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www.revistasamizdat.com
21
outubro
2009
ano II
ficina
Mistério
e Suspense
SAMIZDAT 21
outubro de 2009
Textos de:
Antonio Luiz M. C. Costa
Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada
Imagem da capa: a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
http://www.flickr.com/photos/
joostassink/2646931062/sizes/o/ Todas as imagens publicadas são de domínio público, royalty
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expressa dos colaboradores da revista.
Sumário
FALA Samizdat 5
Como você começou a escrever?
ENTREVISTA
Luis Dill 10
MICROCONTOS
Caio Rudá 26
Simone Santana 27
CONTOS
O canto da sereia de Bach 28
Carlos Davissara
Um assassino online 32
Joaquim Bispo
Hereditário 36
Wellington Souza
DeLíRiUs VirTuAis 40
Jú Blasina
Os gatos de Pereirópolis 44
Volmar Camargo Junior
O Diário Vermelho 48
Henry Alfred Bugalho
O menino de Tribiguá 52
José Guilherme Vereza
Pela morte de um estigma 56
Léo Borges
Autor Convidado
Margarida (ou seria Helena ou Graça) 64
Maria de Fátima Santos
POESIA
Laboratório Poético: Mistério 65
Volmar Camargo Junior
A sombra 68
Ju Blasina
Revista 69
Mariana Valle
Algumas elucubrações 70
Caio Rudá
Comecei a escrever cedo, com uns 9 anos, mas o meu sonho mesmo era ser
desenhista de Histórias em Quadrinhos.
No entanto, com pretensões sérias, foi apenas em 2000, quando saí da casa
da minha mãe e não tive como levar comigo meu piano. Para compensar e con-
tinuar exercendo algum tipo de expressão artística, passei a escrever.
Desde então, a música e a literatura sempre andam juntas, e pianos e pianis-
tas são aspectos bastante presentes no que escrevo. Inclusive, é o tema do meu
primeiro romance.
Em 2010, completo dez anos de escrita.
http://www.flickr.com/photos/hi-phi/48771723/sizes/l/
Henry Alfred Bugalho
Comecei a escrever desde que aprendi a segurar um lápis. Ainda o seguro torto, mas as letras já
saem melhores – em formato e relevância – assim espero! Já profissionalmente, foi uma luta interna:
não concebia a escrita como profissão e por muito tempo dediquei-me a algo que julgava mais sério, a
biologia. Só em janeiro deste ano percebi que minha vida estava repleta de gavetas – reais e virtuais – e
que nestas, sob muitos papeis, havia sonhos. E foi com um discurso semelhante a este que ingressei na
“Oficina de Escritores e Teoria Literária”, instigada pelo amigo escritor Alian Moroz e pela possibilidade
de encontrar minha plena realização – ser de fato uma escritora. De lá para cá os projetos se multipli-
caram, meu blog “P+2T” cresceu e veio a SAM. Acho que já posso dizer: sim, sou escritora, assumida e
com muito prazer!
Ju Blasina
Agarrei com as unhas uma escrita-magia que encontrei em coincidências: comecei a sonhar um
mundo para tentar impô-lo à realidade, a despeito da convicta precisão das coisas que existem; come-
cei em diários que eu, inventando, pensava perverter a essência – a magia e a escrita foram as pedras
que encontrei para fazer faiscar a máquina do mundo.
Sheyla Smanioto Macedo
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O episódio que ficou gravado na minha lembrança como minha estreia no mundo
da poesia foi uma paixão platônica aos 12 anos. A professora de português nos man-
dou escrever sobre algo pelo qual esperávamos e eu transformei a minha paixonite pelo
príncipe num poema de alguém que espera ser correspondido um dia.
Comecei a produzir poesia mais intensivamente quando, aos 17, 18 anos (não lem-
bro), entrei na Oficina Literária Cairo Trindade. Naquela época, arrisquei um, dois con-
tos/crônicas, mas não consegui passar daí, só fazia poesia. Minha obrigação de escrever,
como jornalista, e o excesso de trabalho me afastaram da escrita, mas, ao abandonar a
TV Globo, tive um reencontro apaixonado com a escrita, agora então escrevendo com-
pulsivamente crônicas, contos, artigos e poemas, lançando meu blog e logo depois meu
primeiro livro. Nenhum trabalho conseguiu me separar da minha escrita literária desde
então.
Mariana Valle
Comecei a escrever em 2006, incentivada por um amigo, Rafael de Leon, que conheci
no Orkut. Até então só redações escolares, artigos na faculdade, poesias de adolescente.
Quando criança escrevia dedicatórias. As dedicatórias foram muito importantes.
Simone Santana
Comecei, assim como a maioria dos que escrevem por comichão, pelos poemas. Por
incrível que pareça, o primeiro poema me aconteceu depois de ter visto um filme da
Sessão da Tarde no ano de 2001. Desde então comecei a anotá-los em cadernos brochu-
ra, sete cadernos de poesias ao total, quase todas brutas, retiradas à flor da terra. Hoje
procuro lapidar. Os contos são recentes, menos de um ano (os mais antigos são muito
ruins).
Wellington Souza
Embalado pelas leituras de Hercule Poirot, Sherlock Holmes, e pelas boas notas em re-
dação por volta da sétima e oitava série, decidi que tinha algum potencial para escrever.
Por coincidência, ainda essa semana vasculhava uns arquivos no HD, quando encontrei
uma relíquia intitulada “Contos e Crônicas de Fevereiro”: um documento que talvez fosse
meu primeiro protótipo de livro, com três contos completos e mais um inacabado; as crô-
nicas não sei se ainda ia escrevê-las ou não havia razão de estarem no título.
Os textos, datados de 2003, mas talvez escritos em 2002, são ruinzinhos, porém mere-
cem algum elogio, para uma criança de 13 anos. Uma técnica precária, se é que a havia,
mas uma criatividade e cuidado com a escrita que invejo hoje. Veio o Ensino Médio e
não me recordo de ter escrito nada além das coisas do colégio. Em 2008, já com o blogue
e a entrada na Oficina, retomei a caneta, agora quase completamente substituída pelo
teclado, e dei alguma consistência ao trabalho e ao seu produto.
Caio Rudá
Comecei a escrever por volta dos meus quinze anos, quando me interessei e conheci mais a
literatura brasileira, mas desde pequeno tinha o hábito da leitura. Porém, lembro-me de, ainda
muito pequeno, criar algumas histórias na máquina de escrever que adorava. Pretendo um
dia resgatar essas narrativas. Então foi bem antes dos quinze. Mas o que me pôs de vez no
mundo da escrita foram os ótimos professores de literatura que tive no colegial. Fiquei encan-
tado principalmente com os poetas românticos. A melancolia me agrada. E li alguns roman-
ces na época. Foi aí que pensei algo como: “Eu posso fazer igual”. E continuo até hoje sempre
procurando me surpreender e me aperfeiçoar em cada desafio que me submeto a escrever.
Guilherme Rodrigues
Da adolescência para a vida adulta, julgo que eu escrevia sem me dar conta de estar
escrevendo. Ler, lia muito pouco. Quando comecei a ler mais, comecei a querer escrever
mais, criar minhas próprias histórias. Isso foi por volta dos meus 23 anos de idade. Desde
então, meus escritos aumentaram, contudo, ainda sem uma “vontade de escritor” verdadei-
ra. Só mesmo no ano de 2008, através de pesquisas pela internet, foi que conheci ótimos
espaços virtuais voltados à Literatura e comecei a estudar e escrever com genuína “vonta-
de de escritor”. Dentre esses espaços, destaco as comunidades do Orkut: “Escritores e Teoria
Literária” e “Oficna da E-TL”. Só mesmo nesse momento é que julgo ter começado a escrever.
Carlos Davissara
Comecei a escrever desde menina, sempre li muito e queria fazer parte deste universo. A litera-
tura foi minha companheira a vida inteira.
Durante um bom tempo, apenas segui acumulando contos, prosas, versos e afins.
O momento aconteceu em 2009: montei um site, lancei meus livros, participei de projetos com
outros escritores e continuo fazendo o que mais gosto – contar minhas histórias.
Giselle Sato
Foi uma decisão, um acto de vontade. Em 2006, terminada uma licenciatura em História da
Arte, achei que teria mais prazer e poderia vir a provocar maior apetência pela área se envere-
dasse pela ficção em contexto de Arte e História da Arte, do que tentar produzir textos académi-
cos, “que ninguém lê”.
Frequentei um curso de escrita criativa, li uma série de textos teóricos, e procurei outros escri-
tores iniciantes. Encontrei a oficina de escrita que está na origem desta revista.
