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PRIMEIRA INFÂNCIA: A
PERSPECTIVA DE RENÉ SPITZ
© Celeste Duque, Executive Coach, Formadora, Psicóloga –
celeste.duque@gmail.com
Em 1956, foi convidado pela Universidade do Colorado para aí leccionar, tendo aceite
o convite. A sua investigação teve como objecto de pesquisa as fases iniciais da
construção do Ego. Na sequência dos seus estudos foi levado à necessidade de
desenvolver novas técnicas de observação de crianças da primeira infância.
Demonstrou que uma criança muito nova necessita de carinho e carícias físicas reais
para sobreviver.
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Contraditoriamente e em contraste, no berçário da prisão de mulheres, o seu
desenvolvimento era tão acelerado e sadio que o problema era tentar saber como
conter as manifestações de sua vitalidade e inteligência; aqui, as crianças eram a
fascínio das mães reclusas e de todo o pessoal de serviço.
Spitz vai, partir das concepções de Freud e elaborar a sua própria teoria sobre o
desenvolvimento precoce. E, à semelhança do que sucedeu com a esmagadora
maioria dos psicanalistas daquela época, também ele atribui grande importância à
prática clínica, nas suas investigações.
Tal como Freud, Melanie Klein, Bion, Winnicott, entre muitos outros, também Spitz vai
considerar que estes estádios do desenvolvimento se alicerçam na (inter)relação
mãe/filho e podem facilmente ser identificados através da manifestação de
comportamentos específicos na criança, que designou de “indicadores” (por exemplo,
“resposta de sorriso”)
Segundo ele são precisamente estes indicadores que vão revelar a existência de
“organizadores do psiquismo”, sob o primado dos quais os processos de maturação e
de desenvolvimento se reúnem numa “teia” facilitadora da evolução progressiva da
criança, no sentido da construção/integração da personalidade. Há medida que a
integração se vai efectuando o aparelho psíquico vai desencadear novos e diferentes
mecanismos de funcionamento novos.
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O conceito é utilizado por Spitz para demonstrar que o recém-nascido ainda não se
encontra “organizado” em diversas dimensões, tais como: percepção e actividade; o
funcionamento psíquico e somático ainda não estão separados; o meio circundante
não é percebido. Como tal, as noções de interior e exterior não existem, as partes do
corpo não são percebidas como diferentes, tal como não há separação entre pulsões e
objecto. Ignorando o mundo que o rodeia, o bebé também não pode reconhecer o
objecto libidinal.
Este autor considera que nesta fase do desenvolvimento não há actividade psíquica e
mental e concebe que, no máximo, podem existir afectos indiferenciados e caóticos.
Seja qual for a sua natureza, os estímulos não são “reconhecidos” pelo bebé. Só com o
acumular de experiências é que progressivamente e há medida que o tempo vai
passando, eles irão tomar o valor de sinal. O conjunto dos sinais memorizados irá,
mais tarde, proporcionar “uma imagem coerente do mundo”, o que equivale a afirmar
que são precisamente estas memórias que irão permitir ao sujeito ordenar o mundo à
sua volta e reduzir o caos (grande quantidade de estímulos que chegam
permanentemente aos diversos órgãos dos sentidos).
No que concerne aos primeiros dias de vida do bebé, Spitz utiliza o termo “recepção”
para designar a faculdade/capacidade de sentir (visceral) e esta sensação pertence à
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organização cenestésica (centrado no Sistema Nervoso Autónomo, de onde partem as
manifestações emocionais). Há medida que o tempo passa a criança vai
progressivamente evoluir de um estado de recepção cenestésica para um estado de
percepção diacrítica (em que a percepção se encontra devidamente
circunscrita/localizada, dotada de intensidade, e que mais tarde irá evoluir por
intermédo dos órgãos sensoriais periféricos – córtex – que conduzem aos processos
cognitivos (pensamento consciente).
Num primeiro momento processa-se através da boca (região oral) que devido à sua
função anaclítica irá servir de intermediária entre a recepção interna e a percepção
externa. Aliás, esta região é extremamente importante no estabelecimento da relação
mãe/filho, nomeadamente, no durante o processo de amamentação (quer seja natural
ou artificial).
A fase não objectal caracteriza-se por: os precursores dos afectos (ou afectos arcaicos)
- excitação de qualidade negativa ou quietude - e a frustração que o bebé sente entre o
momento em que experimenta uma necessidade e o momento em que a necessidade
é satisfeita, exercem uma pressão repetida que impele à adaptação. Acredita-se que
nesta fase o bebé ainda não é capaz de diferenciar o tipo de pulsão – libidinal e/ou
agressiva.
