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CADERNO MTSD Nº 01

DIAGNÓSTICO
© Copyright 2006 André Alves, João Ivo Puhl e Jonia Fank (organizadores)

Projeto Gráfico, Capa e Diagramação


Luciano Fabiani Monteiro

Tiragem de 1.000 exemplares

Impressão

Defanti Ind. Com. Gráfica e Editora Ltda.


CNPJ 36.882.777/0001-74
Av. Tancredo Neves, 405 - Jd. Petrópolis - Cuiabá - MT
(65) 3618-6610 - www.defanti.com.br

ISBN 85-88421-37-2
Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro da Fundação Biblioteca Nacional.

MATO GROSSO SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICO./ André Alves, João Ivo Puhl e Jonia
Fank (orgs.). – Cuiabá: Defanti, 2006

Autores: Amintas Nazareth Rossete, Andréa Ikeda, Cláudia Regina Sala de Pinho,
Claudinéia Lizieri dos Santos, Débora Pedrotti, Gustavo V. Irgang, Jane M. Vasconcellos,
Jonia Fank, Laurent Micol, Michèle Sato, Nataly Manrique Rocha, Nelci Eiete Longhi,
Roberta Roxilene dos Santos, Rodrigo Ferreira de Morais, Ronaldo Senra, Samuel B. de
Oliveira Jr., Silas Moraes, Solange Ikeda Castrillon, Vicente José Puhl.

1. Diagnóstico Mato Grosso. 2. Desenvolvimento Sustentável e Democrático. 3. Terras


Indígenas. 4. Mineração. 5. Agricultura Familiar e Sustentável. 6. Agronegócio
Sustentado. 7. Desmatamento em Ucs. 8. Recursos Hídricos. 9. Educação Ambiental.

CDU: 332.14

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a permissão expressa do autor (Lei n. 5.988 de 14.12.1973).
SUMÁRIO

Lista de siglas e abreviaturas.................................................................................09

Apresentação...........................................................................................................11

Introdução: Bases do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático


João Ivo Puhl............................................................................................................ 13

Terras Indígenas e o Mato Grosso Sustentável e Democrático


Jonia Fank e Silas Moraes........................................................................................24

A Mineração em Mato Grosso


Amintas Nazareth Rossete.....................................................................................37

Recursos Hídricos
Solange Ikeda Castrillon, Andréa Ikeda, Cláudia Regina Sala de Pinho,
Claudinéia Lizieri dos Santos, Nataly Manrique Rocha, Nelci Eliete Longhi e
Rodrigo Ferreira de Morais.....................................................................................46

Os Desmatamentos em Ucs
Roberta Roxilene dos Santos, Laurent Micol, Gustavo V. Irgang e Jane M.
Vasconcellos.............................................................................................................58

De uma Agricultura Sustentada à Sustentável


Vicente José Puhl......................................................................................................71

Sinfonias de Educação Ambiental Mato-grossense


Michele Sato, Débora Pedrotti, Samuel B. de Oliveira Jr e Ronaldo Senra.....84
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABONG-CO - Associação Brasileira de ONGs, secção Centro Oeste


AME - Associação do Mato-grossense de Ecologistas
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
ANSA- Associação Nossa Senhora da Assunção
BB - Banco do Brasil
BR - Brasil ou rodovia federal
BSB - Projeto Brasil Sustentável e Democrático
CEAMA- Centro Etno-Agroecológico do Médio Araguaia
CIEA- Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CJMT - Coletivo Jovem de Mato Grosso
CPP - Centro de Pesquisa do Pantanal
CPT - Comissão de Pastoral da Terra
DEA- Diretoria da Educação Ambiental
DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito
DNPM - Departamento Nacional da Produção Mineral
EA- Educação Ambiental
ECO 92 - Conferência Mundial do Meio Ambiente - Rio de Janeiro -1992
EDS - Educação para o Desenvolvimento Sustentável
EIA- Estudo de Impacto Ambiental
EMBRAPA- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMPAER - Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural
FAB - Força Aérea Brasileira
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FEMA- Fundação Estadual do Meio Ambiente
FIEMT - Federação das Indústrias de Mato Grosso
FLEC - Fórum de Luta das Entidades de Cáceres
FMI - Fundo Monetário Internacional
FORMAD - Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
FUNAI - Fundação Nacional do Índio que sucedeu ao SPI
GERA/UFMT - Núcleo de Estudos da Amazônica, Pantanal e Cerrado
GLS - Gays, Lésbicas e Simpatizantes
GPEA-UFMT - Grupo Pesquisador em Educação Ambiental
GT - Grupo de Trabalho
ha - hectare
HPP - Hidrovia Paraná-Paraguai
IBAMA- Instituto Brasileira de defesa do Meio Ambiente
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IIRSA- Iniciativa de Integração de Infra-estrutura Regional Sul-americana
INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP - Instituto Nacional de Estudos e pesquisas
ISA- Instituto Socioambiental
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
MEC - Ministério de Educação
MES - Municípios Educadores Sustentáveis
MMA- Ministério do Meio Ambiente
MMDS - Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável
MPF - Ministério Público Federal
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MT - Mato Grosso ou Rodovia estadual
MTSD - Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático
MW - Megawats
ONG - Organização Não-Governamental
OPAN - Operação Amazônia Nativa
PAEC - Projetos Ambientais Escolares Comunitários
PCH - Pequena Central Hidroelétrica
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PIB - Produto Interno Bruto
PMB - Produção Mineral Bruta
PNEA- Programa Nacional de Educação Ambiental
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPA- Plano Plurianual
PPP - Projeto Político Pedagógico – das escolas e universidades
PROFEAP - Programa de Formação em Educação Ambiental do Pantanal
PROMEA- Programa Mato-grossense de Educação Ambiental
REMETEA- Rede Mato-grossense de Educação Ambiental
RH - Recursos Hídricos
RIMA- Relatório de Impactos Ambientais
RJ - Rio de Janeiro
SEDUC - Secretaria Estadual de Educação
SEMA- Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SEPLAN - Secretaria Estadual de Planejamento
SIG - Sistema de Informações Geográficas
SINTEP/MT - Sindicato dos Trabalhadores das Escolas Públicas de Mato Grosso
SPI - Serviço de Proteção ao Índio
TI - Terra Indígena
TRF - Tribunal Regional Federal
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UHE - Usina Hidroelétrica
UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNESP - Universidade do Estado de São Paulo
UNICAMP - Universidade de Campinas – São Paulo
USP - Universidade de São Paulo
APRESENTAÇÃO

Este é o primeiro Caderno do Projeto Mato Grosso Sustentável e


Democrático (MTSD). Está dirigido a todas(os) as(os) mato-grossenses e
brasileiras(os) que se preocupam com o futuro de sua vida e pensam nas
condições para a vida das futuras gerações. Apresenta as reflexões dos Grupos
de Trabalho (GTs) do Projeto MTSD, esforço coletivo da sociedade civil para
analisar e diagnosticar a realidade sócio-econômico-ambiental e política do
desenvolvimento do Estado.

O Projeto MTSD é a regionalização do Projeto Brasil Sustentável e


Democrático, lançado oficialmente em abril de 2004. É coordenado pelo Fórum
Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD) e pela
Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT) e envolve dezenas de
técnicos e militantes de organizações não governamentais sócio-ambientais,
pesquisadores, professores e estudantes da UNEMAT e da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT).

Em seminário de novembro de 2005 decidiu-se publicar os primeiros


resultados do trabalho dos grupos do Projeto Mato Grosso Sustentável e
Democrático que ora apresentamos para a leitura, avaliação crítica e sugestões.
É importante que os textos sejam debatidos pelas entidades da sociedade civil,
pelos movimentos sociais, estudantis e sindicais e por todas(os) que se compro-
metem pela busca da Sociedade e do Estado Sustentável e Democrático.

Os textos foram escritos por representantes dos Grupos de Trabalho e


em 2007 haverá continuidade de pesquisas e certamente de publicações para o
conhecimento da produção de todos os GTs, como também, a continuidade do
diagnóstico e a elaboração das propostas alternativas indicando ações, projetos
e programas para um Mato Grosso Sustentável e Democrático.

Cuiabá-MT, dezembro de 2006.


INTRODUÇÃO: BASES DO PROJETO MATO GROSSO
SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICO
João Ivo Puhl1

Em nível planetário e nacional há pelo menos duas décadas que pessoas,


entidades, movimentos e organizações das sociedades civis, partidos políticos,
órgãos públicos de diversas instâncias, agências de cooperação, diretores de
bancos de fomento, organismos supra-nacionais e até empresários estão
percebendo e discutindo as problemáticas do desenvolvimento insustentável.
Muitos estão preocupados com os impactos resultantes das violentas agressões
ambientais de atividades econômicas que favorecem o lucro de poucos e não
produzem o desenvolvimento para todos e nem apontam à sustentabilidade.
Nos países do hemisfério norte a questão se apresenta como o desafio para o
desenvolvimento sustentável e nos países do sul o debate do desenvolvimento
sustentável vem acrescido com o problema do acesso universal, a justa distribui-
ção e socialização dos recursos naturais no consumo como uma questão de
democratização dos benefícios econômicos para as gerações presentes, assegu-
rando-os às futuras.
Na década de 1990, em vários países europeus, foram realizados estudos
para avaliar a sustentabilidade das sociedades nacionais. Os resultados foram
alarmantes e indicam um futuro ameaçado até no curto prazo e apontaram para
a necessidade de reverem os níveis de consumo de energia, recursos naturais e
sociais, sob pena de o planeta entrar em colapso.
O projeto Brasil Sustentável e Democrático vem concentrando esforços
desde 1996, através de um conjunto de organizações a nível nacional, para
analisar as bases e os custos sócio-ambientais do modelo de desenvolvimento
brasileiro. As primeiras conclusões a que se chegou foi que há urgência na
produção de uma nova mentalidade e adoção de atitudes mais generosas e

1
Professor efetivo de História da América no Departamento de História da Universidade do Estado de Mato
Grosso, campus universitário Jane Vanini em Cáceres.

13
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

solidárias, totalmente opostas as atuais, na produção, distribuição e consumo de


bens produzidos pelo conjunto da sociedade.
A primeira discussão para regionalização e consolidação do MTSD se deu
em setembro de 2002 com a realização do Seminário “Brasil e Mato Grosso
Sustentáveis e Democráticos”. Este evento, organizado em parceria com o projeto
interinstitucional Brasil Sustentável e Democrático (BSD), ABONG – CO,
GERA/UFMT; Mestrado de Agricultura Tropical/UFMT, UNEMAT e UNIVAG,
culminou com a definição do FORMAD2 como responsável por fomentar as
discussões e articulação entre as instituições participantes.
A reunião para definir o Projeto MTSD aconteceu em maio de 2003 com a
presença do Prof. José Augusto Pádua, consultor do projeto Brasil Sustentável e
Democrático. Na ocasião, discutiu-se o projeto nacional e lançaram-se as bases
do estadual. Definiram-se os objetivos, a metodologia, e a estrutura da matriz
analítica que serviu como instrumento de ação das áreas setoriais dos Grupos de
Trabalho (GTs). Assim, o Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático tem
como base o “Projeto Brasil Sustentável e Democrático” e é interinstitucional,
inclusive nas parcerias.
O projeto MTSD é coordenado conjuntamente pelo FORMAD e UNEMAT e
organizado em 11 GTs: Terras Indígenas; Unidades de Conservação; Agricultura;
Cidades; Educação; Extrativismo Vegetal e Animal, Turismo; Mineração;
Agroindústria; Infra-estrutura e; Recursos Hídricos. Estes se encarregaram de
juntar dados sobre a realidade setorial com o objetivo de analisar a sustentabili-
dade e a democracia do Estado. Pessoas de diversas entidades participaram da
elaboração da matriz analítica para orientar a produção de textos e de propostas
sustentáveis e democráticas.
Nos primeiros encontros o Prof. José Augusto Pádua abordou os principais
conceitos do projeto: Sustentabilidade e Democracia. Ressaltamos alguns
pontos:

2
O FORMAD foi criado em 1992 para articular os diversos segmentos e entidades mato-grossenses, para discutir e
realizar ações coletivas, públicas e privadas ante as situações que impliquem riscos ao meio ambiente e à vida
humana e, para propor alternativas de desenvolvimento sustentável para o estado de Mato Grosso.

14
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

1) O modelo de desenvolvimento brasileiro, baseado nos modelos convenci-


onais inspirados no exemplo norte-americano, não é democrático e nem susten-
tável. Ele não tem sido capaz de combater a enorme concentração de renda e
riqueza existente no país, que produz a situação de pobreza em que vive a maior
parte da população. Seus impactos ambientais, além disso, têm sido extrema-
mente negativos. No Brasil e em Mato Grosso, o modelo de desenvolvimento
baseado na exportação de produtos primários precisa ser repensado.
2) Não é possível isolar as questões ambientais como se fossem problemas
em si mesmos, desconectados das questões econômicas, sociais e culturais. O
enfrentamento das questões ambientais passa pela mudança do modelo de
desenvolvimento e dos padrões de produção e consumo. A sustentabilidade
ecológica deve ser vista como uma das questões centrais de um projeto alternati-
vo de desenvolvimento.
3) Difundiu-se mundialmente a crença de que o desenvolvimento é univer-
sal, todos os países, povos e nações estão caminhando por uma mesma trajetória
em busca deste objetivo, baseado no padrão norte-americano. Contudo, essa
concepção não considera as diversidades dos povos e regiões que, para terem
melhorias nas suas condições de vida, não necessariamente precisam passar pelo
caminho do desenvolvimento, traçado pelos países capitalistas centrais, baseado
no uso intenso e descontrolado dos recursos naturais e no baixo uso de mão de
obra. Eles podem adotar um caminho alternativo, respeitando as diferenças
regionais, no plano social, cultural e ecológico.
4) Aconcepção da sustentabilidade vem da biologia/ecologia e diz respeito à
sobrevivência de um sistema por um prazo ilimitado. Mas a sobrevivência não
deve ser considerada como o único objetivo. É preciso discutir se pretendemos
sustentar uma sociedade injusta como a que hoje existe, ou uma sociedade digna,
com melhoria da qualidade de vida de toda a população, com acesso igualitário
aos serviços por toda a sociedade, respeitando a diversidade dos povos. É
preciso tomar posse do conceito de sustentabilidade e adequá-lo às demandas
que queremos. A inclusão do termo democracia pretende qualificar a sustentabi-
lidade no contexto da justiça e da verdadeira liberdade.

15
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

5) A idéia de desenvolvimento sustentável surgiu nos países centrais,


através de uma tentativa de aproximar as reivindicações dos ecologistas com a
legitimidade das empresas, amenizando sua radicalidade. Ela supõe, para
muitos, a tese de que é possível enfrentar a crise ecológica com mudança nos
níveis administrativo e tecnológico, sem passar por uma mudança profunda nos
padrões de produção e consumo. Atualmente, o desenvolvimento sustentável,
como meta genérica e superficial, é um conceito que ganhou grande hegemonia e
legitimidade. Todos são favoráveis ao mesmo. Mas o conteúdo do que deve ser
este modelo alternativo de desenvolvimento é objeto de grande disputa.
Como fazer com que o desenvolvimento seja efetivamente sustentável? E de
qual desenvolvimento estamos falando? O desenvolvimento alternativo que
estamos buscando passa pela defesa da justiça ambiental e social como premissa
para se chegar a sustentabilidade ecológica.
Há um consenso entre as entidades que investem no MTSD que era preciso
ressignificar os conceitos para manter-nos críticos ao programa desenvolvimen-
tista do governo federal e do governo do estado de MT que busca a expansão do
capital e a criação de divisas a qualquer custo. A mudança dos padrões de
consumo, das formas de pensamento e as ações transformadoras passam pela
reeducação de todas(os).
Havia questões que precisavam de respostas: como se daria a inserção da
população mato-grossense nesse projeto? De que maneira os povos indígenas
seriam partícipes e beneficiários? Como se poderiam “amarrar” as diversas
“agendas” nesse projeto? Como aprofundar a organização social – popular?
Como trabalhar na prática com os limites/tetos ecológicos? Quais seriam os
novos indicadores de desenvolvimento, diferentes dos indicadores do modelo
instalado? Como se criaria envolvimento, elos que comprometam todos, no
enfrentamento dos limites? Que seria a utilização racional e ecológica dos
Recursos Naturais?
Acreditava-se que no processo de construção do MTSD o importante seria
estabelecer as prioridades baseadas na nossa realidade. No caso do Brasil, a
ênfase deveria estar no piso, na criação de uma linha de dignidade que indicasse

16
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

uma vida de qualidade para o conjunto da população, o tema da redistribuição e


dos limites também precisava estar presente, tanto em escala global quanto
nacional. Prioritário é atender a maioria da população ou não subsidiar os
privilégios da minoria. Só num país de origem escravista pode-se considerar
normal o salário mínimo vigente no Brasil.
Questionava-se: faz sentido construir enormes hidrelétricas e a população
local não ser beneficiada? As populações tradicionais e indígenas não podem
mais ser invisíveis. Elas precisam ser os sujeitos de um diálogo social amplo, onde
se mantenha a transparência das informações e se discuta abertamente os padrões
de produção e consumo que queremos, considerando-se a realidade ecológica
local. Não se pode pensar apenas no tempo médio de vida da população, mas na
qualidade de vida, que seja democrática, ética, respeitando as diferenças.
Em 2005, o Prof. Rodrigo Aleixo, em seminário, abordou sobre seu entendi-
mento do desenvolvimento sustentável como bandeira política deve ser usada
pelas entidades porque não existe hoje quem afirme ser contra ele. Mesmo quem
não busca a sustentabilidade não se atreve a dizer que não se importa. A igualda-
de de oportunidades, em todos os sentidos, deve ser a busca, pois a ponte entre a
sustentabilidade e a democracia é o desafio.
O conceito de sustentabilidade é superficial e tem muitas dimensões, a
ambiental, a ética, a econômica, a cultural, a religiosa e não temos um modelo
para dizer como deve ser aplicado sem atropelar nosso conceito de democracia.
Isso significa defrontar ou apresentar a democracia, que é um conceito antigo,
com uma nova possibilidade da modernidade que tem como perspectiva um
colapso geral em nosso planeta e é o fim dos recursos naturais. Mas qual é a
temporalidade desse fim?
Neste espírito, o Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático tem por
objetivo estimular as experiências e propostas dos movimentos sociais, organi-
zações populares e organizações não-governamentais, à elaboração de um
modelo de desenvolvimento alternativo para Mato Grosso, produzindo novos
enfoques analíticos, novos indicadores e novas idéias para uma mudança social
pautada na sustentabilidade.

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Entre os objetivos formulados para o Projeto MTSD, estão:


1. Promover o debate participativo sobre o modelo de desenvolvimento do
Estado de Mato Grosso com ênfase nos aspectos social, econômico e ambiental;
2. Avaliar os estudos e diagnósticos já existentes sobre a realidade sócio-
econômica, política e ambiental dominante no Estado de Mato Grosso, realizan-
do novas análises do espaço sócio-ambiental, das políticas públicas, das organi-
zações sociais, do trabalho e renda, dos serviços básicos e do comércio internaci-
onal e finanças;
3. Promover a construção de um modelo alternativo pautado na sustentabi-
lidade socioambiental, nos princípios democráticos, na competência organizati-
va, na justiça social e ambiental e em condições dignas de vida para toda a
população, com ênfase naquela parcela tradicionalmente excluída do processo
de desenvolvimento no Estado;
4. Estimular o surgimento de iniciativas, articulações e redes políticas que
possam promover a transição gradual para este modelo alternativo;
5. Capacitar e subsidiar atores sociais para formular propostas, aperfeiçoar
as relações com a sociedade e intervir nas políticas públicas com mais consistên-
cia teórica e propositiva.
A metodologia proposta para o desenvolvimento do projeto propõe os
seguintes passos: 1- Sensibilização e formatação do projeto MTSD com a consti-
tuição dos GTs setoriais a partir de oficinas para o nivelamento dos conceitos de
Desenvolvimento Sustentável e Democrático e para aperfeiçoar/adaptar a
Matriz analítica; 2 – Diagnósticos setoriais a partir de oficinas: internas dos GTs,
setoriais micro-regionais e setoriais estaduais; 3 – Tornar públicos os resultados
das pesquisas dos GTs através de seminários e publicações.
A parceria entre a UNEMAT e FORMAD contribuiu para a exeqüibilidade
dos três “Festivais das Águas” possibilitando a atuação em todo Estado, promo-
vendo o debate do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático. Abriu
diálogos para a união da população mato-grossense, brasileira e de suas diferen-
tes organizações sociais, buscando a confraternização, os intercâmbios artístico,
cultural, ambiental e esportivo. Também mostrou a riqueza de nossos ecossiste-

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

mas e de nossa gente através da diversidade das raízes étnicas e sócio-culturais.


Além da valorização da participação no planejamento, execução, monitoramen-
to e avaliação das ações de desenvolvimento.
Nos festivais das águas e seminários do MTSD o público era constituído de
pesquisadores, gestores públicos, representantes de organizações não governa-
mentais, comunidades acadêmicas, tradicionais e indígenas que durante as
discussões fomentaram propostas de políticas públicas para a conservação dos
recursos naturais e culturais.
No processo de construção, discussão e análise do MTSD, destacamos o
Seminário promovido pelo FORMAD e a Diretoria de Educação Ambiental
(DEA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (09/11/2005), para produzir
subsídios e indicadores de sustentabilidade e democracia, capazes de serem
referenciais para a produção das análises setoriais no Projeto MTSD.
Jean Pierre Leroy, da FASE-RJ perguntou aos presentes: “o que queremos com
os conceitos de sustentabilidade e democracia?” Respondendo afirmou: “queremos
ações e intervenções políticas”. Segundo ele, os indicadores (PIB, IDH) são proble-
máticos porque trabalham pela média. Simplificam o complexo de tal forma que
impedem chegar a alguma conclusão porque não permitem considerar as
diferenças, os problemas e dinâmicas sociais. E continuou:

“Não é sustentável uma sociedade em que os produtos/mercadorias/ serviços estão


a centenas de quilômetros de distância. Concentração urbana também é um critério
que poderia ser adotado. Outro indicador que acho de grande importância é
entrevistar os jovens e crianças de uma comunidade e perguntar em que querem
trabalhar? Se a resposta da maioria dos jovens for seguir a atividade dos pais então
podemos dizer que essa é uma atividade sustentável”.