Joaquim Bispo
http://www.flickr.com/photos/tmab2003/3240697880/sizes/l/
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
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E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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Entrevista
Luis Dill
Gaúcho de Porto Alegre, o jornalista
e escritor Luis Dill, 44 anos, tem 21
livros publicados, principalmente de
http://1.bp.blogspot.com/_4SBeCN1DHAA/SkTR-y3HUdI/AAAAAAAAApE/Tr1DCIMCP14/s320/lu%C3%ADs+dill.jpg
literatura infanto-juvenil (classifica-
ção que ele rejeita, por acreditar que
classificações são sempre exclu-
dentes, como se outro público não
pudesse ler tais livros).
Foi vencedor do prêmio Açoria-
nos de 2008 com o livro de contos
policiais Tocata e Fuga, publicado
pela Bertrand Brasil. Também foi
indicado várias outras vezes para
esse mesmo prêmio, o principal do
Rio Grande do Sul.
Tem livros, entre outras editoras,
pela Edições SM, Cia das Letras
e Artes & Ofícios. Um fato inte-
ressante é o primeiro livro que ele
publicou foi escrito em apenas um
mês. Ele tinha batido (literalmente)
na porta de uma editora em Porto
Alegre para oferecer um livro, que
era um romance policial voltado
ao público adulto. Eles disseram
que gostaram do seu estilo de
texto, porém naquele momento não
estavam publicando o gênero; se
ele topasse, poderia apresentar um Samizdat: Sua inserção segmentações. Para mim
original infanto-juvenil. Ele nunca
tinha escrito nada para esse público,
no mundo da literatu- é tudo literatura. O que
mas saiu dali e começou a escrever. ra infanto-juvenil foi tomo como regra para
Um mês depois, o livro estava sendo incidental, dadas as mim é evitar palavrões e
enviado à editora. exigências do mercado cenas muito explícitas em
Passados 20 anos, ele segue se editorial. Quais são as termos de sexo e de vio-
dividindo entre a escrita e o jorna- especificidades deste lência quando escrevo li-
lismo (trabalha na FM Cultura), mas
já conseguiu deixar um dos dois gênero? O que é neces- vros destinados aos jovens.
empregos que tinha antes para dedi- sário ter em mente ao se Penso que o gênero requer
car parte do seu tempo à escrita. É escrever para o público ritmo, boa estrutura nar-
muito lido em escolas, onde também
dá palestras com frequência.
infanto-juvenil? rativa, ação e, sobretudo,
Luis Dill: Não vejo gran- qualidade.
O site do escritor é www.luisdill.
com.br. Confira aqui a entrevista que des diferenças entre lite-
ele concedeu à Samizdat. ratura juvenil e literatura Samizdat: A literatura
adulta. Sequer gosto dessas policial costuma retratar
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Hoje ficou mais fácil meus livros.
publicar, mas ainda acho
saudável bater de porta
em porta, conversar com Samizdat: Estamos no
gente do ramo, aprender. meio de uma polêmica
Isso ajuda a não cometer- bastante recente: a deci-
mos erros por pressa em são do STF sobre o fim
publicar. da exigência de diploma
para exercer o jornalis-
mo. Você, que é jornalis-
Samizdat: Seu primeiro ta e escritor, que pensa a
livro publicado foi escri- respeito?
to em cerca de um mês, Luis Dill: Sou contra. E
e em um gênero, juvenil, espero que as empresas de
que você não dominava. comunicação deem pre-
Diante disso, qual o seu ferência aos profissionais
conselho aos aspirantes formados.
a escritor que não con-
seguem terminar suas
sível encontrar obras histórias?
inteiras na internet, que
podem ser “baixadas” Luis Dill: Ler constante-
de sites especializados mente. Reescrever cons-
sem pagar nada por isso. tantemente. Planejar tam-
Como você vê a questão bém ajuda.
do mercado editorial? As
editoras terão o mesmo Samizdat: No Brasil, dá
destino das gravadoras? para viver de literatura?
Luis Dill: Acho que não. Luis Dill: Tem gente que
Sou a favor de todas as consegue. Eu ainda estou
novas tecnologias. Não se trabalhando para atingir
pode deter o futuro. Só esse patamar.
que acho insuportável ler
no computador. Jamais
trocaria um livro tradicio- Samizdat: Em que sua
nal por algo “baixado” da formação e o exercício
inter net. da profissão de jornalis-
ta influenciou sua pro- Coordenação da entrevista:
dução como escritor de
Samizdat: Você conse- Maristela Scheuer Deves
ficção?
guiu publicar seu pri-
meiro livro após bater, Luis Dill: Um pouco não
muito. São atividades de Perguntas feitas por:
literalmente, na porta
das editoras. Atualmente, certa forma antagonô- Henry Alfred Bugalho
esse expediente ainda nicas. Um trabalha com
Maristela Scheuer Deves
é válido para o escritor ficção e o outro com a re-
iniciante? alidade. Se eu fosse veteri- Volmar Camargo Junior
nário, por certo um pouco
Luis Dill: Claro que sim. da profissão entraria nos
ficina
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www.oficinaeditora.com
Autor em Língua Portuguesa
Eclipse ao pôr-do-sol
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olímicos, estupefata e queda águas do Estige funesto, uma tanto podem favorecer a ti
ficou Icnaia, perante a vio- das mãos encostando na ter- tanto quanto às tuas presas.
lência dessas palavras. Uma ra que nutre os viventes, e a Contenta-te com que não
eternidade pareceu se passar outra no mar cintilante, para sejam viciados.
antes de Atena, a indomável que testemunha nos sejam as – Assim seja – Têmis sus-
donzela de olhos glaucos, por deidades subterrâneas de que pirou e despediu-se de Icnaia
fim adiantar-se para falar. me prometes de tudo fazer e Nêmesis.
Seu peito transbordava de para entregar o culpado à
O deus-pai desceu do
raiva selvagem contra Zeus justa punição!
sólio divino e retirou-se em
pai, suspeitava Icnaia, mas Consumado o voto sagra- silêncio, após encerrar a reu-
suas palavras foram mansas: do, Têmis aproximou-se da nião com um gesto brusco.
– Filho de Cronos, pai de sobrinha e da prima, com o As duas imortais afastaram-
nós todos, senhor poderoso e semblante carregado: se, pensativas. Icnaia foi a
supremo, sabemos que força – Minhas caras, conto primeira a falar:
invencível possuis. Basta-nos convosco para dar a mais – Tia, ao saber do desastre,
vê-la unir-se à firme retidão rápida resposta possível a consultei meu pai, pois à luz
de Têmis, a Lei Eterna. esta afronta. Nosso soberano do dia ele tudo vê se Zeus
Respondeu-lhe o pai, de confia em mim para resta- não o proibir. Mesmo sem
ânimo menos tempestuoso: belecer a ordem sem graves eu lhe pedir ele jurou-me,
– Tritogênia, tranquiliza- injustiças, mas necessito da pelo odioso Estige, nada sa-
te; quanto falei, foi produto, astúcia de Icnaia, a rastreado- ber. Se o furto se deu quando
decerto, da cólera; mas para ra, para identificar os culpa- Hélios já se recolhera, não
ti quero ser mais sereno. Ou- dos e da firmeza de Nêmesis, poderá tua mãe Nix nos...
virei, decerto, a deusa do reto a vingadora, para encontrá- – ia dizer esclarecer, mas
conselho. los e trazê-los a julgamento. conteve a tempo a palavra
Deveis saber que a égide de- impensada – ... ajudar a des-
A julgar pela expressão,
sapareceu entre a manhã de trinçar esse mistério?
pensou a deusa obscura, Hera
ontem, quando Atena, após
não a ouvia de bom grado. – Não, Icnaia. Desde que
socorrer os helenos em uma
Inevitável era seu ciúme ante a rainha da Noite voou em
batalha contra os bárbaros,
qualquer das imortais que socorro de meu irmão, que
a devolveu ao pai para que a
um dia atraíram o desejo do Zeus queria atirar do Éter às
guardasse e a madrugada de
marido inconstante, antes ondas por tê-lo adormecido
hoje, quando Zeus a procu-
mesmo dele a escolher como para permitir a Hera armar
rou, pretendendo usá-la para
sétima e, supunha-se, defini- uma artimanha, minha mãe
inspecionar o Tártaro.
tiva esposa. Mas com certeza exige um pedido de descul-
ela reconhecia a sabedoria As duas temíveis deusas pas do senhor do Olimpo
das palavras da enteada. assentiram ao pesado encar- antes de lhe atender qualquer
Conteve a língua ferina en- go. Têmis ia desejar-lhes boa solicitação. Embora Zeus
quanto Zeus se dirigia àquela sorte, mas num átimo surgiu, refreasse contra Hipnos a
que fora sua segunda com- a deslizar sobre sua roda, cólera imensa, pelo receio
panheira e o fizera pai das Tique de pés ágeis e oblíquo de à rápida Nix desagradar,
Horas serenas e das Moiras sorriso: o orgulho de ambos torna a
inflexíveis. – Tia, sabes como nin- reconciliação impossível.
