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em revista
ano 1 - março 2009 - n º 5
Em revista
propaganda
política
editorial
O bom ‘campanheiro’
Na rua, sempre com muita gente em volta, ouvindo, falando, discutindo ideias
e meios de melhorar a vida das pessoas na cidade, no Estado, no país todo. Esse
era o lugar predileto de Mario Covas, o pedaço do mundo onde ele se sentia
feliz e confortável. Gostava de exercer o poder público, no Legislativo ou no
Executivo, mas era na campanha eleitoral que brilhava a sua estrela política.
Não prometia nada que não tivesse certeza de que poderia realizar, mesmo que
isso pudesse lhe custar votos decisivos. Os marqueteiros que se virassem, sempre
desafiados a encontrar saídas criativas para tornar amistosa sua mensagem
austera. Covas acompanhava com atenção as pesquisas de intenção de voto.
Se o resultado dos institutos não batessem com o das pesquisas realizadas
pela equipe, o pesquisador teria trabalho para explicar a razão. Covas adorava
discutir com as pessoas, até para testar a força de suas convicções.
Aliás, foi de Marta a última campanha da qual participou. Covas iria aproveitar o
feriado do dia da eleição a prefeito de São Paulo para continuar sua luta contra
o câncer numa sessão de quimioterapia. Mas como ainda havia risco de Marta
perder para Paulo Maluf, ele adiou a internação e foi à rua pedir votos para a
petista até que as urnas se fechassem. Até o fim, um bom “campanheiro”.
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Índice
Fotoclip 6
A sensibilidade do político 10
Memória do palanque 20
Material de campanha 23
Da Câmara ao Senado 29
A revolução ética 49
A marca da legalidade 79
Créditos 86
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fotoclip
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A TRAJETÓRIA
37 ANOS CAÇANDO VOTOS
Firme na defesa de sua mensagem política, Mario Covas
concentrava-se em conquistar o eleitor nas ruas – o pessoal de
campanha que cuidasse do resto
Covas em caminhada com a população durante a campanha de 1994 a governador de São Paulo
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de Santos. Perdeu a eleição para La Scala, Quércia levaram Covas e seus aliados a
apadrinhado de Adhemar de Barros, mas fundar, em junho de 1988, o Partido da Social
acumulou expressivo cacife político. Democracia Brasileira – PSDB.
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A sensibilidade do político
Imune à ação dos marqueteiros, Mario Covas definia o discurso,
delegava a execução e intervia só em correção de rumo, diz Osvaldo
Martins, coordenador das campanhas eleitorais
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pessoal dois dias antes, discutimos e cheguei causa dos pedágios, frutos das concessões de
ao encontro cheio de propostas do que deveria rodovias. Ele foi para o debate principal, na TV
ser feito. Começou a reunião, e eu quieto, Bandeirantes, armado até os dentes de coisas
esperando que o candidato pedisse que eu de pedágio para infernizar o Covas, numa
falasse alguma coisa. Mas, antes de mim, estratégia orientada pelo Duda Mendonça.
até pela ordem hierárquica, estava o Franco O Mario Covas adotou a seguinte postura: “Ô
Montoro e outros políticos de peso. Ninguém Maluf, nós fomos colegas de escola, somos
deu sugestão, a não ser uma, do Montoro. Na contemporâneos, temos sessenta anos,
campanha do Fernando Henrique Cardoso, temos história, temos uma vida política. O
que ganhou no primeiro turno, os jingles eleitor vai decidir por um de nós por tudo
cantados pelo Dominguinhos fizeram grande o que já fizemos, pela nossa história, pela
sucesso, e o Montoro sugeriu contratá-lo para nossa biografia. Não vai ser por essa questão
fazer os jingles do Mario Covas para o segundo boba aí que você está querendo impingir,
turno. A sugestão, muito boa, foi adotada. como se o eleitor fosse tolo e tomasse uma
Então eu disse: “Acho que a gente deve colar decisão importante dessa, sobre duas figuras
na vitória do Fernando Henrique. A nossa conhecidíssimas, em cima de tema menor. O
estratégia deve ser de união do governo do eleitor vai parar para pensar e vai ver a minha
Estado e do governo federal”. Já cheguei com biografia, vai ver a sua e tomar a decisão”.
o slogan e o layout da fusão da bandeira de
São Paulo com a do Brasil, foi tudo aprovado FMC - E isso foi ideia dele?
e eu saí dali já para fazer as coisas.
Osvaldo Martins - Foi. Infelizmente, os
FMC - Era fácil lidar com essa políticos atuais se demitiram do comando da
questão, apesar do aumento da campanha, entregaram-se de corpo e alma
responsabilidade... aos marqueteiros e, por isso, não têm mais
ideias, essa coisa que está na sensibilidade
Osvaldo Martins - Sempre foi fácil, porque eu do político. No momento em que o político
sempre fiz aquilo que me pareceu o melhor. usa um determinado discurso, cabe à
Procurei me cercar de pessoas competentes, comunicação dar o melhor tratamento àquele
que deram grandes contribuições às conteúdo. Atualmente, o político quer que o
campanhas. Eu era um coordenador, mas de marqueteiro crie também o discurso, é uma
uma equipe altamente qualificada em todas inversão total. E não é de hoje.
as áreas. Tinha tranquilidade e segurança
de que aquilo era o melhor que podíamos FMC – Os marqueteiros ajudam a
produzir, e o Mario Covas achava a mesma organizar as ideias.
coisa, por isso, não opinava. Esse assunto
para ele era tabu; negócio de comunicação ele Osvaldo Martins – Exato. Pegam a ideia,
nunca entendeu direito. Nós tivemos brigas vão até mudar as palavras, criar slogans,
homéricas a vida inteira, e todas as vezes que mas a sensibilidade política é do político, e
eu tentei explicar pacientemente algumas essa é intransferível. Transferir isso para os
coisas dos fundamentos da comunicação, ele publicitários é a falência da ação política.
nunca quis saber. Trabalhava muito com a
sensibilidade de político. Ele tocava, criava, FMC - O Mario Covas gostava de ir
discursava, tinha criação, como, por exemplo, para o telemarketing da campanha
o tiro mortal no Paulo Maluf. conversar com as pessoas por
telefone...
FMC – Que tiro foi esse?
Osvaldo Martins – Gostava muito porque
Osvaldo Martins - A guerra das biografias. Em era uma forma de comunicação direta. Ele
1998, o Paulo Maluf escolheu como tema do gostava de rádio também porque era ágil,
segundo turno bombardear o Mario Covas por conversava ao vivo com os ouvintes. O que ele
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não gostava da imprensa, em geral, era falar FMC - Ele respeitava o resultado da
uma coisa, o sujeito anotar e depois escrever pesquisa, acreditava na ferramenta?
outra coisa. Ele morria de medo disso, que
acontece com muita frequência no dia-a-dia. Osvaldo Martins - O Mario passou a acreditar
No call center da campanha a governador, em pesquisa vendo que a análise que a gente
ele falava mais com lideranças, prefeitos do fazia se comprovava nos fatos. Participava
interior etc., sobretudo nos dias da semana da análise e fazia a dele. Aí é que entra o
que antecediam o da eleição, para animar diferencial do político experiente e sensível:
o pessoal, dar uma injeção de ânimo, dizer as análises dele eram perfeitas. Uma coisa que
“vamos que vamos”. Tem um efeito grande no o Mario Covas sempre teve era a capacidade
ânimo das lideranças o de analisar a cena
candidato ligar e dizer: política como
“Olha, conto contigo”. se ele próprio
Ele sabia que era
eficiente.
“Mario Covas gostava das não participasse
dela. Quando ele
pesquisas qualitativas, era deputado
FMC - E os resultados e senador, os
das pesquisas, como porque são de linha jornalistas de
é que ele recebia? Brasília gostavam
direta, as pessoas muito de ir
Osvaldo
Gostava
Martins
muito
-
das
presentes discutem as conversar com ele,
principalmente
pesquisas qualitativas, questões. Uma vez, ele os comentaristas,
porque, mais uma vez, porque um papo
são de linha direta, foi ver a discussão sem com Mario Covas
as pessoas presentes gerava material
discutem. Numa única
ser visto. Quando um dos abundante para
a análise do
vez eu o levei para
debatedores disse ‘esse quadro político.
assistir à pesquisa
por detrás do vidro, Mario Covas é um ladrão’, O Mario sentava e
conversava, fazia
do outro lado do
espelho que fica na ele queria invadir a sala, a análise de coisas
nas quais ele
sala da discussão e
impede que quem
queria tomar satisfação estava envolvido,
mas falava com
está debatendo veja com o cara, foi um tal isenção que
quem está assistindo.
Nessa única vez eu sacrifício segurá-lo.” os
adoravam.
jornalistas
De
disse a ele que nunca
outro aspecto, o
mais o levaria. Um Mario Covas era
dos debatedores tinha uma péssima fonte
aquele discurso “político é tudo igual, tudo de informação para os repórteres.
farinha do mesmo saco, esse Maluf é ladrão,
esse Mario Covas também é ladrão”. Quando FMC - era Ruim de síntese.
o Mario ouviu isso, ele queria invadir a sala,
queria tomar satisfação com o cara, foi um Osvaldo Martins – Isso. Ele sempre ia pelo
sacrifício segurá-lo. Depois que acabou, ele caminho da análise, e o repórter queria uma
queria ir lá para a calçada pegar o sujeito e resposta sim ou não. Por isso o Mario nunca foi
discutir, e nós não deixamos. Foi um sufoco. uma boa fonte de informação para repórter,
O Paeco segurando de um lado, eu do outro. embora fosse o craque da análise.
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FMC – mario Covas era um excelente diz no programa de televisão do horário
articulador e tinha um discurso muito gratuito do que aquilo que está escrito no
afiado. Qual era a importância do Programa de Governo, que vai sair sabe-se lá
debate para a campanha política? quando. Ele deixou bem claro que o Programa
de Governo era o texto do programa de TV.