Para finalizar, segundo relatório3 do seminário de novembro de 2005: “A


sustentabilidade é o processo pelo qual as sociedades administram as condições
materiais para sua reprodução, redefinindo princípios éticos e sócio-políticos

3
Relatório disponível no site:http://www.formad.org.br/arquivos/File/seminario_indicadores_09112005.pdf.

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

que orientam a distribuição dos seus recursos ambientais. Portanto não há uma
sustentabilidade no horizonte, o único meio de nos aproximarmos dela é
considerarmos um processo. É por isso que a democracia está no centro, porque
o processo é ação social. Sustentabilidade como construção só é possível num
processo democrático”.
Os textos que se seguem ainda são apenas parte da etapa de diagnóstico da
realidade mato-grossense e há um longo caminho a ser percorrido para que se
internalizem as idéias e as práticas da democracia e da sustentabilidade em nós
mesmos, nas famílias, nas organizações sociais de base, nas empresas e nas
macro relações da economia política e da política econômica e social municipal,
estadual, nacional e global.
Os GTs e o FORMAD ainda não concretizaram todas as dimensões da
metodologia proposta pelo projeto que prevê uma dinamização dos movimentos
sociais levantando as bandeiras de um projeto alternativo de desenvolvimento
sustentável e democrático, fundamentado e entendido pelos cidadãos mais
simples e executável até na maior complexidade demandada.
O primeiro texto do caderno trata da situação das terras indígenas até o ano
de 2005. O GT Terras Indígenas aponta os problemas socioambientais que pairam
sobre as comunidades indígenas que não tiveram a regularização de seus
territórios tradicionais e continuam sob ameaças diversas como a invasão de seus
territórios por posseiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, pescadores,
fazendeiros, usinas hidroelétricas; ou pelas formas de ocupação do entorno com
intensos desmatamentos das matas ciliares, monoculturas, uso intensivo de
agrotóxicos que reduzem a disponibilidade de peixes, aves e animais de caça e
mesmo a água apropriada para o uso e o consumo das comunidades. Os dados
nos desafiam a pensar: como deveria ser o desenvolvimento de Mato Grosso para
que as populações indígenas fossem beneficiadas e usufruíssem, em condições
dignas, dos recursos naturais e econômicos tendo seu futuro assegurado?
O GT Mineração apresenta um texto que trata da exploração mineral no
Estado. A capitania colonial de Mato Grosso, surgiu para proteger a fronteira e as
ricas minas de ouro e diamantes encontradas. Ainda hoje a mineração continua

20
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

tendo importância econômica e social, mas é atividade provocadora de fortes


impactos ambientais negativos. Em geral extrai recursos naturais não renováveis
e rapidamente esgotáveis. O autor mostra um outro tipo de mineração que
poucas vezes foi percebido como tal, apesar da sua importância econômica.
Trata-se da extração de argila para a cerâmica (tijolos, telhas, etc), a areia, a pedra
bruta ou britada, o cimento, a dolomita e o calcário para a construção civil e este
último também corretivo dos solos ácidos na agropecuária quimificada. Além de
descrever o fenômeno aponta critérios para tornar a atividade racional e reduzir
seus impactos ambientais mais danosos.
O GT Recursos Hídricos aborda a temática da água, não somente como um
recurso natural economicamente aproveitável. Serve para produzir, transportar,
extrair peixes, animais e aves, para gerar energia, para a limpeza, o preparo de
alimentos, matar a sede e utilidades que homens, animais e plantas lhe dão. Ela é
a principal fonte de vida. Antes de tudo é um dom, um direito e uma necessidade
de todos os seres vivos. O Estado tem obrigação de defendê-la e socializá-la e
impedir sua privatização e transformação em mercadoria para o enriquecimento
de poucos. A avançada legislação brasileira sobre o tema não impede os conflitos
por interesses que se digladiam para usar a água para as hidrovias, as hidroelé-
tricas e os grandes projetos de irrigação com os pivôs centrais que se opõe aos
interesses das comunidades que se desenvolveram em torno dos cursos de águas
livres. Os Festivais das Águas realizados nas três principais bacias Hidrográficas
do Estado denunciam problemas, mas também apontam iniciativas de novo tipo
de desenvolvimento com a democratização e o uso sustentável dos recursos
hídricos.
O GT Unidades de Conservação traz um texto interessante sobre a função
destas unidades para reduzir os impactos dos desmatamentos no Estado que nas
últimas três décadas foi campeão de desflorestamento. Conseguiu realizar em
poucos anos a destruição de pelo menos 37% das florestas nativas originais que
cobriam Cerrado, Amazônia e Pantanal. O estabelecimento de áreas naturais
legalmente protegidas a níveis federal, estadual, municipal ou até privado, são
práticas recentes em Mato Grosso e as 42 unidades representam apenas 4,6% do

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

território do Estado. Estão distribuídas por todo o território de sul a norte e de


leste a oeste. Apesar de serem ilhas de preservação e nem sempre respeitadas, o
estudo indica que mesmo depois de sua criação muitas áreas continuaram sendo
invadidas e tiveram suas florestas retiradas. Nas áreas do entorno, tão importan-
tes para que não fiquem isoladas e ameaçadas, as matas estão sumindo rapida-
mente. A análise destes dados nos remete a pensar outras estratégias para
assegurar a integridade das áreas protegidas e avançar na construção de formas
de manejo das florestas em vista do desenvolvimento sustentável e participativo.
O GT Agricultura realizou um diagnóstico dos investimentos públicos em
forma de subsídios ao agronegócio e desmascara a cruel tradição política
brasileira. O Estado continua ajudando os mais ricos e poderosos, sejam brasilei-
ros ou multinacionais, pois o negócio agropecuário deles só se mantém porque
“privatizam os lucros e socializam as perdas”. Toda a sociedade continua pagando os
prejuízos dos créditos não pagos aos bancos e renegociados a longos prazos,
porque além da força do dinheiro utilizam a política formando a bancada
ruralista. Elegem-se ou financiam deputados, senadores, prefeitos, governado-
res, etc. para barganharem nos momentos decisivos de votações importantes que
interessam ao governo ou a sociedade. O texto mostra que o agronegócio tão
louvado como fator de progresso tem um altíssimo custo social e ambiental
porque exclui e empobrece as maiorias, enriquece poucos, não democratiza o
acesso aos recursos naturais, sociais e públicos, depreda florestas e a biodiversi-
dade, contamina os solos, a água e o ar e produz o desemprego e a insegurança
alimentar. Além de criar cada vez maior dependência de poucas empresas que
controlam a cadeia produtiva, lucrando com o fornecimento de insumos,
máquinas, sementes, agrotóxicos, créditos, assistência técnica, agroindustrializa-
ção e a distribuição aos atacadistas ou consumidores.
O Texto do GT Educação traça em linguagem poética um quadro sintético
das práticas e agentes da educação ambiental no Estado, desde os movimentos
das vanguardas ambientalistas das décadas de 1960 e 70, passando pela especia-
lização em educação ambiental promovida pela UFMT em 1989, experiência
pioneira na América Latina, até a construção da Rede Mato-grossense de

22
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Educação Ambiental (REMTEA) que articula diversos atores populares, ONGs,


empresários, órgãos públicos, universidades, pesquisadores e militantes
ecologistas e ambientalistas. O texto também analisa como nas escolas em Mato
Grosso a educação ambiental foi se tornando um tema transversal e como os
conceitos e as práticas educativas se ampliaram. Indica ainda os desafios a serem
superados para construirmos o território como espaço de vida revolucionaria-
mente oposto ao modelo desenvolvimentista vigente.
Será uma leitura estimulante e desafiadora para todos que buscam o
desenvolvimento sustentável e democrático e apostam na reeducação como
estratégia de ação.

23
TERRAS INDÍGENAS E O MATO GROSSO
SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICO

Jonia Fank e Silas Moraes1

Este texto tem por objetivo apresentar um diagnóstico preliminar sobre as


Terras Indígenas (TI) habitadas e reivindicadas pelos povos indígenas de Mato
Grosso. Tomamos por referência as informações apresentadas por representan-
tes de vinte e três etnias2 presentes no “Encontro do Movimento Indígena e
Questões Fundiárias do Estado de Mato Grosso3” realizado entre os dias 22 a 25
de novembro de 2005, na Chapada dos Guimarães-MT. Também consideramos
para análise os dados oficiais da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de 2005,
do Anuário Estatístico de Mato Grosso e o previsto na Constituição Federal e no
Estatuto do Índio. Ao final destacamos duas situações de terras que são emble-
máticas e que exigem atitudes urgentes.
A metodologia adotada no Encontro permitiu abordar as realidades
segundo diferentes aspectos, como: situação legal, territórios invadidos, usufru-
to e condições de degradação dos recursos naturais - floresta, água e animais.
Apresentaremos estes dados, destacando números que demonstram a
gravidade da questão territorial indígena em Mato Grosso. Dentre as vinte e três
etnias e aproximadamente trinta e nove TIs representadas no encontro:
« 21 (vinte e uma) etnias apresentaram reivindicação de recuperação de
suas terras tradicionais que ficaram fora da demarcação; apenas 2 (duas) não
reivindicaram.
« 20 (vinte) etnias fizeram denúncias de invasões em suas terras;

1
Membros do Grupo de Trabalho Terras Indígenas - GT TI. Colaboração de: Kátia Zorthea; Maristela Torres;
Sebastião Moreira e Solange Pereira.
2
Etnias presentes no Encontro: Apiaká, Arara, Bakairi, Bororo, Chiquitano, Cinta larga, Enawene Nawe, Guató,
Irantxe, Yudja/Juruna, Kaiabi, Kaiapó/Mebengokre, Karajá, Munduruku, Myky, Nambikwara, Paresi, Rikbaktsa,
Tapirapé, Terena, Umutina, Xavante e Zoró.
3
Neste artigo, todas as citações de Encontro, irão se referir a este evento de novembro de 2005.

24
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

« 21 (vinte e uma) etnias citaram degradação e exploração de recursos


naturais;
« As 23 (vinte e três) etnias registraram tensões e conflitos externos.
Frisamos que todas as vinte e três etnias apresentaram algum tipo de
denúncia ou reivindicação, sendo que muitas apresentaram todas as quatro
categorias de denúncia e reivindicações e que todas as etnias presentes denunci-
aram conflitos externos.
Foto: José Luis Medeiros

Encontro “Movimento dos povos indígenas e questões fundiárias de MT”, novembro 2005.

1. Terras Indígenas em Mato Grosso


A Constituição Federal (1988) explicita em seu Título VIII da Ordem Social,
Capítulo VIII, dos Índios, Art. 231:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Uma lei complementar deveria especificar como este artigo 231 será
aplicado. No entanto, o Estatuto do Índio vigente ainda é o de 1973 e a não
atualização deste texto favorece que acordos para exploração de recursos
naturais sejam firmados de maneira individualizada.
O processo de regularização dos territórios indígenas inclui etapas de
identificação, demarcação física, homologação (pelo Presidente da República) e

25
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

registro como patrimônio da União. Em muitos casos, quando a área está


invadida, é necessário 'retirar os não-índios' que ocupam a mesma. Todo este
processo de regularização, muitas vezes, perfaz mais de duas dezenas de anos.
As razões da demora são de várias ordens, sofrendo forte influência dos poderes
políticos e econômicos.
No caso de Mato Grosso, mesmo havendo um número razoável de terras já
demarcadas, a maioria delimitadas e processadas pela FUNAI, a partir de 1970, a
dimensão dos Territórios Indígenas ainda é insuficiente para suprir a real
demanda desses povos.
Segundo declarações do atual presidente da FUNAI Mércio Gomes, no dia
12 de janeiro de 2006 à Agência de notícias Reuters: “o Estado Brasileiro já garantiu
terras suficientes para esses povos”. Entretanto, essa não é a realidade encontrada na
grande maioria dos povos indígenas do Brasil e nos relatos deste Encontro de
novembro.
Em Mato Grosso existem atualmente 38 (trinta e oito) diferentes etnias,
sendo que 14 (quatorze) destas vivem no 'Parque Indígena do Xingu'. O Anuário
Estatístico de Mato Grosso de 2004 registrava 75 (setenta e cinco) Terras Indígenas
(TIs) legalmente protegidas, mas os dados técnicos da FUNAI (2005), dizem que
existem 86 (oitenta e seis) TIs, sendo 55 (cinqüenta e cinco) regularizadas e as
demais ainda em processo de regularização. Acrescentamos aos dados da FUNAI
a TI dos Terena em Guarantã do Norte, que consta no Anuário Estatístico de 2004
e chegamos ao número de 87 (oitenta e sete) TIs em Mato Grosso.
Percebe-se que há dados oficiais contraditórios entre si com uma diferença
de onze TIs entre as duas fontes, além de não constar nos dados da FUNAI a TI
da etnia Terena no município de Guarantã do Norte, o que parece falha grave.
Com base a estes dados, consideramos urgente e necessária a atualização e
regularização das mesmas pelos órgãos responsáveis.
Nos dados oficiais, também não consta a existência de povos indígenas
isolados no Estado. A Equipe de Índios Isolados da FUNAI, responsável pelo
contato com estes povos, indica que há aproximadamente seis grupos em Mato
Grosso, que também necessitam da garantia de seus territórios.

26
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

2. Regularização e reivindicação de Terras Indígenas


Dentre as etnias presentes no Encontro, vinte e uma reivindicam recuperar
partes de territórios tradicionais, pois denunciam que ficaram fora da demarca-
ção oficial e são terras com significativo valor cultural e sócio-econômico.
No caso dos Kayabi, a luta por reconquistar a TI do Batelão está relacionada
à história da retirada de boa parte deste povo, conduzido ao Parque do Xingu na
década de 50, sendo um símbolo de resistência para as cinco famílias que
permaneceram na região de origem. Estas famílias desceram o rio dos Peixes e
hoje formam um grupo de mais de 350 indígenas, dividindo com os Apiaká e
Munduruku, uma área insuficiente. A área é constante foco de conflitos e já
houve, inclusive, episódios de violência contra os índios e vice-versa.
O quadro a seguir indica as vinte e uma etnias que reivindicam a retomada
de terras consideradas tradicionais, mas que ficaram excluídas da demarcação já
realizada.
Há casos que necessitam de regularização de toda a terra, como o das etnias
Terena e Guató. Já os Chiquitano na fronteira Brasil/Bolívia tiveram apenas
identificado a TI Pontal do Encantado. Esta é insuficiente e há manipulação de
fazendeiros e políticos, com lideranças sendo ameaçadas de morte, numa região
marcada pelo narcotráfico.
Etnia Áreas a serem reconquistadas Região
Apiaká Pedem regularização da TI Noroeste
Arara Micro bacia do Rio Encrenca Noroeste
Bakairi Retomada de área do Xingu Sudeste
Falta demarcação de 50% da TI Tereza Cristina
(da terra tradicional demarcada pelo Marechal
Rondon) e Jarudore (totalmente invadida). Falta
Sudeste/
Bororo demarcação da área Volta Grande em
Sul
Sangradouro, recuperação do Pontal no
Tadarimana e recuperação da colônia Santa
Izabel no Perigara.
Chiquitano Regularização das terras Sudoeste
Caverna do Morcego e a área da cabeceira do
Cinta Larga Noroeste
rio Guariba
Enawene Nawe Reconquista da área Adowina no Rio Preto Noroeste
Guato Regularização das terras Baía dos Guató Sul
Irantxe
Noroeste
(Manoki) Parte do território tradicional
Kaiabi Reconquista Batelão Norte

27
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Karajá Parte do território tradicional Leste


Mebêngôkre/
Reconquista Kaponhinore Nordeste
Kaiapó
Região comum entre povos
Munduruku Kaiabi\Apiaka\Munduruku dividida pelo rio dos Noroeste
Peixes
Myky Área Castanhal\Tucunzal Noroeste
Parte da Caverna Morcegal e os cemitérios
Nambikwara Sudoeste
tradicionais
Recuperação da Estação Rondon, o Uirapuru, a
Pareci Oeste
Ponte de Pedra e o Formoso.
Parte da TI Urubu Branco (próximo a Santa
Tapirapé Nordeste
Terezinha)
Regularização das terras em Matupá/Guarantã
Terena Norte
do Norte
Umutina Área tradicional que foi tomada por fazendeiros Oeste
Sudeste,
Xavante TI São Domingos e Marãiwatséde Leste e
Nordeste
Xinguanos: Área adjacente ao Parque área tradicional
Nordeste
Yudja/Juruna Kalapalo e Jatobá/Ikpeng.

3. Obstáculos para a regularização das TIs


Os processos de regularização das TIs, muitas vezes esbarram com proble-
mas na justiça, além da incompetência e/ou prevaricação na FUNAI. Em
particular no estado de Mato Grosso, estas terras enfrentam dificuldades para
serem demarcadas ante a forte pressão política e econômica de grupos de
pecuaristas, madeireiros e sojicultores. Muitos desses mantêm vínculos com
políticos de expressão local, regional ou nacional, sendo favorecidos quando o
Estado e a justiça demoram a chegar a um 'veredicto final'.
Seria ingênuo não admitir que há casos em que indivíduos de alguns povos
indígenas estabelecem 'parcerias' com sojicultores e pecuaristas, arrendando
terras para o plantio da monocultura, em seu território. O caso mais conhecido e
denunciado é o que ocorre entre os Paresi. Outro é o caso do povo Tapirapé com
arrendamento de pasto para criadores de gado. As práticas destes indivíduos
contradizem os interesses de suas comunidades que reivindicam a recuperação
de suas terras tradicionais.
Destacamos que Blairo Maggi, atual governador de Mato Grosso, é também
o maior produtor individual de soja do mundo. Logo após tomar posse, em 31 de

28
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

março de 2003, enviou uma carta ao Ministro da Justiça, solicitando a paralisação


das demarcações, no mínimo por 02 (dois) anos, para “reavaliar as demarcações e
estudos em andamento”. Finaliza seu documento argumentando que “as demarca-
ções estão impedindo futuras obras de infra-estrutura estratégicas para o nosso desenvol-
vimento”. Constata-se que, pouquíssimas áreas no Estado tiveram encaminha-
mento para estudo, com a criação e a implementação de GT, entre outros trâmites
necessários à regularização de TIs, depois desta data.

3.1. Invasões em TIs


São inúmeros os casos em que, mesmo depois de finalizadas todas as etapas
do processo legal de regularização das terras, os territórios seguem sofrendo
exploração ilegal. Alguns poucos povos desenvolvem sistemas de vigilância, o
que resolve apenas uma parte dos problemas, como indicam os casos dos
Rikbaktsa e Enawene Nawe.
Os maiores invasores denunciados no Encontro, foram fazendeiros,
madeireiros e pescadores, conforme o gráfico abaixo:
Fazendeiros

Madeireiros

Pescadores

Presença de posseiros em
suas terras
Sofrem invasões de
garimpeiros
Sofrem com caçadores e
outros
Turismo

Pecuária

Sojicultura

Exploração de palmito

Grileiros

Presença de ‘linhão’ de energia


elétrica cortando a área

Em 2004 o povo indígena Xavante do Marãiwatséde, com muita luta e


depois de quase um ano acampado na beira da estrada, retomou 2.600 (dois mil e
seiscentos) hectares dos 168.000 (cento e sessenta e oito mil) hectares de sua terra
tradicional, homologada e demarcada, mas invadida por posseiros e grileiros.

29
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Continuam enfrentando invasões articuladas por estes agentes, além de outros


desafios para sua sobrevivência na área, tais como obter alimentação e moradia.

3.2. Degradação e Exploração dos Recursos Naturais


Destacamos também, deste Encontro, as denúncias relacionadas à degrada-
ção e exploração dos recursos naturais em terras indígenas. As denúncias mais
freqüentes foram em relação a madeireiros e a pesca predatória, que atingem as
áreas de onze das etnias presentes. Cinco etnias têm problemas com a construção
de hidrelétricas. O povo Enawene Nawe sofre a ameaça da efetivação de 11
(onze) projetos de hidrelétricas no rio Juruena que passa pelo seu território.
O quadro abaixo apresenta as denúncias com destaque aos tipos de degrada-
ções e de exploração de recursos naturais, em ordem decrescente de importância:

Degradação e Exploração dos recursos naturais em TIs de MT


Retirada de madeira
Pesca predatória
Construção de PCHs
Nascentes de rios degradadas fora da área
Diminuição da caça, pesca e coleta de frutos silvestres
Garimpo
Atingidos pelo uso de agrotóxicos no entorno
Desmatamento no entorno de rios
Captura de iscas
Degradação da terra tradicional que está sendo reivindicada
Desflorestamento para monocultura
Cerrado destruído
Dependência de recursos alimentares externos

Analisando o conjunto dos territórios é possível prever que problemas


decorrentes da degradação no entorno, afetam cada vez mais diretamente a um
maior número de povos indígenas, pois boa parte das nascentes de rios estão fora
de suas terras. Ali os processos de desmatamento avançam, deixando as TIs como
'ilhas' cercadas por pasto e monocultivos.
A exploração agropecuária que prioriza a agricultura em larga escala, em
detrimento das condições de reposição e de manutenção dos recursos naturais,

30
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

causa impactos diversos sobre as TIs. Destacamos o assoreamento dos rios,


devido à destruição das matas ciliares e a contaminação dos lençóis freáticos pelo
uso intermitente de agrotóxicos. As circunstâncias apontam para sérias conse-
qüências sobre toda a sociedade, comprometendo a qualidade e a quantidade da
produção agrícola, em qualquer escala, trazendo prejuízos à saúde dos indíge-
nas e das populações do entorno.