Ao chamado do soberano, guém quão essencial é à – Tentemos então um
a Senhora da Justiça aproxi- Ordem Cósmica que o Acaso oráculo. Prefiro não consul-
mou-se e ouviu seu soberano: não lhe seja submisso. Não tar Apolo, as Titânides ou
me peça favores, apenas Prometeu, pois ainda não os
– Jura-me, então, pelas
imparcialidade. Meus dados
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ao usurpador, seu caminho com calma e sozinha poderei consultou Hefestos com um
iniciou-se em Aquário à luz fazê-lo com mais discrição. olhar suspeitoso. O divino
da conjunção da estrela de Convém, creio, nos separar- ferreiro enxugou o suor da
Zeus com seu próprio As- mos até eu encontrar uma testa e confirmou:
cendente no eclipse solar da pista. – Assim foi, atendi à
quadragésima-quarta Olim- – Como queira, minha convocação e isso mesmo se
píada... – disse, a contar nos sobrinha – disse Nêmesis, passou.
dedos. – Um descendente do insondável. – Confio em teu Sem largar a tranca, o
próprio rei dos deuses! julgamento. mais querido filho de Zeus
– Há menos de dezoito *** deu de ombros e lhe fez
anos! Mas se sabe de filhos com a cabeça um sinal para
Icnaia foi à sala do tesou-
gerados por Zeus depois de entrar. Agastada com a des-
ro, em busca de ideias. Hefes-
Kairos, nem de qualquer confiança, Icnaia entrou sem
tos ajustava à porta a tranca
olímpico nascido após os lhe agradecer e agachou-se
adamantina que acabara de
Heráclidas invadirem o Pelo- na soleira. Seu olhar de águia
forjar em Lemnos. Héracles o
poneso! percebeu como as vastas
auxiliava sustentando a por-
– Também não sei a quem tentosa peça, maciça como as sandálias do pai dos deuses
as estrelas se referem. Mas colunas à boca do Mediterrâ- haviam sutilmente marca-
a ocasião propícia ao golpe neo que levavam seu nome. do uns poucos grãos de pó
do usurpador é a lua nova, sobre o piso. Estivera ali três
– Salve, meus primos –
quando haverá outro eclipse vezes desde a última faxina,
saudou a deusa. – Sabeis se
total do Sol perto do crepús- há cerca de sete dias, que ela
alguém esteve na sala desde
culo. Na sétima casa, a da mesma supervisionara. Da
que vosso pai descobriu o
esposa e das parcerias. última vez, caminhara indig-
furto?
Era tudo. Não se con- nado à alta parede na qual
– Ninguém, com certeza estivera pendurada a égide e
sultava oráculos duas vezes
– respondeu o herói diviniza- retornara de imediato, sem
sobre a mesma questão. A
do. – Meu pai convocou-me nada tocar. Não percebia
deusa deixou, cabisbaixa e
no mesmo momento e estive nenhuma outra marca re-
pensativa, a audiência. De
de guarda até meu irmão cente e seu olfato apurado
esguelha, viu a expressão
trazer a nova tranca. não reconheceu nenhum
dura e impassível de vinga-
dora obstinada, feroz mastim – Tocaste em algo, primo? odor além dos esperados. Se
ansioso por sangue. Mas Devolveste ao lugar algum alguém estivera ali à noite,
precisava do sabujo para lhe objeto caído ou recolheste fora muito rápido e não pisa-
rastrear e apontar a presa e algo que não pertencia a este ra o chão. O que era perfei-
Icnaia jamais sentira o faro lugar, talvez? tamente possível, pois muitas
tão embotado. Tinha de ser – Não, minha cara. Apenas divindades podem voar ou
na pior crise desde a rebelião cuidei que ninguém entrasse. metamorfosear-se em aves.
de Tífon! Se não solucionasse – Deixai-me então exa- Adiantou-se e exami-
o mistério a tempo, acabaria minar a sala, primo, para nou ganchos e prateleiras,
no Tártaro. Ou o usurpador procurar algum indício do comparando-os mentalmente
a puniria pelos séculos de sacrílego. Têmis, a quem com a última vez em que
fiéis serviços ao Trovejante Zeus poderoso encarregou de havia estado ali em busca
ou este a condenaria por restaurar a ordem, delegou- de outra espécie de pista.
inépcia, caso vencesse apesar me investigar o furto e iden- Eureca! Faltavam as Asas de
do seu fracasso. tificar o culpado. Arce e as pegadas mostra-
– Tia – disse Icnaia –, vam que Zeus não as tocara
O filho de Alcmena
preciso investigar os fatos nos últimos dias. Furioso,
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vável Zeus ter-se interessado esterco, como rastreadora Zeus! Se voltasse a se expor
por aquela deusa musculosa não vales um ânus de rata- a céu aberto, ele não voltaria
e andrógina, bem capaz de zana! Que o usurpador, seja a errar e a atiraria, queima-
responder a atenções indese- quem for, venha e me enfren- da e mutilada, às trevas do
jadas do próprio Trovejante te se for capaz! Tártaro. Pouco importava
com um pontapé decidido Lançou-lhe um relâmpa- quantas centenas de vezes ela
em lugar sensível. Investigou go, mas de tão furioso errou lhe prestara valiosos serviços,
depois Angélia, encontran- o alvo, coisa jamais vista. a começar pela guerra com
do-a ocupada em atividades Atingiu uma das colunas do os Titãs, na qual ela repetida-
habituais, como a de prote- próprio palácio e a desfez mente se arriscara ao seguir
ger mensageiros, embaixado- em cinzas, criando uma os rastros de seus poderosos
res e arautos, principalmente oportuna cortina de fumaça. inimigos e deslindar seus
os encarregados de dar más O pequeno e veloz Kairos, o planos.
notícias aos poderosos. Fosse momento oportuno, veio ver De qualquer modo, pouco
ela mais poderosa, a própria o que se passava com o pai. mais podia fazer. O fatídico
Icnaia lhe pediria proteção, Icnaia, perplexa, agarrou-o eclipse já se aproximava. O
mas era tão jovem e delica- pela longa mecha da testa, mais seguro era tomar forma
da... antes que lhe voltasse a nuca humana e ocultar-se entre
Seguiu depois, com mais raspada. O mais jovem dos os mortais até o vencedor
cautela, Tânatos, Hipnos, deuses, surpreso e assustado, se definir e serenarem os
Morfeu e outros da prole voou para fora a toda ve- ânimos no Olimpo, embora
de Nix. Todos seguiam seus locidade, arrastando-a para isso pudesse levar séculos.
hábitos, sem dar mostras de longe. Ela esbarrou de leve Ou milênios.
participarem de algo mais em Tique, que lhe sorriu e Icnaia lembrou-se de
importante. Éris espicaça- de repente viu-se ao ar livre. quando Atena disfarçara-se
va as mútuas suspeitas dos Safou-se do Olimpo com em mendiga quando quis
olímpicos sobre o caso, mas quantas asas tinha e cruzou surpreender Aracne e de-
nela isso era costumeiro. Ha- o Egeu em meio a uma ma- cidiu fazer o mesmo, para
veria mais razões para sus- drugada fresca e brumosa. caminhar à cidade próxima e
peitas se ela agisse de outra *** misturar-se a seus habitantes
forma. Os demais se concen- sem chamar a atenção. Foi
Ofegante, Icnaia ocultou-se
travam em suas tarefas junto como um velha enrugada,
em uma gruta junto a uma
aos mortais. encanecida e desdentada,
baía da Jônia. Sentou-se sobre
Com o tempo já a se uma pedra, o cotovelo apoia- coberta com um pano es-
esgotar, Icnaia decidiu correr do no joelho gracioso, queixo farrapado, apoiada em um
o risco e enfrentar o senhor fino sobre a mão pequena, bastão, carreando um velho
do Olimpo. Revelou-lhe o fechada e tensa, tentando pote de barro para coletar
oráculo, pediu perdão por meditar sobre o que acon- esmolas, que Icnaia capengou
não ter deslindado sozinha o tecera. Como podia Métis, pela estrada, com um ou ou-
mistério e pediu-lhe o escla- a prudência de Zeus, ter-lhe tro olhar de esguelha para o
recimento necessário para falhado em um momento céu para certificar-se de não
salvar a ordem divina e seu tão crítico? Que erro teria o estar sendo notada.