Baseando-se na 1ª Tópica1 de Freud, Spitz vai propor que, há medida que os traços
mnésicos se vão formando, a criança começa a conseguir reconhecer o rosto humano,
esta evolução origina o seguinte fenómeno, o bebé começa a ser capaz “de deslocar
os seus investimentos pulsionais de uma função psíquica para outra, de um traço
mnésico para outro”.
1Primeira Teoria Topográfica de Mente preconiza que o funcionamento da mente se processa através
da existência de três instâncias: Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente.
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Suportando-se na 2ª Tópica2, Spitz vai afirmar que uma vez adquirida a separação
entre o Ego e o Id e construído um Ego rudimentar (o Ego corporal de Freud, 1923), o
bebé começa a funcionar, e a mãe joga aqui um papel fundamental ela vai durante
algum tempo desempenhar o papel de Ego auxiliar.
É ainda neste estádio a criança evolui de um estado passivo para um estado activo,
adquirindo a capacidade de efectuar acções dirigidas, em que ao ser capaz de utilizar o
“sorriso” como resposta, ele vai estar a formar o protótipo de base de todas as relações
sociais posteriores. O sorriso, enquanto resposta constitui-se num esquema do
comportamento (fenómeno específico).
Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho a qual vai permitir
o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em 1921, designou de “Foule
à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta).
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas pelo bebé possam ser
investidas afectivamente, é preciso que os traços mnésicos já sejam possíveis e é
neste quadro que o fenómeno da resposta de sorriso se constitui, não só o indicador de
2 Na Segunda Teoria Topográfica de Mente, Freud vai afirmar que o aparelho psíquico é formado por
três instâncias o Id, Super-Ego e Ego, estes conceitos levam a uma teorização metapsicanalítica, a
totalidade do sujeito é abarcada em toda a sua complexidade.
3 Nomenclatura utilizada por Spitz, para designar “a totalidade das forças que influenciam o
desenvolvimento da criança”.
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um afecto (ele próprio a manifestação da actividade pulsional subjacente), como a
modalidade de operar dos primeiros processos de pensamento.
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Este segundo organizador, “a angústia do 8º mês” também conhecida como “medo do
estranho”, revela que a criança já é capaz de discriminar a mãe dos outros, e que ela é
o “objecto libidinal nascente”.
Por volta do fim do primeiro ano a criança já anda, esta liberdade de movimentos,
recentemente adquirida, permite-lhe multiplicar as suas actividades a uma distância
cada vez maior da mãe e afastar-se do seu olhar e do seu campo de visão para
regressar logo de seguida para confirmar que ela ali está, que não o abandonou.
Esta nova autonomia modifica a forma de reagir e intervir da mãe que vai fixar os seus
limites através de interdições, pelo gesto e pela voz: aceno negativo da cabeça e “não”.
Spitz opta por utilizar o termo identificação com o frustrador, já que a mãe, ao proibir
uma acção à criança, num momento em que está apenas a emergir de um estado de
profunda passividade, não lhe permite a satisfação, logo, impõe-lhe uma frustração, um
desprazer “que provoca um investimento agressivo vindo do Id”, numa fase em que a
criança se encontra a braços com um ímpeto de actividade significativo .
4 Fenómeno estudado por Anna Freud e por ela designado de “identificação com o agressor”.
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Isto implica que o funcionamento do psiquismo se conforme com o Princípio de
Realidade.
O terceiro organizador revela-se por volta dos quinze meses de idade e indica que a
criança conseguiu, através do gesto da cabeça, “realizar a abstracção de uma recusa
ou de uma denegação”.
Spitz concluiu que, quando há uma perturbação na relação mãe/filho esta vai
influenciar o estabelecimento das relações de objecto, e podem ser observadas as
afecções psicotóxicas, termo por ele utilizado para designar tais perturbações. Em
consequência podem surgir manifestações tais como: coma do recém-nascido; cólica
do terceiro mês; ou eczema infantil. Quando, no decurso do primeiro ano o bebé é
submetido a uma privação afectiva parcial, surge a depressão anaclítica (actualmente
considerada uma perturbação ao nível da vinculação), e quando se verifica uma
privação completa surge o hospitalismo, o qual apresenta um prognóstico grave.
Bibliografia
Spitz, R. A. (1954). An Inquiry into the Genesis of Psychiatric Conditions in Early Childhood.
The Psychoanalytic Study of the Child, 1, 53-74.
Spitz, R. A. (1976). Le Non et le Oui (3ème edition). Paris: PUF.
Spitz, R. A. (1979). De la naissance à la parole (6ème edition). Paris: PUF.
Spitz, R. A. (1979). L'embryogénese du moi. Bruxelas: Editions Complexe.
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