua vida e sua fama ligada à Revolução Acreana de 1902/3 contra a Bolívia. Fato
que conduziu primeiro a independência e depois a integração daquele território rico em seringais ao
Brasil. O ímpeto vitorioso do caudilho Plácido, logo foi sucedido pela habilidade do chanceler Barão do
Rio Branco. A pólvora deu lugar à diplomacia que, por meio do Tratado de Petrópolis, negociou com La
Paz a absorção definitiva do Acre.
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Esse autor também considera que a língua nunca é um sistema único, mas um
conjunto de sistemas, que encerra em si várias tradições. Uma mesma língua apresenta
diferenças internas: no espaço geográfico, no nível sócio-cultural e no estilo ou aspecto
expressivo. Nesse sentido, Bechara utiliza uma abordagem muito próxima àquela
expressa por Cunha e Cintra, quando esses autores se referem à língua como um
diassistema. Importante destacar que, para Bechara, uma língua nunca está plenamente
pronta, mas se faz continuamente, devido à atividade lingüística presente no uso dos
falantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, saliente-se que, para Coseriu, "estudar as mudanças não significa
estudar „alterações‟ ou „desvios‟ – como parece quando se toma a língua como έrgon –
mas, ao contrário, estudar a consolidação de tradições lingüísticas, ou seja, o próprio
fazimento das línguas" (p. 93-94). É nesse sentido que, em vez de se perguntar por que
as línguas mudam, o adequado é explicar "por que as mudanças ocorrem tal como
ocorrem" (p. 100), em que condições elas acontecem? Cabe lembrar que essas
condições/determinações não "provocam" as mudanças, apenas podem contribuir para
acelerá-las ou, inversamente, para bloqueá-las.
Coseriu afirma que as mudanças lingüísticas só podem ser explicadas em
termos funcionais e culturais, porém não como causas das mudanças e sim, como
fatores passivos, circunstâncias do falar e determinações históricas da liberdade
lingüística; como selecionadores das inovações; como condições e limites da liberdade
lingüística, motivados por uma necessidade exterior, ou causa nos fenômenos culturais,
e por uma necessidade interior, ou finalidade. A linguagem pertence ao domínio da
liberdade e da finalidade e os fatos lingüísticos não devem ser interpretados e
explicados em termos causais.
E, neste particular, quando se fala em bloqueios ou rejeição a determinadas
formas, recorde-se que Said Ali, um dos maiores gramáticos de todos os tempos, era
avesso ao purismo que, segundo ele, empobrecia a expressão espontânea. Também
repudiava a obediência aos modelos de escrita dos clássicos dos séculos XVI e XVII,
porquanto esse hábito, segundo ele, tornaria as pessoas contrárias ao pensamento e aos
costumes do tempo atual. Então, que esse pensamento seja transportado para o tempo
presente, quando uma regra vem alterar o costume e a tradição de um povo. Ademais,
esse Acordo não mexe com a estrutura da língua. E a estrutura é como a alma de uma
língua, algo intocável, que deve ser preservada para a perpetuação do idioma.
Então, a par de todos esses efeitos, eles apontam para o caso epigrafado de ser
acreano, o estilo de uma comunidade de linguagem que optou, por mais de um século,
por ser acreana. É como afiança Coseriu (1979, p.18) “numa língua, o que por um lado
se „constrói‟ por outro se „desmorona‟ e necessita de novos „reparos‟. Tem-se, por
exemplo, ao lado de redundâncias, os casos em que uma única forma amalgama funções
variadas. É o que ocorre, agora, com acriano, como impõe o Novo Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa. “Fica claro, em todas as situações, que não existe coincidência
cultural e funcional entre sistema e norma em uma língua” (COSERIU, 1979, p. 120). O
uso consagra a forma.
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Acre, tornou legítimo esse gentílico há 129 anos. As instituições acreanas estão
convencidas que a Academia Brasileira de Letras representa, no seu conjunto, o respeito
aos fatos históricos, aos costumes e tradições desse imenso, rico, belo e aguerrido chão
brasileiro.