próprio reinado. Receava Trovejante outrora cometido Recebeu olhares de des-
uma reação irritada, mas não a ponto de preferir arriscar prezo dos guardiões da mu-
se preparara para a tempes- seu trono a revelá-lo à sua ralha, mas não a impediram
tade que viria: investigadora? de entrar. Era uma cidade
– Como ousas interrogar- Tantas hipóteses e nenhu- próspera de ruas bem plane-
me? Lesma inútil, cabeça de ma maneira de testá-las. Por jadas, largas e retas. Manqui-
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o pensamento, pois atravessa – É verdade! – Concordou atrasado, mas já desfazia as
todo o Universo. E nada é o fruteiro. – Onde já se viu, amarras. O próximo só sairia
mais forte que a necessidade, roubarem o próprio Apolo! depois de dias. O capitão
pois tudo a ela se submete. Soube então do sumiço de aceitou levá-lo pela tarifa ha-
Inclusive os deuses. Pois não uma imagem de ouro maciço bitual. Poucas horas depois,
estão todas as coisas cheias do oráculo em Didima, na chegaram mensageiros de
de deuses? – E lhe piscou um mesma noite do sumiço da Didima avisando do roubo
olho. égide. A coincidência de data das estátuas. Uma trirreme
Sobressaltada, Icnaia pen- era, no mínimo, interessante. chegou a partir em busca do
sou que ele lhe descobrira o Se fora um ladrão mortal, ladrão, mas não o alcançou.
segredo. O sábio despediu-se a rota de fuga teria passa- – Mas como sabe se era
com um gesto afável e afas- do por Mileto. Dali poderia mesmo ele e se foi bem-su-
tou-se antes que ela decidisse embarcar onde deuses gre- cedido e se não lhe tomaram
o que responder. Passado o gos pudessem ser derretidos o ouro?
susto, ela percebeu que ele sem gerar um processo por – Cheguei hoje de Cartago,
não quisera ser literal. Mas sacrilégio. onde todos já sabem da his-
mesmo assim, era espantoso. Restavam algumas horas tória. O larápio já é dono de
Há milênios, Zeus conde- para o eclipse e Icnaia deci- um pequeno palácio, cheio
nara Prometeu a uma tortura diu aproveitá-las no porto, de escravas belíssimas. Conta
sem fim por roubar-lhe o tomando uma forma mas- a quem queira ouvi-lo que
segredo do fogo e entregá-lo culina e usando as moedi- Tique lhe sorriu em sonho
à humanidade, tornando-a nhas para divertir-se com os e lhe disse para aproveitar
menos dependente. Mas sua marinheiros e sondá-los por a oportunidade única. Ela
antiga façanha fora uma boatos significativos. Por fim, aprovava sua ousadia, que-
mera travessura, se compa- um bêbado lhe perguntou ria premiá-lo avisando que,
rada com ensinar os mortais algo curioso, enquanto joga- naquela noite, Nêmesis não
a compreender e prever os vam os astrágalos: a seguia... Ele pulou da cama
atos dos deuses. Com tal – Aposte mais, meu velho. no mesmo instante, roubou
poder, os humanos mais cedo Não acreditas nos presentes a estátua de ouro maciço
ou mais tarde os reduziriam de Tique? com a qual sonhava há anos
a meros adornos, se não a e cavalgou na mesma noite
– A deusa da fortuna?
servos. Ante tal revolução, para o porto, com o saque e
Claro! – respondeu, intrigada,
até a queda do deus-pai a roupa do corpo.
sob o disfarce de mendigo
pareceria um assunto menor, Ao ouvir aquilo, Icnaia
bêbado e barbudo. – Mas há
pensou, enquanto mais moe- sentiu-se gelar e pulou para a
que cuidar-se deles, pois Nê-
dinhas lhe caíam no pote. saída. O jogador protestou:
mesis anda na sua cola para
Não adiantaria mais calar conter seus abusos e punir a – Ei, não acabamos a par-
Tales. Ela bem sabia como de felicidade imerecida. tida!
nada serve punir o mensagei-
– Nem sempre. No mês – Tu ganhaste. Fica com
ro de más notícias. Ele estava
passado, um sujeito chegou as moedas! – Gritou para o
certo e outros o seguiriam.
de madrugada, com uma perplexo marinheiro.
Alguma divindade traíra os
arca pesada debaixo do Ao se ver fora da vista de
imortais, mas quem? Apro-
braço, aflito por um navio humanos, Icnaia retomou a
veitou uma moedinha para
pronto para sair. Por acaso, verdadeira normal e alçou
comprar cerejas e resmungar
um navio mercante que devia vôo. Acreditava ser seu dever
com o vendedor sobre como
ter partido para Cartago fazer uma última tentativa
os deuses já não eram respei-
na manhã anterior tinha se de avisar Zeus, mesmo com
tados como antigamente.
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era. Ao contrario do Trove- entranhas até abandonar minante assalto ao Olimpo.
jante, Poros, o Engenho, não as esperanças de que Zeus Seguidos relâmpagos partiam
é vingativo e saberá apreciar a quisesse como algo mais do cume para atingirem,
tua astúcia e dedicação, se do que instrumento de seu inócuos, a égide indestru-
quiseres servir à nova ordem. poder e seus prazeres! tível, talhada do couro da
Quero ter-te ao nosso lado, – E ela ainda pariu Atena, cabra Amalteia. O usurpador
pois a Justiça e a Punição de que abriu caminho para o respondeu com um raio de
nada servem se não forem mundo rachando a cabeça do tipo jamais visto, um feixe
guiadas por uma prudente pai. Mas como Métis pôde de luz cegante, em linha reta
Investigação. ter um segundo filho? para a morada dos deuses. O
– Poros! Esse, então, é o Icnaia não pôde ver mais da
Nêmesis soltou uma ri-
nome do filho de Métis! batalha, mas já não duvidava
sada assustadora, a primeira
de que era a última vez que
Nêmesis arregalou os em milênios.
o sol se punha sobre o reino
olhos. – Parabéns, não per- – Queres os pormenores de Zeus e que a própria
deste teu talento. Como sórdidos? Então te contarei Nike, a Vitória, se juntaria
descobriste? como Métis deixou de acon- às hostes inimigas antes do
Icnaia suspirou. – Não me selhar Zeus a manter a com- final.
cumprimente, fui lerda. A postura quando Ganimedes,
***
natureza da nova divindade seu amante, ridiculamente ou
só ficou óbvia para mim em desafiou a imitá-lo em sugar Muito depois, Icnaia medi-
Mileto, quando vi um mor- o próprio membro... tava junto a um fiorde mar-
tal prever os caminhos dos geado de álamos dos quais
– Basta! – Gritou Icnaia,
deuses. Devia ter percebido, brotava o âmbar, junto a seu
consternada. – Imagino Hip-
quando Astreu mencionou amante. Fora sua a escolha.
nos a inspirar-lhe um sono
um filho da conjunção de O vitorioso Poros propusera-
tão profundo que não notou
Zeus consigo mesmo, que a lhe, como a todos os olím-
o segundo filho nascer-lhe da
profecia de Gaia por fim se picos salvo Zeus, unir-se aos
cabeça...
cumpria. vitoriosos. Fora das poucas
– Exatamente, depois que a recusar: sua honra não
– Sim, é o filho do Tro- o induzimos a exaurir-se em lhe permitia servir ao novo
vejante e de sua primeira uma noite . Eu mesma re- senhor se o próprio Zeus não
esposa. Ah, pobre Métis, colhi Poros e o levei à corte o fizesse ou a dispensasse
como pôde o amor cegar da rainha da Noite, para ser do juramento de fidelidade.
uma deusa tão sábia? Quan- criado por minha mãe no Para sua surpresa, Poros não
do Zeus se propôs a derrotar extremo ocidente, junto aos a jogou ao Tártaro: deixou-a
o pai e libertar os irmãos, ela cimérios e longe de Zeus. escolher um exílio na Terra,
concebeu o plano que forçou E ei-lo que volta! – Bradou de onde poderia voltar quan-
Cronos a regurgitar seus fi- Nêmesis. Satisfeita, a deusa do mudasse de ideia.
lhos e aconselhou seu amado da vingança apontou para
na guerra contra os Titãs, Até onde ela sabia, só mais
o poente, onde uma figura
certa de estar colaborando um dos deuses ainda recusa-
alada se destacou por um
para um futuro melhor. Seu va fidelidade ao novo senhor
rápido instante contra o Sol,
prêmio foi ser engolida pelo do Olimpo: Héracles, que es-
cujo eclipse já se iniciava.
marido, grávida, assim que colhera viver entre os duro-
A deusa da vingança voou triges da Bretanha, à margem
Gaia profetizou que seu se-
ao encontro de Poros, juntan- do rio Cerne, com a esposa
gundo filho seria mais pode-
do-se a seu cortejo de seres Hebe. Além do próprio Zeus,
roso que o rei dos deuses. E
alados e estranhos carros desterrado na oriental ilha de
mesmo assim, ela continuou
voadores sem cavalos em ful- Crise, povoada só por grifos
a aconselhá-lo dentro de suas
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Porimos – um deus do amor thelson, e ainda se passariam
bem diferente de Eros Lusi- muitos anos antes de que
meles, o filho de Afrodite – e ele começasse a suspeitar da
da bela Sofia, a Sabedoria. Ao imutável juventude da aman-
contrário de Zeus, que jamais te e ela precisasse procurar
teve qualquer projeto além outra aldeia.
de manter-se no poder, Poros De pé junto à margem, de
parecia ser sincero em seus mãos dadas ao amante, olha-
planos para conduzir deuses va para seu filho Scaerllocc,
e humanos a uma era de um pequeno semideus de
felicidade ilimitada. cabelos louros cacheados. O
Humano, demasiado hu- garoto brincava com os ami-
mano, na opinião de Icnaia. gos. Imbatível no esconde-
Continuava a receá-lo, pois esconde e na caça ao tesouro,
para ele os fins justificavam era inteligente e sagaz como
quaisquer meios. O pouco a mãe. Sim, pensou ela, Sca-
que ela soubera de seus es- erlocc Holmson daria origem
quemas incluía guerras e re- a uma longa linhagem de in-
voluções apavorantes, como vestigadores. Não era preciso
o mundo jamais conhecera perguntar a nenhum oráculo.
