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DESENVOLVIMENTO HUMANO NA

PRIMEIRA INFÂNCIA: A
PERSPECTIVA DE RENÉ SPITZ
© Celeste Duque, Executive Coach, Formadora, Psicóloga –
celeste.duque@gmail.com

René Spitz (1887-1974), nasceu em Viena, e faleceu


em Colorado, Estados Unidos. Começou por exercer
medicina, mas cedo se rendeu aos conhecimentos
propostos pela recém-nascida Psicanálise e foi o
primeiro a fazer investigação em Psicologia infantil.

Spitz conheceu Sándor Ferenczi, psicanalista e


hipnotizador, que fazia parte do círculo mais próximo de
Sigmund Freud. Foi Ferenczi quem o apresentou ao
criador da Psicanálise, e o levou até à Sociedade Psicanalítica de Viena, tendo
intercedido por ele, junto de Freud, para que este o aceitasse para fazer a sua análise
didáctica (treino e tratamento analítico), que realizou entre 1910 a 1911, tendo-se
formado como psicanalista. Praticou em Viena e Berlim, seguindo em 1932 para Paris.
Em 1938 viajou emigrou para os Estados Unidos, onde trabalhou durante 17 anos no
Instituto de Psicanálise, em New York.

Em 1956, foi convidado pela Universidade do Colorado para aí leccionar, tendo aceite
o convite. A sua investigação teve como objecto de pesquisa as fases iniciais da
construção do Ego. Na sequência dos seus estudos foi levado à necessidade de
desenvolver novas técnicas de observação de crianças da primeira infância.

Conquistou a admiração do meio científico americano com seu interesse e método de


estudo aplicado as crianças abandonadas. Foram as suas observações pioneiras
quanto ao efeito das manifestações de carinho em crianças mantidas em um berçário
que o catapultaram para a ribalta. Tendo-se tornado um teórico de referência nos
meios científicos, da primeira metade do século XX.

Demonstrou que uma criança muito nova necessita de carinho e carícias físicas reais
para sobreviver.

Com o propósito de isolar e investigar os factores responsáveis, ou desfavoráveis,


ligados ao desenvolvimento infantil em crianças internadas até aos dois anos e meio de
idade, escolheu como local de recolha de dados um excelente orfanato e o berçário de
uma prisão.

No Orfanato, organizado e limpo, as crianças mostravam um sensível atraso mental e


progressiva debilidade física. Uma epidemia de sarampo matou 23 das 88 crianças
com idade inferior a 2 anos e meio. Das sobreviventes, apenas 2 começaram a falar e
aprenderam a caminhar no espaço da pesquisa. Nenhuma aprendeu a comer sozinha
e todas eram incontinentes.

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Contraditoriamente e em contraste, no berçário da prisão de mulheres, o seu
desenvolvimento era tão acelerado e sadio que o problema era tentar saber como
conter as manifestações de sua vitalidade e inteligência; aqui, as crianças eram a
fascínio das mães reclusas e de todo o pessoal de serviço.

Spitz utilizou testes de quociente de desenvolvimento e encontrou uma média de 105


pontos para o segundo grupo, e apenas de 72 pontos para o primeiro. O que o levou a
concluir que a falta de contacto materno era o factor/variável que impedia o
desenvolvimento das crianças do orfanato e afirmou que "O quadro contrastante
dessas duas instituições mostra a importância da relação mãe e filho para o
desenvolvimento da criança durante o primeiro ano. As privações em outras áreas, por
exemplo, ao nível da dimensão da percepção ou locomoção podem todas ser
compensadas por relações mãe e filho adequadas".

Spitz vai, partir das concepções de Freud e elaborar a sua própria teoria sobre o
desenvolvimento precoce. E, à semelhança do que sucedeu com a esmagadora
maioria dos psicanalistas daquela época, também ele atribui grande importância à
prática clínica, nas suas investigações.

Foi dos primeiros a utilizar uma metodologia cientifica de investigação (Psicologia


experimental) com crianças pequenas, desenvolveu técnicas de observação e registo
inéditas, tais como, filmes, testes, grelhas de observação...

A teoria de Spitz é criada como tentativa de explicar a génese da relação de objecto e


da comunicação humana, para tal vai propor que o desenvolvimento na primeira
infância se processa em três estádios:
• Estádio pré-objectal ou sem objecto;
• Estádio precursor do objecto;
• Estádio do objecto libidinal, propriamente dito.