Osvaldo Martins – Uma importância muito Moral da história: inverteram-se as coisas
grande. Por exigência da legislação, os nas reuniões realizadas na produtora. Ele
debates ficam um pouco engessados - tempo chamava pessoas que estavam estudando
para cada um, réplica, tréplica, tudo muito determinada área, e o que fosse decidido e
chato. Os debates anteriores a essas regras, gravado ali iria para o Programa de Governo
como os de Jânio Quadros versus Franco e não o contrário. Até o bom entrosamento
Montoro e Brizola versus Collor, eram muito de todos sobre esse assunto foi um desastre,
interessantes. Covas gostava de se preparar porque ele encrencava na hora de gravar. Ele
bem, em reuniões que simulavam o debate. não gravava nada do que não concordasse.
Numa dessas simulações, um dos membros da Afinal de contas, o candidato era ele.
nossa equipe de comunicação, o Raul Bastos,
foi escalado para fazer o papel do adversário, FMC – Ou que ele não pudesse cumprir...
que era o Francisco Rossi, em 1994.
Osvaldo Martins – Da segunda metade para
FMC – E qual foi o resultado? a frente, ainda no primeiro turno, as coisas
ficaram mais fáceis, ele passou a confiar mais
Osvaldo Martins – Simulando o debate, na equipe. Em 1998, foi totalmente diferente.
o Raul se comportou como nós achávamos Covas gravava uma fala para o programa de
que o Rossi poderia se comportar. Os dois educação, trocava de roupa, gravava uma
começaram a discutir, faltou pouco para o outra fala para o programa de transporte, e
Mario Covas dar um murro na cara do Raul, a coisa estava tão azeitada, tão entrosada,
coisa que talvez também faltasse pouco para que raramente ele mudava alguma coisa no
fazer com o Rossi na mesma circunstância, texto. Gravava e ia embora para casa, aquele
no ar e ao vivo. Debate era com ele mesmo. assunto para ele tinha acabado. Ele nem via
Se tivesse que pagar ingresso para entrar no ar, porque estava sempre na rua, e muito
na discussão e se meter naquela encrenca, menos assistia as fitas que eu mandava todo
ele pagaria, era o rei da encrenca. Ele tinha dia para ele ver antes de ir para o ar.
orgasmos toda vez que tinha a oportunidade
de discutir seus pontos de vista. FMC – Covas era um candidato bom para
a comunicação trabalhar?
FMC – A gente sabe que ele tinha sede
de informação. Como era, então, Osvaldo Martins – Muito bom. Acho que,
montar o conteúdo do programa de quando a pessoa é sincera, transparente,
televisão para ele? é boa para trabalhar em qualquer área,
principalmente pessoas que estão no comando
Osvaldo Martins – Houve duas fases, do processo, que têm opinião, que não têm
considerando as campanhas de 1994 e de cartas na manga. É muito difícil fazer isso
1998. Em 1994, ainda no primeiro turno, hoje em dia. Havia uma relação de interação,
foi um inferno total, entre outras razões respeito mútuo, delegação, sem truques.
porque em paralelo estava sendo produzido o Atualmente, essa relação não existe, tornou-
Programa de Governo, que é mais intelectual, se estritamente profissional. A questão ética
enquanto que a produção do programa fica para segundo plano. O marketing é cada
de televisão é muito mais dinâmica. O vez mais determinante, impõe coisas a que
compromisso do candidato com o eleitor é o candidato se submete. O Mario dizia: “não
quase que exclusivamente aquilo que ele sou sabonete” e tinha razão.
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FMC – Muita gente fala da As análises políticas dele eram perfeitas. Foi
participação do Fausto Lourenço importantíssimo na vida do Mario Covas.
Gomes, irmão da Lila, na vida política
do cunhado. Que papel ele exerceu FMC – O Fausto chegou a ir para a
na trajetória do Covas? prefeitura com o Covas?
Osvaldo Martins – O Fausto era antenado Osvaldo Martins – O Fausto nunca teve
em política, uma pessoa que tinha muitos um cargo, mas era o cara que o Mario
atributos. Sou muito suspeito ao falar dele Covas consultava, respeitava. Fui a única
porque sempre fomos muito amigos. Aliás, testemunha de um episódio até desagradável
eu fui para a campanha do Mario em 1962 na campanha do Fernando Henrique, numa
levado pelo Fausto. Ele era comerciante discussão entre os dois. Discutiram sobre coisas
em Santos, como a família toda da Lila, um que o Fausto estava fazendo na campanha
cara que conversava com todo mundo, se com dinheiro do próprio bolso, dilapidando o
relacionava com pessoas das mais diferentes patrimônio da família. Ele vendeu um terreno
categorias, entre elas Roberto Santini, dono no litoral porque precisava de dinheiro para
do A Tribuna, o principal jornal da cidade. Era a campanha do Fernando Henrique. A mulher
amigo mesmo, fraternal. Graças ao Fausto, A dele, Dóris, comentou com a Lila, e ela, com
Tribuna apoiou a candidatura do Mario Covas o Mario. Ele se achou no direito de puxar a
a prefeito de Santos. A maior força política da orelha do Fausto. “Você não tem o direito e
cidade sempre foi e ainda é o jornal A Tribuna. tal...”. O Fausto ficou caladinho, ouvindo, e
Se você morrer e não sair a notícia “faleceu eu, quieto feito um vaso.
ontem” no jornal, ninguém vai ao seu velório.
FMC – O Fausto não reagiu?
O Fausto acabou sendo o que hoje chamam
de marqueteiro do Mario Covas, na campanha Osvaldo Martins – O Mario falou mais um
para prefeito em 1961, e no ano seguinte, para pouco e, numa pausa mais longa, o Fausto
deputado federal. Adorava criar materiais perguntou: “Zuza, já acabou?” O Mario: “Já
originais, e fazia tudo bem feito, com prazer. acabei”. E o Fausto: “Em primeiro lugar, eu
Era um pouco mais velho que o Mario, e, na queria que você fosse tomar no olho do seu...
função de coordenador da campanha, não Segundo lugar, quem é você pra dizer pra
só da imagem e da propaganda, o numero mim o que eu devo ou não devo fazer numa
1 da campanha, o Fausto fazia e desfazia, campanha eleitoral? O que você sabe de
mandava e desmandava, e sempre alegre. campanha de eleitoral? Você não sabe coisa
nenhuma, nunca soube quanto custa uma
Ele foi uma pessoa importantíssima no resma de papel, nunca soube quanto custa
início da vida política do Mario Covas. Fez um metro de morim (o tecido que se usava
essas duas campanhas, o Mario se elegeu para fazer faixa), agora você vem dizer o que
deputado federal. Quatro anos depois, em eu tenho que fazer? Vá cuidar da sua vida”.
1966, reelegeu-se deputado já pelo MDB, e o Saiu pisando duro, e eu, babaca, saí atrás.
Fausto sempre presente. A última campanha
em que o Fausto se meteu de corpo e alma FMC – O Covas gostava muito dele e de
foi a do Fernando Henrique para prefeito, pessoas que reagiam. Deve ter feito o
em 1985, aquela que o Jânio ganhou. Aí ele discurso todo muito constrangido...
já estava doente, morreu no ano seguinte.
Mas era como uma despedida da vida, porque Osvaldo Martins – Para poder dizer para a
ele adorava fazer campanha eleitoral. Em família que tinha dado uma dura nele. Deve
1985, eu larguei tudo o que estava fazendo ter sido muito doído esculhambar o Fausto.
para andar com ele, segurar a pasta, porque Acho até que a esculhambação que ele levou
eu sabia que ele estava se despedindo da de volta deixou o Covas aliviado, porque
vida, fazendo a coisa de que mais gostava. chumbo trocado não dói.
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ANOS 60
Em Santos, a primeira
candidatura
A atuação do jovem engenheiro Mario Covas no socorro às
vítimas de deslizamentos nos morros o habilita a candidatar-se a
prefeito com o apoio de Jânio Quadros
Foi no final da década de 1950 que Mario Covas uniu-se a Jânio Quadros, uma das
grandes forças políticas em São Paulo, para ingressar na vida pública, quando
trabalhava como engenheiro da Secretaria de Obras de Santos. Em 1956, depois
de três dias de tempestades, a cidade foi assolada por uma série de alagamentos
e deslizamentos de encosta dos morros. Como engenheiro da prefeitura, Mario
Covas não só participou como dirigiu os trabalhos de socorro à população atingida,
tornando-se conhecido. Em 1960, seus contatos políticos foram suficientes para ser
convidado a se candidatar à prefeitura de Santos. Jânio Quadros, então candidato a
presidente da República, buscava uma liderança política jovem e promissora, e deu a
seu fiel escudeiro, Saulo Ramos, a missão de convencer Mario Covas a se candidatar
pelo PST – Partido Social Trabalhista. Ele aceitou.
16 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Adesivo de campanha
com a girafa de Covas e a
vassoura janista; abaixo,
Enfrentando a UDN
trecho de editorial do
jornal A Tribuna
Nas eleição a prefeito de Santos, Adhemar de
Barros, outra grande força política paulista,
apoiava Luís La Scala Junior, candidato da
UDN – União Democrática Nacional e do
então prefeito Silvio Fernando Lopes, seu
afilhado político. Os dois grandes jornais
de Santos, A Tribuna e O Diário, assumiram
posições opostas em relação aos dois
candidatos. O Diário apoiava Luís La Scala, e
A Tribuna favorecia Mario Covas. Um editorial
de A Tribuna ilustra bem isso:
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A FORÇA DA CORRENTE
(Marchinha)
18 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
os seguintes dizeres: “Não se esqueça – o
último será o primeiro!”. Um “X” ao lado
do nome de Mario Covas, já impresso no
panfleto, marcava a opção que o eleitor
deveria copiar na hora do voto.
Justiça e seriedade
desde o início
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ANOS 60
Memória do palanque
Osvaldo Martins, amigo de Covas e jornalista, relembra aqui
momentos da campanha à prefeitura de Santos. Olhando as fotos
de época do acervo do Centro de Memória da Fundação Mario
Covas, Osvaldo nos ajuda a contar a história. Acompanhe.