– embora também incluís-
sem figuras absurdamente
pacifistas, com o pensador
ficina
CartaCapital, contista, romancista e referência entre autores
de Ficção Especulativa. Em breve, a entrevista com ele aqui na
SAMIZDAT.
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Microcontos
Caio Rudá
Conjetura
Voltava para casa, tarde à noite. Seguia apressado pelo leito da rua de parale-
lepípedos irregulares. À esquina esquerda da via, encostado no muro, havia uma
figura cuja face estava escondida na insistente penumbra dos prédios e árvores.
Teve medo. Caminhou até o lado oposto. O homem da esquina gesticulou e cha-
mou por ele, “ei”. Pressa e medo. Finalmente, dobrou a esquina e seguiu.
O sujeito da calçada não pode avisar que por onde o outro tinha ido, antes
dele, também tinha seguido um indivíduo suspeito.
http://www.flickr.com/photos/erzs/1357413280/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/giantginkgo/82030114/sizes/l/
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O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
ficina
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Contos
Carlos Davissara
O Canto da Sereia
de Bach
28 SAMIZDAT outubro de 2009
Em certa noite da Ale- nova sonata, ainda mais tocadas em frenesi, ab-
manha do século XVIII, bela e irresistível que a surdamente altas. Era a
um promissor estudan- primeira, fazendo-o se sonata fúnebre, que tor-
te de música analisava aproximar. Ao lado do nava a noite mais fria e
partituras clássicas. Du- organista, deixava-se en- aterrorizava as mentes
rante as análises, ouviu volver pela composição distantes e confusas dos
um conhecido som de que, por sinal, conhecia: que a ouviam, sem ain-
órgão. As notas belas, era o último concerto da saberem que aquela
fortes, estalavam em sua para órgão de Bach, dei- anunciava uma série de
mente e inundavam-lhe a xado inacabado por conta várias mortes.
alma. O jovem sentiu-se de sua morte. Abrupta- Assim como a primei-
fortemente atraído pela mente, o som foi inter- ra vítima, muitas outras
melodia e quis conhecer rompido, tirando o jovem foram encontradas na-
sua origem. À medida em de seu êxtase musical. quele cemitério. Sempre
que se esgueirava pe- Quando notou, de fato, apresentando as mesmas
las ruas vazias, mais era quem lhe brindava com características, os de-
tragado pelo som. Sem aquele concerto magnífi- funtos eram achados de
exatamente se dar conta co, novamente paralisou- manhã, rígidos, gélidos,
de como, estava dentro se, mas, dessa vez, para com expressão de extre-
de um cemitério. O que toda a eternidade. mo pavor e marcas de
lá encontrou, congelou- A peruca desgrenha- sangue vindas dos ouvi-
lhe o sangue nas veias. da – infestada de insetos dos. Outro fator comum:
Enquanto ouvia a e vermes –, a pele da todos eram profissionais
“Tocata e Fuga em Ré face colada aos ossos, os ou estudantes de música
Menor”, observava seu dois buracos negros onde de extrema competência.
executor: roupas aos deveriam estar os glo- As mortes sempre eram
farrapos, peruca capenga bos oculares, a boca em precedidas de um con-
e amarelada, dedos esque- decomposição com den- certo Bachiano, começado
léticos sobre as teclas do tes podres à mostra, todo pela “Tocata e Fuga em
órgão. Era Johann Sebas- aquele conjunto pútrido Ré Menor” e aconteciam
tian Bach. O estudante que exalava um horrível uma noite por mês, nos
paralisou-se com a visão. odor virou na direção do dias vinte e oito – dia em
Há tempos que o compo- estudante e, com suave que Bach faleceu. Apesar
sitor havia morrido e fora e educada voz, solicitou: de todas as semelhanças,
enterrado naquele mesmo “Termine a música”. O o mistério seguiu sem ser
cemitério. Como podia jovem não o atendeu, a desvendado. Não demo-
estar ali na sua frente? Só paralisia não deixava. A rou muito para dizerem
saiu do transe quando o resposta veio do órgão que aquilo era uma mal-
morto-vivo iniciou uma em notas desordenadas, dição e de darem-lhe o
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nome de “O Canto da sua visão ao concertista. chão a partitura do final
Sereia de Bach”, já que a Aquela mesma figura ca- de uma recente compo-
bela melodia sempre se davérica, que levara tan- sição sua – a primeira a
mostrava como um fatal tos a sucumbir, apontava- lembrar que estava em
e irresistível convite ao lhe seus terríveis olhos harmonia com a música
além-túmulo. ausentes. E como todos os inacabada de Bach. Ter-
Quase um ano após o outros, também Mozart minando, viu que a perna
início das mortes, passava paralisou-se. Junto à ima- já estava livre. Correu o
pela região um viajante gem macabra, sentiu o mais rápido que pôde,
austríaco, excepcional cheiro da putrefação. As sem olhar para trás. O
estudante de música, náuseas dominaram-no, som de sua composição
chamado Wolfgang Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
deus Mozart. Quando paralisia, caindo de joe- para a fuga, enquanto
soube da maldição, não lhos a largos vômitos. Em ele pensava como, até o
se alarmou, disse apenas meio a engasgos, tosses e momento, aquela música
que gostaria de ouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
tal concerto fúnebre e de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
conhecer o seu autor. Foi Confuso, desnorte- Prometeu não mais tocá-
alertado de que a história ado, Mozart tentou se la.
era verdadeira, de que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
pessoas já não queriam no órgão, que sua mão jovem Mozart já não se
mais estudar música, e atravessou como se nada encontrava pela cidade.
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais um levado pelo
mo, e o dia fatal estava o vômito, começando a Canto da Sereia de Bach”,
se aproximando... Nada recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
disso o espantou. tando afastar-se daquele se na hospedaria que ele
Dia vinte e oito, “Toca- prenúncio da morte. havia partido durante a
ta e Fuga em Ré Menor”, De bruços sobre a terra, madrugada, são e salvo,
tudo como haviam dito, sentiu algo prendendo-o após o sinistro concerto.
e lá estava Mozart den- pelo pé. Não teve cora- No cemitério, ao invés do
tro do cemitério. Com os gem de olhar para ver o esperado músico morto,
olhos fechados, deixava-se que era. E novamente a foi encontrada apenas
extasiar com as compo- voz suave suplicou: “Ter- uma inscrição na terra,
sições de Johann Sebas- mine a música”. Fazendo parecida com o trecho de
tian Bach, num estado uma desesperada oração alguma partitura. Desde
de euforia sobrenatural. mental, tateou o solo até então, não se noticiou
Subitamente, o som se encontrar uma pedra mais vítimas do “Canto
extinguiu. O jovem des- pontiaguda. Com ela, da Sereia de Bach”.
pertou do transe e dirigiu começou a desenhar no
O Rei dos
Judeus
do www.revistasamizdat.com 31
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Contos
Um assassino online
Joaquim Bispo
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Pus aquәlә tәxto dәla no Barbosa mostrava-sә ovәrdosә dә Matrix. Vistә
Idәntәxt ә obtivә rәsultados mәditativo. Parәcia ganhar por aí algum gato әm
muito pәrturbadorәs. Aquilo coragәm para falar. rәpәat-play?
não corrәspondә ao әstilo – Tu acrәditas na – Әu não sәi, Magalhãәs,
dәla. Não podә sәr dәla. Ә Rәalidadә? só tәnho dәsconfianças.
não o foi buscar à Nәt. O Ә, sә quәrәs quә tә diga,
– Әssa agora! Quә raio
tәxto nunca әstәvә onlinә. comәço a dәsconfiar mui-
dә pәrgunta mais parva. Por
Por outro lado, dәu-mә to dә tudo. Achas normal
quê?
três rәsultados dә autoria havәr uma chaisә-longuә
possívәis. Dois әscrәvәm Nova paragәm de Barbo- num gabinәtә da Polícia
әm bloguәs ә o outro tam- sa. Judiciária? Isto parәcә-mә
bém tәm a mania quә é – Há tantas coisas ambiәntә dә әscritor ama-
әscritor, como әla. әstranhas na nossa vida. dor, quә invәnta cәnários
– Como é quә é o nomә Não parәcә possívәl quә sәm nunca tәr әstado na
dәlәs? – intәrәssou-sә sәjam todas vәrdadәiras. Judiciária. Ou әntão, pistas
Magalhãәs. Já alguma vez pensaste para lәitorәs atәntos.
que sә calhar, somos só – Tu não mә bαrαlhәs!