4. Casos Emblemáticos em Mato Grosso


Apresentamos com mais detalhes o que ocorre em duas das terras indígenas
mais impactadas e ameaçadas pelo modelo hegemônico desenvolvimentista
adotado no Estado.
É importante ressaltar que além destes casos há outras situações emblemáti-
cas em Mato Grosso, como por exemplo, a vivenciada pelos Bororo de Jarudori e
da TI Tereza Cristina.

4.1. Caso Xavante – TI Marãiwatséde


No início dos anos de 1960 o paulista Ariosto da Riva invadiu o território
tradicional Xavante instalando ali seu latifúndio de cerca de 1.000.000 de hectares
(um milhão). A área conhecida como Suiá-Missu (por conta do rio de mesmo
nome que a corta e deságua no Xingu), iria abrigar a maior área contínua de
criação de gado do mundo.
Em agosto de 1966, após acordo dos novos proprietários (família Ometto)
com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), com o auxílio de aviões da Força Aérea
Brasileira (FAB), foi iniciada a transferência dos cerca de 300 sobreviventes do
povo Xavante da área para a Missão Salesiana em São Marcos, 400 quilômetros ao
sul de Marãiwatséde.
Na operação morreram cerca de 90 índios em decorrência do traslado e de
doenças advindas do contato com a sociedade nacional. Os mais velhos conside-
ram que a transferência significou uma violenta ruptura que jamais será esqueci-
da. “A terra onde cresci era livre, tinha floresta, porque o índio preservava e não havia
nenhum branco ainda”, relembra o cacique Damião, que tinha 11 anos quando foi

31
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

levado para São Marcos. “Depois que saímos, foi a perdição. Nunca mais encontramos
um lugar nosso, de verdade”.
Depois do fracasso do projeto agropecuário inicial de Riva, as terras da Suiá-
Missu em mãos da família Ometto, passaram ao controle da corporação italiana
Agip Petroli (holding da estatal Ente Nazionali Idrocarburi – ENI). Em 1992, em
meio às várias discussões que marcaram a Conferência Mundial do Meio
Ambiente (ECO 92), no Rio de Janeiro, representantes da empresa se comprome-
teram verbalmente a devolver a área original aos Xavantes.
Diante disto, grupos políticos do Estado e fazendeiros da região contrários à
idéia organizaram um processo de ocupação da área por posseiros e grileiros,
mesmo sabendo que fora oficialmente identificada, demarcada e homologada
como terra indígena, uma extensão de 168 mil hectares. Ao longo desses anos os
Xavante tentaram retomar Marãiwatséde, sendo sistematicamente impedidos de
voltar a construir suas aldeias nessa área. Mesmo assim, retornam a estas terras
para coletarem matérias primas utilizadas na confecção de artesanato, arcos e
flechas, e para cultuarem seus antepassados nos antigos cemitérios.
Em 2003, os anciãos do povo Xavante manifestaram o desejo de voltar à terra
de seus ancestrais antes de morrerem. Os jovens guerreiros sentiram a obrigação
de propiciar este retorno. No mesmo ano, 280 (duzentos e oitenta) pessoas
(crianças, jovens, adultos e velhos) retornaram às suas terras, mas foram impedi-
dos pelos invasores de entrarem na sua terra indígena. Então, ficaram acampados
à beira da BR 158, entre novembro de 2003 e agosto de 2004, aguardando a
decisão do Juiz da 5ª Vara da Justiça Federal de MT.
Durante o período muitos adoeceram em decorrência da má qualidade da
alimentação, da água e por falta de saneamento básico, três crianças morreram.
Atualmente os Xavantes ocupam cerca de 20 mil hectares de suas terras. Vivem
em clima de tensão e há o risco de acirramento do conflito com os posseiros a
qualquer momento.
A permanência dos posseiros na área Xavante está amparada em decisão do
Tribunal Regional Federal - TRF, que determinou que uma eventual extrusão
fosse iniciada apenas após o julgamento do mérito da ação civil pública – proces-

32
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

so que, neste momento, depende de uma nova perícia antropológica da FUNAI e


de levantamento fundiário por parte do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária - INCRA.
Placas colocadas pela FUNAI para identificar a terra indígena foram
pichadas com tinta preta. Pelas informações dos índios, posseiros vêm desma-
tando e fazendo novas ocupações nas proximidades da aldeia, reduzindo o
espaço para a caça e a pesca nos moldes tradicionais. Em outubro de 2004, um
grupo de rapazes Xavante teve sua pescaria interrompida à bala por pistoleiros.
Na tentativa de escapar, dois índios foram atingidos.
A sensação é de confinamento. “Estamos presos aqui. Os posseiros estão à nossa
volta. A caça e a pesca são prioridades para nós, mas hoje não podemos andar longe porque
tem risco de conflito com posseiro. Isso não pode continuar, é contra o jeito de ser do povo
Xavante”, protesta Arimatéia Tserewahriwê, jovem liderança da etnia. Segundo
ele, não é da natureza xavante aceitar a imposição de limites em sua própria
terra. “Não podemos perder nossa cultura, nossa caça, nosso modo de conseguir
alimento. Queremos ser Xavantes autênticos e andar sem medo”.
Desde o ano 2005, o INCRA tentou, sem sucesso, concluir duas das principais
etapas necessárias ao processo de devolução de Marãiwatséde aos Xavantes: o
cadastramento dos posseiros e a seleção dos potenciais clientes da reforma agrária.
No momento percebe-se que a situação está ficando insustentável. Os
Xavante não podem fazer suas roças, caçar, pescar nem coletar materiais
tradicionais. Há mais de dois anos, aguardam uma decisão da justiça que
garanta a posse definitiva de seu território e a retirada dos invasores, mas os
procedimentos não avançam.

4.2. Caso Enawene Nawe – Rio Preto e PCHs4


O desrespeito às leis ambientais e a demora na identificação do território
tradicional Enawene Nawe colocam em risco a sobrevivência deste povo localiza-
do no município de Juína, a 737 quilômetros de Cuiabá.

4
Pequenas Centrais Hidrelétricas.

33
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Aregião do rio Preto, que fica fora da Terra Indígena é uma importante fonte
de peixes para esse povo. O ritmo intenso de ocupação, os desmatamentos
ilegais e o uso de agrotóxicos nas lavouras de monocultura ameaçam seriamente
esses recursos. Agravando a situação estão planejadas pelo consórcio Juruena
(empreendedoras Maggi, MCA e Linear) nove Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs) e duas hidroelétricas maiores nas proximidades do território.
Mesmo após o contato, em 1974, os Enawene Nawe mantêm o seu modo
tradicional de vida, diretamente ligado a um calendário de festas e rituais. Esses
eventos que dão sustentação à organização social coincidem com o calendário
produtivo desse povo. A pesca, a agricultura e as atividades extrativistas
mantêm estreita ligação com o universo mítico, o cumprimento de obrigações e o
pagamento de dádivas aos espíritos.
Monolíngües e pertencentes à família Aruak, os Enawene Nawe realizam a
pesca para o seu ritual mais importante - o Yãkwa. Pescam com armadilhas
colocadas em barragens, armadas no leito dos pequenos rios de sua área, da
mesma forma como faziam seus antepassados. Atualmente, a barragem de
maior produção para o ritual encontra-se no rio Preto, fora dos limites da Terra
Indígena homologada. Este ritual se estende por um período de sete meses.
A maioria dos povos indígenas do Brasil sofreu forte decréscimo populacio-
nal no período posterior ao contato. No entanto, a população Enawene Nawe
apresentou um considerável aumento populacional. Em 1974, eram 97 indíge-
nas, hoje são 445 pessoas5. Na mesma proporção, cresce a necessidade de uma
maior obtenção de alimentos. Por conta disso, a preservação das nascentes dos
rios, das matas-ciliares e da floresta são fundamentais para a manutenção do
equilíbrio físico e cultural desse povo.
Cientes desse fato, os Enawene Nawe vêm buscando através de diferentes
instâncias governamentais o reconhecimento dos seus direitos sobre terras da
região do rio Preto. Em 2003 a FUNAI chegou a informar sobre a instauração de

5
Dados da OPAN - março de 2006.

34
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

um Grupo de Trabalho (GT) para estudo dessa área. O GT acabou sendo cancela-
do em 2004 por causa de uma moratória que atingiu outras áreas indígenas em
situação semelhante.
A partir daí os Enawene Nawe iniciaram seus contatos com o Ministério
Público e a própria FUNAI para garantir a instalação do GT. Na tentativa de
conter as ações predatórias em seu território tradicional, também foram encami-
nhadas denúncias ao IBAMA sobre derrubadas irregulares. Nenhuma das
tentativas teve resultados concretos.
A dúvida dos Enawene Nawe é, quando finalmente se iniciarem os traba-
lhos de reconhecimento, não será tarde demais? Um dos representantes do povo,
Marikerosene, manifesta que a questão é urgente: “Tem que ser rápido. Nossa terra
está ficando feia, estão derrubando todas as árvores, vão jogar veneno na água, logo os
peixes vão embora e não terá mais nada. Vou sentir saudades”.
A construção de um complexo hidroelétrico no rio Juruena, próximo de sua
área tem preocupado os Enawene Nawe. No curso do rio Juruena, estão previs-
tas a construção de 9 (nove) PCHs e duas hidroelétricas. Cinco das PCHs
atingirão de forma direta essa população. A primeira estará apenas há 20 km do
limite sul da Terra Indígena. Os empreendimentos já possuem licença prévia e de
implantação. O site da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) disponibi-
liza um cronograma para a realização das obras. Até o momento os Enawene
Nawe não foram ouvidos sobre o tema.
Conforme o administrador da FUNAI em Juína, Antônio Carlos de Aquino,
as hidroelétricas estão sendo pleiteadas por grandes produtores da região e os
processos tramitam na Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio
Ambiente da FUNAI, em Brasília.
Caso se concretize a construção destas usinas, o modo de vida Enawene
Nawe será, sem dúvida, fortemente afetado, considerando que o peixe é um
recurso natural e simbólico vital à ordem, manutenção e reprodução da sua
organização social e se constitui no primeiro ponto mais vulnerável deste
processo. É principalmente a partir das evidências do impacto sobre os peixes e
sobre as atividades pesqueiras tão fundamentais à vida social Enawene Nawe,

35
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

que eles definem argumentos e estratégias contrárias àqueles empreendimentos.


Calculam os riscos da degradação dos seus recursos hídricos, que os setores
governamentais, brasileiro e estadual, vêm desconsiderando ao incentivarem a
construção das usinas.

5. Documentos consultados:
BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em www.planalto.gov.br.

CIMI. Arquivos do Conselho Indigenista Missionário - Regional Mato Grosso

FORMAD. Arquivos do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.

MATO GROSSO. SEPLAN. Anuário Estatístico de Mato Grosso 2004. Vol.26. Cuiabá: SEPLAN-MT:
Central de texto. 2005.

MENDES, Artur Nobre. Terras Indígenas de MT. Setor Fundiário da FUNAI em Brasília-DF.
Documento enviado (e-mail) em junho de 2005.

OPAN - Arquivos e site da Operação Amazônia Nativa


Relatório do Encontro do Movimento dos Povos Indígenas de Mato Grosso. Chapada dos
Guimarães, 2005. Disponível site: www.formad.org.br/index.php/bibliotecas/ler/22

36
A MINERAÇÃO EM MATO GROSSO

Amintas Nazareth Rossete1

Introdução
A “explosão demográfica” (DEMENY, 1987) verificada principalmente no
século XX e a melhoria das condições gerais de infra-estrutura de uma parte da
humanidade ocasionaram o aumento vertiginoso da demanda por bens minera-
is. Isto pode ser notado ao se observar as estatísticas de produção de metais.
Segundo Spoel (1990), a produção de metais foi de 25 milhões de toneladas do
início da civilização até 1750; 10 milhões de toneladas de 1750 a 1800; 100 milhões
de 1800-50; 900 milhões de 1850 a 1900; 4 bilhões de 1900 a 1950; e de 5,8 bilhões
de 1950-80.
De acordo com McDivitt e Manners apud Suslick (1992), cada indivíduo
consome em média, 20 toneladas anuais de matérias-primas minerais. Este
consumo deve-se em grande parte à crescente industrialização, notadamente
nos países do Hemisfério Norte, fenômeno este que teve seus primórdios com a
Revolução Industrial do século XVIII (SUNKEL e PAZ, 1988), implicando numa
explosão desenfreada da pesquisa e lavra dos bens minerais.
Atuando como base de sustentação para a maioria dos segmentos industria-
is, a extração mineral desempenha hoje um papel fundamental na economia de
diversos países, principalmente dos países em desenvolvimento que tem a
mineração como uma importante fonte de geração de divisas, via exportação de
minério, além de ser uma atividade geradora de empregos e impostos, represen-
tando, assim, um fator determinante para o desenvolvimento de um grande
número de cidades e micro-regiões (MARQUES, 1993).
No Brasil a atividade de extração mineral como um todo corresponde a US$
28,0 bilhões, o que representa aproximadamente 4,20% do Produto Interno Bruto

1
Deptº de Ciências Biológicas Campus Universitário de Nova Xavantina Universidade do Estado de Mato
Grosso – UNEMAT. Membro do GT Mineração.

37
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

(PIB) - brasileiro. Este valor do PIB, no entanto, não reflete a real importância do
setor dentro da economia brasileira, já que ao se considerar as etapas de transfor-
mação do bem mineral (fases onde o produto é beneficiado para posterior
aproveitamento industrial), esse valor sobe para aproximadamente 10,5% do PIB
(SUMÁRIO, 2005).
A mineração funciona como atividade matriz para setores como siderurgia,
metalurgia, indústria cerâmica, cimenteira, química e de fertilizantes, dentre
outros.
Para efeito de comparação mais de 80% de toda a produção mineral da
França é de agregados para a construção civil, (ARNOULD, 1989), enquanto no
Brasil a produção dos minerais utilizados na construção civil é estimada em
aproximadamente 15% (BRANDT, 1994). Este valor representa a somatória da
participação em porcentagem na Produção Mineral Bruta (PMB) das substâncias
Pedras Britadas e Ornamentais, Calcário, Argila e Areia.
De acordo com Brandt, op. cit., deve-se ressaltar que a clandestinidade no
setor de areia para construção no Brasil é da ordem de 90% em média, segundo
estudos que levam em conta os índices de produção oficiais e o consumo teórico
de areia.
Dentro do conjunto dos minerais industriais que participam de todos os
ramos da atividade humana merecem destaque aqueles utilizados na indústria
da construção civil (pedra britada e ornamental, areia, calcário [cimento] e argila)
que consome mais de 70% do total da produção mineral nacional em termos de
valor. Para Dinelli (1988), pode-se afirmar a supremacia da construção civil no
consumo de minérios e produtos de minérios industriais, pois além de deman-
dar produtos apenas beneficiados ou “in natura”, caso da areia, requer também,
um leque de produtos transformados.
A significativa demanda por bens minerais ditos de uso imediato na constru-
ção civil deve-se tanto à crescente urbanização que ocorreu principalmente a
partir da segunda metade do século XX, como também ao forte crescimento
econômico ocorrido no mundo, particularmente nos países desenvolvidos.
Mato Grosso que historicamente teve suas origens no ciclo de mineração do

38
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

período colonial na busca de ouro e diamante, e mais recentemente na década de


70 e 80 com a vinda de levas de garimpeiros para o Norte mato-grossense e
Baixada Cuiabana, atualmente tem sua principal produção mineral os de uso
imediato, conforme Tabela 01.

Tabela 01: Produção Mineral de Mato Grosso em 2004.


Classe/Substância Quantidade
Metálicos
Ouro (Primário) 218 Kg
Ouro (Secundário) 85 Kg
Não-Metálicos
-
Água Mineral 72.522 103 L
Areia 46. 533 m3
Argila Comuns 809.420 t
Calcário (Rochas) 5.803.377 t
Dolomito 508.925 t
Rochas (Britadas) e Cascalho 1.614.086 m3
Gemas e Diamantes
Diamante (Secundário) 6.672 ct
Fonte: Anuário Mineral Brasileiro, 2005.

Dado a sua grande extensão territorial e à diversidade de sua Geologia,


Mato Grosso possui uma vocação natural para a exploração mineral. Neste
contexto entendemos que a atividade da mineração pode ser colocada dentro
dos paradigmas do desenvolvimento sustentável.

A Mineração e suas especificidades


Segundo Sá (1991), a mineração compreende a pesquisa, o desenvolvimento
e a lavra, bem como o transporte, manuseio, beneficiamento e toda infra-
estrutura necessária a essas operações, excluindo-se os processos de metalurgia e
transformação. Estas atividades têm como finalidade última, o aproveitamento
dos recursos minerais de forma econômica.
De acordo com MMDS (2003, p. 04) os princípios para o desenvolvimento
sustentável para a mineração acontecem em quatro esferas:

39
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Esfera econômica
* Maximizar o bem estar da humanidade;
* Assegurar o uso eficiente de todos os recursos, naturais ou outros, através da
maximização de rendas;
* Procurar identificar e assimilar custos ambientais e sociais;
* Manter e melhorar as condições para a existência de empresas viáveis.

Esfera social
* Garantir uma distribuição justa dos custos e benefícios do desenvolvimento para
todas as pessoas que vivem no planeta;
* Respeitar e reforçar os direitos fundamentais dos seres humanos, incluindo
liberdades civis e políticas, autonomia cultural, liberdades sociais e econômicas e
segurança pessoal e procurar sustentar as melhorias no tempo;
* Assegurar que a diminuição dos 55 recursos naturais não irá privar as gerações
futuras, através da sua substituição por outras formas de capital”.

Esfera Ambiental
* Promover o manejo responsável dos recursos naturais e do meio ambiente,
incluindo a reparação de danos anteriores;
* Minimizar a quantidade de resíduos e danos ambientais em toda a cadeia de
abastecimento;
* Ser prudente nos locais em que os impactos são desconhecidos ou incertos e operar
dentro dos limites ecológicos e proteger o capital natural crítico”.

Esfera de governança:
* Apoiar a democracia representativa, incluindo a tomada de decisões participadoras;
* Estimular a livre empresa dentro de um sistema de normas claras e justas e
incentivos;
* Evitar concentração excessiva de poder, através de controles e contrapesos
apropriados; Assegurar a transparência, proporcionando acesso aos atores e
informações relevantes e corretas;
* Garantir a responsabilidade por todas as decisões e ações que estão baseadas em
análises amplas e confiáveis;
* Estimular a cooperação, para gerar confiança e compartilhar objetivos e valores
comuns e assegurar que as decisões são tomadas no nível apropriado, aderindo ao
princípio da subsidiariedade quando possível”.

A mineração de maneira geral possui especificidades (BUCK e ELVER,


1970) que a tornam "única" entre os diversos tipos de atividades econômicas. A
seguir é feita uma discussão destas peculiaridades, as quais sofrem modificações
quando enfocadas para os bens minerais utilizados na construção civil.