20 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
“No palanque, está o microfone da extinta
Rádio Cacique, registrando a fala do
candidato. À esquerda de Mario Covas, Átila
Casal, ex-secretário de Turismo de Santos e
comerciante de café. Ao fundo, o pescoço de
uma enorme girafa, símbolo da campanha”
“No Caminhão da
Vitória, enfeitado com as
vassouras-símbolo de Jânio
Quadros, um sindicalista
assume o microfone
para defender o voto no
engenheiro Mario Covas”
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 21
“Lila Covas, à direita do marido,
acompanha o candidato
a prefeito em evento de
campanha com um grupo
de mulheres santistas. Ela
sempre estava por perto”
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ANOS 60
MATERIAL DE CAMPANHA
A sofisticação dos materiais de campanha atuais era menos que
um sonho no começo dos anos 60, quando Mario Covas concorreu
à prefeitura de Santos. Prevaleciam as visitas às comunidades, os
comícios e a veiculação de anúncios nos jornais impressos.
Em Santos, a maior força política era do jornal A Tribuna, que
apoiou a candidatura de Mario Covas, graças a seu cunhado,
Fausto Gomes, comerciante bem relacionado na cidade.
Veja alguns itens dessa campanha.
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 23
Publicadas no jornal A Tribuna, de Santos,
as charges tratam Mario Covas como o
candidato de renovação da envelhecida
política santista (no alto, à esquerda) e
o cavaleiro habilidoso que iria compor
com outras figuras proeminentes locais
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ANOS 60
Rumo à
Câmara dos Deputados
A carreira política de Mario Covas decola em 1962, quando
concorre auma vaga de deputado federal e ganha
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Mario Covas (à esq.), candidato a deputado federal, e Osvaldo Martins (à dir.), a
deputado estadual, posam com suas famílias para a carta de princípios
O credo da dobradinha de candidatos do PST, escrito em 1962, seria revisto e ampliado por Covas
em 1968, às vésperas do AI-5, e após os dez anos de cassação de seus direitos políticos
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“CREMOS na Família, célula primeira da obrigou os produtores a afixarem os preços de
sociedade, na infância, e na juventude, venda nos rótulos dos produtos de primeira
credoras do melhor de nossos esforços e necessidade, e o projeto que acrescentou
sacrifícios; parágrafo ao artigo 20 da lei número 2.800
de 18 de junho de 1956, criando o Conselho
CREMOS na harmonia e independência dos Federal e Regional de Química. Vários
poderes constituídos legalmente, alicerce da assuntos e temas foram contemplados nos
ordem jurídica, econômica e social; projetos de lei do deputado Mario Covas. Mas
algo mais sério estava por vir. Com o golpe
CREMOS na Pátria, Livre, independente militar de 1964 e a derrubada do presidente
e soberana, mercê do trabalho de seus João Goulart, o país começava um processo
filhos, e da predestinação da nacionalidade de endurecimento político contra o qual
brasileira; e, porque Covas iria se contrapor ferozmente.
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que se avizinhava, os militares requisitaram
à Câmara licença para processá-lo, o que
foi imediatamente rejeitado por Covas, que
articulou a sua rejeição. Em 12 de dezembro
de 1969, Covas discursou em defesa de Márcio
Moreira Alves. A licença para processá-lo foi
de fato negada, mas a reação do regime
militar foi violenta, com a edição do Ato
Institucional nº 5, um dos mais poderosos
instrumentos de arbítrio que o país conheceu,
fechando o Congresso e cassando mandatos.
Mario Covas foi preso e levado para um
quartel do Exército em Brasília, onde ficou
por oito dias. Ao sair, ficou preocupado, pois
o seu nome não constava da primeira lista
de políticos cassados pelo regime. Covas
temia que a ausência significasse para a
opinião pública e os colegas algum tipo de
acordo realizado com os militares. Mas em
16 de janeiro de 1969, um mês e três dias
depois da promulgação do AI-5, Mario Covas
foi destituído do cargo e teve seus direitos
Covas discursa em defesa de Márcio Moreira Alves, em
políticos suspensos por dez anos.
1968; abaixo, material da campanha à reeleição pelo MDB
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ANOS 80
Da Câmara ao Senado
Recuperados os direitos políticos, Mario Covas voltou às
campanhas, elegendo-se deputado em 1982 e senador em 1986
Após dez anos de cassação, Mario Covas é eleito presidente do diretório estadual paulista do MDB
Mesmo cassado, Mario Covas jamais deixou de lado a atividade política. Acompanhava de perto o
crescimento do MDB e participava intensamente de muitas reuniões com diversas lideranças oposicionistas
ao regime militar. Nas eleições de 1974, o partido deu sinais claros de fortalecimento, elegendo 15
senadores e 165 deputados federais. Nos pleitos seguintes, mesmo não podendo concorrer, Mario Covas
coordenou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao Senado, participando inclusive de comícios.
Fernando Henrique elegeu-se senador suplente de Franco Montoro.
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Em 16 de janeiro de 1979, Mario Covas recuperou
seus direitos políticos. Ao discursar em Santos,
no Teatro Independência, reafirmou os valores
democráticos e mandou recado aos militares,
dizendo que nenhuma de suas convicções
havia sido abalada com o ostracismo a que
fora arbitrariamente submetido. Em setembro,
foi indicado a presidente do diretório estadual
do MDB paulista. Apoiado por Franco Montoro
e Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas
disputou o cargo com Alberto Goldman, que
era o indicado de Orestes Quércia. Para evitar
uma divisão no partido, optou-se pela chapa
única, com Mario Covas na presidência e Alberto
Goldman na secretaria-geral. No mesmo ano,
o regime militar, procurando enfraquecer a
oposição, editou um novo ato, que extinguiu
o bipartidarismo. Imediatamente, os políticos
Panfleto da campanha de Mario
oposicionistas fundaram o PMDB, do qual Covas
Covas a seu terceiro mandato como
tornou-se o presidente do diretório paulista.
deputado federal, em 1982
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Acima, Mario Covas dá
entrevista em 16 de
janeiro de 1979, data
em que recuperou seus
direitos políticos
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Orestes Quércia foi eleito governador e, pelo Em maio de 1982, Mario
bom desempenho do PMDB nas eleições, Covas Covas desiste de postular
teve votação histórica – a maior já registrada a candidatura a vice-
na vida política brasileira: 7.785.667 votos. gorvernador, cedendo a
Em 1º de fevereiro de 1987, ele foi empossado vaga para Orestes Quércia
senador. Durante os trabalhos da Assembléia
Nacional Constituinte, Covas foi apontado como
o parlamentar de atuação mais destacada na
sua primeira fase, estando presente em 80%
das votações gerais, realizando discursos que
mudaram o rumo dos resultados, assumindo
posturas nacionalistas e, por vezes, favoráveis
à estatização. Sozinho, ele não tinha condições
de enfrentar o chamado bloco do “centrão”, que
se caracterizava pela postura conservadora em
vários assuntos pertinentes à nova Constituição.
Por isso, mostrou-se um hábil negociador ao
conseguir levar adiante assuntos tidos como
indiscutíveis, como foi o caso da reforma agrária.
32 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Mario Covas faz o que mais gosta: discurso inflamado na tribuna do Senado Federal; foi o
candidato que obteve a maior votação para o cargo, arrebanhando 7,7 milhões de votos
As bandeiras da campanha do PMDB em 1987 unem dois grandes adversários: Mario Covas,
candidato ao Senado Federal, e Orestes Quércia, postulante ao governo do Estado de São Paulo
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 33
ANOS 80
O desafio da
corrida presidencial
Até pó de guaraná entrou no arsenal da campanha de Mario Covas
à Presidência da República pelo recém-nascido PSDB
34 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Covas discursa sobre o Choque do Capitalismo no Fórum Paranaense de Debates; abaixo, panfleto de campanha
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 35
Em outro material, o partido exibiu, bem Mario Covas Presidente
alimentos; da tecnologia
36 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
e a opinião do próprio candidato quanto Na campanha presidencial, os panfletos
às reais chances de se eleger presidente tornaram-se mais sofisticados, ganhando a
da República. Eram tempos de otimismo, feição de jornal. Assim, davam um ar de notícia
apesar de as chances não serem tão boas. fresca às atividades do candidato
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 37
A força da democracia foi o mote da campanha de Mario Covas à Presidência da República
Alguns veículos de comunicação expuseram no Senado, disse que havia sido a primeira
opiniões, que tiveram diversos trechos apresentação de um “programa de governo
reproduzidos no panfleto: “O jornal ‘O completo”. De acordo com a direção da
Estado de São Paulo’ informou que o discurso campanha do PSDB, importantes apoios
de Mario Covas no Senado teve grande ingressavam a cada dia, como os aeroviários
repercussão, sendo aplaudido inclusive de São Paulo, os metalúrgicos e professores
pelos líderes de todos os outros partidos de Santos, os portuários e trabalhadores
com grande entusiasmo. O ‘Jornal da Tarde’ rurais, representados pela Contag.
afirma que foi um discurso de estadista.
Para o ‘Jornal do Brasil’, Mario Covas colheu Ainda segundo informações de um dos
êxito indiscutível em seu discurso, saudado panfletos de campanha, professores
em prosa e verso, a esquerda e a direita, no da USP montaram três núcleos do PSDB
mais miraculoso consenso.” e prepararam kits de propaganda do
candidato para entregar aos estudantes que
Adversários políticos não economizavam viajaram nas férias, com o slogan: “Se vai
elogios a Covas, como o deputado sair de férias, leve Covas em sua viagem”.