Tal como Freud, Melanie Klein, Bion, Winnicott, entre muitos outros, também Spitz vai
considerar que estes estádios do desenvolvimento se alicerçam na (inter)relação
mãe/filho e podem facilmente ser identificados através da manifestação de
comportamentos específicos na criança, que designou de “indicadores” (por exemplo,
“resposta de sorriso”)

Segundo ele são precisamente estes indicadores que vão revelar a existência de
“organizadores do psiquismo”, sob o primado dos quais os processos de maturação e
de desenvolvimento se reúnem numa “teia” facilitadora da evolução progressiva da
criança, no sentido da construção/integração da personalidade. Há medida que a
integração se vai efectuando o aparelho psíquico vai desencadear novos e diferentes
mecanismos de funcionamento novos.

Estádio não objectal


Spitz, para definir este estádio, propõe o conceito de “não diferenciação”, que
corresponde grosso modo ao que Freud designa de Narcisismo Primário.

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O conceito é utilizado por Spitz para demonstrar que o recém-nascido ainda não se
encontra “organizado” em diversas dimensões, tais como: percepção e actividade; o
funcionamento psíquico e somático ainda não estão separados; o meio circundante
não é percebido. Como tal, as noções de interior e exterior não existem, as partes do
corpo não são percebidas como diferentes, tal como não há separação entre pulsões e
objecto. Ignorando o mundo que o rodeia, o bebé também não pode reconhecer o
objecto libidinal.

Este autor considera que nesta fase do desenvolvimento não há actividade psíquica e
mental e concebe que, no máximo, podem existir afectos indiferenciados e caóticos.

O que se passa é que os estímulos (primeiras percepções) ao serem recebidos pelos


sistemas proprioceptivos vão desencadear uma reacção por parte de uma barreira de
protecção natural massiva cuja principal função é a de proteger o bebé dos numerosos
estímulos (alguns deles bastante agressivos) que o bombardeiam, e que caso esta
barreira não existisse iriam sobrecarregar ainda mais o organismo/mente, levando-o a
um excessivo desgaste, não lhe restando energia para se concentrar na progressiva
integração/compreensão de todo o meio circundante, esta sim fundamental para o bom
desenvolvimento do sujeito.

Quando os estímulos de origem interna (tais como: fome, sede, desconforto...) ou


externa (por exemplo, barulho, frio, luz...), ultrapassam um determinado limiar, a
criança para reencontrar o estado de sossego, de quietude, tem de reagir a esta
excitação negativa, interpretada como “desprazer”, através de um processo de
descarga: choro, grito...

Este processo é comparado ao Princípio de Nirvana, cujo processo natural segue a


sequência: estímulo demasiado agressivo  descarga para reduzir o desprazer e
fornecer a quietude. Quando a mãe é capaz de interpretar a “mensagem” do seu bebé
(suficientemente contentora, de acordo com a linguagem de Bion) e lhe proporciona um
ambiente calmo, protegendo a criança do excesso de estímulos externos e lhe satisfaz
as necessidades básicas (manifestadas pelos estímulos internos) então ela está a
contribuir para que possa crescer em quietude, compreensão e confiança.

Seja qual for a sua natureza, os estímulos não são “reconhecidos” pelo bebé. Só com o
acumular de experiências é que progressivamente e há medida que o tempo vai
passando, eles irão tomar o valor de sinal. O conjunto dos sinais memorizados irá,
mais tarde, proporcionar “uma imagem coerente do mundo”, o que equivale a afirmar
que são precisamente estas memórias que irão permitir ao sujeito ordenar o mundo à
sua volta e reduzir o caos (grande quantidade de estímulos que chegam
permanentemente aos diversos órgãos dos sentidos).

A maturação desenvolve progressivamente esta capacidade mental de registo dos


estímulos. Partindo de uma fase de apercepção (apesar de a memória já guardar
alguns traços), a criança, graças à relação de reciprocidade que estabelece com a
mãe, uma permanente sequência que se repete – acção/reacção/acção – vai-lhe
permitir realizar uma certa aprendizagem que conduz à
coordenação/integração/sintetização das diferentes percepções.

No que concerne aos primeiros dias de vida do bebé, Spitz utiliza o termo “recepção”
para designar a faculdade/capacidade de sentir (visceral) e esta sensação pertence à
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organização cenestésica (centrado no Sistema Nervoso Autónomo, de onde partem as
manifestações emocionais). Há medida que o tempo passa a criança vai
progressivamente evoluir de um estado de recepção cenestésica para um estado de
percepção diacrítica (em que a percepção se encontra devidamente
circunscrita/localizada, dotada de intensidade, e que mais tarde irá evoluir por
intermédo dos órgãos sensoriais periféricos – córtex – que conduzem aos processos
cognitivos (pensamento consciente).