40
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

a) exaustão - característica típica da indústria de mineração está relacionada


com a finitude de um depósito mineral, isto é, o depósito mineral tem um
estoque limitado, cuja exploração é medida em termos de anos ou dezenas de
anos, enquanto os processos de formação deste depósito são medidos em
milhares a milhões de anos. Esta característica sine qua non para a totalidade dos
depósitos minerais tem uma das exceções no caso dos depósitos de areia,
principalmente nos localizados em ambientes fluviais e marinhos, onde os
processos de erosão e sedimentação atuantes nestes sistemas fazem com que haja
uma renovabilidade dos depósitos compatível com sua exploração.
b) heterogeneidade na distribuição dos depósitos - os depósitos têm uma
distribuição geográfica irregular entre regiões, países e continentes por tipo de
depósitos e usos, sendo a principal conseqüência econômica disto o papel de
funcionar como fonte de crescimento diferenciado entre economias regionais
e/ou nacionais, além de gerar graus diferentes de dependência por bens minera-
is. Dada a relativa abundância de agregados para a construção civil na superfície
terrestre, nenhum país sofre de desabastecimento de agregados, e apenas
localmente, surgem questões de oferta e demanda destes produtos.
c) alto risco na exploração, pesquisa e produção - a incerteza que caracteri-
za os investimentos nas fases de exploração e pesquisa, decorrentes das especifi-
cidades únicas para cada depósito, bem como a insegurança que existe na fase de
produção, são típicos da indústria de mineração. No caso dos agregados, tanto
para argila como para a areia, tal afirmativa tem sua veracidade questionada,
pois seus depósitos minerais destes bens minerais são relativamente fáceis de
prospectar e não envolvem tecnologias avançadas nem onerosas na exploração.
d) caráter multinacional - no setor mineral existe uma tendência à especiali-
zação de empresas em determinados bens minerais com um alto grau de
verticalização e, dentro de uma tendência de globalização da economia, estas
empresas atuam no mundo todo. Embora não seja específico da indústria de
mineração, o caráter multinacional neste setor é bastante acentuado e de grande
importância. Esta também não é uma característica no caso de mineração de
agregados, por ser uma atividade de cunho local, e essencialmente dominada

41
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

por empresas de porte pequeno ou médio.


e) necessidade de capital intensivo e longo período de maturação para o
desenvolvimento dos depósitos - da descoberta do depósito até o seu efetivo
aproveitamento gasta-se em média 10 anos com alto investimento de capital.
Mais uma vez, a extração de areia e argila para a construção civil é uma exceção,
visto que, em sua maioria, não necessita de grandes investimentos de exploração
e/ou explotação e o investimento tem um rápido retorno, já que a produção dos
depósitos é quase que imediata e com baixos investimentos. No Brasil, a indús-
tria extrativa de areia para construção civil é tipicamente de pequeno porte,
excepcionalmente de médio a grande porte. Há casos de grandes empresas que
operam um conjunto de vários empreendimentos pequenos.
f) aparente conflito entre a mineração e o meio ambiente - a atividade
mineradora é, por essência, modificadora do meio ambiente. Por tratar-se de
uma atividade desenvolvida por necessidade normalmente próxima aos centros
urbanos (devido à alta relação custo do transporte/custo do bem), a mineração
de agregados apresenta-se mais visível à maior parte da população, gerando
maior pressão da sociedade contra os possíveis impactos ambientais. Além do
que, a atividade mineradora acaba competindo com outros tipos de atividade
econômica no uso e ocupação da terra. Neste item específico já ficou comprova-
do que a mineração de agregados é potencialmente, em sua maior parte, restitui-
dora dos espaços por ela antes ocupados.
g) rigidez locacional - os bens minerais são encontrados em locais onde a
interação de fatores físicos, químicos e geológicos permitem o seu acúmulo em
tal quantidade e teor que podem ser extraídos, se as condições sociais, políticas e
econômicas lhe forem favoráveis. Neste item a mineração de agregados não
difere em nada dos outros tipos de bens minerais. Para os agregados, tal caracte-
rística, causa graves prejuízos por fazer com que depósitos sejam rapidamente
“esterilizados” devido a ocupação de áreas potencialmente promissoras por
outros tipos de atividade econômica.
Como vimos, as características da mineração como um todo nem sempre
são válidas para a mineração de agregados em áreas urbanas. Esta última possui

42
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

especificidades tais como:


a) abundância relativa - devido a sua abundância e larga ocorrência, os
agregados são tratados dentro de uma concepção de que se pode encontrá-los
em qualquer lugar.
b) baixo índice de rejeitos - nas atividades de explotação dos depósitos de
agregados, em sua maioria, o volume de rejeitos é pequeno, com índices que
chegam a menos de 5% do extraído, gerando uma baixa relação rejeito/minério.
c) simplicidade de lavra e beneficiamento - geralmente, com poucas
operações de lavra e equipamentos se consegue a explotação dos agregados,
principalmente no caso da areia. Em termos de beneficiamento, por exemplo,
basta um simples peneiramento para a areia estar pronta para utilização.
d) baixo valor unitário - esta característica decorre principalmente de duas
das características citadas acima: sua relativa abundância, onde está embutido o
conceito econômico de oferta/demanda, e a simplicidade de lavra e beneficia-
mento, o que implica em baixos custos de extração. Devido a esta característica,
tem-se como conseqüência um relativo desprezo do empresariado em investir
no setor, além de se preferir outras atividades em detrimento desta.
e) volume específico alto - por ser um material empregado geralmente em
grandes quantidades e por terem um alto volume específico, isto faz com que os
custos no seu transporte sejam um elemento de elevação em seus preços.
f) alto valor local - esta característica está relacionada com o custo de transporte
que aumenta em relação com a distância do local de extração. Em geral, segundo
Martins (1994), quanto mais baixo for o valor monetário no local ou na mina, mais
alto será o valor local. De acordo com Martins (1991), os agregados têm como limites
médios de transporte as distâncias de 50 km para brita, ou 100 km para areia.
Outras características podem ser destacadas, de acordo com Tonso (1994, p. 25):
- inicialmente, a mineração urbana está lidando com terras de relativamente alto
valor comercial, ou no mínimo e, de acordo com a velocidade dos processos de
urbanização, com um alto potencial para um futuro não muito distante;
- mesmo utilizando pouco maquinário, estes dão ao empreendimento um caráter de
indústria pesada que a coloca em conflito com as regiões e usos mais “nobres” do
território;

43
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

- os materiais agregados, pela sua característica de utilização e pelo baixo valor


unitário, são extraídos em larga escala, implicando na movimentação de grande
quantidade de material.

Pela importância dos minerais, como visto anteriormente e particularmente


no caso dos bens minerais utilizados na construção civil, se faz necessário, o uso
eficiente e conservativo destes recursos, o que pressupõe novas formas de
planejar sua exploração.

Considerações finais
Cada vez mais se fazem necessários estudos que possam dar subsídios e
compreender a dinâmica das atividades humanas em prol de um desenvolvi-
mento que busque o uso sustentável dos recursos naturais.
A mineração por suas características e especificidades assume um papel
relevante nas discussões sobre a manutenção dos estoques de recursos naturais
para as gerações futuras, fazendo com que seja de fundamental importância a
compreensão das interações socioambientais dentro do Estado de Mato Grosso a
fim de que possamos implementar um modelo de utilização destes recursos o
mais conservacionista possível.

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Dissertação de Mestrado em Geociências. IG - UNICAMP.

45
RECURSOS HÍDRICOS EM MATO GROSSO:
O DESAFIO DA DEMOCRACIA E DA SUSTENTABILIDADE

Solange Ikeda Castrillon1


Cláudia Regina Sala de Pinho
Nelci Eliete Longhi
Nataly Manrique Rocha
Rodrigo Ferreira de Morais
Andréa Ikeda
Claudinéia Lizieri dos Santos

Seguindo as orientações do projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático


(MTSD) que se fundamenta em dois conceitos principais: sustentabilidade e
democracia, dos quais derivam outros, que são complementares no sentido do
conhecimento e perspectiva política, apresentamos neste texto algumas expe-
riências que levaram a um amplo debate sobre a questão das águas em Mato
Grosso. Algumas estão relacionadas ao Festival Ecológico e Cultural das Águas
de Mato Grosso, que ocorreu entre 2003 e 2005, nas versões: Pantanal, Araguaia e
Amazônia. Foram eventos que em seu bojo discutiram o projeto MTSD nas
oficinas e nos espaços de diálogos. Também serão apresentados alguns conflitos
e projetos alternativos nas Bacias Hidrográficas deste Estado.

1. Os recursos hídricos na legislação brasileira


O Brasil é o país mais rico do mundo em termos de reservas hídricas, com
13,7% da água doce disponível no planeta. Possui dois fenômenos ambientais
globalmente singulares, o Pantanal, que é a maior área úmida continental do
mundo e na Amazônia estão as maiores florestas inundadas (WWF-Brasil, 2005).
Por suas dimensões continentais e diversidade geográfica, apresenta situações
bastante distintas quanto à disponibilidade hídrica, sendo afetado tanto pela
escassez, quanto pela degradação dos recursos causada pela poluição de origem
doméstica e industrial.

1
Membros do GT Recursos Hídricos, no projeto MTSD

46
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

O acesso à água é um direito de todos e também é responsabilidade da


coletividade assegurar as condições necessárias e indispensáveis para garantir
este direito a toda humanidade. Ter acesso à água não é uma questão de consu-
mo. A exigência de um uso racional e responsável de um bem comum e funda-
mental para todos, é mais comprometedora daquela que um consumidor
racional pode ter em relação a um recurso/mercadoria, ao qual a economia de
mercado concede o poder de poluição e de destruição do próprio recurso na medida em que
paga (PETRELLA, 2004).
Petrella (2004) defende a necessidade de uma política alternativa da água,
pois significa um direito à vida. Isto indica que as autoridades públicas têm a
missão/dever de mobilizar os recursos, sobretudo financeiros, para satisfazer
esse direito. A democracia necessita de um público novo, participativo e solidá-
rio que defina e realize a política da água, do âmbito local ao mundial.
No Brasil, a Lei nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional
de Recursos Hídricos e criou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, um de seus objetivos
é assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos.
O Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas e WWF-Brasil
(2005), consideram que, com a aprovação da Lei 9.433, a legislação brasileira,
neste setor, tornou-se uma das mais avançadas do mundo. Reconhecem, porém,
que o Sistema nasceu incompleto. O início da sua implementação foi apontando,
segundo o Fórum, outros desafios, como a efetiva participação da sociedade no
processo decisório; a implantação da gestão compartilhada e harmonizada, e a
construção de uma lógica territorial de gestão integrada dos usos múltiplos.
A Conferência Nacional de Meio Ambiente de 2005, reforçou em suas
deliberações que estes desafios estão ainda em pauta, ao discutir o Plano
Nacional de Recursos Hídricos sugere que há necessidade de assegurar por meio
de instrumentos efetivos uma ampla participação e controle socioambiental,
respeitando a paridade entre poder público e sociedade civil. A Conferência
deliberou que sob a competência do Ministério do Meio Ambiente existe a

47
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

necessidade de integrar a política de recursos hídricos com as demais políticas


setoriais (federal, estadual, do Distrito Federal e municipais) de saneamento,
saúde, meio ambiente, educação e energia.
As deliberações sobre o tema água e recursos hídricos desta Conferência
demonstra uma urgente necessidade de se viabilizar propostas para a conserva-
ção das águas, propondo:

“Assegurar a implantação de programas nacionais, estaduais e municipais -


inclusive de educação ambiental - que contemplem a bacia hidrográfica como
unidade territorial de gestão e planejamento para a harmonização, adequação e
integração das políticas públicas relacionadas ao uso da água, priorizando a
conservação dos recursos hídricos e recuperação dos ecossistemas associados,
garantindo a ampla divulgação por meio de diversos veículos de comunicação e
audiências públicas aprovadas pelos respectivos Comitês de Bacias Hidrográficas.”

O Movimento denominado Grito das Águas nasceu em 22 de março de 1999,


no dia Mundial da Água (MORELI, 2004). O autor relata a importância da manifes-
tação popular em defesa das águas, e considera que a escolha da Água, em 2004,
como tema da Campanha da Fraternidade, representa um importante avanço na
sensibilização da crise da água que se agrava em todo planeta. Foram 30 mil
comunidades em oito mil paróquias que refletiram sobre o tema em todo Brasil.
Várias vozes ecoaram nos últimos anos ao mesmo tempo, discutindo o
desafio das águas no presente e futuro, através de Fóruns, Simpósios,
Congressos, Festivais, Manifestações Internacionais e Nacionais. Acesso à água
como direito humano fundamental, a garantia do múltiplo uso e o cuidado com
este recurso limitado é uma bandeira de luta dos movimentos sociais e faz parte
dos objetivos das parcerias entre poder público e ONGs, das iniciativas individu-
ais e coletivas de diversos segmentos da sociedade e deve ser valorizada.

2. Conflitos e desafios das águas de Mato Grosso


Ao se afirmar a impossibilidade de isolar questões ambientais como se
fossem problemas em si mesmos, desconectadas das questões econômicas,
sociais e culturais, reafirmamos que o enfrentamento das questões ambientais

48
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

passa pela mudança do modelo de desenvolvimento e dos padrões de produção


e consumo.
Acselrad (2004) afirma que os conflitos ambientais devem ser analisados,
simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do
território. No espaço de apropriação material, desenvolvem-se lutas sociais,
econômicas e políticas pela apropriação de diferentes tipos de capital, como, por
exemplo, no meio ambiente, disputas por apropriação dos rios entre populações
ribeirinhas e grandes projetos hidroelétricos, confrontos entre seringueiros e
latifundiários pelo controle de seringais, etc. No campo simbólico a luta é para
impor as categorias que legitimam ou não, a distribuição de poder sobre os
distintos tipos de capital.
O intenso desmatamento no Estado nas décadas de 1970 e 80, conseqüência
do modelo desenvolvimentista de integração da região estava pautado em
políticas de ocupação com a implantação de grandes projetos de: colonização,
mineração, usinas hidroelétricas, rodovias e agropecuária (ALENCAR, 2004). O
modelo provocou conflitos, gerou impactos ambientais nos ecossistemas com o
deslocamento de populações indígenas, ribeirinhas, tradicionais e pequenos
produtores, intensificando perdas culturais e biológicas, reduzindo a disponibi-
lidade de água, danificando os solos, etc.

2. 1. Barragens e Hidrelétricas
Uma deliberação da Conferência Nacional do Meio Ambiente de 2005,
determinou a “suspensão imediata de todos os empreendimentos para aproveitamento
hidrelétrico, inclusive as PCHs, ainda não iniciadas, até que o EIA/RIMA seja realizado,
bem como a proibição destas instalações em unidades de conservação, áreas indígenas e
comunidades tradicionais, garantindo a efetiva participação popular, principalmente, das
populações ameaçadas e/ou atingidas pelas barragens.”
Apesar da ilegalidade destas obras e da ratificação do movimento ambien-
talista e demais segmentos que participaram da Conferência, na mesma época,
índios de várias etnias do Parque Nacional do Xingu ameaçavam entrar em
guerra se continuassem as obras de uma hidrelétrica no rio Culuene, um dos

49
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

mais importantes afluentes do rio Xingu e a principal fonte de alimento das


aldeias. A hidrelétrica de pequeno porte resultou de um acordo entre a empresa
Paranatinga Energia, o governo do Estado e algumas lideranças indígenas. O
acordo foi contestado depois pela maioria das 14 etnias existentes no Xingu e a
maior parte dos caciques que o tinham assinado. O local é sagrado para os índios
- onde teria nascido o Quarup, maior celebração religiosa da tradição Xingu, um
ritual em homenagem aos mortos. Apesar das medidas impetradas pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e pelo Ministério Público Federal (MPF), o
acordo entre índios, Estado e empresa está sendo cumprido e obras da hidrelétri-
ca continuam no conflito criado.
Vainer (2004) relata em “Águas para vida, não para a morte” que nos anos 80
cresceram em diferentes regiões a organização e as reivindicações dos atingidos
por barragens contra as injustiças às populações desabrigadas. Em 1989, reuniu-
se em Goiânia, o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens.
A carta da resolução final do evento expressa o nascimento de um movimento
nacional que reúne as reivindicações dos atingidos por barragens e a busca de
uma política energética nacional com democracia. Em 1992, o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) se consolida em um movimento nacional no I
Congresso Nacional de Atingidos por Barragens.
Em Mato Grosso, o MAB nasceu em decorrência da barragem do rio Manso,
principal afluente do rio Cuiabá. A história da construção da Usina de Manso é herança
das faraônicas obras de infra-estrutura planejadas pelo governo militar (ARINI, 2005).
Em 1998 esta barragem foi inaugurada para gerar eletricidade, controlar as
enchentes e irrigar lavouras, hortas e pomares. Sua área de alagamento é de 427
Km2. Apesar do grande reservatório que, segundo dados de Furnas a UHE, tem
capacidade de geração de até 212 megawats (MW), a usina produz de forma fixa
apenas 97 MW de energia, ou o equivalente a três pequenas centrais elétricas
com represamento de áreas até cem vezes menores. Foi denunciada por irregula-
ridades na Licença Ambiental para operar.
Em 2004 o MAB informava que existiam 1.065 famílias atingidas pela Usina
Hidrelétrica de Manso, que perderam tudo com a construção da obra, mas

50
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

somente 249, em princípio, foram reassentadas em cinco diferentes áreas.


Levantamentos técnicos de uma comissão independente revelaram que 92% do
solo dos re-assentamentos era formado por areia, impróprio para a agricultura.
Em dezembro de 2005, o MAB montou acampamento na Usina de Manso para
reivindicar o cumprimento dos acordos firmados com Furnas, após a construção
da barragem. Das famílias retiradas da área, mais da metade ainda não haviam
recebido suas terras.
Os impactos ambientais produzidos por essa barragem vêm sendo denunci-
ados por ambientalistas e pesquisadores desde o início da obra, tanto pelas
mudanças no sistema de inundação do pantanal e na bacia onde está inserida,
com destruição de habitats, extinção de espécies, diminuição de populações de
peixes; quanto em impactos sociais na área de alagamento e a jusante onde
moradores dependem do ciclo natural das águas para sobreviver.
Silveira (2004) observou que o represamento do Rio Manso provocou
alterações nas características ecológicas, no uso da água e na biodiversidade
aquática conforme os dados registrados na comunidade do Sítio Santa Rita. A
pesquisadora afirma que esta população possui uma grande dependência
ecológica e cultural do sistema hídrico do rio Cuiabá e atualmente vive as
conseqüências negativas da barragem e nem usufrui os benefícios da energia
elétrica produzida. As denúncias de populações tradicionais ribeirinhas, como
as da comunidade Bom Sucesso, viram notícias de jornais a cada vez que não se
percebe o ciclo natural das águas do Pantanal, a diminuição de estoques pesquei-
ros e mudanças ecológicas em processos como a piracema.
Em 2005 mais uma polêmica relacionada à instalação de uma hidrelétrica
inicia a partir de uma batalha judicial, a AHE Dardanelos. Esta usina produziria
cerca de 261 MW, através do aproveitamento do rio Aripuanã, na grande queda
natural denominada “Salto de Dardanelos”.
O Município e o rio Aripuanã são bastante conhecidos em Mato Grosso pela
grande quantidade e diversidade de peixes, e, principalmente, pela enorme
beleza de suas diversas quedas d'água que possuem uma beleza cênica impressi-
onante como Dardanelos e Andorinhas, de fácil acesso à população local e

51
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

turistas. Foram estas belezas que incluíram Aripuanã no Proecotur, o programa


de ecoturismo na Amazônia iniciado, em 2000. A região foi classificada pelo
Ministério do Meio Ambiente como de prioridade "extremamente alta" para a
conservação da biodiversidade (ÂNGELO & ARINI, 2006).
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, via Promotoria de Justiça
de Aripuanã, propôs ação questionando o Estudo e relatório de impacto ambien-
tal (EIA/Rima) referente ao Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, que teria
sido elaborado com irregularidades técnicas e formais. A equipe de peritos
composta por pesquisadores de diversas Universidades constatou que vários
quesitos necessários ao atendimento do EIA/RIMA não foram atendidos.
Constataram que as análises sócio-econômico-ambientais da Área de Influência
Indireta não contemplam devidamente os impactos positivos e negativos que
serão produzidos na região. No que se refere à Área de Influência Direta, os
estudos foram feitos dividindo-a em dois ambientes restritos: a primeira, meio
físico biótico, ligada exclusivamente à área de interferência ocasionada pelas
obras, isto é, não existe nenhuma análise sobre a influência do empreendimento
após a construção; o segundo ambiente abordado diz respeito ao sócio-
econômico, que sem esclarecer qual paradigma que fundamentou a área
delimitada, transforma este tipo de análise, certamente complexo.

Muito pouco foi analisado para verificar a relação entre os interesses em conflito
envolvendo a população local, regional e o Estado, isto é, não foram considerados os
elementos relacionados ao uso das cachoeiras e dos recursos naturais a ela
associados.

No próprio EIA-Rima da hidrelétrica de Dardanelos, preparado pela


Eletronorte e pela construtora Norberto Odebrecht, dos 83 impactos descritos no
relatório, 72 eram negativos, segundo o parecer dos peritos, ainda ocorre a
inoperância da hidrelétrica no mínimo de 3 meses/ano, por falta de vazão d´água.
Os Ministérios Público Estadual e Federal chegaram à conclusão que o
EIA/RIMAnão demonstrou a viabilidade do empreendimento, pois não realizou
estudos sobre as linhas de transmissão, isso equivale dizer que não comprovou

52
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

sua viabilidade ambiental, pois o preço da energia com os valores e custos da


linha de transmissão chegará ao consumidor de outra forma que a disposta no
EIA/RIMA.
Mesmo com os diversos questionamentos e a equipe técnica da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA) verificando falhas no EIA-Rima, estabele-
cendo 24 condicionantes para a liberação de Licença Prévia, que não foram
atendidos em tempo, a própria SEMA e a Assembléia Legislativa do Estado
concederam a Licença Prévia em meados de 2006 e a AHE Dardanelos foi a leilão.
Os conflitos a respeito desta obra deverão continuar até a sua execução e mesmo
após sua construção.

2.2 Zoneamento Sócio Econômico Ecológico


Em 1995 o Governo do Estado implantou o projeto do Zoneamento Sócio
Econômico Ecológico do Estado de Mato Grosso (ZSEE-MT). A proposta de
ZSEE-MT e a minuta de projeto de Lei que o regulamenta encontram-se disponí-
veis no site da Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso (SEPLAN),
apesar da minuta de Lei e do relatório ter sido disponibilizado em 2004, em 2006,
ainda não foram regulamentados.
No relatório do ZSEE-MT, são elencadas áreas com comprometimento da
qualidade da água por esgoto doméstico, por herbicidas e agrotóxicos, por
garimpo de ouro e por outras minerações. Consta também a necessidade de
recuperação de praticamente todas as nascentes dos rios do Estado, que atual-
mente estão degradadas e desmatadas.
Segundo o ZSEE-MT, a qualidade da água na Bacia Amazônica está compro-
metida principalmente por garimpo de ouro, herbicidas e agrotóxicos e as Bacias
dos rios Araguaia e Paraguai, com esgoto doméstico. O garimpo se desenvolveu
principalmente na região do município de Peixoto de Azevedo, contaminado
extensas áreas. O esgoto doméstico afeta principalmente a região de Cuiabá e
Várzea Grande entre outros municípios, com maior aglomeração urbana.
O atual modelo de desenvolvimento do Estado contribui para o crescente
desmatamento e uso de agrotóxicos, que contaminam nascentes, rios e o lençol

53
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

freático principalmente no planalto da Bacia do Alto Paraguai. Estes por sua vez
chegam até a planície pantaneira causando danos ao ambiente e à saúde.