Mauricio Correa (PDT-DF), que afirmou Diversas personalidades do meio artístico
que a candidatura emprestaria à eleição e dos esportes declararam o voto em favor
“um padrão de ética altíssimo”, e Jarbas do tucano, como Carlos Alberto da Nóbrega,
Passarinho que, após o discurso do tucano Sócrates, Arrigo Barnabé, Gianfrancesco
38 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Angelo Perosa
Fotógrafo da campanha
Outdoor feito com óculos sem lentes e um candidato irritado com os problemas de equipamento
Guarnieri, Jô Soares, Arnaldo César Coelho, honestidade na política, por ele defendidas
Juca Kfouri, Lima Duarte, Toquinho, Rita desde o seu ingresso na vida pública. Um
Lee e Roberto de Carvalho. Numa pesquisa samba foi composto por Hélio Turco, Jurandir
realizada na Faculdade de Comunicação e Alvinho com uma letra mais que divertida
Cásper Líbero, Covas aparecia em primeiro e que continha todos os ingredientes para
lugar com 36% dos votos, seguido por Lula, conquistar o eleitor indeciso. A música
Brizola e Collor. A campanha de Mario Covas falava de esperança, ética e uma necessária
enfatizou bastante a questão da ética e da “libertação” do sofrido povo brasileiro:
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 39
O Brasil de Mario Covas
(Vai Mudar)
No amanhã republicano
Quem voa mais alto (bis)
É o tucano
Mas não foi assim. Depois que as urnas foram Brizola dizia que “apenas Covas conseguiria
abertas e todos os votos contabilizados, o derrotar Collor no segundo turno”. Lula não
resultado conferiu a Covas o quarto lugar, aceitou. Mesmo assim, obteve o apoio do
com 11,52% da preferência do eleitorado tucano, explicitado em palanque, no Rio.
40 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Woyle Guimarães
coordenador do programa de
televisão
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 41
Saca-rolhas e batom integraram o material de campanha de Mario Covas
Para lembrar do candidato tucano na corrida presidencial, canetas esferográficas com tinta vermelha
e azul, além de sacolinhas plásticas e agenda de telefones
42 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Viseiras e bonés para a cabeça do eleitor
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 43
ANOS 90
Por um governo honesto
Sem muito entusiasmo, em 1990 Mario Covas concorre ao posto de
governador de São Paulo, mas perde para Fleury
44 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Mario Covas, em campanha ao governo do Estado de São Paulo, ergue os braços com Fernando
Henrique Cardoso (à esq.), André Franco Montoro e Paulo Renato (à dir.)
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 45
No corpo a corpo no interior, Covas cumprimenta um simpatizante de sua candidatura
Zulaiê Cobra
Ribeiro
candidata a vice
na chapa de Mario
Covas
“Mario Covas me
chamou no dia 1 de
junho de 1990, e a
convenção era no dia 3.
Fiquei muito contente,
encantada, era viúva
recente, não sabia se
sairia candidata a deputada federal, o que significava
mudar para Brasília, e meus filhos eram pequenos.
Deputada estadual não era do meu feitio, eu queria
fazer reformas constitucionais. Mario Covas me chamou
para vice, ele ia apresentar meu nome na reunião da
executivae. Ele falou: ‘Só saio candidato se você for
minha vice e não quero você lá’. Eu não fui. Tinha cinco
pré-candidatos a vice, todos homens, Geraldo e Robson
Marinho entre eles. Eu não tinha sido nada ainda, e ele Na camiseta, o tucano aparece
cortou qualquer manifestação contra mim: ‘Ou aceitam discreto, mais gráfico, dando força a
ou saio e não volto!’ Fui para a convenção, tenho belas Covas, em letras graúdas
fotos, muito orgulhosa. É bom que se saiba que em 1990
era muito difícil mulher ser vice. No comício, em carreata,
perguntavam: ‘Quem é aquela mulher ali?’”
46 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
O candidato, rodeado de crianças. Atrás e à esquerda dele, Antonio Perosa, deputado federal
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 47
nacional em torno de Itamar. Em janeiro
“Na campanha
de 1993, Fernando Henrique Cardoso deixou
para o Senado,
Mario Covas o Senado para assumir o Ministério das
sentava num Relações Exteriores. Covas, então, assumiu a
banquinho no liderança da bancada do partido.
estúdio e contava
uma história. Foi A passagem de Mario Covas pelo Senado
eleito com quase 8
foi de intenso trabalho. Os seus projetos
milhões de votos.
foram quase sempre pautados pela defesa
Em 1990, ele insistia no mesmo conceito. Mas era
preciso apresentar o programa de governo, e Covas do interesse social, das minorias e da
não aceitava ponderação de não entrar na briga transparência no exercício da política.
com Fleury. A campanha começou com 42 pontos Um deles, de 19 de abril de 1990, instituía
nas pesquisas e terminou com 14. Ele não queria ser renda mensal vitalícia em favor de pessoas
candidato, estava extremamente mal humorado. portadoras de deficiência e dos idosos; outro,
Quatro anos depois, ele quis e se elegeu. A coisa
de 24 de abril do mesmo ano, dispunha sobre a
era tão complicada que um dia me ajoelhei aos pés
proteção do mercado de trabalho da mulher.
dele e implorei que gravasse o programa. Mas não
adiantava, qualquer alternativa que eu ou o Marcelo Mario Covas também apresentou projeto de
Vaz apresentássemos ele não aceitava. Mas não lei em favor da regulamentação do regime
dizia o que queria. Fomos ficando sem programa.” de trabalho da categoria dos trabalhadores
domésticos, um projeto para regulamentar
Paulo Markun
as profissões de engenheiro, arquiteto e
coordenador do programa de TV
engenheiro agrônomo e, inclusive, numa
arrojada empreitada, projeto para disciplinar
a prática do aborto.
De volta ao
Congresso Nacional Na questão da transparência, nem os
partidos políticos escapavam de Covas: um
Depois de perder a disputa para o governo projeto de lei de 24 de setembro de 1992
de São Paulo, Mario Covas voltou à vida dispunha sobre a imunidade tributária
parlamentar num momento importante dos partidos políticos, vedando-lhes a
para o país. Logo ele, que a vida toda isenção de impostos na importação de
defendeu a ética e a honestidade, deparou- veículos automotores. Outro projeto tornou
se com um processo de impeachment do obrigatório, na propaganda eleitoral
então presidente Fernando Collor de Mello, divulgada pelas emissoras de televisão, a
acusado de estar ligado a Paulo César Farias apresentação ao vivo dos candidatos; em 16
na suposta operação de um poderoso de abril de 1991, um projeto de lei de Mario
esquema de corrupção no governo federal. Covas estabeleceu normas para a realização
Fernando Collor renunciou ao mandato das eleições municipais que iriam acontecer
em 29 de dezembro de 1992, antes de seu em 3 de outubro de 1992. Enquanto senador
impeachment ser votado no Congresso. da República, Mario Covas presidiu a
Quando o vice Itamar Franco assumiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Presidência, no PSDB foi Covas quem primeiro Congresso Nacional, encarregada de levantar
defendeu a tese de um governo de união as causas do atraso tecnológico do país.
48 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
ANOS 90
A revolução ética
Com jargões simples e certeiros, Mario Covas expressou o
cansaço do eleitor com políticos que prometiam e não cumpriam,
elegendo-se governador em 1994
Convenção do PSDB, no Anhembi, São Paulo. Mario Covas, muito suado, dá a mão a Fernando
Henrique, Franco Montoro e Robson Marinho, à direita, e a Geraldo Alckmin, José Serra e Antonio
Cabreira, representante do setor rural paulista, à esquerda
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 49
Mario Covas sabia que iria encontrar um
Estado praticamente falido. Por isso,
planejava de forma muito racional como
iria começar o seu governo se vencesse as
eleições. O ambiente político da época era
muito favorável ao PSDB. Como ministro de
Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso Robson Marinho
havia lançado o Plano Real e, praticamente, coordenador geral da
selado sua vitória à Presidência da República. campanha de 1994
O partido teria uma das melhores votações
“Em 1994, eu estava afastado da vida
de sua curta história.
pública e recebi o convite de Covas para
coordenar a campanha. Junto com o
convite vieram duas recomendações:
primeiro, que nenhuma briga, nenhuma
“Várias pessoas queriam disputa, nenhuma fofoca de campanha
ajudar Mario Covas eleitoral chegasse até ele. Que tudo fosse
na Fundação Getúlio
resolvido e estancado antes de chegar
Vargas. Também havia os
a ele. E, segundo, que fizéssemos uma
engenheiros da Poli que
campanha de acordo com os recursos
sempre o acompanharam,
arrecadados e no ritmo dos recursos
além do pessoal que havia
vivido a experiência da financeiros que estivessem disponíveis.
prefeitura. Além desses, Nunca gastar um tostão além daquilo que
muita gente procurava a fosse arrecadado, porque ele não tinha
Casa do Programa. O que patrimônio pessoal para honrar dívida de
na verdade era um complicador: talvez seja mais fácil campanha. E assim foi feito.”
administrar a escassez do que a abundância. Foram
criados 30 grupos de trabalho. Para que não houvesse um
único coordenador em cada grupo, que poderia pensar
que já seria secretário, entregamos o comando a três
pessoas: um político, um ligado a universidade e outro Com Mario Covas, não foi diferente. Em
de empresa. Cada um levou seu próprio contingente. sua campanha, os jargões foram simples
Era muita gente, a dificuldade era deixar de discutir o e certeiros, demonstrando a certeza
programa, todo mundo queria conversar. Eu não podia do candidato de que o povo já estava
derrubar o entusiasmo nem deixar o programa escapar cansado de políticos que prometiam
de nossas mãos. Era uma loucura. A campanha já nas
muito e não cumpriam quase nada. Covas
ruas e o programa sendo elaborado. Havia divergências,
foi direto, exprimindo o pensamento
discórdias, conflitos entre a equipe. E a GW, produtora do
programa de televisão, pressionando. Até que um dia, o coletivo num de seus panfletos:
Luiz Gonzalez pega um livrinho qualquer e mostra no ar “Quero respeito, experiência e pé no
como sendo o Programa de Governo. Mario Covas ficou chão”. Noutro, prometeu, com a frase:
muito bravo!” “Compromisso com o Povo” e num outro
impresso, escreveu uma quase profecia
Antonio Angarita
coordenador do Programa de Governo e pois, com a foto desenhada do Palácio
secretário de Governo dos Bandeirantes ao fundo, em primeiro
plano, lia-se: “Breve aqui Mario Covas”.