BIBLIOGRAFIA†
*
Ao falar sobre a Bacia do Purus José Moreira Castello Branco (1960 ) revolve a questão do Rio Aquiri
e sua passagem para Acre.Á pág.21 este autor registra:“Desmembrada da Província do Grão-Pará, surgiu
a do Amazonas, em 1852, e o Presidente que a instalou tratou logo de descobrir uma comunicação com a
republica vizinha e encarregou ao pernambucano Serafim da Silva Salgado de ```tentar igualmente pelo
rio Purus e pelas campinas até o rio Beni, superior às catadupas do Madeira, uma passagem livre delas, e
menos extensas para os povoados da Bolívia```,”a fim de suprir de gado a cidade de Manaus (76 - apud
J.B.de Figueredo Tenreiro Aranha Relatório de 30 de abril de 1852,e Fala do mesmo Presidente, 1 de
outubro de 1853, in v. I dos Relatórios dos Presidentes dessa Província,págs. 73 a 197; Dic.Hist,Etnogr,
do Brasil,Rio1922, v.II,Estados,pág. 68.)Salgado levou 153 dias de subida, dos quais viajou 142,
calculando haver percorrido umas 1.400 milhas, porém , o geógrafo inglês W.Chandless que,anos depois,
estudou e mediu o rio Purus, avaliou a derrota de Salgado em cerca de 1.300 milhas, alcance este que vai
além da boca do rio Hyuacu (Iaco) (77 apud. Notas sobre o rio Purus 1868, págs. 1 e 15.); tudo dentro do
ano de 1852...”(pg.21Castello Branco.cit.).Mais adiante pág. 23 nosso autor registra:” Sendo assim
Salgado passou ao largo das terras que formam a ACREÂNIA, sem tocá-las(...).”Contudo Salgado foi o
primeiro civilizado que explorou o rio Purus, das cercanias do Pauini até a vizinhança da zona fronteiriça
da atual ACREÂNIA, além da foz do rio Iaco numa distância de cerca de 300 milhas,antigo domínio da
nação Ipurinãs.Este pioneiro adianta que os aborigenes moradores acima da foz do Canaquiri( nome dado
ao atual Acre, por Salgado) ficaram surpreendidos com a expedição”.Aqui Castello Branco introduz uma
nota (80) : “Salgado não alude ao rio Acre,mas,ao anotar a foz do rio Canaquiry acrescenta – “”cujas
vertentes nascem nos campos do rio Madeira”” sendo assim ,o explorador não podia referir-se ao
canacuri, Boca de Lago,insignificante e desaguando na margem oposta do Rio Purus a mais de cem
milhas a jusante da embocadura do rio Acre;mesmo porque nascendo o Canaquiri de Salgado para o lado
do rio Madeira,só poderá desaguar à margem direita do Purus e não à esquerda,como se dá pelo pequeno
lago ou ligar chamado Canacury, no mapa de J.A.Masô(1917), e outros autores.”E aqui, o autor desta
nota,Castello Branco, apresenta importante conclusão: “ Canaquiri foi, pela ordem cronológica,a primeira
denominação dada ao atual Rio Acre, Aquiry foi a segunda anunciada por Manoel Urbano da
Encarnação(1861) e confirmada por W.Chandless(1864-1865). A.Piper (1871-74) e Pereira Labre (1872)
que neste mesmo ano a reduziu a ACRE, nome este que prevaleceu e foi divulgado pelos primeiros
povoadores do rio, a contar de 1878. Os índios Canaranas apelidavam-no Muchanguy ( Labre, Rev. Da
Soc. De geografia (Rio), tomo IV ( 1888), pág. 114) e a professora Isolina Seixas Landim (Rio Branco-
Acre) revelou, numa conferência, que ele era antigamente conhecido por Nasauhano (Rio de Água
Amarela). O Acre ( jornal oficial do governo), de 1 de setembro de 1929;acrescentando Labre que os
Ipurinãs, índios que dominavam na foz do Acre e adjacências, chamavam-no de UAKIRY. ( ver “O nome
do Rio Acre”, in Boletim Geográfico (I.B.G.E.) vol. 79, págs. 750-751) e “O Rio Acre” in Revista do
Inst. Hist.e Geogr. Brasileiro, vol. 225,págs. 294 a 298). ( trechos da obra acima citada págs. 22- 23.),
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BIBLIOGRAFIA
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