2.3 Hidrovia Paraguai Paraná


Na década de 1980 o projeto inicial da Hidrovia Paraguai Paraná envolveria
5 países da bacia do Prata: Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina e previa
a execução de centenas de obras de dragagens, derrocamento, retificação de
curvas (aumentando o raio) dos rios Paraná e Paraguai, a partir do município de
Cáceres. A via atravessaria 1.300 quilômetros do Pantanal até Nueva Palmira, no
Uruguai. O propósito seria permitir o tráfego de barcaças 24 horas por dia,
durante os 365 dias do ano.
Desde sua proposição a hidrovia Paraguai-Paraná, vem sendo questionada
por pesquisadores, comunidades locais e movimentos sociais, ambientais de todo
mundo e diversos estudos sobre impactos ecológicos e culturais vêm provando a
inviabilidade do transporte de comboios de chatas no sistema pantaneiro.
Em curso desde 2000, a iniciativa aposta na integração para promover o
desenvolvimento econômico da região. No entanto, inúmeros questionamentos
em torno da relação custo-benefício do transporte hidroviário, e sua conexão
com outros meios, têm sido levantados. A Coalizão Rios Vivos e outras entidades
tornaram públicas as inúmeras conseqüências negativas possíveis da hidrovia
Paraguai-Paraná.
O movimento resultou no abandono do projeto da hidrovia no Pantanal, até
sua proposta de retomada pela Iniciativa de Integração de Infra-estrutura
Regional Sul-Americana (IIRSA). Atualmente, diversas propostas de ampliação
e construção de novas hidrovias, previstas na IIRSA e no Plano Plurianual (PPA)
do governo federal (2004 - 2007), têm mobilizado ONGs nas discussões dos
impactos das obras propostas (PAIM, 2003).
Atualmente, após decisão judicial, um novo Estudo de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) deverá ser feito considerando todo o trecho da hidrovia. A justiça
também determinou que o Licenciamento Ambiental para que a hidrovia
comece a operar seja analisado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

54
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A decisão da justiça foi uma vitória do


movimento socioambientalista, que durante anos tentou barrar o projeto que
acontecia camuflado, com obras isoladas e licenciamentos ambientais estaduais.
Em Cáceres-MT, houve o fortalecimento do movimento sócio ambiental a
partir da mobilização em defesa do rio Paraguai, através de uma manifestação de
diversos movimentos sociais ocorrido em 14 de novembro de 2000, contra a
instalação de um Porto que serviria de base para a implementação da hidrovia
Paraguai-Paraná. A construção do Porto foi barrada pela Justiça Federal e
seguiram-se diversos eventos em que se debateu a situação do Pantanal Mato-
grossense e a necessidade de sua conservação (VIANA, 2001).
Em 14 de fevereiro de 2001 realizou-se “O Encontro Internacional da
Sociedade em Defesa do Rio Paraguai” questionando a implantação da Hidrovia
Paraguai-Paraná. Vários especialistas e movimentos sociais participaram do
evento com representantes da Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil e mostraram
preocupações com o destino da população que depende do rio para sobreviver.
Em 14 de novembro do ano de 2001, o Fórum de Luta das Entidades de
Cáceres (FLEC), organizou a celebração do “Dia do Rio Paraguai”, comemoran-
do um ano da resistência da comunidade em defesa das águas.
A partir desta experiência, foi proposto o Festival Ecológico e Cultural das
Águas de Mato Grosso, como um espaço para o diálogo contínuo sobre as
questões ambientais nas três principais Bacias do Estado. Articulando a acade-
mia, movimentos sociais, indígenas e ambientais, em 2003, ocorreu o Festival das
Águas do Pantanal, em 2004, o Festival das Águas do Araguaia e em 2005, a
versão Águas da Amazônia Mato-grossense em Alta Floresta. A mobilização e a
discussão nos três eventos foram intensas, mostrando, em regiões distintas do
Estado, a necessidade e a urgência de modelos sustentáveis para a água.
Destacamos trechos da Carta das Águas do Araguaia (2004):
Temos o dever de chamar a atenção de todos e todas que há uma campanha
orquestrada mundialmente no sentido de construir uma aceitação de políticas que
visam, sobretudo, privatizar as águas de todo o mundo. De nossa parte, declaramos
que há uma crise que envolve esse precioso elemento da natureza, mas que essa crise
não autoriza concluir que, para resolvê-la haverá de privatizar as águas. Declaramos

55
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

enfaticamente, com base em pesquisas científicas e de reflexões de ordem filosófica


que a água não é simplesmente recurso hídrico, mas que é parte da vida e, como tal,
não pode ser alienada e separada da totalidade da natureza (...)
O Estado de Mato Grosso tem uma responsabilidade especial perante a humanida-
de (...) as duas maiores áreas continentais alagadas do planeta – o Pantanal e o
Araguaia – dependem da dinâmica socioambiental direta de nosso Estado (...)
A maior ameaça que paira sobre o imenso patrimônio de água deste pequeno
pedaço do planeta que nos cabe cuidar é o modelo de desenvolvimento econômico
com base no grande latifúndio produtivo de monocultura, de desigualdade social e
de violência.
A Hidrovia no rio Araguaia também vem sendo questionada em Mato
Grosso, e o movimento de resistência se empodera da luta e da poesia de D.
Pedro Casaldáliga que proclama: “Nossas vidas são os rios”.

3. Desafios
Coordenar o debate deste tema, em um Estado tão grande como nosso, é um
desafio e uma necessidade do GT Recursos Hídricos do projeto como o Mato
Grosso Sustentável de Democrático. Não faremos este diálogo e debate conside-
rando a água apenas como um recurso. Ao lembrar da sensação que tivemos no
Araguaia junto com Dom Pedro Casaldáliga, Carlos Walter, Roberto Malvezzi,
Marcelo Barros, Severiá, Samuel Karajá e tantos outros companheiros, sabemos
que as nossas águas são realmente as nossas vidas, de todas as formas, em todos
os lugares.
Ao caminhar pelo Estado sabemos também de diversas iniciativas que estão
contribuindo com a conservação das nossas águas, projetos como: Aquabio, “Y
Ikatu Xingu”, revitalização dos rios Araguaia – Tocantins, iniciativas de comitês
de bacias, reorganização da Reserva da Biosfera do Pantanal e muitas outras que
contribuem para uma sociedade Democrática e Sustentável.

4. Referencias Bibliográficas

ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Acselrad, Henri
(org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004.

56
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 2004.

ÂNGELO, Cláudio e ARINI Juliana. Usina polêmica vai à leilão em setembro. Disponível em <
www.folha.com.br > acessado em 15/10/2006

ARINI, Juliana. Manso opera sem licença ambiental. Disponível em < www.ecoagencia.com.br >
acessado em 15/12/2006.

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de 2004.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. II Conferência Nacional do Meio Ambiente. Caderno de


Deliberações. Política Integrada e Uso sustentável dos Recursos Naturais. Brasília, 2005.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO. Disponível em <www.mp.mt.gov.br> acessado em


10/12/2006.

MORELI, Leonardo. O grito das águas. Joinville – SC. Letradágua, 2004.

PAIM, Elizangela S. IIRSA: É esta a integração que nós queremos? Núcleo Amigos da Terra/ Brasil.
Dezembro de 2003. <http://www.riosvivos.org.br/ arquivos/2118962134.pdf>.

PETRELLA, Ricardo. A água. Desfio do bem comum. In: Neutzling Inácio (org) Água: Bem público
Universal. São Leopoldo – RS: Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2004.

SILVEIRA, Jane Simoni. Percepção das mudanças Naturais e Antrópicas, por uma comunidade
ribeirinha no sistema hídrico do rio Cuiabá, Mato Grosso. 2004. Dissertação (Mestrado em Ecologia
e conservação da Biodiversidade), Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.

VAINER, Carlos. Águas para a vida não para a morte. Notas para uma história do movimento de
atingidos por barragens no Brasil. In: Acselrad, Henri, Herculano Selene Pádua José Augusto. Justiça
ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004.

VIANA, Gilney. (org). A polêmica sobre a hidrovia Paraguai – Paraná e o porto de morrinhos. Mato
Grosso – Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, 2001.

WWF-BRASIL / Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas. Bezerra –Silva. F.C., Barreto, S.
R & Nabinger. (org). Reflexões e dicas: para acompanhar a implementação dos sistemas de gestão
de recursos hídricos no Brasil. Brasília, 2005.

57
ANÁLISE DO DESMATAMENTO NAS UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO

1
Roberta Roxilene dos Santos
Laurent Micol
Gustavo V. Irgang
Jane M. Vasconcellos

O Estado de Mato Grosso, com uma área total de 905 mil km², possui alta
biodiversidade, com a presença de três grandes tipologias vegetais: Floresta
Amazônica (423 mil km²), Cerrado (331 mil km²) e Floresta de Transição (145 mil
km²).
O desmatamento acumulado até 2005 atingiu 32,4% da área de Floresta,
40,0% da área de Cerrado e 34,5% da área de Transição.
Do total de 585 mil km² de cobertura vegetal original remanescente, 6,5%
encontram-se protegidos pelas 42 Unidades de Conservação (UCs) existentes no
Estado (), que somam 41 mil km², cobrindo 4,6% do território estadual. Desta
extensão, 30,8 mil km² representam categorias de manejo de Proteção Integral e
apenas 10,2 mil km², são de Uso Sustentável.
O governo estadual criou e administra 35 destas UCs (29 de Proteção
Integral e 6 de Uso Sustentável), enquanto 7 unidades (6 de Proteção Integral e 1
de Uso Sustentável) são federais.
As Unidades de Conservação são instrumentos legais de conservação da
natureza, amplamente adotados pela maior parte dos países, constituindo-se na
mais importante estratégia mundial para a proteção da biodiversidade.
Segundo a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), as Unidades de Conservação são espaços territoriais e
seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características
naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de

1
Roberta Roxilene dos Santos é Geógrafa e Analista de SIG do ICV; Gustavo Irgang é Geógrafo, e Coordenador
Programa Conservação - ICV; Jane M Vasconcellos é Bióloga, Consultora sobre Conservação e conselheira do
ICV; Laurent Micol é coordenador adjunto ICV.

58
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, aos quais


se aplicam garantias adequadas de proteção. A Lei do SNUC também estabelece
que no entorno das UCs, exceto Área de Proteção Ambiental (APA) e Reserva
Particular do Patrimônio Natural (RPPN), deve haver uma Zona de
Amortecimento, com normas específicas regulamentando a sua ocupação e o
uso dos recursos.
Diante do crescimento desordenado da ocupação territorial – causa de
sérios conflitos entre a conservação do patrimônio natural, que deveria ser um
bem comum de todos, e o uso e apropriação dos espaços pelo homem – as áreas
legalmente protegidas desempenham um papel essencial no ordenamento
territorial. Embora muitas destas áreas ainda não estejam efetivamente implan-
tadas, elas vêm-se demonstrando muito eficazes para a conservação ambiental.
Mato Grosso tem ocupado o posto de campeão dos desmatamentos da
Amazônia, como demonstram os dados da:

14.000
Acre
12.000
Amapá
Desmatamento (km²)

10.000 Amazonas

8.000 Maranhão

Mato Grosso
6.000
Pará
4.000
Rondônia

2.000 Roraima

Tocantins
0
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005

Ano

Figura . Evolução da taxa do desmatamento nos Estados da Amazônia, INPE - 2005

Neste contexto, cresce a importância das unidades de conservação como


instrumentos eficazes para reverter este quadro, contendo o avanço do desmata-
mento local e regional.
O presente trabalho pretende demonstrar esta importância e identificar as
unidades em situação mais crítica em relação ao desmatamento, reforçando a
necessidade de sua plena efetivação, além da urgente criação de novas áreas
legalmente protegidas como Ucs.

59
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Objetivo Geral
Identificar a eficácia das Unidades de Conservação do Estado de Mato
Grosso como barreiras ao avanço do desmatamento local.

Objetivos Específicos
• Analisar a dinâmica do desmatamento nas Unidades de Conservação e
seu entorno, num raio de 10 km.
• Quantificar, de forma comparativa, os desmatamentos ocorridos no
interior das Unidades e no seu entorno, antes e depois da sua criação.
• Identificar a situação das Unidades de Conservação e categorias de
manejo quanto a sua eficácia na proteção da cobertura vegetal nativa.

Figura Unidades de conservação no Estado do Mato Grosso

2
Método e Fontes de Dados
Para análise do desmatamento nas Unidades de Conservação (UCs) do
Estado de Mato Grosso, utilizou-se as bases de dados cartográficos digital de
2006, fornecidas pela Secretaria de Estadual do Meio Ambiente (SEMA-MT).

2
Agradecemos à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso pela presteza na cessão dos dados
espaciais. Ao Ibama pelas informações e à Dra. Jane Maria de Oliveira Vasconcellos pelo apoio à elaboração deste
estudo.

60
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

O processo de análise espacial envolveu duas etapas distintas:


1. Padronização das bases cartográficas
2. Análises do banco de dados espaciais
Na primeira etapa do trabalho foi feita a padronização da informação, como
descrito a seguir:
- Os arquivos vetoriais dos temas UCs, desmatamento, tipologia florestal
foram convertidos do sistema de coordenadas geográficas, expressa em unida-
des de medida angular, para Universal Transversa de Mercator (UTM), datum
SAD1969, que adota coordenadas métricas planas, mais adequado para cálculo
de áreas.
- Uma área tampão de 10km (buffer) foi delimitada no entorno de cada
Unidade de Conservação, visando a análise da dinâmica do desmatamento no
seu entorno imediato, com exceção das Áreas de Proteção Ambiental (APA), que,
segundo a Lei do SNUC, não necessitam possuir uma zona de amortecimento.
Em casos onde houve sobreposições foram calculados o quanto de cada buffer
estava contido em outra UC.
- Os arquivos vetoriais do desmatamento de cada período disponível, até
2005, foram agrupados para otimizar as análises, resultando no arquivo vetorial
da dinâmica, com todos os anos representados no mesmo banco de dados
espacial. Nesse processo, verificou-se a existência de algumas sobreposições
entre os vetoriais de um ano para outro, sendo necessário processar a reclassifi-
cação dos arquivos para eliminar as sobreposições, prevalecendo sempre a
detecção mais antiga. Nas sobreposições entre as Unidades de Conservação, foi
considerada a categoria de proteção mais restritiva.
- Os arquivos vetoriais foram posteriormente transformados em imagens
raster com um pixel de 100 x 100 metros (1 ha), onde estão contidos os valores dos
atributos de cada polígono que se quer representar.
A partir daí, com as bases padronizadas, teve início a segunda etapa do
trabalho, com a realização das análises espaciais do banco de dados, através de
tabulação cruzada, possibilitando quantificar o desmatamento nas unidades e
seu entorno ano a ano. Isto também permitiu a quantificação do desmatamento

61
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

anterior e posterior a data de criação de cada UC. A quantificação realizada


expressa o desmatamento ocorrido na cobertura vegetal de um modo geral, sem
considerar as diferentes tipologias (Floresta, Cerrado, Transição).
Para esse trabalho não foram consideradas nas análises as UCs localizadas
dentro de perímetro urbano.3

Resultados
• Análise quantitativa do desmatamento no interior das Unidades de
Conservação do Estado.
Das 42 Unidades de Conservação do Estado de Mato Grosso, 38 foram
analisadas de acordo com o método anteriormente descrito.
A análise comparativa das taxas de desmatamento ocorrido no interior das
UCS, até 2005, incluindo os períodos anteriores e posteriores a criação da
Unidade, permitiu classificá-las em 3 grupos distintos:
Grupo 1: Unidades com até 5% de área desmatada
Grupo 2: Unidades com 5% à 20% de área desmatada
Grupo 3: Unidades com mais de 20% de área desmatada
Estes resultados estão expressos na apresentada a seguir:

Figura Grupos de Unidades de Conservação, segundo critério de taxa total de desmatamento

3
SNUC, Lei n 9.985, Capítulo VII – Art. 49.

62
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

No Grupo 1 estão 15 Unidades, 11 estaduais e 4 federais, sendo 14 de


Proteção Integral e 1 de Uso Sustentável. São 6 Parques Estaduais, 6 Estações
Ecológicas, 2 Parques Nacionais e 1 Reserva Extrativista. Nesse grupo, que
representa 3% do território do Mato Grosso, apenas 3 possuem Plano de Manejo
(PM). Destacam-se Unidades que não apresentaram desmatamento no período
analisado, como as Estações Ecológicas do Rio Flor do Prado e Taiamã e o PN
Pantanal Mato-grossense que é uma das unidades com PM. O PN Juruena, criado
em maio de 2006, é o maior, aproximadamente 11.600 km² em Mato Grosso
(1,28% da superfície do Estado), apresenta menos de 1% de sua área desmatada4.
Neste grupo 1, as unidades com maior taxa de desmatamento (quase 5 %),
são o PE Serra de Santa Bárbara com 3,7 % (44 km²) e o PE Araguaia5, com 4,8%
(106,3 km²), que no ano de 1997, antes de sua criação, apresentou a maior taxa de
todo o período analisado, 2,7% do total.
No Grupo 2 estão 14 Unidades, 12 estaduais e 2 federais, sendo 12 de
Proteção Integral e 2 de Uso Sustentável. São 7 Parques Estaduais, 2 Refúgios de
Vida Silvestre, 1 Parque Nacional, 1 Estação Ecológica e 1 Reserva Ecológica e 3
Áreas de Proteção Ambiental. Nesse grupo, que representa aproximadamente
0,7 % do território do Estado, somente duas unidades estão com o PM em
andamento, o PE Cristalino I e o PN Chapada dos Guimarães. Destacam - se as
unidades com menor taxa de desmatamento a Estação Ecológica Serra das
Araras6, com 5% (cerca de 16 km²), o PE Cristalino I, que apresenta 5,3% de sua
área total já desmatada, sendo que 73% desses desmatamentos aconteceram
antes de sua criação. O PN da Chapada dos Guimarães, criado em 1989, apresen-
ta um desmatamento em torno de 9,5 % de sua área. A Unidade deste grupo com
maiores valores de desmatamento é o PE Dom Osório Stoffel, com 18,3% de área
desmatada, sendo que 96% do total dos desmatamentos na Unidade ocorreram
antes de 2002, quando o Parque foi criado.

4
O PN Juruena se sobrepõe totalmente à Reserva Ecológica Apiacás e parcialmente ao Parque Estadual Igarapés
do Juruena.
5
Ambas unidades possuem Plano de Manejo.
6
É uma das Unidades de Conservação mais antigas do Estado, foi criada em 1982 e não tem Plano de Manejo.

63
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

O Grupo 3 é o que inclui o menor numero de Unidades, porém as que


apresentam as maiores taxas de desmatamentos. São 9 áreas, todas estaduais,
sendo 5 de Proteção Integral e 4 de Uso Sustentável: 2 Parques Estaduais, 2
Estações Ecológicas, 1 Monumento Natural e 4 Áreas de Proteção Ambiental,
representando 1,2% do território estadual. No PE Cristalino II, dos 22,8% da área
total desmatada, 54% ocorreram após 2001, ano de sua criação. De forma
semelhante, o PE Ricardo Franco, criado em 1997, apresenta 23,2% de sua área
desmatada, sendo 43% disso depois da criação do Parque.
A APA Chapada dos Guimarães, criada em 1995, apresenta 43,7% de sua
área total desmatada, sendo 30% desse valor ocorridos depois de sua criação e é a
única unidade deste grupo com PM concluído.
A EE Rio da Casca 1, é a menor unidade do Estado e a que apresenta a maior
taxa de desmatamento de todas as áreas analisadas, cerca de 69% de sua área
total. Criada em 1994, teve 65% de área desmatada antes de sua criação.
Destacam–se ainda neste grupo 3, a APA Nascentes do Rio Paraguai e o
Monumento Natural Morro Santo Antônio, criadas em 2006, e que juntas
representam 6% do total de desmatamentos do grupo, todos anteriores a criação
das mesmas.
Em resumo, até 2005, cerca de 10% dos 41 mil km² protegidos como
Unidades de Conservação no Estado já haviam sido desmatados e cerca de 68%
deste total foram desmatamentos ocorridos antes da criação das Unidades, como
demonstra a 1. As 9 Unidades do Grupo 3 representam cerca de 78% do desmata-
mento total ocorrido no interior das UCs do Estado.