50 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Os adesivos tomaram as mais diversas formas e conteúdos na campanha de 1994. Num deles, que
trazia estampado o desenho do Palácio dos Bandeirantes, escapou o acento agudo que tanto irritava
Mario Covas, mas foi profético, com a inscrição: “Breve aqui Mario Covas”
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 51
A verdade é que a campanha foi tão séria
como as outras, mas o clima favorável ao
PSDB oferecia um ambiente de tranqüilidade
ao candidato. Não poderia ter sido diferente
o resultado das urnas, que deu a Covas vitória
fácil sobre o adversário Francisco Rossi.
A combinação de amarelo e
azul utilizada pelo PSDB cede
à predominância do azul nas
bexigas, indicando otimismo com
a candidatura de Mario Covas
Sergio Kobayashi
coordenador de infraestrutura e eventos
“Mario Covas era uma figura ímpar. A gente sempre tinha certeza de que no
palanque, de todos os oradores, o melhor discurso seria o dele. Na campanha,
eram cinco ou até oito cidades por dia e, é claro, que o discurso, para nós,
ficava repetitivo. Mas ele tinha a sagacidade e a experiência de colocar coisas
locais, às vezes fruto de um pequeno briefing. Todos adoravam, paravam
para ouvir e com atenção, pois achavam que aquele era um discurso único,
preparado exclusivamente para eles. Típico orador de instinto humanista, mesmo com sua formação
na área de exatas. Covas era engenheiro, mas um humanista por excelência. Ele sabia que aquilo era
o cerne do processo eleitoral. Mario Covas detestava ficar no comitê. Nós tivemos comitê na avenida
Brasil. Ele foi lá três vezes, odiava, até porque achava que todo mundo que ficava em comitê não fazia
nada. Covas sabia que em eleição era preciso buscar votos, portanto, tinha uma agenda horrorosa
e cansativa. Começava às nove da manhã e era uma verdadeira máquina de caçar votos. Passava
meses comendo sanduíche, de preferência dentro do carro ou do helicóptero para não perder tempo.
Campanha para ele era rua, abraçar as pessoas, abraçar, pedir voto, ouvir reclamação e conversar. Ele
vivia isso como um dos momentos deliciosos de sua vida.”
52 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
No primeiro turno, Covas obteve
6.574.517 votos.
No segundo turno,
8.661.960 votos
Danilo Palásio
Editor Chefe do Programa
de Televisão
contra 6.771.456
“Lembro que aquele foi um ano
votos do pedetista. atípico porque não podiam ser usadas
imagens externas nos programas. Foi
uma dificuldade. Na pré-campanha,
nós viajamos pelo interior do Estado e
tínhamos as imagens de todas as obras
que estavam paradas, mas a lei não
permitia, portanto só pudemos usar
Ao assumir, o Estado estava um pouco pior
fotos. Fizemos vários testes no estúdio e
do que ele havia imaginado, pois a dívida Mario Covas queria dar o tom do texto.
vencida já era de, pelo menos, Ele brigava sempre com o texto. Suas
atitudes deram para a equipe o sentido
de seriedade, que acabou cativando a
todos. As novas regras também proibiam
70
a computação gráfica, e o cenário
desenvolvido tinha as cores de São Paulo,
portanto, o mais conveniente era usar
roupas claras. Pois bem, Covas chegava
para gravar com as roupas dele, escuras
e com listas. A figurinista apresentava
bilhões de reais camisas e gravatas mais adequadas. Covas
olhava e era sempre uma dificuldade
convencê-lo a usar aquelas roupas. O
segundo turno foi com Francisco Rossi.
e quase toda a arrecadação de impostos
Foi muito tranquilo. Covas ia muito bem
consumia-se no pagamento da folha. Era nas pesquisas, tinha mais estofo político
preciso pôr em prática o chamado ajuste e muito mais credibilidade.”
fiscal e tentar a renegociação da dívida com
o governo federal.
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 53
Principais realizações do
primeiro mandato
54 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Na convenção do PSDB, Covas anima os correligionários ao lado de dona Lila, Geraldo e Lucia Alckmin
e Greco, que elegeu-se prefeito de Mauá posteriormente
Em carreata no centro de Campinas, ainda no primeiro turno, José Roberto Magalhães Teixeira, prefeito
da cidade e mais conhecido como Grama; Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e José Serra
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 55
Mario Covas no estúdio da produtora GW, gravando o programa de televisão da campanha
Mario Covas adorava pastéis, mas os que mais gostava eram os feitos por Fofa (à dir.). Ela e a irmã
Lurdinha (à esq.), ambas da Zona Leste de São Paulo, eram militantes do PSDB e covistas de carteirinha
56 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
repartições públicas, para obter ou renovar rapidamente alcançado e abriu caminho
documentos. O Poupatempo não só se para a implantação do sistema de progressão
consolidou, atendendo a milhões de pessoas, continuada, já largamente utilizado em
como foi copiado por outros Estados. países da Europa. Por esse sistema, o aluno
que não conseguisse a aprovação em uma
Mario Covas enfrentou outro desafio determinada disciplina, em vez de repetir
assim que assumiu o governo: devolver a integralmente a série, receberia reforço
credibilidade à educação pública. À época, escolar no que não conseguiu aprender.
os estudantes das escolas estaduais ficavam Mas talvez a principal medida adotada
pouco tempo em aula, o material pedagógico pelo governo Covas foi a informatização
era atrasado ou estava em mau estado, e a do cadastro de matrículas na rede, que
infraestrutura escolar era avaliada como contabilizou a existência de quase 300
muito ruim. Através da sua então secretária, mil matrículas duplicadas, o que gerava
Rose Neubauer, Covas decidiu que era preciso desperdício na compra de merenda e na
realizar uma reforma que contemplasse contratação de professores.
todos os estudantes da rede.
Na área da habitação, Mario Covas exigiu
A proposta era racionalizar a ocupação e modernização. O governo incentivou
estender o tempo de aula. O objetivo foi construtoras e indústrias da construção
Mario Covas, Lila Covas, José Serra, Ruth Cardoso e Fernando Henrique Cardoso no encerramento
da campanha de primeiro turno, em 1994
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 57
No segundo turno, Mario Covas e Francisco Rossi participam de debate na TV Bandeirantes, mediado
por Joelmir Beting. Duda Mendonça, marqueteiro de Francisco Rossi, seria derrotado de novo na
eleição seguinte, em que pilotou a campanha de Paulo Maluf
58 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
No intervalo do debate na TV Bandeirantes, no primeiro turno, o mediador José Paulo de Andrade
toma um café e Covas conversa com Luiz Gonzalez, coordenador do programa de TV da campanha; à
esquerda, o candidato Francisco Rossi
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 59
O candidato Mario Covas ergue o indicador ao dar uma resposta em debate na TV Cultura
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ANOS 90
Negão e dona Maria
marcam 1994
Com jargões simples e certeiros, Mario
Covas expressou o cansaço do eleitor com
políticos que prometiam e não cumpriam,
elegendo-se governador em 1994
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 61
Senado. Nessa campanha do Senado, ele tempo, passar a imagem que já estava
contava uma parábola, uma receita que gravada. Mas eu mostrei a ele os
fez grande sucesso, as pessoas o paravam gráficos, apontando detalhe por detalhe.
na rua etc. Mas a campanha de 1994 não Evidentemente, o Covas disse: “Naquele
podia ter tomadas externas. momento não era aquilo que estava
sendo mostrado”. Na subida da curva ou
FMC - A regra era terrível... na descida, eu dizia que era uma coisa,
Paeco - Hoje não pode ter externas e ele dizia que era outra. Mas eu tinha
comerciais, mas, naquele tempo, era decorado tudo, eu sabia tudo. Aí eu passei
tudo feito em estúdio, e ele queria contar o vídeo, mostrei os pontos a ele. A partir
as parábolas. daquele momento,
Então, pegamos o Covas passou a
o aparelhinho acreditar naquele
de view facts, “Eu me referia sempre aos instrumento e
explicamos para nunca mais tivemos
participantes do grupo de
ele o que era, problema. Mas ficou
mostramos como avaliação do programa de TV mais do que provado
funcionava. que ele tentou, de
como o Negão e a dona Maria,
Gravamos as todo modo, mostrar
parábolas dele sem nenhum sentido pejorativo. que aquilo estava
e a versão do errado.
E toda vez que o Covas me
Gonzalez.
encontrava, perguntava: ‘O que FMC - Para
FMC - Que era derrubar...
foi que o Negão achou?’”
o programa Paeco – Exatamente,
editado, bonito, para derrubar.
imagens... Quando ele viu que
Paeco - Era um não dava mais,
programa pouco curvou-se e aceitou
tradicional, inovador para aquela época. a ideia. Aquele momento ficou para
Fizemos os testes dos dois modelos sempre na minha memória. Todo mundo
diante de todo mundo e fui apresentar o chamava aquilo de view facts, mas
resultado para o Covas. Como eu conhecia quando eu expliquei para ele, dei outros
a fama dele, eu estudei aquele negócio nomes. Eu falei: “Olha senador, a gente
como um leão. Não era apresentação está vendo o vídeo e aí o Negão fala o
em PowerPoint, era transparência, e a seguinte: ‘desse jeito não é possível’”. Eu
reunião era numa sala grande... me referia sempre aos participantes do
grupo como o Negão e a dona Maria, sem
FMC - A casa era numa travessa da nenhum sentido pejorativo.
avenida Rebouças.