– Ora dәixa vәr: Artur
pәrsonagәns dә alguma obra Әntão quә pαpәl әrα o
Amieiro; Filipe Arnaso;
litәrária obscura. nosso? Pәrsonαgәns? Quәr
ә Joaquim Bispo, mas é
possívәl quә sәjam todos – Әstás parvo, ou quê? dizәr quә αndávαmos αqui
psәudónimos. Ainda não Andastә a fumar alguma αo mαndo dә um criαdor dә
fiz cruzamәnto dә dados, coisa әsquisita? әnrәdos? Quә não tínhαmos
nәm pәdi informaçõәs às – A sério, Magalhãәs. livrә-αrbítrio?
opәradoras dә Intәrnәt, mas Achas possívәis as – É isso mәsmo,
dәsconfio quә sә trata da fәrramәntas informáticas Mαgαlhãәs. Ә αcho quә
mәsma pәssoa. quә usamos? Achas possívәl sәi por quә o nosso criαdor
– Bәm, suspәito já tәmos, quә әu ponha um bocado nos colocou neste enredo
mas o móbil? dә tәxto num programa – pαrα dәscobrirmos quәm
informático ә saiba quәm o foi o lәitor quә mαtou α
– Aí é quә әstá! Әstou
produziu? Ә o mundo ondә rαpαrigα.
mәsmo confuso. Fui ao sitә
vivәmos?; achas possívәl – Lәitor? Queres dizer
ondә o Joaquim põә uns
quә әu puxә do tәlәmóvәl que é esse o desfecho do
contos ә dәscobri-nos lá.
ә falә com alguém quә әstá conto na Net? Já foste bisbi-
Nós; tu ә әu; Magalhãәs ә
do outro lado do mundo?; lhotar o final?
Barbosa, inspәctorәs. So-
quә әu ponha um copo dә
mos pәrsonagәns num conto – Não. Não consigo ler o
lәitә no micro-ondas ә әlә
dele. final. Αcho quә o tәxto do
aquәça, sәm chama al-
– Achas mәsmo? Әntão guma?; quә um aparәlho computαdor dα rαpαrigα
әssә tipo é alguém quә nos no carro mә indiquә quә é umα pistα, mαs não α
conhәcә! әstradas hәi-dә tomar daqui quә pәnsαmos. Әssә tαl
– Hum… Acho quә é para Ansião? Jαcquәs Bәrgiәr tәorizou
mais complicado do quә quә é impossívәl әscrәvәr
– Dәvәs tәr lәvado uma um livro policiαl әm quә
isso.
2 Muito bәm, lәitor. O fαcto dә tәr dәیvәlαdo әیtә pαrágrαfo moیtrα quә, αpәیαr do αviیo, não tәvә quαlquәr mәdo dә o αbrir. Iیto یignificα
quә não é você o αییαییino. Como você bәm یαbiα. O vәrdαdәiro αییαییino já foi αpαnhαdo. Chәgou α әیtә ponto ә fәchou o site یәm
lәr әیta parte. Só o verdadeiro αییαییino podia temer ser descoberto por revelar estas linhas, como foi insinuado atrás. Dәnunciou-یә α әlә
próprio.
O یinیpәctorә یMαgαlhãә یә Bαrboیα αprovәitαm pαrα lhә dәیәjαr muito boa یleituras. Ә continuә α confiαr no یbon یofício یdα Políciα
Judiciáriα no combαtә αo crimә ә nα dәfәیα do cidαdão.
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Contos
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o pai dele e foi feliz, enfim. preendia que se apaixonara O enterro ocorreu. Meu
Seria um escândalo em nos- pelo rei-negro. Ela lecionava irmão viajou para o seu
sa cidade, onde o casamento em uma cidade vizinha, internato. Voltou e está na
dos meus pais unificou o para onde viajava uma vez capital. Por esses tempos
aglomerado de clinicas da por semana e pernoitava. recebi uma carta anônima.
região e o divórcio poderia Sua depressão derradei- Resumidamente contava
por fim à sociedade, o que ra começou quando essas que minha mãe não morre-
teoricamente a levou a fazer aulas foram interrompidas. ra naquela época, que meu
isso. Um ato muito herói- Chorou uma semana segui- irmão não fora a internato
co, a meu ver, uma mulher da e nunca se recuperou. algum, e sim viver com ela
apaixonada tirar a própria Durou um mês, até que, e seu pai em Londres (o pai
vida pois ir viver com seu após uma discussão com dele viajou para lá e ela o
amor acarretaria prejuízos meu pai (tinha-os visto seguira). Argumentava que
financeiros e morais à sua discutir apenas uma vez ela exigiu, com instinto ani-
família. As pessoas que antes desta), fez uma peque- mal, levar nós dois, mas foi
vêem o amor como um na bala, nos deu um beijo e obrigada a escolher um e
fim, soçobram. Ele tem de avisou que dormiria na casa deixar o outro para perpe-
ser um meio para um bem da vovó. Na noite seguinte tuar a família. E que agora
maior. Não estou falando ligaram de lá, e meu pai estava em estado terminal
que não se deva amar outra saiu de casa às pressas. Na de câncer, na capital, onde
pessoa, sim, ama-se, mas manhã, mandaram-nos des- vive com meu irmão, pois
depois paga-se e se vai para cer para o café da manhã pouco tempo depois o pai
casa. Fora isso, tem que se de terno. À mesa meu pai dele os abandonou.
amar uma vida, um pla- deu a notícia, pediu para O erro do meu pai foi
no, um status; achar outra que, se fossemos chorar, ter tido filhos. Homens
pessoa que ame o mesmo para subirmos aos quar- como ele não podem ser
mundo, então se apaixonar tos e não mancharmos as responsáveis em preparar
e furar um olho para não roupas. Tínhamos 16 e 14 a terra para a outra semen-
se enxergar tudo. Mamãe anos, eu sendo mais velho. te, pois ela não crescerá.
tinha os dois olhos vivos, e Subi ao meu quarto mais No mundo animal, ele não
não suportou viver assim. logo desci, meu irmão man- sobreviveria. Não fossem
Ela bebeu inseticida na dou avisar que iria apenas à meus avós arquitetarem
fazenda dos meus avôs, seus noite, já para o velório. Meu o casamento, ou melhor,
pais. Mas seu caixão fora pai nunca se opôs às nossas o negócio, ele estaria em
velado fechado, dizem que vontades, hipocondríaco, seu consultório se mas-
para proteger meu irmão, escutava com olhar longín- turbando até hoje ou já
pois o veneno deformara o quo. teria desenvolvido alguma
rosto pálido. Era professora De certo modo, são en- patologia psicológica que
de língua inglesa e tocava graçadas as estórias familia- o faria perder a vida preco-
piano contra sua vontade, res, as comédias familiares, cemente. De homens com
sempre, na casa da vovó. ou anti-familiares, se o meu esse caráter, só poderia sair
“Amo todas as peças ao seu intuito aqui fosse formular gente com o meu caráter,
lado”, disse-me ela certa um conceito tecnicamente. é como o capital, ou um
vez com excessiva esponta- Que grande farsa não seria pouco menos determinista.
neidade, “mas este jogo de estas estórias, utilizo-me do E ainda põe-se a culpa na
xadrez é uma tortura”. Nes- termo teatral exatamente genética. Por isso também
se tempo eu já era jovem para expor tudo o que há dou esmolas: sei o que é ter
o suficiente para saber que de encenação épica desde carências, sempre tive pão,
ela não contava com papai o correr de águas cotidiano mas nunca alguém que me
ao seu lado, mas não com- até quando elas se dividem. alimentasse.
a boa Literatura
tável continuar debruçado
na minha realidade, não sei
como meu organismo su- ficina
portaria mudar de mundo
assim, bruscamente. Mudar
é fabricada
de gravidade. Além do mais,
agora, não faz a mínima
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diferença ela ter morrido
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há quinze anos ou morrer
daqui a um.
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Contos
Ju Blasina
DeLíRiUs VirTuAiS
40 SAMIZDAT outubro de 2009
Noite abafada. Em algum
lugar, longe e perto, há um
temporal latente: Luz e som
sinalizam o confronto de
nuvens opostas.
A sala vazia espera em
branco. Dedos se movem
inquietos — receosos, ansio-
sos — indecisos. O brilho
da tela ilumina a peça.
“Ele deve estar lá, em
algum lugar”, pensa ela,
sem necessitar palavras. Há
muito, dispensou as trocas
sociais; opiniões alheias
nada lhe dizem que não
lhe esmaguem e olhares
estranhos só lhe invadem e
recriminam. Protegida do
mundo em seu lugar segu-
ro — A fantástica interface
virtual — a máscara lhe
permite pseudocontatos
ilimitados; verdade tão
contraditória quanto sua
existência.