Tabela 1: Dados do desmatamento por grupo de análise


UCs do Grupo 1 UCs do Grupo 2 UCs do Grupo 3 Total
Representatividade 16 UCs 14 UCs 9 UCs
41.191 km2 ou 4,6%
em relação a área do 24.611 km2 ou 2,7% 6.080 km2 ou 0,7% 10.500 km2 ou 1,2%
do território estadual
Estado do território do território do território
Área total desmatada 4.165 km2 ou 10%
335 km2 ou 8% 586 km2 ou 14% 3.244 km2 ou 78%
nas UCs da área total das UCs
Área desmatada
2.830 km2 ou 68%
antes da criação da 258 km2 ou 6% 423 km2 ou 10% 2.149 km2 ou 52%
do total desmatado
UC

64
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

• Análise quantitativa do desmatamento no entorno das Unidades de


Conservação do Estado, num raio de 10 km.
O propósito da Lei do SNUC, ao estabelecer a obrigatoriedade da normati-
zação da ocupação e uso dos recursos no entorno das UCs ou Zonas de
Amortecimento, é minimizar os impactos negativos sobre a unidade e fortalecer
as oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Desta forma, para a
classificação das áreas do entorno das UCs, quanto as taxas de desmatamento,
foram utilizados grupos com intervalo de valores maiores do que aqueles para o
interior das Unidades, como a seguir:
Grupo 1: Entornos com até 20% de área desmatada
Grupo 2: Entornos com 20% à 50% de área desmatada
Grupo 3: Entornos com mais de 50% de área desmatada

Esta análise foi feita para o entorno de 327 unidades. No Grupo 1 estão
incluídos os entornos de 17 Unidades, sendo 16 entornos de áreas de Proteção
Integral e 1 entorno de área de Uso Sustentável. São 5 entornos de Estações
Ecológicas, 2 de Parques Nacionais, e 7 de Parques Estaduais, 2 entornos de
Refúgio da Vida Silvestre e 1 de Reserva Extrativista. A EE Taiamã e o PN do
Pantanal Mato-grossense, que não apresentaram áreas desmatadas em seu
interior, também não apresentam desmatamentos em seus entornos. O PN
Pantanal Mato-grossense tem 3% do seu entorno sobreposto ao PE Guirá,
também incluído no Grupo 1. A Resex Guariba Roosevelt e o PE Cristalino I,
ambos com 9% de seu entorno desmatado, também fazem parte do Grupo 1. No
caso do PE Cristalino I, o seu entorno está sobreposto em 34% com o PE do
Cristalino II. Deste grupo a unidade que apresenta seu entorno mais desmatado
é o RVS Quelônios do Araguaia, com 16%.
No Grupo 2 estão o entorno de 9 unidades, todas de Proteção Integral. São 6
Parques Estaduais, 1 Parque Nacional e 2 Estações Ecológicas. Com 20% de seus
entornos desmatados estão a EE do Rio Ronuro e o PE Cristalino II, que tem 20%

7
Não foram consideradas na análise o entorno das Áreas de Proteção Ambiental

65
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

de seu entorno sobreposto com o PE Cristalino I. Com 38% do seu entorno


desmatado está o PE Ricardo Franco, e a unidade deste grupo que apresenta a
maior área desmatada é o PE Serra de Santa Bárbara, com 48% no total. O PN da
Chapada dos Guimarães apresenta cerca de 35% do seu entorno desmatado,
porém 72% da área está sobreposto à APAChapada dos Guimarães.
O Grupo 3 inclui o entorno de 6 unidades, todas de Proteção Integral. Temos
2 Parques Estaduais, 2 Estações Ecológicas, 1 Reserva Ecológica e 1 Monumento
Natural. Apresentando taxas semelhantes estão o Monumento Natural Morro
Santo Antônio (52%), a Resec Culuene (53%) e o PE Serra Azul com 54% da área
do entorno desmatado. No caso do PE Serra Azul, aproximadamente 6% da área
está sobreposta à APASerra Azul.
Das unidades analisadas, a que apresenta o entorno mais desmatado é a EE
Rio da Casca 1, com 81 %, e aproximadamente 12% está sobreposto a outras
unidades, EE Rio da Casca 2 e à APAChapada dos Guimarães.
Em resumo, as taxas de desmatamento no entorno das UCs de Mato Grosso
vem demonstrando, nos últimos três anos, franca redução nos seus valores. Estes
estão relativamente menores que a média das áreas não protegidas: até 2005, 15%
dos 56 mil km² de área de entorno de UCs foram desmatados, contra 42% para o
total das áreas não incluídas em UCs ou TIs. Entre as 33 UC's analisadas, 17 tem
menos de 20% de suas áreas de entorno desmatadas; 9 têm de 20 a 50% de suas
áreas de entorno desmatadas, sendo todas de Proteção Integral, e com uma taxa
média de desmatamento de 4% nos últimos 3 anos ou 1.8% ao ano; entre as 6
UC's que possuem mais de 50% de suas áreas de entorno desmatadas, a taxa
média de desmatamento de 2003 a 2005 foi de 3%, isso se explica pelo fato de a
maioria dessas áreas de entorno já terem sido desmatadas antes de 2003.

• Identificação das categorias de Unidades de Conservação mais eficazes


para combater o avanço do desmatamento
Segundo o SNUC, o objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é
preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos
naturais, com exceção dos casos previstos em lei.

66
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Para as Unidades de Uso Sustentável é possível compartilhar a conservação


da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
Segundo Magnanini (2002), estas são mais áreas de restrição de atividades e não
Unidades propriamente ditas; elas existem mais em função de planejamento e de
licenciamento de uso e de atividades e não constituem necessariamente em si
Unidades de Conservação. Ou conforme Dourojeanni (1997), ressalta a respeito
das RESEX, estas tem demonstrado pouca eficiência tanto para a conservação
como para o desenvolvimento e geração de renda para as populações envolvi-
das.
Para Alencar (2004), áreas protegidas de proteção integral e de uso sustentá-
vel têm um papel central na redução do desmatamento, na preservação da
biodiversidade e na proteção dos direitos de populações tradicionais.
Entretanto, não podem ser vistas como a única solução.
Nesse contexto, o resultado da avaliação das diferentes categorias de
manejo estaduais e federais, frente ao avanço do desmatamento no Estado. Na 2
estão os resultados das taxas de desmatamento por categorias de manejo, ou seja
a contribuição de cada categoria ao desmatamento total nas unidades de
conservação do Estado.

Tabela 2: Dados do desmatamento por categoria de manejo


Área Total
Categorias de Manejo (km²) Taxa de desmatamento acumulado
Antes da criação da UC Depois da criação da UC
PROTEÇÃO
INTEGRAL FEDERAL ESTADUAL FEDERAL ESTADUAL
Estação Ecológica 4.191 0 0.7 1.1 0.2
Reserva Ecológica 36 0.0 0.1
Refúgio Vida Silvestre 1.139 3.4 0.5
Monumento Natural 3 0.02 0
Parque 25.524 1.9 16.8 0.7 9.2
USO SUSTENTÁVEL
Reserva Extrativista 485 0.04 0.05
Área de Proteção
9.813 2.0 43 1.8 18
Ambiental
TOTAL 41.191 3.9 64.1 3.6 28.4

67
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Analisando os resultados, podemos concluir que, como era de se esperar, as


categorias de Proteção Integral, apresentam taxas de desmatamento em seu
interior menores se comparadas às categorias de Uso Sustentável.
Em Proteção Integral estão 75% do total das UCs do Estado. São as Estações
Ecológicas, Reservas Ecológicas, os Refúgios de Vida Silvestre, Monumento
Natural e os Parques. Estas representam 35% do total dos desmatamentos
ocorridos no interior das unidades do Estado, sendo que 31% nas unidades
estaduais e 4% nas federais.
Destacamos os Parques Estaduais que apresentam a maior taxa (26%) de
desmatamento no interior das unidades e apesar de 16,8% ter ocorrido antes da
criação e de apresentar uma redução significativa após a criação, mesmo assim
permanece uma taxa relativamente elevada para uma categoria de Proteção
Integral (9,6%). Isso demonstra a fragilidade dos Parques Estaduais frente a
pressão do desmatamento.
As Estações Ecológicas existentes no Estado, tanto federais quanto estadua-
is, apresentam taxas baixas de desmatamento, antes e após a criação, com valores
decrescentes no caso das estaduais. Nota-se um aumento na taxa dos desmata-
mentos após a criação nas Estações Ecológicas federais, que era de 0% passando
para 1,1%.
Os Refúgios de Vida Silvestre que representam 2,8% do total da UCs
existentes no Estado, apresentam uma redução significativa nas taxas de desma-
tamento após a criação, e demonstram-se eficazes ao avanço do desmatamento.
Representando apenas 35% do total das Ucs do Estado temos as categorias
de Uso Sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental e as Reservas
Extrativistas.
No Estado, são responsáveis por 65% do total dos desmatamentos ocorridos
no interior das UCs. As APAs Estaduais representam 61% desse total e as
federais 4%, ficando a única Reserva Extrativista do Estado responsável por
apenas 0,08% deste total.
Os resultados apontam que do desmatamento total ocorrido no interior das
unidades de conservação do Estado, 92,5% ocorreram em unidades estaduais

68
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

apresentando taxa elevada também nos entornos chegando a 87% de desmata-


mentos. Dado muito preocupante e que reforça a necessidade de maior fortaleci-
mento no Sistema Estadual de Unidades de Conservação. As unidades federais
são responsáveis por 7,5% e por 13% nos seus entornos.
Das categorias de Unidades de conservação existentes em Mato Grosso,
destacamos como mais eficazes para barrar o avanço do desmatamento as
unidades de Proteção Integral como Refúgios de Vida Silvestre e Estações
Ecológicas, por demonstrarem clara diminuição nas suas taxas após a criação das
unidades.

Comentários Finais
Até 2005, cerca de 10% do território total das Unidades de Conservação do
Estado havia sido desmatado, bem como 15% das áreas do entorno dessas
Unidades, num raio de 10 km. Ao compararmos estes dados com as taxas
cumulativas do desmatamento ocorrido no Estado de Mato Grosso, que foi
35,3%, no mesmo período analisado, é possível constatar que, de um modo geral,
as UCs têm sido instrumentos eficazes na conservação do patrimônio natural,
contendo o avanço do desmatamento local. Como sugerem estudos recentes,
mesmo as UCs com deficiências administrativas e de manejo, demonstram-se
mais eficientes na conservação do que áreas não legalmente protegidas
(BRUNER, 2001).
Porém, estes 10% de áreas desmatadas no interior das UCs representa um
dado ainda expressivo, visto tratar-se de áreas protegidas por lei. Nas Terras
Indígenas foram registrados apenas 3,3% de desmatamento.
O mesmo ocorre com os 15% constatados nas áreas de entorno, consideran-
do ainda que, em muitos casos, o entorno de uma UC localiza-se no interior de
uma outra área protegida (UC ou TI), reduzindo desta forma a pressão do
desmatamento.
As categorias de manejo de Proteção Integral são as mais eficazes para
conter o avanço dos desmatamentos, porém é fundamental reforçar a necessida-
de de elaboração e implantação dos Planos de Manejo, passo muito importante

69
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

na efetivação dessas áreas, proporcionando também a atuação dos atores-chave


na tomada de decisão e gestão da unidade, através dos conselhos consultivos ou
deliberativos.
Os resultados apresentados reforçam a necessidade de maiores estudos
sobre a biodiversidade para definição de áreas prioritárias visando a criação de
novas unidades conservação e assim fortalecer o sistema de unidades de
conservação do Estado, que atualmente representa apenas 4,6% do território.
Também apontam a necessidade de políticas públicas que privilegiem a
efetiva implantação das UCs existentes e a criação de novas áreas legalmente
protegidas, dentro dos programas voltados para a contenção do avanço do
desmatamento no Estado.
Deve também ser dada especial atenção às iniciativas que visam promover o
desenvolvimento integrado e sustentável dos territórios localizados no entorno
das UCs, efetivando-os, na prática, como Zonas de Amortecimento legais e
funcionais.

Referências Bibliográficas:
ALENCAR, A.[et al], 2004. Desmatamento na Amazônia: indo além da Emergência Crônica.Belém:
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

BRASIL. 2000 Lei n0 9.985, de 18 de julho de 2000 Institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza – SNUC, e estabelece critérios e normas para criação, implantação e gestão
das Unidades de Conservação.

BRUNER, A.G., GULLISON, R.R., RICE, R.E.E FONSECA, G.A.B. 2001. Effectiveness of parks in
protecting tropical biodiversity. Science 291(125–128).

DOUROJEANNI, M. J., 1997 Áreas Protegidas: problemas antiguos y nuevos, nuevos rumbros. In:
Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba: IAP/Unilivre/RNPUCs. Anais, vol. I, p:
69 – 109.

MAGNANINI, Alceo 2002. Política sobre as Unidades de Conservação – Dificuldades e sucessos no


pensamento de Alceo Magananini. Unidades de Conservação: Atualidades e Tendências – Curitiba:
Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. p: 151 – 160.

70
DE UMA AGRICULTURA SUSTENTADA À SUSTENTÁVEL

1
Vicente José Puhl

O título justifica-se porque expressa a essência da análise do modelo de


desenvolvimento do agronegócio, predominante no estado de Mato Grosso.
Construiu-se subsidiado com recursos de crédito e pesquisas públicas. Mantém-
se à custa de altos impactos sociais, pois gera poucos empregos, muitas vezes usa
trabalho escravo ou degradante, faz baixa remuneração dos trabalhadores,
concentra terra e renda e produz acentuado êxodo rural. Apresenta custos
ambientais como desmatamento indiscriminado, queimadas, assoreamento e
poluição das águas por agro-químicos, etc.
A prova mais cabal, de que é sustentado pela sociedade, com recursos
públicos, são as recentes manifestações dos grandes produtores, principalmente
da soja, que iniciaram em 2005, promoveram um “tratoraço” em Brasília, e
realizaram “o grito do Ipiranga” em 2006. O movimento é liderado nacionalmente
por produtores e políticos de Mato Grosso. A carta de 13 de março de 2006,
enviada pelo governador à Ministra Chefe da Casa Civil com as reivindicações
do setor, indica isto.
“Agronegócio sustentado”, afirmou a economista Miriam Leitão no dia
seguinte à demissão do ministro Antônio Palocci (27/03) e na posse de Guido
Mántega, disse que esperava do novo ministro a continuidade da gestão do
antecessor, não cedendo às pressões setoriais, como as do agronegócio.
Concluiu, “a lógica do agronegócio é privatizar os lucros e deixar para a sociedade os
prejuízos inerentes ao setor. Nenhum governo pode operar assim, pois numa economia de
mercado as crises podem afetar todos os setores” (Rádio CBN).

1
Mestre em Educação Pública e Meio Ambiente – UFMT; Coordenador Regional FASE-MT; membro do GT-
Agricultura do Projeto MTSD.

71
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

1. A agropecuária mato-grossense

Figura 1 – Foto Campanha Ykatu Xingu - Fonte ISA - 2005.

A imagem expressa uma visão da realidade da agropecuária de Mato


Grosso. Mostra elementos do processo de ocupação, como ocorre via de regra.
Produtores migrantes chegam, encontram uma mata ou cerrado, retiram a
madeira nobre, derrubam, queimam, plantam pasto ou mecanizam para a
produção de grãos, principalmente arroz, milho e soja.
O gráfico abaixo anota os principais produtos da agropecuária do Estado,
mostra a dinâmica de crescimento e a área que cada um ocupa.

Dinâmica das principais atividades agrícolas no Estado de MT

6.000
Algodão
5.000
Arroz
4.000 cana
Mil ha

3.000 Feijão

2.000 Mandioca
milho
1.000
soja
0
1978 1981 1985 1990 1995 2000 2004

Gráfico 01 – Fonte, pesquisador Ms. Antônio João Castrillon Fernandes (2005)

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) Mato Grosso possui aproximadamente 90.000.000 (noventa milhões) de
hectares de terra, dos quais 33.648.412 ha, são ocupados pela agropecuária em
pasto e pela agricultura com soja, milho, arroz, algodão, cana, feijão, mandioca e

72
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

banana. Significa que 37,38% da área do Estado já foi desflorestada e ocupada


pela agropecuária.
O pasto predomina na ocupação de área em relação aos grãos e outros
produtos agrícolas, com 25.918.998 ha, o que representa 77,02% da área ocupada.
Em segundo lugar vem a soja, com 5.279.928 ha, representando 15,69% da área
ocupada, mas representava 68,30% da área cultivada pelas principais lavouras
temporárias do Estado em 2004. Apresentou um crescimento impressionante.
Foram 1.703,20% desde 1977, início do registro de sua produção em Mato
Grosso, quando eram cultivados 310.000 ha. Sua área multiplicou-se 17 vezes.
Em terceiro lugar vem o milho, em 12,17% da área cultivada e no quarto lugar
está o arroz ocupando 9,56% da área cultivada. Este produto, em 1978, represen-
tava 81,6% da área total das lavouras temporárias. Assim como o arroz, o feijão,
produto destinado ao mercado interno, produzido predominantemente em
estabelecimentos familiares, teve a área de plantio reduzida de 48 mil ha em 1978
para 43.476 ha em 2004. Hoje representa apenas 0,56% da área cultivada com
lavouras temporárias. A mandioca não teve grandes variações ao longo do
período e ocupa apenas 0,48% da área cultivada.
Em síntese, observa-se um crescimento da área cultivada para os produtos
destinados ao mercado externo e às agro-indústrias (soja, milho, algodão e cana-
de-açúcar) e uma redução ou crescimento pouco expressivo dos produtos
destinados ao consumo no mercado interno como o arroz, feijão, milho e
mandioca (FERNANDES, 2005).
O crescimento da área de soja e milho não é exclusividade mato-grossense,
acompanha uma tendência mundial como mostra a tabela 01. Schlesinger (2006),
afirma que o crescimento global se deve principalmente ao aumento de consumo
de carne no mundo, pois a soja é o principal componente da ração animal. A área
do trigo diminuiu e a do arroz cresceu pouco porque os países asiáticos e os
países em desenvolvimento estariam aumentando o consumo de carne e
diminuindo o consumo destes cereais.
Os dados sobre o aumento da produção de soja no Brasil nos últimos anos,
impressionam. Sua área plantada na safra 2004/2005 equivale à soma dos outros

73
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

quatro principais grãos produzidos no país: arroz, feijão, milho e trigo. O total da
área plantada destes, mais visíveis na mesa do brasileiro médio, reduziu-se entre
1991 e 2004, enquanto área destinada à soja mais do que triplicou.
O Brasil foi, em 2003 e 2004, o maior exportador mundial de soja e vem
mantendo a posição de segundo maior produtor, após os Estados Unidos. Os
três principais produtos do chamado complexo da soja – grão, farelo e óleo -
representaram, em 2004, 12% das exportações do país, cerca de 10 bilhões de
dólares. Corresponderam, também, a mais de um terço de toda a soja comerciali-
zada no mercado internacional.

Tabela 01 - Tabela da Produção Mundial de Grãos (milhões t)


Produto 1993/94 2003/04 Cresc. %
Soja 117,8 200,2 70,00%
Milho 476,4 609,0 27,80%
Trigo 558,1 549,5 -1,50%
Arroz 354,9 389,3 9,70%
Forrageiros 798,6 881,6 16,30%
Fonte: Pereira (2004) Schlesinger (2005)

Em Mato Grosso predominam absolutamente as monoculturas extensivas


tanto na pecuária como na produção agrícola. Trata-se de um modelo agrope-
cuário com uso intensivo de capital e com máquinas moderníssimas. Alcançou
alta produtividade devido ao uso intensivo de insumos químicos artificiais,
principalmente na agricultura de exportação.

2. Agropecuária mato-grossense: sustentável e democrática?


Os Projetos Brasil e Mato Grosso Sustentável e Democrático partem de duas
preocupações centrais para a humanidade. Enfrentar a desigualdade da distri-
buição da riqueza, do acesso e uso dos recursos naturais, pois 80% são consumi-
dos pelos 20% mais ricos da população e a crescente degradação ecológica, que
causa desequilíbrios climáticos. Para resolver estes problemas são necessárias
profundas mudanças no modelo de produção e distribuição. Entendemos que o
primeiro passo da mudança é melhorar nossa compreensão sobre a realidade
dos diversos setores.

74
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Partimos do princípio de que democracia não é apenas o direito de partici-


pação nos processos eleitorais. Democracia real é a participação de todos/as os/as
cidadãos/as no usufruto dos recursos naturais e dos bens gerados a partir do
trabalho. Sustentabilidade só há quando existem processos de produção
duradouros, uso de práticas e técnicas que causem o mínimo de impactos
ambientais. Sociedade sustentável só se for democrática, com cidadãos satisfei-
tos, incluídos e usufruindo as benesses do desenvolvimento.
A análise da agropecuária de Mato Grosso, que é motivo de orgulho para
uns e de preocupação para outros, nos remete a uma reflexão importantíssima
de Schlesinger (2006, p 09), que afirma:

O crescimento do agronegócio de exportação vem provocando uma série de


impactos negativos sobre a qualidade de vida da população. Não se pode ignorar,
que a monocultura de exportação, ao longo da história do Brasil, sempre caminhou
de mãos dadas com padrões inaceitáveis de distribuição da riqueza, da renda e da
terra.

Enfatiza que a mecanização e a concentração dos negócios em número cada


vez mais reduzido de grandes empresas dedicadas à comercialização e industri-
alização de alimentos, invadem espaços antes ocupados pela agricultura de
subsistência – a autêntica agricultura familiar - reduzindo o emprego no campo,
a capacidade de produção de alimentos tradicionais e comprometendo, assim, a
segurança alimentar da população.
Destaca o avanço da soja sobre o Cerrado e a Amazônia que já não permite
sequer aos setores mais conservadores dos meios de comunicação ignorar seus
impactos sobre o meio ambiente. Ameaça às águas, o clima e a preservação da
biodiversidade, este avanço vem provocando não só denúncias e protestos, mas
também o surgimento de campanhas nos níveis nacional e internacional.
As lideranças do agronegócio, nos últimos anos, venderam a idéia de que o
setor representa a solução de problemas sociais como o desemprego e a falta de
trabalho, mas a análise dos dados sugere que o agronegócio está longe de ser a
solução, mas é em grande parte causa destes problemas (PUHL, 2005).