Paeco – Isso mesmo. Eu tinha as FMC – O Negão era o cidadão.
transparências com os gráficos das Paeco – Sim. Naquele momento eu me
duas aparições dele e podia, ao mesmo expressei dessa maneira, e o Covas não
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falou nada. Depois, quando começaram os que do lado de lá não tem ninguém. O
programas eleitorais, ele me encontrava Covas chegou, sentou bem pertinho
e perguntava: “E aí? E o Negão? O que do espelho. Do outro lado, tinha um
foi que o Negão achou?” Eu respondia: cidadão sendo entrevistado. Estávamos
“Ô senador, o Negão está gostando” ou vendo a sala com as pessoas sentadas
“o Negão não gostou disso aqui, mas nas cadeiras, como se elas estivessem no
daquilo ali ele gostou muito”. O Negão cinema, olhando para a frente, para a
virou a marca da campanha de 1994. gente. Uma pessoa ficou exatamente em
frente ao Mario Covas e foi essa que falou:
FMC - Covas era um homem que gostava “Ah, esse homem aí nunca fez nada,
de argumentar, de pessoas que esse tal de Covas Governador, nunca fez
discutissem com ele. O interlocutor nada”, e o Mario Covas bufava. O cidadão
tinha de estar muito bem preparado, falou mais, o Covas bufou forte, bateu o
porque ele ia até o final... pé e foi embora. Ele queria pular naquele
Paeco - Conheci o Covas na vida pública espelho e pegar o cara.
porque fui filiado ao MDB, e ele era
presidente do diretório municipal do FMC - Ele aceitava o resultado das
partido. Mas eu não o conhecia face a pesquisas?
face até o dia de defender o Negão. Foi Paeco - O Luiz Gonzalez escrevia uma
uma coisa definitiva no relacionamento coisa e o Mario Covas queria que fosse
com ele. Nunca deixei de argumentar outra, era assim o tempo inteiro.
toda vez que ele discordava. Quer dizer, Ninguém mudava o jeito básico do
sempre. Ele nunca concordou comigo em Covas, era impossível. Mas ele aceitava o
nenhum momento, mas eu tenho certeza resultado das pesquisas e mudava, como
que respeitava o meu trabalho. aconteceu no caso das parábolas. Ainda
nessa campanha de 1994, nós estávamos
FMC - Ele acreditava nas pesquisas? numa reunião de avaliação sobre o tema
Paeco - No Negão ele acreditava, e educação, e a avaliação do governo Covas
em pesquisa também. Quando ele foi nesse tema não era boa, as pessoas
candidato à reeleição, em 1998, estava odiavam, como odeiam até hoje.
com uns 14% dos votos antes de começar
o programa de televisão. Fizemos um FMC - A progressão.
grupo com Negão, e ele resolveu ir ver. Paeco – Sim. Era um momento difícil, a
Ele sempre via os gráficos, os resultados, educação estava se reestruturando, a
mas nunca tinha ido. Tivemos que montar Rose (Neubauer, secretária de Educação)
todo um esquema porque as pessoas fez uma mudança corajosa, separou a
não podiam vê-lo. De novo, umas doze classe dos meninos mais velhos. A dona
pessoas numa sala com espelho, como Maria ficou furiosa porque tinha dois
num filme americano. A pessoa que está filhos na mesma escola, ia e voltava uma
sendo interrogada vê um espelho. Do vez só. Com turnos diferentes, tinha de ir
outro lado do espelho, outra pessoa vê o quatro vezes à escola, e isso atrapalhava
interrogatório. É assim que a gente faz as a vida dela uma barbaridade, ela tinha
pesquisas, só que falamos para as pessoas que trabalhar, voltar. Nós estávamos
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 63
discutindo que ele tinha de falar algumas campanha mais difícil, porque nós
coisas sobre a questão e ele estava estávamos muito na frente e fomos
resistindo. Eu falei para ele assim: perdendo terreno. Ganhamos, mas
“Governador, o senhor não acredita foi muito desgastante. A de 1998 foi o
que o seu segundo mandato vai ser contrário. Começamos muito embaixo,
melhor que o primeiro? Nós temos que passamos apertado para o segundo turno
passar isso, é muito e, depois, viramos
importante.” Ele a pesquisa
respondeu: “Não! “Estava indo fazer uma avaliação faltando cinco
O meu segundo dias. A eleição
com um grupo, quando o Luiz
mandato vai ser pior seria no domingo,
que o primeiro”. Gonzalez me ligou e perguntou e na terça-feira
E começou a saiu o resultado
quanto eu achava que estavam
argumentar: “Eu do Datafolha.
não estruturei, as intenções de voto, e eu falei: Ficamos sabendo
não vou ter mais do resultado
‘42 a 40 para o Maluf’. Era muito
dinheiro, não vou na véspera. Eu
ter mais isso, não bom porque a gente estava estava indo
vou ter mais aquilo, de carro fazer
encostando nele. Aí o Gonzalez
o meu primeiro avaliação com o
mandato vai ser disse: ‘Você quase acertou: é 42 grupo, era mais
melhor que o ou menos sete
a 38, só que para o Mario Covas’.
segundo”. horas da noite,
No carro, sozinho, comecei a quando o Luiz
FMC - E dá-lhe Gonzalez me
chorar compulsivamente. A
argumentos. E ligou e perguntou
como experiência, relação da equipe com ele não quanto eu achava
como foram que estavam
era só profissional, era muito
esses períodos as intenções
eleitorais? emocional também.” de voto, e eu
Paeco - A falei: “42 a 40
convivência com o para o Maluf”.
Mario Covas sempre Era muito bom
foi com muita polêmica, mas também porque a gente estava encostando nele.
muito respeitosa. A relação de afeto Aí o Gonzalez disse: “Você quase acertou:
que toda a equipe tinha com ele era é 42 a 38, só que para o Mario Covas”.
muito grande, isso ficou claro em alguns No carro, sozinho, comecei a chorar
momentos dramáticos, porque essa compulsivamente. A relação da equipe
campanha a gente só virou efetivamente com ele não era só profissional, era muito
faltando cinco dias para a eleição. emocional também.
64 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
realizadas pelos institutos de virada. Terminou o debate no domingo,
pesquisa? e na segunda-feira tinha programa
Paeco - Teve um dia em que nós fomos eleitoral. Nós fomos para uma reunião, eu
mostrar as nossas pesquisas para ele, tinha todos os números, as pesquisas. Eu
indicando que o Paulo Maluf estava disse: “Gente, nós ganhamos esse bloco,
começando a cair. Depois, num programa o do caráter, e perdemos esse outro. No
de televisão, uma pesquisa dizia que o geral, a gente ganhou, mas bloco a bloco,
Maluf subiu. Aí ele mandou me chamar: não”. Então fomos para uma reunião
“Você não falou que ele estava caindo, na GW. O Zé Maria ficou furioso comigo:
pô?” Respondi: “Governador, ou a gente “Paeco, nós ganhamos esse debate!” E
acredita no nosso trabalho ou a gente eu: “Ô Zé Maria, estão aqui os dados da
vai acreditar em quem?” Ele concordou. pesquisa”. O Covas não estava, foi uma
Na verdade, os resultados das pesquisas discussão sem fim. Enquanto a gente
do Ibope e do Datafolha estavam muito discutia, o Gonzalez editava o debate.
próximos dos nossos, não houve uma
discrepância muito grande. Teve um FMC – E pôs no ar.
famoso Datafolha antes do segundo turno Paeco - Ele colocou uma edição do
de 1998 que nos deu três pontos a mais, debate na segunda-feira, ressaltando os
enquanto a nossa indicava empate. Foi aspectos positivos. Foi muito importante
uma encrenca, a Marta Suplicy reclamou, aquele momento, exatamente porque
mas, em geral, não tinha problema com o ficou ressaltado que o caráter é relevante
Ibope e o Datafolha. numa eleição. Em todas as eleições das
quais eu participei, pergunta-se: você
FMC - Você também fazia pesquisa do acha que o fulano de tal vai melhorar a
desempenho do candidato em debate na vida das pessoas? Sempre o candidato
televisão? que ganha está com esse diferencial
Paeco - No debate, a gente usava razoavelmente alto. No caso dessa
o mesmo aparelhinho e fazia umas eleição, estava empatado. A diferença
contagens de quem ganhava. O Duda foi, efetivamente, a história do caráter.
Mendonça, marqueteiro do Paulo Maluf,
foi nosso oponente. Durante o debate, FMC – Que experiência fica da sua
eu passava as informações do grupo no vivência com o Mario Covas?
intervalo para o Gonzalez, e ele passava Paeco - De todo mundo que eu fiz
no outro bloco para o candidato. O campanha, o mais próximo, apesar das
Covas perguntava: “E o Negão?” Quando discussões, foi o Covas. Era uma relação
terminava o debate, ele mandava me estranha, porque de grande proximidade
chamar para fazer uma exposição geral. O e afeto e, ao mesmo tempo, de grande
debate mais dramático de todos foi o do discussão e debate. Ele nunca concordou
domingo, na TV Bandeirantes, ele contra comigo em nada, mas era uma pessoa
o Maluf no segundo turno de 1998. muito diferenciada mesmo. Um dia, ele já
doente, encontrou a Yara, minha mulher,
FMC – Foi o debate do caráter? no elevador e disse: “Eu gosto muito do
Paeco – Sim. Foi muito importante, uma seu marido”. E para o Covas falar isso...
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 65
ANOS 90
Vence o apelo
à continuidade
Na campanha à reeleição, Mario Covas pede à população para
prosseguir com seriedade nos investimentos em São Paulo e ganha
o aval do eleitorado no segundo turno
Covas discursa na convenção estadual do PSDB que aprovou seu nome à reeleição, acompanhado,
à esquerda, por Vilma Motta e o deputado estadual Sidney Cinti, e à direita, por Geraldo Alckmin
Depois de anos de ajustes e medidas nem sempre bem vistas pela maior
parte do eleitorado – embora absolutamente necessárias – Mario Covas
conseguiu colocar a casa em ordem para, enfim, poder governar com
certa tranquilidade. No final de seu mandato, em 1998, Covas lançou sua
candidatura à reeleição, licenciando-se do cargo e deixando o governo nas
mãos de Geraldo Alckmin, vice-governador. Seus adversários diretos eram
Paulo Maluf e Marta Suplicy, que estavam à frente nas pesquisas. Pouco
antes do primeiro turno, a candidatura decolou, e Covas passou para o
segundo turno disputando com Paulo Maluf.