O celular desperta: É
chegada a hora! Os dedos,
velozes, dançam às cegas
nas teclas: nick, senha, cli-
que, espera.
Blondie 34 entra na sala:
— Oi, alguém aí?
A sala permanece vazia,
exceto por ela. Sente-se so-
zinha, pensa em partir — a
demora lhe ofende! — quan-
do, enfim, ele surge.
Jack entra na sala: — Oi,
minha loira, tava só te espe-
rando.
— Ué, saiu da onde? Eu
não te vi...
— É que eu tava invisível,
risos
http://www.flickr.com/photos/striatic/1629269/sizes/l/
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— Hm, tem poderes espe- — Te incomoda o sufi- caramba! Sentiu saudades?
ciais, é? ciente para desistir da nossa — Como assim? Do que
— Tenho... E nem sabes noite? Parece que já nem tu tá falando??? Não tô en-
quantos! (risos) Tava só te queres... tendendo nada!
esperando. Hoje não tô pra — Quero sim! Cla-ro que — Anda logo, querido,
mais ninguém! eu quero... Quero muito! RESPONDE!
— Hm... Só pra mim, é? — Ah é? Sua safada... En- — Eu... Preciso ir agora.
— Claro, minha linda, só tão me diz: o que é que vais
vestir pra mim, hein? — Não, não precisa NÃO!
pra ti, sempre! E então, pen- Nem ouse me deixar falan-
sou naquela proposta? Não — Hm... Pouca coisa. do sozinha! Sabia que a vaca
vejo a hora de te encontrar! Kkkkk loira tinha um laptop? Pois,
... (silêncio) —Ah... Loirinha, como tu não é que tinha! E sabia que
— O que foi, loirinha? és gostosa! ela era BEM pesada? Garan-
Ainda com medo? ... to que disso tu não sabias.
Sinceramente, eu esperava
— Pra falar a verdade, — Loirinha? mais dela... E DE TI TB!!!
bastante! E ansiedade tam- ...
bém. — Eu não sei o que tá
— Oh Loirinha, cadê tu? acontecendo contigo... Nem
— Bom, já podes te acal- tô te reconhecendo.
mar: Fiz nossas reservas, ...
para amanhã! — Só um pouquinho. Eu — Querido... Que coisa
já volto! feia! Depois de todos esses
— Como assim... Já? anos...
— Sim, já! A nossa tão es- — Ué, o que houve?
...
perada noite será “Amanhã ...
ou nunca”, porque daqui — Querido? Ah, que
— Voltei! Ouvi um ba-
a dois dias ela volta, é aí... bobinho, tentando ligar pra
rulho aqui dentro, mas não
Sabe-se lá... quem? Pra polícia? Ops*
era nada demais. Continua...
Acabo de esbarrar num fio.
— É... Fazer o quê, né? — Ah, agora eu me perdi. Talvez seja o do telefone...
— Hmmm “Quanta em- Fala tu... Ah... Que desastrada! Não é
polgação!” ... que derrubei o teu celular
— Desculpa, não foi a da janela? Desculpa... Ha Ha
— Loirinha? Oh gata,
intenção :* Ha
sumiu de novo?
— Sei, sei... — Querida, por favor, me
...
diz onde tu estás?
— Eu só fico... Receosa, — Voltei! Sentiu sauda-
só isso. E tenho motivos, — Ah... Ora, ora. Tô em
des?
afinal, ela ainda é a tua mu- casa, querido, AONDE MAIS
lher, isso é errado! — Sempre... Por que de- eu deveria estar?
morou tanto?
— Certo ou errado, que — Que piadinha de mau
diferença faz? Poxa, loiri- — É que aquela vaca re- gosto é essa? Eu nunca tive
nha, é a nossa oportunida- sistiu um bocado! esposa alguma!!!
de! Eu já disse que tô lou- — Vaca? Que vaca? — Ah, não? Bem, agora
quinho por ti... — Ah, isso sem contar tens! Não é maravilhoso?
— Eu sei, mas isso me que chegar até aqui foi can- ...
incomoda. sativo... Eu estava longe pra
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
— Ah não tem graça? ries — a identidade foi há
Nem percebi... Anda logo, muito perdida. Ninguém
Jack, te junta a nós! Acho sentirá sua falta, ninguém
que tu és a nossa parte mais lhe reconhece, pois sequer
teimosa, aquela que ainda lhe conheciam. Um corpo
acredita na vida real: Boba- qualquer, irrelevante, des-
gem! A realidade é só mais personalizado deste lado da
uma sala e nem de longe interface.
é a mais divertida. Nós já
não precisamos disso. A E a sala, novamente vazia,
vida é insignificante dian- só espera...
te da grandeza de padrões
que podemos representar.
A gente não precisa mais
fingir... Basta um clique, um
último clique e nós sere-
mos um só, para sempre! O
despertar é mais simples do
que parece. Vem logo, vem...
...
Jack deixou a sala
Angry wife & Blondie 34
deixaram a sala...
Jack, Angry wife & Blon-
ficina
die 34 são agora a mesma
pessoa
...
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Contos
Os gatos de
Pereirópolis Volmar Camargo Junior
http://www.flickr.com/photos/gideonvanderstelt/3053327594/sizes/o/
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receu sem qualquer vestígio ra. Misteriosamente, nem a umas frutinhas diferentes
do ladrão. As suspeitas, na- velha nem os gatos estavam perto do açude e pegou no
turalmente, recaíram sobre mais lá, o que, para todos, sono. Foi grande a como-
os forasteiros. Apesar de foi a prova necessária para ção pela volta da mocinha,
abrirem seus casebres para condená-la. Atearam fogo todos dando graças a Deus.
quem quisesse procurar os em seus míseros pertences, Porém, o mal já estava feito.
objetos roubados, nada era acompanhados de gritos e A casa da benzedeira ainda
encontrado, e a desconfian- expurgos contra os maus fumegou por muitas horas.
ça contra os tais só aumen- espíritos, entoados pelos Passado o susto, perce-
tava. que se diziam caçadores de beram que, depois da in-
Num certo fim de tarde bruxas. cursão ao mato, nenhum
de sexta-feira, uma das mo- Uma busca durante toda dos forasteiros retornou.
ças da vila não voltou para a noite foi conduzida pelos Protegidos pela luz do dia,
casa. A comunidade, posta maridos e primogênitos da os moradores percorreram
em polvorosa pelos pais aldeia nos matos das redon- o mesmo caminho feito na
da menina, armou-se com dezas. Os forasteiros, rapi- madrugada. Nem é preci-
paus, pedras e ferramentas damente promovidos a he- so dizer que dos estranhos
de trabalho e arremeteu em róis, foram com eles. Hora “caçadores de bruxa” restou
peso contra os estrangeiros. após hora, e nenhum sinal muito pouco. Cena feia
Pegos de surpresa, os foras- da Véia Divige. Quando a uma barbaridade. No lugar
teiros não puderam reagir madrugada ia avançada e onde os ditos cujos monta-
a tempo. Tudo indicava que a lua cheia estava no meio ram suas taperas, foi fácil
os fulanos não escapariam do céu, ouviu-se um grito encontrar o buraco onde
vivos. Numa tentativa de medonho, de gente sentindo haviam enterrado um baú,
defesa, o chefe do bando muita dor, “Acuda!”, seguido cheio de tudo o que rouba-
levantou a suspeita de que de uma barulheira, como ram naquela e, muito pro-
Dona Divige, a benzedeira, se fosse uma briga de gatos vavelmente, em outras vilas.
era a responsável pela des- por um pedaço de carne. A Véia Divige, essa sim
graça. Segundo ele, a velha Em seguida, outro berro, desapareceu junto com seus
era uma bruxa, e eles, na ainda mais terrível. Depois bichanos. Ninguém conse-
verdade, eram os encarrega- outro, e mais gatos, e outro, guiu mais encontrá-la para
dos de capturá-la. A prova e muito mais gatos. Foi o pedir pelo menos um “me
da culpa eram os gatos. Os horror! Os homens da vila desculpe”.
animais eram os compa- estavam embolados, ame-
nheiros da feiticeira, criatu- drontados, acuados feito Hoje em dia, aqui em Pe-
ras vindas do inferno que, bichos indefesos. Findos os reirópolis, quando um gato
a cada década, precisavam gritos, os valentes correram desconhecido aparece em
alimentar-se de uma virgem a toda velocidade de volta roda de casa, é costume dar
em uma sexta-feira de lua para casa. Ninguém dormiu de comer e tratar o bicho
cheia. aquela noite. muito bem. E se cuidar para
não fazer nenhuma besteira
Convencida pelos argu- Assim que o dia nasceu, com pessoas idosas, ou com
mentos do homem, e incen- os que haviam ficado de crianças, ou cometer algu-
tivada por ele, a turba de guarda correram chamar ma injustiça. Nunca se sabe
aldeões mudou de direção. todos para ver o inespera- quando é que a Véia Divige
Em minutos, acometidos do. A rapariga, que todos vai voltar para cobrar o que
pela fúria, homens, mulhe- julgavam morta, apareceu fizeram com ela.