Num primeiro momento processa-se através da boca (região oral) que devido à sua
função anaclítica irá servir de intermediária entre a recepção interna e a percepção
externa. Aliás, esta região é extremamente importante no estabelecimento da relação
mãe/filho, nomeadamente, no durante o processo de amamentação (quer seja natural
ou artificial).

É através desta zona que a percepção de um estímulo (externo) como o mamilo ou a


tetina ao ser gradualmente ser identificada/reconhecida pelo bebé, quando lhe é
associada a rápida satisfação da necessidade de alimento (de origem proprioceptiva).
De referir ainda que, esta percepção só é possível se o desprazer e a descarga por ele
desencadeada, forem interrompidos.

A fase não objectal caracteriza-se por: os precursores dos afectos (ou afectos arcaicos)
- excitação de qualidade negativa ou quietude - e a frustração que o bebé sente entre o
momento em que experimenta uma necessidade e o momento em que a necessidade
é satisfeita, exercem uma pressão repetida que impele à adaptação. Acredita-se que
nesta fase o bebé ainda não é capaz de diferenciar o tipo de pulsão – libidinal e/ou
agressiva.

O Estádio do percursor do objecto


As consequências, em termos de desenvolvimento, que advêm do estabelecimento do
primeiro precursor do objecto são múltiplas. O bebé começa a ser capaz de:

• Ultrapassar o estado de simples “recepção dos estímulos internos” em favor de


um estado de “percepção dos estímulos externos”.

• Adiar durante algum tempo o Princípio de Prazer em favor do Princípio de


Realidade.

Baseando-se na 1ª Tópica1 de Freud, Spitz vai propor que, há medida que os traços
mnésicos se vão formando, a criança começa a conseguir reconhecer o rosto humano,
esta evolução origina o seguinte fenómeno, o bebé começa a ser capaz “de deslocar
os seus investimentos pulsionais de uma função psíquica para outra, de um traço
mnésico para outro”.

1Primeira Teoria Topográfica de Mente preconiza que o funcionamento da mente se processa através
da existência de três instâncias: Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente.

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Suportando-se na 2ª Tópica2, Spitz vai afirmar que uma vez adquirida a separação
entre o Ego e o Id e construído um Ego rudimentar (o Ego corporal de Freud, 1923), o
bebé começa a funcionar, e a mãe joga aqui um papel fundamental ela vai durante
algum tempo desempenhar o papel de Ego auxiliar.

Spitz considera que esta estruturação somatopsíquica (passagem do somático ao


psíquico) se processa de forma contínua, o que equivale a afirmar que “os protótipos
dos núcleos do Ego psíquico têm de ser procurados nas funções fisiológicas e no
comportamento somático”.

A partir deste momento, o Ego passa a organizar, coordenar e integrar, substituindo o


limiar primário de protecção contra os estímulos por um processo superior, mais
flexível e selectivo.

É ainda neste estádio a criança evolui de um estado passivo para um estado activo,
adquirindo a capacidade de efectuar acções dirigidas, em que ao ser capaz de utilizar o
“sorriso” como resposta, ele vai estar a formar o protótipo de base de todas as relações
sociais posteriores. O sorriso, enquanto resposta constitui-se num esquema do
comportamento (fenómeno específico).

Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho a qual vai permitir
o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em 1921, designou de “Foule
à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta).

Neste quadro as acções conscientes da mãe, bem como as suas atitudes


inconscientes, vão constituir-se como “reforço primário” sobre a criança. Estes
processos de formação, são designados por Spitz de ”processos de modelagem”,
escrevendo a propósito disso que se verifica “uma série de trocas entre dois parceiros,
a mãe e o filho, que se influenciam reciprocamente de forma circular”. Obviamente, que
num primeiro momento, e por razões óbvias, o bebé se encontre em desvantagem em
termos de capacidade de comunicação e eficiência da mesma.

A comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no quadro do “clima


afectivo3” que se estabeleceu entre eles.

É precisamente esta repetição de experiências de prazer e desprazer e a consequente


satisfação ou frustração em situações interiores idênticas, quotidianas, que irá fazer
nascer, no bebé, os primeiros afectos de prazer manifestados através do sorriso ou os
afectos de desprazer traduzidos em episódios de choro.

Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas pelo bebé possam ser
investidas afectivamente, é preciso que os traços mnésicos já sejam possíveis e é
neste quadro que o fenómeno da resposta de sorriso se constitui, não só o indicador de

2 Na Segunda Teoria Topográfica de Mente, Freud vai afirmar que o aparelho psíquico é formado por
três instâncias o Id, Super-Ego e Ego, estes conceitos levam a uma teorização metapsicanalítica, a
totalidade do sujeito é abarcada em toda a sua complexidade.
3 Nomenclatura utilizada por Spitz, para designar “a totalidade das forças que influenciam o
desenvolvimento da criança”.

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um afecto (ele próprio a manifestação da actividade pulsional subjacente), como a
modalidade de operar dos primeiros processos de pensamento.

Este afecto de prazer, é de extrema importância no processo de estabelecimento do


objecto (interiorização do objecto), no entanto, não deve ter uma intensidade
demasiado intensa que leve o bebé a esquecer o afecto de desprazer, devido à
frustração, já que este último também é muito importante, por exemplo, representa um
papel fundamental como catalisador no desenvolvimento da criança.

De facto, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação que a criança vai


adquirindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta dos seis meses a
integração dos traços mnésicos sob a influência do Ego permite a fusão das imagens
dos pré-objectos, bons e maus, para construir uma imagem materna única no sentido
da qual as Pulsões agressivas e libidinais se vão organizar e dirigir. É a partir do
entrecruzar destas duas pulsões que leva a criança ao dirigir-se à pessoa mais
fortemente investida afectivamente e que leva a que o objecto libidinal, propriamente
dito, surja. Pode-se afirmar que este é o momento em que se iniciam a verdadeiras
relações de objecto.

Estádio do objecto libidinal


No terceiro trimestre de vida, mais precisamente no “oitavo mês”, “as capacidades para
uma diferenciação perceptiva diacrítica estão bem desenvolvidas” o que se pode
facilmente observar na prática já que quando o bebé se encontra perante um
desconhecido, compara o seu rosto com os traços mnésicos do rosto familiar da mãe e
vai reagir manifestando um comportamento de recusa de contacto e/ou mesmo choro,
acompanhado de maior ou menor angústia. Aliás, esta é mesmo a primeira
manifestação de angústia que os teóricos consensualmente designam de “angústia do
oitavo mês”, que é uma angústia de perda de objecto. O bebé vai reagir desta forma
quando um estranho (um rosto estranho) se aproxima e face ao contacto eminente vai
sentir que a mãe o abandonou.

A “angústia do 8º mês” constitui-se como um indicador do segundo organizador


psíquico, o qual revela o estabelecimento de uma verdadeira relação de objecto: a mãe
já se encontra interiorizada e transformou-se no objecto libidinal. É o objecto
privilegiado, não apenas em termos visuais e, muito mais importante que isso, em
termos afectivos.

Esta evolução no desenvolvimento do bebé aponta para importantes transformações:


• Em termos somáticos, o aparelho sensorial necessário à percepção diacrítica é
claramente enriquecido graças à multiplicação dos feixes nervosos;
• Ao nível do aparelho mental, a multiplicação dos traços mnésicos permite operações
mais completas e sequências de acção dirigidas;
• Na organização psíquica, estas possibilidades de acção permitem descargas de tensão
afectiva de forma dirigida e desejada.
• O Ego estrutura-se e clarifica as suas fronteiras com o Id e com o mundo exterior por
outro.

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Este segundo organizador, “a angústia do 8º mês” também conhecida como “medo do
estranho”, revela que a criança já é capaz de discriminar a mãe dos outros, e que ela é
o “objecto libidinal nascente”.

De facto, a criança progride nos sectores perceptivo, motor e afectivo. A título de


exemplo, podem referir-se: a capacidade crescente em discriminar as coisas
inanimadas; uma crescente capacidade ideativa; surgem atitudes emocionais variadas,
tais como ciúme, cólera, possessão, afeição, alegria...

Estes progressos são acompanhados pela formação de mecanismos de defesa, dando


Spitz principal realce ao mecanismo de identificação, de que a imitação pelo gesto é
precursor.

Esquemas de acção, imitação e identificação constituem os meios de uma autonomia


crescente em relação à mãe, anunciando uma abertura da relação aos outros. A
“aquisição do não” marca a passagem para a abertura social.