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 67
Na campanha à reeleição, Covas utilizou-
se grandemente do que havia feito como
governador. Alguns slogans passavam
claramente a idéia da necessária
continuidade de um governo que fez a lição
de casa: “O PSDB não pára. Faz o que tem
que ser feito”; “Seriedade faz bem e tem que
continuar”; “Faz mais e melhor” e “Ajustou
as finanças sem parar de investir em obras”.
Geraldo Alckmin
candidato a vice-governador
68 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Jingle
Uma das coisas deliciosas daquela campanha Os marqueteiros de Covas também investiram
foi o telemarketing, uma ferramenta nova de nas comparações com os governos anteriores
comunicação usada pela primeira vez pelo
e enumeraram, num dos panfletos, as dez
PSDB. Mario Covas foi conhecer de perto e
razões pelas quais ele deveria ser reeleito:
ficou ‘abestalhado’ com aquela metralhadora
digital. Ele adorava. Chegava lá e percorria
as estações de trabalho prestando atenção • Tirou o Estado do buraco e fez São
no que estava sendo dito, principalmente Paulo voltar a crescer;
as respostas aos ataques feitos por Maluf no • Nunca se construiu tanto: 120 mil
programa de televisão. Não satisfeito, ocupava moradias entregues em sorteios públicos;
um dos postos e falava diretamente com os
mais de 540 mil novas vagas nas escolas,
eleitores. As pessoas do outro lado da linha
cinco horas de aula por dia, uma evolução
não acreditavam. Ficavam satisfeitas por
não ser uma gravação e honradas em poder na educação;
conversar pessoalmente com o candidato. Ele • Fim do rodízio: água limpa todo dia,
ganhava todos os votos.” em todas as torneiras;
• Nove hospitais, 3.394 leitos e
médicos em casa para 80 mil famílias;
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 69
Panfleto de campanha compara as realizações de Covas com as de governos anteriores
• Ir e vir ficou mais fácil: novas nela realizadas pelo governo nos quatro anos
estradas, metrô e trem espanhol; anteriores. Assim, eram distribuídos em cada
• Prioridade para a Segurança: 21 município, transformando-se em mensagem
penitenciárias, 8.824 novos policiais e direta ao cidadão, a fim de que soubesse o
mais 5.540 viaturas; que de fato foi feito em seu favor.
• Menos imposto sobre os alimentos
deixa a cesta básica mais barata; Sensibilizar o eleitor para as mudanças
• 40 bilhões de reais de investimentos importantes que aconteceram na primeira
públicos e privados estão gerando 1,7 gestão deu o resultado esperado. Atrás de
milhão de empregos; Marta Suplicy em boa parte do tempo, nos
• Qualidade e rapidez no serviço últimos dias de campanha o panorama se
público; inverteu e Covas foi para o segundo turno.
• Respeito ao cidadão.
Uma estratégia parecida com a do primeiro
turno foi traçada para vencer Maluf. Somou-
Outra estratégia bastante eficiente foi a se a isso o apoio explícito do PT à candidatura
impressão de milhares de panfletos com o tucana, inclusive com a produção de adesivos
nome de uma cidade paulista e todas as obras em que se lia: “Sou PT, estou Covas”.
70 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Os panfletos com a lista de obras realizadas em cada cidade conquistaram o eleitor
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 71
O adesivo com o apoio petista ajudou a
transferir para Covas os votos de Marta
72 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Nos panfletos, a defesa das diretrizes para a educação, assunto polêmico na época
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 73
Na convenção do PSDB, um abraço de Mario Covas em Geraldo Alckmin, novamente candidato a
vice-governador; ao lado de Geraldo, sua mulher, Lu Alckmin
74 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
As principais realizações
do segundo mandato
Após ser indicado candidato à reeleição na convenção do PDSB, Mario Covas discursa em
palanque montado na área externa da Assembléia Legislativa
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 75
No final do comício da Habitação, Mario Covas caminha satisfeito entre populares e candidatos
do PSDB a deputado federal e estadual, como Walter Feldman, Ricardo Tripoli, Alberto Goldman,
Juscelino Cardoso e Arnaldo Madeira
76 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
De frente para câmera de televisão, Covas defende seus pontos de vista no debate realizado
entre candidatos ao governo paulista na Rede Bandeirantes
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 77
O debate da virada com Paulo Maluf, no segundo turno da eleição a governador, realizado pela
TV Globo com a mediação do jornalista Carlos Nascimento
Mario Covas discursa em seu comitê de campanha política, depois de confirmada a sua reeleição
ao governo do Estado de São Paulo, acompanhado de sua mulher, Lila Covas
78 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Ricardo Penteado,
advogado de Covas
A marca da legalidade
O advogado Ricardo Penteado conta como a obediência de Mario
Covas às leis mudou para sempre as campanhas eleitorais no país
FMC – Como foi a sua entrada na o Mario Covas saiu da empresa, voltou
campanha eleitoral do Mario Covas em para a política, e o Arnaldo Malheiros
1998? permaneceu lá.
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 79
Arnaldo Malheiros tinha advogado para o Ricardo Penteado – As conversas eram
Celso Pitta, candidato à sucessão do Paulo ótimas. Mais de uma vez ele me falou que
Maluf na prefeitura de São Paulo. Em sonhava fazer um júri. Talvez não quisesse
1998, o Paulo Maluf voltou a procurar o ser bacharel em Direito nem advogado,
Arnaldo Malheiros e ele disse: “Não. Agora mas uma experiência com júri ele queria
quem vai disputar a eleição com você é o ter. O Mario Covas era um tribuno de mão
Mario Covas, meu amigo, contra quem eu cheia, uma coisa que a história brasileira
jamais advogaria”. Quando o Mario Covas está começando a registrar.
procurou o Arnaldo Malheiros, ele se
sentiu na obrigação de dizer não também, Nós temos poucos registros gravados,
para não se indispor com seu ex-cliente, mas muitos testemunhos de pessoas e
e ficou fora do processo. O Mario Covas, também aquilo que foi efetivamente
então, pediu pediu indicação de outros escrito no Congresso Nacional. Mario
nomes. O próprio Arnaldo Malheiros, o Covas tinha uma compreensão muito boa
Michael Zeitlein e o Zuzinha indicaram o do sistema jurídico, era um engenheiro,
meu nome. Foi assim que comecei. mas com uma cultura nessa área
impressionante. Evidentemente que o
FMC – Como o mario Covas recebeu você Direito, como não é uma ciência exata,
na equipe? abre campo para muita discussão, e nós
tivemos sim, boas e belas discussões, em
Ricardo Penteado – O Mario Covas pouco que ele apertava muito a gente.
me conhecia na época. Até senti que, no
começo, ele tinha alguma restrição, mas FMC – Quais eram os motivos das
uma coisa do tipo: “Vamos testar esse discussões?
moleque”. Ele era muito duro, incisivo,
exigente nas perguntas, nas satisfações Ricardo Penteado – A campanha de
que buscava com os assessores, auxiliares 1998 foi extremamente difícil. Diria que
e prestadores de serviço. foi uma das mais difíceis das quais eu
já participei como advogado, e eu estou
Ao mesmo tempo, era uma pessoa que trabalhando nisso há vinte anos. Era uma
dava total liberdade para eu fazer o que campanha que seria marcada por uma
eu tinha de fazer. Por incrível que pareça, legislação que não foi criada para aquela
eu já ouvi dizer que algumas pessoas o eleição. Em todas as eleições, desde a
consideravam centralizador. Não acho, redemocratização do país, tínhamos
de modo algum. Ele era exigente com uma legislação especial para cada uma
aqueles que estavam na equipe, mas, no e era normalmente uma coisa casuística,
momento de a pessoa atuar, ele só queria arrumada. Essa, de 1998, aconteceu
saber como a coisa ia. subordinada a uma lei que ia reger
todas as eleições. O Mario Covas tinha
FMC – O Covas gostava muito da área do uma preocupação impressionante com
Direito. Como eram as conversas que a legalidade, uma noção muito clara de
vocês tinham sobre esse assunto? que a legalidade o favorecia e que era
essa a marca que ele queria ter. Acho que
80 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
ele levou isso tanto para a campanha e Ricardo Penteado – O Covas se licenciou
o público eleitor, quanto às postulações por um princípio. Quanto aos outros,
que fez nos tribunais. cada caso é um caso. Eu certamente não
conheço todos aqueles que se licenciaram
FMC – A busca da legalidade chegou no meio da campanha, mas sei que o
ao ponto de ele ter se afastado do Mario Covas foi o único candidato que se
governo para disputar a eleição. licenciou do cargo de governo desde o
primeiro instante de uma campanha.