75
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

O modelo das monoculturas extensivas é socialmente anti-democrático e


insustentável porque concentra terra e renda, dispensando e excluindo gente do
campo. Poucas empresas e pessoas, com moderníssimas máquinas se apropriam
e produzem em enormes extensões de terras. Trabalhadores perdendo seu lugar e
auto-sustento passam a depender de ajuda, de doações, de cuidados e de proteção
do Estado. Asociedade paga toda esta conta através dos impostos, que ao invés de
fomentarem investimentos na melhoria das condições de vida dos cidadãos, são
gastos na manutenção deste exército de excluídos e desempregados.
Estes custos não estão sendo embutidos na conta do agronegócio. Poucas
grandes corporações, em geral multinacionais, sempre ganham economicamen-
te devido à sua localização estratégica no mundo. Elas passam imunes às crises e
faturam porque dominam quase toda cadeia produtiva.
A soja é uma cultura que pode ser benéfica ao solo, da qual derivam cente-
nas de subprodutos, o problema é o modelo de sua produção. Preocupante
mesmo, é a tendência à concentração da produção, observada nos dados
estatísticos, tanto nas antigas quanto nas novas áreas de produção. As proprieda-
des com áreas de soja abaixo de 100 ha. diminuíram, entre 1985 e 1996, em 44,8%.
Por outro lado, as propriedades produtoras de soja com áreas acima de 1.000 ha
aumentaram em 11% e passaram a ser responsáveis por 35,1% da produção
brasileira. Os agricultores do Centro-Oeste, com destaque para os de Mato
Grosso, ocupam áreas mais extensas que na região Sul (SCHLESINGER, 2006).
Sendo a margem de lucro pequena, por área, a lógica do produtor é ampliar
a escala de produção, pela abertura de terras próprias, mas fundamentalmente
pela aquisição de novas áreas. O índice de concentração da terra tem-se elevado
desde o último Censo Agropecuário aos dias atuais. Os indicadores de Renda do
município de Sorriso, modelo de sucesso do agronegócio, também apontam esta
tendência da concentração.
Um dos objetivos do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático é
enfrentar as desigualdades, por isso preocupa-nos de modo especial este modelo
que leva à concentração. Esta significa exclusão social ou ausência de democracia
real e leva à insustentabilidade social. A renda dos 80% mais pobres de Sorriso

76
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

reduziu-se, em termos de participação na renda total, era de 39,5% em 1990 e foi


para 31,5% em 2000. Por outro lado, a renda dos 10% mais ricos, de Sorriso, em
termos de participação na renda total, subiu de 44,6% para 55,2%, crescimento de
10,6% (FERNANDES, 2005).
Um quinto da população mais pobre do município tinha renda per capita
média, em 2000, de R$ 65,00 e um décimo mais rico R$ 2.550,00; ou seja, a diferen-
ça de renda média entre os 10% mais ricos e os 20% mais pobres é de aproximada-
mente 3.800%. Enquanto que a renda per capita média dos 20% mais pobres
cresceu 30% no período de 1991 a 2000, a renda dos 10% mais ricos cresceu 99,1%.
Contraditoriamente, os municípios produtores de soja apresentam o IDH -
Índice de Desenvolvimento Humano acima da média do Estado. Argumento
utilizado pelo “setor produtivo” para demonstrar as vantagens sociais da
economia da soja. O IDH de Sorriso em 2000 foi de 0,824, enquanto o de Mato
Grosso era 0,773. É possível concluir que a metodologia do IDH, na prática
encobre o dado da desigualdade da renda, quando simplesmente divide toda
renda do município pela população. No caso de Sorriso gera uma renda média
alta, mas desconsidera que é concentrada.
Por mais que a agricultura familiar tenha baixa renda, para a maioria das
unidades de trabalho, este modelo da produção familiar é socialmente mais
adequado para um Mato Grosso Sustentável e Democrático. Aprodução familiar
inclui, ocupa muito mais mão-de-obra por área trabalhada e produz muito mais
do que muitos imaginam.
As propagandas patrocinadas pelas grandes corporações que dominam o
agronegócio no mundo falseiam a imagem da agricultura familiar e das vanta-
gens da agricultura patronal. No entanto os dados comparativos indicam que a
produção familiar camponesa é responsável por 95% dos empregos do campo,
embora só receba 15% do crédito federal. A agricultura patronal, ou o agronegó-
cio dos médios e grandes estabelecimentos, embora receba 85% do crédito,
emprega diretamente apenas 5% da mão-de-obra da agropecuária. Se tivésse-
mos uma inversão no direcionamento dos recursos a produção aumentaria com
inclusão social.

77
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Pode-se concluir que não está na contramão quem defende o modelo da


produção familiar, pois ela representa um caminho para parte da solução do
problema do desemprego.
A opção de ancorar o modelo agropecuário de Mato Grosso, basicamente em
dois produtos, na pecuária e na soja, é uma decisão por manter pouca população
no meio rural, pois as duas atividades apresentam baixíssima capacidade de gerar
empregos, por área ocupada. Verificou-se que, com investimentos em tecnologias,
o número de trabalhadores por mil hectares caiu de 65 para 15, entre 1996 e 2004.
O modelo é economicamente anti-democrático e insustentável porque é
extremamente exigente em capital e baseado em monoculturas extensivas.
Como o modelo permite incorporar com facilidade novas áreas leva a super-
oferta do produto e conseqüentemente a baixa dos preços e o aumento dos
insumos porque aumenta a área e a necessidade de nutrientes na mesma área
plantada. Assim, constantemente o setor que contraditoriamente prega o livre
mercado, busca socorro do Estado, aos fundos públicos e passa a conta para toda
sociedade pagar e os benefícios ficam apenas para poucas grandes corporações,
na maioria, transnacionais.
As lideranças dos produtores e o governador de Mato Grosso estão na
dianteira das mobilizações do agronegócio, que solicitam como medida emer-
gencial a securitização e renegociação dos prazos das dívidas vencidas e por
vencer. Apresentaram uma carta com as reivindicações a Ministra Chefe casa
civil Dilma Rossef em 13-03-06.
Querem: que a ferrugem asiática da soia seja tratada como endemia;
insumos Genéricos para a Agropecuária; a liberação comercial junto a CTNBIO
dos transgênicos das culturas de algodão e milho, que segundo eles possibilita
menor uso de agrotóxicos e diminuição dos custos de produção; a retirada do
veto ao artigo da lei que instituiu o quórum de 2/3 do conselho da CTNBIO;
incentivos da pesquisa oficial em biotecnologias; a regulação do uso de Bio-
combustível em nível regional, permitindo o uso puro ou em mistura por parte
do consumidor; o pagamento do frete, pela Petrobras, da refinaria até a base
distribuidora e eliminação da carga tributária federal sobre o óleo diesel utiliza-

78
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

do na agricultura e pecuária (CIDE, PIS, COFINS, etc); a atualização dos preços


mínimos dos produtos agrícolas que levem em consideração os valores que
contemplem o atual custo de produção e garantam uma renda mínima ao
produtor, disponibilizando a opção da equivalência produto na contratação de
financiamentos; na infra-estrutura a Implementação e aporte de recursos do
Orçamento da União para inicio das obras de asfaltamento da BR 163 viabilizan-
do novo canal de exportação e conseqüente redução do custo Brasil.
Em resposta o governo federal lançou um pacote de medidas em 20 de maio
de 2006, bastante favorável, especialmente aos grandes devedores, com subsídi-
os que outros setores e categorias não obtêm. Como exemplo a redução da taxa
de juros de 17% para 8,75%.
Schlesinger (2005) aponta que esta situação já vem se arrastando desde a
implantação do Plano Real. Numa conjuntura desfavorável ao setor agrícola, o
governo FHC promoveu uma ampla renegociação das dívidas do setor agrícola,
lançando os chamados programas de securitização. Em 1997, foram incluídos
também os que deviam mais do que esse valor. Em 2001, nova negociação trocou
a correção monetária pela variação do preço do produto. Já no governo Lula
(2003) instituiu-se o desconto de 30% para os que pagassem em dia.
Görgen e Stédile (2005, p 07) vão além na análise destes números. Segundo
eles, as dívidas renegociadas em 1995, 1999 e 2002, roladas em 25 anos com juros
de 3% ao ano (enquanto a taxa Selic, que regula os índices de juros no país,
oscilava entre 15 e 20%) e garantidas pelo Tesouro Nacional, só em contratos
acima de R$ 100.000,00 somavam um valor global de R$ 26 bilhões2.
O Brasil do agronegócio defende o fim dos subsídios e barreiras para
garantir mercado para os produtos do agronegócio “brasileiro”, que nem
sempre tem subsídio direto, mas em muitos casos exploração direta, como é o
caso do uso constante de mão-de-obra escrava ou degradante, Puhl (2005).

2
O Tesouro Nacional equaliza os juros dessas dívidas num valor anual superior a R$ 3,38 bilhões, pagando assim
parte dos juros que os fazendeiros não querem pagar. O cálculo por baixo é de que seus beneficiários não
ultrapassam a vinte mil grandes proprietários. Feitas as contas, isto representa uma transferência a cada um deles
de R$ 15 mil mensais.

79
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Só em 2005, tivemos em Mato Grosso mais de 1.300 trabalhadores libertados


em fazendas, por fiscais do Tribunal Regional do Trabalho porque eram escravi-
zados ou trabalhavam em condições degradantes. Esta prática recorrente indica
a agressividade do modelo e sua inviabilidade, pois se fosse viável, não recorre-
ria para o uso de mão-de-obra escrava.
O modelo agro-exportador de matéria-prima é inibidor do desenvolvimen-
to da agroindústria mato-grossense. A submissão dos produtores aos negócios
das grandes corporações que garantem seus ganhos em todas as situações, pois
dominam toda cadeia, fornecendo insumos (sementes, adubos e agrotóxicos),
financiando e comprando a produção e às vezes até industrializando-a.
Estas grandes corporações não querem o desenvolvimento de agroindústri-
as locais. Trabalham para facilitar a exportação de grãos in natura em detrimento
de subprodutos industrializados.
Schlesinger (2005), constatou que na Bunge, novas fábricas de processamen-
to de grãos, a maioria delas de soja, hoje são erguidas prioritariamente na Ásia e
no Leste Europeu, regiões onde é expressivo o potencial para o crescimento do
consumo de alimentos. Ao Brasil, que no passado recebeu aportes similares
também em função do consumo crescente e da vocação exportadora, cabe mais o
papel de "celeiro" para a abertura das fronteiras (LOPES, 2005).
Em entrevista um “pequeno produtor” faz o seguinte comentário:

Trabalhar só a minha área (120 ha) não sobrevive. Ai no assentamento de Boa


Esperança, lá o lote é de 70 (ha), ele planta e tem que caçar um serviço fora para
sobreviver. Para tirar luz, essas coisas, para sobreviver. Você só fica trocando seis por
meia dúzia.

O modelo do agronegócio, baseado na monocultura, no plantio direto e nos


insumos externos como os fertilizantes químicos artificiais, herbicidas, sementes
transgênicas e agrotóxicos é profundamente insustentável ambientalmente. A
poluição das águas dos córregos e rios tem afetado diretamente outros setores da
sociedade. As freqüentes mortandades de peixes por contaminação de agrotóxi-
cos vêm diminuindo o estoque de pescado. Pesquisadores já trabalham com a

80
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

hipótese de que o pescado, em grande parte, diminui porque a flora aquática,


componente importante na alimentação dos peixes, está sendo afetada pelos
herbicidas. Assim, a inviabilização da vida de comunidades ribeirinhas e
pescadores é outro custo que o agronegócio não computa e toda sociedade é
convidada a pagar (PUHL, 2005).
Estudos recentes mostram que o comércio agrícola promove uma gigantes-
ca transferência de água de regiões onde ela se encontra de forma abundante e a
baixo custo para outras regiões onde é escassa, cara e seu uso compete com
outras prioridades (RODRIGUES, 2006). Assim, a China, importando cerca de 18
milhões de toneladas de soja por ano, permite que ingressem no país 45 milhões
de metros cúbicos de “água virtual”. O Brasil, por sua vez, exportou em 2003 1,3
milhão de toneladas de carne bovina. Por esse caminho, exportou também 19,5
km³ de água virtual (19,5 bilhões de m³) (SCHLESINGER, 2005).
Nos últimos vinte anos, verificou-se uma rápida internacionalização de
grandes empresas sementeiras, com a penetração de grupos industriais vindos
dos setores: farmacêutico, químico e alimentar. Especialmente na produção de
sementes geneticamente modificadas, um oligopólio formado por apenas cinco
empresas detém 91% das vendas, com valor estimado em US$ 4,5 bilhões no ano
de 2003. São elas a Dupont, Monsanto, Syngenta, Bayer CropScience (Aventis) e
Dow AgroSciences (SCHLESINGER, 2005).
As vendas mundiais da ADM no ano de 2004 atingiram US$ 36,2 bilhões. As
da Bunge somaram US$ 25,2 bilhões. ABunge é a maior empresa de alimentos no
Brasil, com um faturamento de R$ 23,2 bilhões. Neste cenário, também as
empresas nacionais da soja passam a negociar com as multinacionais. Até
cooperativas com menos capacidade e experiência, dependem dessas multinaci-
onais para acederem ao mercado externo.
Os volumes da soja subordinados à atuação destas grandes empresas em
todo o mundo lhes permitem um amplo controle dos preços do produto no
mercado mundial. Esta supremacia e amparo político internacional das corpora-
ções transnacionais colocam em risco a soberania e segurança alimentar das
nações.

81
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

3. Transição de agricultura sustentada à sustentável


O conjunto de atores envolvidos no Projeto Mato Grosso Sustentável e
Democrático entendem que os impactos socioambientais do atual modelo do
agronegócio, associado à insegurança econômica e o risco da soberania e
segurança alimentar, requer uma profunda mudança no modelo de desenvolvi-
mento rural do Estado. Não aprofundamos como esta transição para a agricultu-
ra sustentável se realizaria. Apenas anunciamos que importantes passos nesta
direção estão sendo implementados por diversas organizações de agricultores
familiares e camponeses.
As recomendações de Jean Pierre no Fórum Social Brasileiro, realizado em
novembro de 2003 em Belo Horizonte (MG), apontam um caminho que devemos
perseguir no projeto. Afirma que as monoculturas desestruturam as possibilida-
des de vida social nos territórios aonde chegam.

"No Mato Grosso, vi famílias que já não têm ônibus passando perto de suas casas,
porque tudo em volta é soja. Com isso, as crianças não podem mais ir à escola. O que
acontece? Afamília tem que se mudar".

Por isso, ele propõe a criação de pólos de desenvolvimento local no meio


rural, com ênfase na pequena produção familiar e diversificada.
"Precisamos de vários pólos para fixar as famílias com produção diversifica-
da, sem isolamentos e com integração em mercados solidários".
É, sem dúvida, uma alternativa de desenvolvimento sustentável muito mais
interessante do que o agronegócio exportador que enriquece poucos, a custa de
todo o esforço da sociedade.
As dezenas de experiências de produção agroecológica que estão em
andamento em Mato Grosso representam um embrião necessário para construir
uma transição ao modelo agroexportador e concentrador, em desenvolvimento
sustentável e democrático.

82
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

4. Referências bibliográficas

DUARTE, Jorge; CASTRO, A. M. G. Comunicação e tecnologia na cadeia produtiva da soja em


Mato Grosso. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2004. 275p.

FERNÁNDEZ, Antonio J.C. Estudo De Caso Sobre A Soja No Estado De Mato Grosso Município
De Sorriso. Cuiabá, 2005, relatório pesquisa soja FASE, 46p.

GÖRGEN, Sérgio A. e STEDILE, João Pedro. O mensalão dos ruralistas. Jornal O Globo, 21/06/05,
p.7.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIAE ESTATÍSTICA- IBGE, 2004.


LOPES, Fernando. Brasil alimenta expansão global daBunge. Gazeta Mercantil, 13/06/05.

OLIVEIRA, Ariovaldo U. Barbárie E Modernidade: O Agronegócio E As Transformações No


Campo. São Paulo, texto apresentado em reunião da CPT Nacional – Goiânia-GO 22/10/2003 e a
segunda versão ampliada, foi apresentada no XII Encontro Nacional do MST – São Miguel do Iguaçu
– PR, 19 a 24 de Janeiro de 2004.

OLIVEIRA, Ariovaldo U. Notas Para Entender A Crise Agrícola E As Falsas Saídas. São Paulo: USP,
2006.

PUHL, Vicente J. Plantio Direto: Risco direto para Segurança Alimentar. Anais do VIII Congresso
Brasileiro de Plantio Direto. Tangará da Serra - MT: 2005.

RODRIGUES, Vânia Água virtual: a água que consumimos sem ver.


www.aesabesp.com.br/artigos_agua_virtual.htm (Artigo capturado em 20–05-2006)

SCHLESINGER, Sérgio. O grão que cresceu demais: A soja e seus impactos sobre a sociedade e o
meio ambiente. Rio de Janeiro: FASE, 2006. 76p.

83
1
SINFONIAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL MATO-GROSSENSE

2
Michèle Sato
Débora Pedrotti
Samuel B. de Oliveira-Jr
Ronaldo Senra

Prelúdio
A dimensão ambiental era ignorada pela civilização, passou a ser considera-
da na década de 1960, possivelmente com o grito ecológico de Rachel Carson,
com a publicação do livro “Primavera Silenciosa” (2002). A preocupação com a
dimensão ambiental ultrapassou os danos dos pesticidas e já é uma constatação
notória aos habitantes deste planeta Terra. Embora a Educação Ambiental (EA)
do plano internacional seja muito relacionada com a dimensão ecológica, no
Brasil ela se reveste de enorme envergadura social. Reconhecemos desta
maneira, que ela não é um mero instrumento de gestão ambiental e que nossa
luta está longe de ser finalizada. Ela é uma modalidade educativa que incorpora
a rebeldia da contracultura, recebe herança da Antropofagia da Semana da Arte
Moderna, incorpora o legado da Tropicália, ou espelha-se na corajosa e teimosa
luta de sujeitos como Chico Mendes. Queremos forjar um mundo com mais
justiça social e ambiental, através de táticas revolucionárias que possam promo-
ver a práxis de transformação contra os modelos insustentáveis de consumo e
simultaneamente, incluindo a maioria que ainda vive sem condições dignas de
sobrevivência.
No Brasil, orientada pela Lei 9795-99 de Educação Ambiental (PNEA), e
amparada no Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), o cenário
rico testemunha um caldo vigoroso de originalidade, criatividade e preocupação
social, ao lado da ambiental (BRASIL, 2005). Os estados se organizam em redes e
comissões colegiadas, traçando diretrizes, metas, proposições e utopias em

1
Agradecemos a Edinéia (Tangará da Serra, UNEMAT) e Lucileide (Cuiabá, GERA), parcerias do mesmo sonho.
2
Membros do GT Educação do Projeto MTSD.

84
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

horizontes de esperanças. O Estado de Mato Grosso não se esquiva deste


compromisso, iniciando sua trajetória ecologista ainda na década de 1960,
através do movimento dos artistas pela natureza e outros movimentos da
vanguarda que trouxeram a criação do Parque Nacional da Chapada dos
Guimarães. A primeira Organização Não-Governamental (ONG), a Associação
Mato-Grossense de Ecologistas (AME) ainda possui sua dinâmica, porém tímida
nos dias atuais. Grande parte de seus militantes ingressou em outras organiza-
ções, mudou de estado ou está em refluxo temporário. Estes ecologistas, entre-
tanto, permitiram seus legados na criação da Rede Mato-Grossense de Educação
Ambiental (REMTEA)3, hoje liderança forte em Mato Grosso, oferecendo
eventos, contando com listas virtuais e em diálogos locais, nacionais e globais.
Suas atuações políticas vêm sendo reconhecidas pelo fortalecimento de uma EA
crítica, emancipatória e revolucionária.
Não há registro sistematizado da EA popular, senão estudos de caso que
revelam a forte presença da EA de forma multisetorial, com grupos ou sujeitos
que carregam marcas indeléveis de significados e esperanças que se redefinem,
redizem e ressignificam segundo os contextos e referências, à luz de nossas
cosmogonias, crenças e valores. Ainda que a REMTEA tenha um amplo cadastro
de seus membros, seus dados ainda são incipientes para oferecer um amplo
panorama do estado da arte da EA. Isso implica dizer que não há um cenário
padronizador que possa oferecer um perfil exato da EA no estado de Mato
Grosso, senão um vasto e complexo campo das diversas culturas e ambientes. A
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi pioneira em oferecer um curso
de especialização em Educação Ambiental na América Latina e Caribe, ainda no
ano de 1989. Seus egressos tornaram-se lideranças em seus territórios e ainda
hoje, é possível conversar com um ou mais grupos sobre o efeito desta inovação.
Após esta fase, iniciou seu compromisso na pós-graduação stricto sensu, no
Programa de Pós-Graduação em Educação, através do Grupo Pesquisador em
Educação Ambiental (GPEA), que persiste vigorosamente até os dias atuais.

3
www.ufmt.br/remtea.