Por volta do fim do primeiro ano a criança já anda, esta liberdade de movimentos,
recentemente adquirida, permite-lhe multiplicar as suas actividades a uma distância
cada vez maior da mãe e afastar-se do seu olhar e do seu campo de visão para
regressar logo de seguida para confirmar que ela ali está, que não o abandonou.

Esta nova autonomia modifica a forma de reagir e intervir da mãe que vai fixar os seus
limites através de interdições, pelo gesto e pela voz: aceno negativo da cabeça e “não”.

A criança é apanhada no conflito entre a sua vinculação libidinal à mãe e o medo de


lhe desagradar e de a perder transgredindo os seus interditos. A fim de enfrentar este
conflito recorre a uma solução de compromisso: o processo de identificação com o
objecto libidinal; ao incorporar estas interdições no Ego, já constituído e operante, a
criança exprime desta forma a sua agressividade em relação à mãe4.

Spitz opta por utilizar o termo identificação com o frustrador, já que a mãe, ao proibir
uma acção à criança, num momento em que está apenas a emergir de um estado de
profunda passividade, não lhe permite a satisfação, logo, impõe-lhe uma frustração, um
desprazer “que provoca um investimento agressivo vindo do Id”, numa fase em que a
criança se encontra a braços com um ímpeto de actividade significativo .

A identificação com o agressor é um processo selectivo, a mãe impõe uma interdição


que apresenta três níveis diferentes de expressão: o gesto e/ou a palavra; o
pensamento consciente; e, o afecto. Se, por um lado, a criança incorpora o gesto, o
mesmo não sucede relativamente ao pensamento consciente, nesta idade ele ainda
não consegue compreender as razões ou as motivações do Não.

Quando a criança já atribui ao gesto um conteúdo ideativo, semelhante ao sentido que


possui para aqueles que a rodeiam, nesse momento este aceno de cabeça transforma-
se no indicador do terceiro organizador psíquico.

4 Fenómeno estudado por Anna Freud e por ela designado de “identificação com o agressor”.

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Isto implica que o funcionamento do psiquismo se conforme com o Princípio de
Realidade.

O terceiro organizador revela-se por volta dos quinze meses de idade e indica que a
criança conseguiu, através do gesto da cabeça, “realizar a abstracção de uma recusa
ou de uma denegação”.

Não existindo o “não” no inconsciente (Freud, 1925), “a negação” constitui-se como


“uma criação do Ego colocada ao serviço da função do juízo”.

O “não” é, simultaneamente, o primeiro conceito abstracto adquirido pela criança e a


sua primeira expressão com símbolos semânticos de uma comunicação à distância por
mensagens intencionais e dirigidas. O domínio do “não” pela criança é o sinal da
formação do terceiro organizador psíquico, este mais não é, que o início da
comunicação verbal marcada por um período de nítida obstinação, durante o segundo
ano de vida da criança.

Spitz dedicou a vida ao estudo do desenvolvimento da criança da primeira infância e


propôs o que designou de “psicologia psicanalítica do primeiro ano”, baseada em
dados recolhidos na prática pela observação das relações de objecto da criança com a
mãe.

Esta observação permitiu-lhe fazer descobertas fundamentais sobre os fenómenos


patológicos da infância, ligados às perturbações da relação mãe/filho quando esta é
insuficiente (qualitativa ou quantitativamente).

Spitz concluiu que, quando há uma perturbação na relação mãe/filho esta vai
influenciar o estabelecimento das relações de objecto, e podem ser observadas as
afecções psicotóxicas, termo por ele utilizado para designar tais perturbações. Em
consequência podem surgir manifestações tais como: coma do recém-nascido; cólica
do terceiro mês; ou eczema infantil. Quando, no decurso do primeiro ano o bebé é
submetido a uma privação afectiva parcial, surge a depressão anaclítica (actualmente
considerada uma perturbação ao nível da vinculação), e quando se verifica uma
privação completa surge o hospitalismo, o qual apresenta um prognóstico grave.

Bibliografia
Spitz, R. A. (1954). An Inquiry into the Genesis of Psychiatric Conditions in Early Childhood.
The Psychoanalytic Study of the Child, 1, 53-74.
Spitz, R. A. (1976). Le Non et le Oui (3ème edition). Paris: PUF.
Spitz, R. A. (1979). De la naissance à la parole (6ème edition). Paris: PUF.
Spitz, R. A. (1979). L'embryogénese du moi. Bruxelas: Editions Complexe.

© Celeste Duque, 2009-09-17

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