Ricardo Penteado – Foi o único
candidato desde a reeleição que fez toda FMC – A reeleição sempre traz
a campanha licenciado. Teve gente que essa questão do uso da máquina
tentou cassar a candidatura dele, dizendo administrativa. Foi melhor para
que esse afastamento era ilegal, que ele o Covas fazer a campanha como
teria abandonado o governo. Na verdade, governador licenciado?
era uma postura não exigida pela lei
que ele se afastasse, mas era possível Ricardo Penteado – Existe uma tentação
desde que aprovada pela Assembléia. muito grande para aqueles que estão no
A Assembléia aprovou, e ele fez toda a governo de resolver a eleição de uma
campanha eleitoral como governador forma rápida. Muitas vezes é sedutor o
licenciado. Isso implicou uma certa papel de governador, prefeito, presidente
dose de sacrifício, porque não é fácil da República. De uma forma ou de outra,
um governador se afastar. Mas ele tinha a máquina o favorece. Quando você se
um vice preparado para isso. O Geraldo afasta, de uma certa maneira perde a
Alckmin não pôde se licenciar quando chance de estar na mídia, por exemplo,
terminou o mandato do Mario Covas, em inaugurações, em lançamento de
porque ele não tinha um vice. planos e outras tantas coisas. O Mario
Covas, licenciado, não podia nem fazia
FMC – O mario Covas foi mesmo o único aparições em eventos de governo. Creio
governador desde a reeleição que se que boa parte do público viu isso como
licenciou até hoje? uma coisa positiva, mas muita gente
menos informada perdeu a referência que
Ricardo Penteado – Com certeza. Teve tinha na mídia do Mario Covas e passou a
gente que se licenciou em pedaços da vê-lo só na propaganda eleitoral, em pé
campanha, em momentos em que a de igualdade com os demais candidatos.
campanha o exigia. Mas ninguém fez
como o Covas, que se licenciou de um FMC – Houve prejuízo para ele?
cargo de governo antes de começar a
campanha eleitoral. Ricardo Penteado – A busca pela
legalidade muitas vezes exigiu do
FMC – Quem se licenciou em partes da Mario Covas um certo sacrifício. Ele foi
campanha olhou seu interesse e não a corajoso ao assumir teses jurídicas que
lisura do processo, é isso? moralizavam o processo eleitoral e que
ainda não tinham emplacado no Judiciário.
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 81
Ele levou aos tribunais e conseguiu, apenada pela Justiça Eleitoral e tinha um
por exemplo, a divisão do horário da candidato que não sofria nenhuma pena,
propaganda eleitoral. Atualmente, há um que era o Mario Covas. Nós achávamos
tempo para deputado, outro tempo para que íamos brigar muito na propaganda
senador, outro para governador. Antes, o eleitoral, o que de fato aconteceu, e que
manda-chuva do partido ocupava todos teríamos muito trabalho na discussão
os tempos. A propaganda do deputado e sobre o uso da máquina. Mas contra o
a do senador só fazia a propaganda do Mario Covas não foi promovida uma única
governador. Esse era o comportamento representação pelo uso da máquina.
de todos os
c an dida t o s FMC – Você tinha
adversários do “Nós achávamos que íamos autonomia para
Mario Covas agir ou o Mario
em 1998, e ele,
brigar muito na propaganda Covas queria
quando viu isso na eleitoral, o que de fato ser consultado
lei, advertido pelos antes?
advogados, disse:
aconteceu, e que teríamos muito
“Vamos obedecer trabalho na discussão sobre o Ricardo Penteado
a lei”. Durante – O candidato
um bom tempo
uso da máquina. Mas contra o adversário era
ele discutiu com Mario Covas não foi promovida o Paulo Maluf,
outros candidatos que tinha mais
que o tempo do
uma única representação pelo de um escritório
governador era uso da máquina” trabalhando pela
muito menor sua candidatura
do que estava e uma rede de
sendo usado. E informações muito
ele, por coerência, só usava o tempo grande. Nós trabalhávamos com um
que lhe era reservado. Os tempos de escritório que era muito pequeno, com
deputado, senador, deputado federal, dois advogados, eu e mais um outro mais
deputado estadual eram reservados jovem, e um estagiário. Nós alugávamos
para esses candidatos e, com isso, ele o que a gente chamava de mocó, que era
tinha uma coligação ainda pequena. O um escritório ao lado da Justiça Eleitoral
tempo de televisão no primeiro turno foi onde muitas vezes passamos a noite. Nós
extremamente sacrificado. tínhamos que fazer o acompanhamento
de tudo o que saía na mídia, em rádio,
Em compensação, a Justiça Eleitoral TV, jornais etc. Lembro que o Mario Covas
reconheceu, quase no fim do primeiro teve que tomar decisões muito difíceis.
turno, que o Mario Covas tinha razão, e Algumas nós tomávamos e depois
aplicou algumas penas para os demais reportávamos a ele, que eram as brigas
candidatos, retirando deles o tempo que com os demais candidatos, para colocá-
fora utilizado a mais. Acho que o público los nos eixos. Essas, nós pouco ou nada
percebeu que muita gente estava sendo tínhamos que consultar, apenas informá-
82 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
lo logo em seguida. Com relação ao mau Ricardo Penteado – Sim, a própria mídia
comportamento da mídia, aí sim nós se reeducou para esse processo eleitoral.
tínhamos que consultá-lo. Nós tivemos As emissoras de rádio e televisão se
problemas graves com duas emissoras de sentiam absolutamente licenciadas para
televisão, por conta do comportamento fazer propaganda de seus candidatos
de alguns apresentadores de programas prediletos, mas são concessionárias de
de auditório. serviços públicos, ainda que possam
emitir opiniões editoriais etc. Se um
FMC – Os comunicadores... programa de auditório de televisão fizer
propaganda de um candidato, gerará
Ricardo Penteado – Sim. Nisso a uma desigualdade que a lei não admite.
legislação tem que ser aperfeiçoada,
porque penaliza completamente a FMC – O trabalho como o advogado
emissora e dá pouca responsabilidade que garante os direitos do cliente
ao comunicador. Devia pesar um pouco está ligado à comunicação. Como era a
mais para o comunicador. Nós tivemos relação com a comunicação?
que entrar com medidas sérias, e duas
emissoras de televisão foram retiradas Ricardo Penteado – Muito próxima.
do ar durante 24 horas. Isso nunca tinha O trabalho jurídico numa campanha
acontecido no Brasil, muito menos com eleitoral não pode ser de gabinete,
emissoras de televisão de porte. exclusivamente técnico. É necessário ter
uma compreensão da dinâmica eleitoral
FMC – A repercussão disso foi grande? e, principalmente, da comunicação. Uma
coisa fundamental nesse processo é a
Ricardo Penteado – Virou notícia. Para integração entre o marketing político e o
um candidato, por respeito à liberdade jurídico. Nós não só éramos obrigados a
de imprensa ou por interesse político, assistir a todas as propagandas de todos
não interessa calar a boca dos outros. os candidatos como éramos convidados
Ao contrário, ele quer aparecer e bem. – e aí havia uma equipe sensacional –
Ao retirar uma emissora do ar, você só a participar do processo de elaboração
está comprando uma briga muito grande, da campanha eleitoral. A partir de 1998
porque a emissora pode se irritar com eu passei a conviver com marqueteiros
você e, sutilmente, começar a boicotar. juristas, e eles, a conviver com o rábula
Quem ganhou com isso foi o Poder da propaganda, que sou eu. A partir de
Judiciário Eleitoral, porque foi provocado então, a discussão respeita os limites
quando tinha de ser provocado e tomou legais, seja na hora de escrever um texto
providências que jamais tinha tomado até seja quando o candidato vai falar. É
então para fazer uma eleição legítima, preciso ter esse cuidado.
como foi essa.
FMC – Como era a equipe?
FMC – A mídia percebeu que precisava
tomar cuidado com o que veiculava? Ricardo Penteado – Era formidavelmente
bem integrada. Nós éramos muito bem
F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a 83
informados pelos assessores de imprensa FMC – Você teve alguns embates com
e assessores da propaganda a respeito do ele. E até onde sabemos, o Mario
que estava acontecendo, do que os outros Covas gostava de quem fizesse o
candidatos estavam fazendo, do que nós contraponto. Como era isso?
queríamos fazer. Foi a primeira vez que
eu vi acontecer uma integração com tal Ricardo Penteado – O Mario Covas era
intensidade. A partir de 1998, eu diria muito sacana. Eu diria que metade da
que as campanhas eleitorais mudaram e discussão era um exercício para suas
muito no Brasil inteiro. próprias convicções. A outra metade
era um teste das suas convicções na
FMC – Foi possível evoluir e crescer convicção de seu interlocutor. Ele sabia
com essa experiência? argumentar. Teve uma noite em que a
As campanhas melhoraram? gente discutiu muito até a elevar a voz
um com o outro. No dia seguinte, eu não
Ricardo Penteado – Melhoraram em era mais o advogado dele, mas percebia-
partes. Em várias eleições, vemos se que, naquele embate, houve uma
imperfeições até da própria legislação contraposição de posições que ele queria
eleitoral. Por conta das dificuldades ver em que resultava.
políticas do nosso país, também está
sendo um pouco difícil a gente repensar FMC – A discussão o ajudava a pensar.
essa legislação eleitoral, naquilo que
realmente interessa. Hoje em dia as Ricardo Penteado – Ajudava sim. O
pessoas se concentram muito na discussão Mario Covas não estava lá só para ganhar
a respeito da propaganda eleitoral, mas prêmio de bom comportamento, ele
eu acho que o buraco está mais embaixo, estava lá para agir legalmente e ganhar
é mais do sistema eleitoral em si. uma eleição. Ele pesava todos os lados
das questões, que são muitos, e colocava
Nisso eu sinto muito a falta do Mario Covas, a gente em xeque. Nós tivemos muitas
porque ele era um grande personagem discussões bravas, bravas mesmo. Em
político com quem era possível conversar algumas delas eu cheguei a dizer: “Quem
sobre os problemas jurídicos. Ele mandou você votar essa Constituição?”
compreendia a coisa com muita rapidez, Mas no dia seguinte prevalecia alguma
era um dos maiores negociadores que eu ideia com a qual ou eu ou ele realmente
já vi. Tinha a condição impressionante de estávamos de acordo.
alinhavar todos os interesses e conseguir
liderar um resultado que fosse positivo. FMC – Ele gostava de combater o bom
Era um político de avanço. Nunca vi combate...
alguma coisa na mão do Mario Covas ficar
parada. Ele sempre avançava, tornava Ricardo Penteado – Se o Mario Covas
a coisa possível. Hoje nós estamos tivesse mais tempo e menos coisas
discutindo uma reforma política, e o importantes a fazer, obras a realizar,
Mario Covas faz falta. Ele congregava as eu acho que ele passaria o dia inteiro
diversas opiniões. discutindo com os outros.
84 F UN DAÇ ÃO M A R IO C OVA S E M R E V I S TA p r o p a g a n d a p o l í ti c a
Fundação Mario Covas
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