85
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Diversos projetos de pesquisa, vivência e docência foram e ainda estão sendo


desenvolvidos, com premiações, financiamento e reconhecimento internacional.
Assim como a UFMT, outras universidades, principalmente a Universidade
de Estado de Mato Grosso (UNEMAT) também realizam suas atividades na EA,
seja através de vivências comunitárias, docência ou pesquisa em amplo desen-
volvimento. As Secretarias da Educação (SEDUC) e do Meio Ambiente (SEMA)
comandam a Política Estadual de Educação Ambiental e possuem projetos e
atuações fortalecidas no campo da EA. Buscam diálogos e transversalizando a
EA em demais órgãos, e através da Comissão Interinstitucional de Educação
Ambiental (CIEA), e acolhem vários organismos na Política Pública Privada,
como o Departamento de Trânsito, Estradas e Rodovias (DETRAN), Fórum
Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD), ou a
Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT), além de diversos outros
órgãos.
Uma grande expressão da sociedade civil foi a Carta da Terra, que em seus
16 princípios, trouxe ressonâncias internacionais. A Carta da Terra, inicialmente
liderada pelas Organizações das Nações Unidas em Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), regional Mato Grosso, foi incorporada facilmente pelos povos
indígenas, organização de bairros, movimentos negros, mulheres,
Comunidades Eclesiais de Base, artistas e Gays, Lésbicas e Simpatizantes (GLS),
entre outros. Suas atividades iniciaram em 1998, com a realização da Conferência
Internacional da Carta da Terra e têm sustentabilidade até os dias atuais (SATO,
PASSOS & MALDONADO, 2005). A Agenda 21 de Mato Grosso ainda está em
plena construção, mas nosso aporte à Agenda 21 nacional foi significativo,
através de proposições e olhares críticos que possibilitaram também escrever
uma agenda da EA, além da tessitura da agenda 21 escolar. Um outro destaque é
o Coletivo Jovem de Mato Grosso (CJMT), liderado majoritariamente por
universitários, com acolhimento aos estudantes do ensino médio e com forte
articulação nacional e internacional. Engajados na plataforma política do
governo federal: “Vamos Cuidar do Brasil”, atuam também nas escolas, partici-
pando da I Conferência Infanto-Juvenil do Meio Ambiente Pantaneiro (SATO,

86
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

2006), e convém sublinhar o papel relevante destes jovens que em suas irreverên-
cias, possuem compromissos que podem dar sustentabilidade aos chamados
“dinossauros” da EAda década de 1960, ainda em plena liderança no Estado.
A Lei Estadual da Educação Ambiental (7888/00) deve ser revisitada, com a
coragem de permitir que o Programa Mato-Grossense de Educação Ambiental
(ProMEA), acene sua dinâmica de mutação. Novos projetos em parcerias, redes,
comissões e coletivos educadores formam uma grande comunidade de aprendi-
zagem nos setores escolarizados e também em territórios não escolarizados,
construindo a escola e seu entorno, através de Organizações Não
Governamentais, instituições governamentais, empresas, escolas, artistas e
sujeitos. Cumpre ressaltar que no ano 2005, a REMTEA e o FORMAD realizaram
conjuntamente uma audiência pública com o Ministério do Meio Ambiente,
reforçando o papel da sociedade civil na participação democrática da construção
e formulação de políticas públicas.
Na contemporaneidade dos compromissos e agendas da EA, o Coletivo
Educador vem sendo construído no Programa de Formação em Educação
Ambiental no Pantanal (ProFEAP), que em aliança com o estado de Mato Grosso
do Sul, busca oferecer uma variedade de pratos no rico cardápio de variedades e
exuberâncias dos pantanais mato-grossenses. Ultrapassando a rigidez e enges-
samento das tradicionais disciplinas, cursos ou palestras, o cardápio pode ser
uma variação gastronômica da antropofagia oswaldiana, em comer o feio para
que o belo floresça. Na meta de promover o empoderamento comunitário,
basicamente através da agitação e barulho da educação popular, o coletivo
educador se arranja na composição de tons e semitons que matizam Mato Grosso
e seus Municípios Educadores Sustentáveis (MES). A proposta dos MES descen-
traliza as políticas, permitindo que as políticas sejam desenhadas conforme
necessidades e limites das biorregiões. A ordem na desordem pode ser percebida
na exuberante e bela natureza, mas ameaçada em seus impactos; ou no sabor das
expressões culturais, ameaçadas pelo efeito globalização que padroniza as
identidades.
Uma outra frente em EA veio no Projeto “Mato Grosso Sustentável e

87
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Democrático (MTSD)”, inicialmente liderado pela UNEMAT Tangará da Serra,


Grupo de Estudos sobre Reforma Agrária (GERA) e UFMT. A meta era diagnos-
ticar o estado da arte da EA em espaços escolarizados e não escolarizados,
através da fonte de consulta dos organismos da educação formal, bem como
ONGs. Entretanto, a ausência de financiamento foi determinante em encolher o
universo, e conjuntamente com a SEDUC, conseguimos um vasto panorama da
EA escolar. É sobre este contexto que o presente texto decorre seu olhar fenome-
nológico.

Partituras
Através dos relatórios entregues pelas 27 secretarias de educação de cada
estado brasileiro, o Ministério da Educação (MEC), em conjunto com o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), lançou
um amplo diagnóstico acerca do estado da arte da EA nas escolas (VEIGA,
AMORIM & BLANCO, 2005). A análise documental, que não contou com uma
pesquisa empírica, revela que a EA acompanha a evolução do número de escolas
do ensino fundamental, apontando um aumento na promoção da EA de,
aproximadamente, 72% no ano 2001 para 95% em 2005. Em Mato Grosso, este
número sobe de 57% para 94%, em sintonia com o cenário nacional.
Comparando regiões urbanas e rurais, o saneamento aparece como proposta da
EA, sem referência à saúde, ambas dimensões transversais nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Inscreve-se nesta proposta da Agenda Marrom, o
tema mais popular da EA no cenário internacional: os resíduos sólidos, com
ênfase exagerada na Pedagogia da Reciclagem, que favorece a coleta seletiva do
lixo sem reflexão da inadequação do modelo desenvolvimentista da sociedade
global. A coleta seletiva, geralmente em latas coloridas que indicam as caracterís-
ticas dos resíduos sólidos, aponta a preocupação do destino final do lixo, e isso
não pode ser encarado como meta da EA, uma vez que o consumo já foi realizado
e o resíduo representa um problema que não foi evitado.
Se conseguirmos transcender da “Pedagogia da Reciclagem” à “Pedagogia
dos 3 R (Redução, Reutilização e Reciclagem)”, alertaríamos sobre importância

88
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

da reflexão crítica dos modelos de desenvolvimento, evidenciando as disparida-


des sociais desassociadas das complexidades ambientais, desde que o consumo
exagerado de poucos gera a miséria da maioria da civilização humana. Algumas
pessoas se segregam e dialeticamente são segregadas na vida dos lixões, à mercê
das políticas ineficientes que corroboram a exclusão social e o prejuízo ambien-
tal. Ahistória do Homo sapiens revela que os danos ambientais recaem, majoritari-
amente, nas camadas economicamente desfavorecidas e a Rede Internacional da
Justiça Ambiental conclama os direitos e a possibilidade de vidas dignas, através
de táticas que promovam a inclusão social com proteção ecológica.
A análise quantitativa de relatórios esconde de qual EA estamos tratando,
desde que inúmeras atividades em datas comemorativas, conteúdos abordados
nas ciências naturais e geografia, ou atividades pontuais de plantar árvores
podem ser compreendidas como práxis da EA. Tornou-se, assim, imperativa-
mente importante realizarmos um diagnóstico mais local, que pudesse oferecer
uma interpretação mais qualitativa do estado da arte da EA mato-grossense. No
ano de 2004, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC)
encaminhou um denso questionário às escolas públicas, com o objetivo de lançar
um olhar mais crítico à práxis educativa, além de promover encontros e conheci-
mento empírico das realidades escolares. O retorno de 52% dos 5 mil questioná-
rios encaminhados às escolas, valida a fidedignidade do espaço amostral, que
abarca vários municípios de áreas indígenas, rurais e urbanas. Embora com a
maioria numérica de escolas urbanas (69%), e com a clara divisão entre os
efetivos e contratados, cumpre ressaltar que das 22 escolas indígenas do Estado,
tivemos o retorno de 14 escolas, evidenciando a participação e interesse indíge-
na, que merece especial atenção na formulação de políticas educacionais.
Admiravelmente, a maioria dos questionários foi respondida por professo-
ras e professores com formação em Pedagogia (22%) e Letras (20%), contrariando
a tradicional presença de disciplinas como a Biologia (18%) ou a Geografia (10%).
Uma outra agradável surpresa foi a presença de 10% de questionários respondi-
dos por professores de Matemática, área tradicionalmente alheia as dimensões
ambientais, e cujas dificuldades pedagógicas são debatidas mundialmente no

89
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

enfoque da EA. A área de História expressa sua relevante participação na EA


com uma representação de 9%, e surge, inclusive, a disciplina de Educação
Física, embora com representação de apenas 1%. Abarcando várias outras
disciplinas (10%), as escolas mato-grossenses demonstram que a temática
ambiental compreende uma polissemia de sentidos e interpretações e que as
fronteiras do conhecimento podem ser superadas, através do engajamento
responsável de todos os cidadãos. Este resultado valida a preocupação mundial
com o ambiente, desafiando as fronteiras do saber ao tratamento transdisciplinar
requerido à EA.
O diagnóstico revela que a leitura de 50% de professoras e professores traz o
ambiente como um lugar para se viver, cuja territorialidade deve ser protegida e
cuidadosamente valorizada. 18% ainda mantêm a percepção da instrumentali-
zação, e consideram que a EA seja uma mera ferramenta para solucionar os
dilemas ambientais como as queimadas, monocultura ou perda da biodiversida-
de. Embalados pelos desejos da proteção ecológica, talvez estes professores não
consigam enxergar os campos epistemo-praxiológicos próprios da EA. Em
contraposição a este olhar, 16% buscam a construção de sociedades sustentáveis,
inscritos nos desejos da participação democrática à promoção da inclusão social
e da proteção ambiental como fatores conjugados dos processos educativos.

Figura 1: Olhares da EA

90
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

Na década (2005-2014) que se orienta mundialmente pela “Educação para o


Desenvolvimento Sustentável (EDS)”, é um conforto constatar que apenas 5%
dos professores compreendam a EA como elemento desenvolvimentista. O
desenvolvimento foi sempre orientado através de visões dominantes do poder,
com falhas históricas e dúvidas existenciais (FIELD, 2006). As orientações
hegemônicas internacionais, em particular as relacionadas com os programas
educativos da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI),
insistem em globalizar os discursos e padronizar os diferentes. No contexto
fenomenológico, é evidente que as orientações, ou os 'pacotes' vindos de cima
devam ser rejeitados, porque não são partes intrínsecas das identidades dos
sujeitos que atuam na EA. Se 4% dos professores compreendem a dimensão
ambiental em sua globalidade planetária, muitas vezes conclamando que Gaia é
um planeta vivo, há que sublinhar que outros 4% conclamam a terra, a água, o
fogo e o ar da biorregião como fatores prioritários à incorporação da EA.
Apenas 3% ainda percebem a EA associada aos elementos da natureza,
entretanto, esta pequena porcentagem contradiz os cartazes e narrativas
apresentados durante a I Conferência Infanto-Juvenil do Ambiente Pantaneiro,
realizada no final do ano de 2005. Sob a coordenação da SEDUC, do MEC, da
UFMT, do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP) e do CJMT, cerca de 100 escolas
pantaneiras participaram da conferência expondo cartazes que evidenciavam a
esmagadora visão da EAnaturalista. As narrativas dos estudantes revelavam um
banquete do belo, com cantos de insetos, revoar de borboletas, exuberância de
flores e árvores, plumagens de pássaros ou percursos dos rios, bastante distantes
da existência humana (SATO, 2006). Entretanto, num contexto mais genérico,
talvez as professoras e os professores estejam se esforçando para superar o “mito
moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1994), buscando construir uma
trajetória da EAque aposte na utopia de um 'outro mundo possível'.
As dificuldades para inclusão da EA nas escolas são sublinhadas principal-
mente pela ausência de materiais pedagógicos, o que orienta a formulação de
políticas públicas que estimule a produção de materiais locais com ampla

91
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

divulgação como plataforma das políticas de EA. Um segundo problema


concentra-se na escassez de processos formativos, iniciais e continuados, que
acarreta diversos outros problemas como: inabilidade em se trabalhar em grupo
ou formar parcerias; redimensionar o currículo às temáticas transversais;
compreender os conceitos subjacentes ao campo da EA; fomentar participação
comunitária nos projetos da escola; e a enorme dificuldade em se avaliar a
aprendizagem no âmbito da EA, já que, por ser uma proposta de vanguarda e
incorporada tardiamente pelos sistemas formais da educação, os modelos de
avaliação tradicionais não conseguem abarcar o processo da formação de uma
comunidade de aprendizagem.
Considerações sobre ausência de recursos, ou infra-estrutura escolar
precária são outros aspectos apontados como obstaculizadores à EA.
Obviamente, referendar a EA é também considerar o trabalho docente e sua
trajetória salarial, já que ela não é uma ilha isolada de um continente em crise.
Entretanto, as políticas devem orientar as agências de fomento para melhor
divulgação, com facilidade no cumprimento dos editais, desde que mesmo em
condições de financiamento às atividades da EA, distanciam-se das realidades
escolares em função do excessivo engessamento burocrático. Os eventos devem
estimular a participação dos professores com trabalhos, pois estes garantem a
visibilidade, divulgação e conhecimento das inúmeras experiências que pulsam
e embelezam o Estado, mas que paradoxalmente se fragilizam pelo seu anoni-
mato.
Para a análise das temáticas abordadas nas escolas, orientamo-nos pela
construção da Agenda 21, e nesta divisão, a Agenda Verde lidera com 35% por
meio de vivências relacionadas com a proteção da biodiversidade, preocupações
com a queimada, integridade ecossistêmica, cuidados nas matas ciliares ou
preocupação com as indústrias madeireiras e a monocultura. Incorporamos as
atividades relacionadas com hortas e jardinagens, temas bastante comuns nos
programas de EA do mundo todo (figura 2). O fato de a Agenda Verde superar a
Agenda Marrom (30%), contrariando o diagnóstico nacional com atividades
excessivas relacionadas ao saneamento, lixo ou esgoto, pode evidenciar a notória

92
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

percepção dos danos ambientais no Estado, despertando a sensibilização da


comunidade escolar em não segregar a qualidade de vida dos aspectos naturais.
Cuidados com a comunidade do entorno escolar, valorização da cultura através
de mitos ou expressões artísticas revelam o compromisso da Agenda Social
(21%) intrinsecamente relacionado com a dimensão ambiental.
Os componentes da Agenda Azul (13%) evidenciam a preocupação e
cuidado com a água, nascentes, rios e olhos da água, numa das regiões mais ricas
do potencial hídrico do planeta, na presença das bacias do Alto Paraguai, Platina
e Amazônica. Todos os ecossistemas mato-grossenses, quais sejam, a Amazônia,
o Cerrado e o Pantanal são paisagens com intrincadas tessituras de ligação e, se
um elo for danificado, todo o sistema poderá entrar em colapso. 6% das temáti-
cas carregam proposições de fortalecimento da legislação, busca de energia
alternativa ou construção da educomunicação, uma nova tática que consagra a
formação e a informação em movimentos circulares de transmissão e recepção,
na ultrapassagem do produto informacional à valorização dos processos
formativos, e, essencialmente, na responsabilidade sócio-ambiental que edifica
uma Nação.

Figura 2: Temáticas abordadas

Embora a maioria das respostas indique que os sujeitos envolvidos nas


atividades da EA sejam de coletivos de professores e estudantes, muitas vezes
com o envolvimento de toda a escola, inclusive com a comunidade do entorno, as
aulas expositivas aparecem como estratégia mais utilizada pelos respondentes

93
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

do diagnóstico. Dificulta, desta maneira, compreender como as aulas são


oferecidas aos membros da comunidade ou funcionários da escola, já que é uma
estratégia restrita ao âmbito da sala de aula. Reforçando o paradoxo, os livros
didáticos surgem como principal recurso utilizado, absolutamente na metade
das respostas obtidas. Informações dos veículos de comunicação de massa;
trabalhos de campo; palestras com especialistas; acesso à internet; documentos e
diálogos possíveis em eventos da EA constituem como demais recursos utiliza-
dos nas vivências em EA(figura 3).

Figura 3: recursos mais utilizados

As estruturas educadoras como parques urbanos, museus, ou unidades de


conservação são pouco citadas, talvez fruto da demasiada burocracia exigida nos
trabalhos de campo, na ausência de tempo ou na inabilidade em se trabalhar na
perspectiva de multirreferências, agregando mais de uma área do conhecimento
às atividades da EA. Somado a estes fatores, não há sistematização coerente que
possibilite a divulgação destes centros de EA, inviabilizando a utilização destas
estruturas como potenciais aliadas à práxis pedagógica da EA.
Embora diversos materiais, publicações, jogos ou multimídia sejam
divulgados cotidianamente, tais recursos ainda estão distantes da vida pedagó-
gica das escolas, demarcada pelo uso excessivo dos tradicionais livros didáticos.
Estudos sobre os livros didáticos (LD) evidenciam que o valor de um texto é
determinado pela qualificação do educador (SATO, 1992). A formação crítica na
qualificação docente possibilita que a professora, ou o professor, execute sua

94
Mato Grosso - Sustentável e Democrático

tarefa com louvor, desde que sua formação possibilitará lançar um olhar
aguçado às tendências, ideologias ou erros conceituais de qualquer LD. Por
outro lado, um bom livro jamais fará um bom professor, pois o valor e a aceitação
da EA vão depender da capacidade emancipatória da formação intelectual do
educador. É fundamental, portanto, que as políticas públicas incorporem o
processo de formação permanente na práxis educativa.
Para além dos recursos pedagógicos e processos formativos, entretanto, há
que considerar a importância de um desenho dos Projetos Políticos Pedagógicos
(PPP), perspectivando a dimensão ambiental nos currículos escolares, e não
apenas nas paixões movidas pela militância da luta ecológica. A institucionaliza-
ção da EA não representa seu engessamento, desde que a causa ambiental
transcenda os espaços escolares e solicite um currículo fenomenológico mais
amplo (PASSOS & SATO, 2002), que se inscreva na produção e reprodução de
culturas das diversas sociedades sustentáveis. “Educar, na perspectiva libertária
e demais tendências pedagógicas que dialogam no campo crítico, é emancipar-
se, exercer ativamente a cidadania, construir democraticamente as alternativas
possíveis e desejadas” (LOUREIRO, 2004, p. 35). Assim, é preciso fortalecer as
políticas públicas que favoreçam a construção dos Projetos Ambientais Escolares
Comunitários (PAEC), que aliem a dimensão escolarizada ao saber popular, e
que sobremaneira, resgatem a função revolucionária do processo pedagógico à
capacidade de mobilização, para que a democracia seja participativa e não
meramente representativa.

Clausura
A morfologia da EA não é austera, mas sua fisiologia é legítima e dinâmica, e
muitas vezes, assemelha-se à teia de aranha, na metáfora weberiana da cultura
que é tecida por dentro, externaliza-se e sustenta a sobrevivência humana. Se um
fio se solta do emaranhado de fios e novelos da teia, a aranha então comanda a
operação de resgate, buscando táticas que possam fiar novos tecidos na trama
flexível da EA. A teia construída sofre intempéries de chuva, ventania e poeira.
Entretanto, superando o caos, busca em seus labirintos, seu caminhar ao hori-

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zonte, superando obstáculos no equilíbrio e na dinâmica do ciclo da vida e da


morte. Em síntese, o estado da arte da EA no estado de Mato Grosso sempre foi
desenhado através dos princípios de:
• Trabalhos dialógicos em parceria;
• Privilégio da mediação pedagógica em situações de conflitos;
• Reconhecimento das multirreferências e na existência de saberes popula-
res e científicos;
• Aceitação de um enfoque emancipatório, complexo e crítico;
• Reflexão filosófica por uma ética menos antropocêntrica;
• Respeito à diversidade biológica e à diferença cultural e étnica;
• Competência em aliar o local com o global;
• Descentralização das ações, fortalecendo os municípios;
• Adequação de propostas biorregionais, contextualizadas nos limites e
potenciais de cada grupo social ou território;
• Proposta de transversalizar a EA em projetos, programas, currículos e
instituições;
• Conhecimento e liberdade autônoma dos sujeitos e instituições através de
pactos éticos;
• Adoção dos princípios à construção de sociedades sustentáveis, por meio
de ampliação das parcerias interinstitucionais e intersetoriais.
O fortalecimento da EA como programa de políticas públicas representa
uma guinada conceitual e prática em direção à consolidação da função social da
educação, propriamente dita, que poderá convergir para um genuíno compro-
misso com a participação para a desejada transformação social e responsabilida-
de ecológica. Poderá ser um momento de inauguração histórica, na aliança dos
protagonistas atuantes do estado, que sob compromisso social, mantêm seu foco
na dimensão ambiental do Estado.
Ao trazer a História da EA, reescrevemos a memória, ainda que incompleta
e faltando detalhes do movimento. Nada jamais conseguirá fazer com que a EA
se desvie da aventura que escolheu. O movimento ecológico foi, e continuará
sendo definido por grupos diferenciados, com instrumentos capazes de tocar

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músicas muito distintas, em sistemas e compassos muito específicos. Não é esta a


lógica que sustenta o aparelho do pragmatismo, porque a história não se
movimenta por lógicas, mas por interesses. E as correlações de forças são
mutáveis.
A meta esmiuçada, ponto de partida para a construção da EA, é o grande
desafio de quem se aventura a trabalhar em um grupo com diversos interesses.
Refazer e criar os desejos de esperanças, como sentido gerador no tempo, é a ação
de ofício de quem se arrisca a domar e a desvendar a EA. Ainspiração incita a ação
de desfazer e desconstruir a trama, algumas vezes amorosamente tecida por
diversas mãos, por outras vezes, violenta contra as agressões que ferem a liberda-
de. A EA representa, desta maneira, malhas frágeis de conflito que necessitam de
cuidados na dinâmica da cultura e da natureza. Representa uma viagem de
constantes tessituras que se tocam e se articulam mutuamente, não na sobreposi-
ção de uma ou outra opinião, mas na tensividade de sua complementação.
É no ritmo e na pausa deste desejo de transformação que a EA se põe em
circularidade, onde os perdedores das armas nem sempre são derrotados da
esperança e onde a utopia se inscreve na ousadia de correr os riscos, pois
somente aqueles que se aventuram em territórios ameaçados compreendem a
dimensão da vitória. São estes os compromissos da Educação Ambiental que
ousa propor seu programa desenhado pela democracia, na participação dos
diferentes segmentos do Estado que não se sobrepõem, nem se recusam a
dialogar nesta construção, mas que, sobremaneira, quer complementar suas
diferenças e competências no caldo vigoroso que torna Mato Grosso especial na
sua tessitura da Educação Ambiental.

Instrumentos musicais
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Apoio
ISBN85-88421-37-2

9 788588 421370

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