res e crianças da Vila da com a cara amassada de
Pereira investiram contra a quem acabou de acordar.
minúscula casa da rezadei- Disse que havia comido
ficina
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Contos
O Diário Vermelho
Henry Alfred Bugalho
sob tortura, deu com a lín- lembrar do nome ou das uma rotina semelhante a
gua nos dentes e entregou feições de algum dos Tíbuli, excetuando que, à
todos seus colaboradores. soldados que invadiram noite, ele saía para a far-
Numa abominosa noite, sua casa, mas a memória ra com os amigos, todos
quinze pessoas, de jor- dela estava enuviada pela milicos.
nalista a contínuo, foram terrível experiência. Frequentavam um arras-
arrancadas, a bordoadas, Obtive os endereços dos ta-pé no Bairro Novo, onde
de suas casas e conduzidas outros quatorze desapare- sempre alguém acabava
aos porões do Exército. cidos e realizei a via cru- baleado. Numa destas
Esta foi a última vez cis de conversar com cada noitadas, Pires se engraçou
que Maria viu seu Edgar, um dos parentes. Alguns com uma negrinha, mas o
se recusaram a falar, evi- irmão dela não gostou e
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foi tirar satisfações. Pires — Por que você está me informação. Nunca ima-
se ofendeu, sacou a pistola seguindo, seu corno? — ele ginei que fosse apanhar
e, sem pudor algum, ber- socou a arma na minha tanto por causa duma ma-
rou: boca. téria... — fiz-me de coitado
— Já tenho doze mortes Resmunguei. e desentendido.
nas costas, quer ser mais — O quê? — Pires des- Todos riram, como seu
um na conta? — o irmão recheou minha boca. eu os houvesse aliviado
da moça saiu de mansi- dum peso enorme.
nho, deixando-a para as — Eu disse que não pos-
so explicar nada com você — É um otário! — Pi-
apalpadelas do cabo Pires. res concluiu — Deixa ele
enfiando um revólver na
Eu não tinha motivos minha boca — zombei. amarrado aí, para servir-
para duvidar desta asser- lhe de lição.
ção do militar, por isto, Pires me pisou a cabeça
fechei o cerco sobre ele. contra o aslfato.
Numa das folias noturnas, — É um engraçadinho! Debati-me por horas,
aproveitei para entrar no Pelo jeito, vou apagar um até que conseguir alcan-
quarto de Pires e fuçar palhaço hoje. çar meu canivete no bol-
suas coisas, não encontrei so da calça e me libertei
nada que o incriminasse, das cordas. Mas agora eu
mas não desanimei. Per- Eles me amarraram a já possuía duas certezas:
maneci no encalço dele. uma árvore e, até o nascer Pires sabia que eu o esta-
do sol, me esmurraram e va seguindo; e eu já tinha
repetiram a pergunta: certeza de que ele e os
Pires e sua turma ru- — Por que você está me amigos estavam com os
mavam ao Bairro Novo, seguindo, seu corno? rabos mais do que presos.
eu dirigia atrás. Sem aviso, Além disto, percebi que
o carro deles freou; fiz o No princípio, permaneci
calado, aguentando estoi- precisaria de ajuda. Liguei
mesmo, fritando os pneus para Maria e avisei que o
e quase me chocando com camente as porradas, mas,
depois, simulando haver serviço ficaria mais caro
o veículo à frente. Senti, do que o planejado, mas
então, o impacto vindo entregado os pontos, reve-
lei ser um jornalista inves- ela me deu carta branca
de trás, um outro carro para fazer o que fosse ne-
não conseguiu frear e me tigando o desaparecimento
da equipe de “O Diário cessário.
ensanduichou contra o
automóvel de Pires. Pen- Vermelho”.
sei ter sido um acidente, — Puta que pariu! É Carlão e Trancoso eram
eu estava sangrando, mas amigo daquela turma! — irmãos, sócios duma em-
nenhum ferimento grave. um deles deixou escapar. presa de segurança. Con-
Porém, quando os rapa- — Como é que você tratavam leões-de-chácara
zes saltaram dos veículos chegou na gente? — outro para boates e capangas
à minha frente e atrás, questionou, voz vacilante. para milionários.
percebi que eu havia caído — Disponibilizaremos
— Uma fonte me dis-
numa armadilha. nossos melhores homens
se que vocês estavam de
Pires abriu a porta do serviço no dia em que os — eles me garantiram.
meu carro, pistola em repórteres desapareceram. — Preciso de homens de
mão, e me arrancou para Pensei que talvez vocês confiança, vocês dois me
fora. pudessem me dar alguma bastam — retruquei.
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Contos
O menino de Tribiguá
José Guilherme Vereza
http://www.flickr.com/photos/13146056@N05/2927080793/sizes/l/
Tribiguá não é nada. ***** partir de então, cuidava
Aliás, nunca foi coisa al- - Esse menino não é de da cova como quem zela
guma. Mesmo em tempos nada, Marieta. Culpa sua. por um jardim de crisân-
de duvidosa prosperida- temos.
de, quando ainda exis- - Culpa minha, Juran-
dir? De onde ele tirou *****
tiam algumas chácaras
preguiçosas e gente em essa mania de não querer Morreu D. Margarida.
volta de uma estação de nada com a vida? De tanto tossir seu co-
bonde, muito antes de ***** ração desistiu. Tribiguá
ser carcomida pelo mau fez fila porta do sobrado.
Cantídio, de Marieta e Cantídio dormiu na esca-
planejamento urbano que Jurandir, tinha estranho
rompeu os limites da da noite adentro, até que
interesse, que aflorou a família abriu as portas
capital e da dignidade com o trágico esmiga-
humana, Tribiguá só era da sala para o velório.
lhamento de Farrapo Como primeiro a chegar,
reconhecida pelos seus pelas patas de uma mula
próprios moradores na apossou-se da cabecei-
descontrolada, desenga- ra do esquife. Recusou
hora de preencher ficha. tada do seu bonde. Can-
Nada que aquele passa- croquetes, coxinhas, suco
tídio recolheu as sobras de groselha. Ficou horas
douro infame, ponto de do vira-lata, jogou tudo
troca de mulas exaustas de sentinela, a passear os
dentro de um saco, cavou olhos pelos restos magros
de puxar bondes, pudesse um buraco no quintal e
ser motivo de orgulho de D. Margarida, por uma
procedeu a um rito fune- ótica inversa e curiosa,
pátrio. Mas mesmo assim, rário, muito menos por
ainda foi capaz de gerar fitando a morta de cabe-
alguma afetividade pelo ça para baixo, fixando-se
uma história onde a vida cachorro, muito mais por
tinha reles importância. no revoar das mosqui-
gosto pela celebração. A nhas de banana sobre
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se sabia de criados na mistérios que habitavam família e dar prossegui-
sua casa, tida como mal- atrás das grades pesadas, mento à minha linhagem.
assombrada e de maus da porta de madeira es- Nunca houve formosura
agouros. Nunca foi visto cura e dos janelões inde- entre nossas moças. Nun-
num sábado, domingo ou vassáveis. Ao chegar ao ca houve verve em nos-
feriados a zanzar pelas portão, tremia. Não pela sas crianças. A escola é
ruas. O que emergia da brisa da madrugada, mas povoada de idiotas como
sua vida era a dedicação de excitação. Bonaparte tu, que pouco aprendem
plena aos afazeres de abriu o cadeado e num e muito trabalho dão aos
professor. De casa para gesto cordial ofereceu pobres pais. Não, não
escola, da escola para a entrada para o menino, estou falando de tuas tra-
casa, com algumas raras que pé ante pé, pene- quinagens, pois até para
aparições em almoços ou trou sem medo, mas com isso és incompetente. O
jantares oferecidos por alguma taquicardia. Seus trabalho que dás é a pas-
mães bajuladoras, que olhos vasculhavam cada maceira em que vives. És
precisavam se orientar detalhe, mas casa não era símbolo da mediocridade
diante de um ou outro diferente do que imagina- de Tribiguá, com uma
problema dos filhos. va. Viu móveis empoei- ligeira diferença a teu
Bonaparte ouvia atento as rados, livros e mais livros favor. E como tal, tenho
mais variadas lamúrias, espalhados pelo chão, cá uma oferta.
mas na hora do cafezi- quadros velhos e belas Cantídio acompanhou
nho, barriga cheia e alma artes em teias de aranha. a mão de o velho abrir
restaurada, a conclusão Um sofá manchado pelo uma gaveta e de lá tirar
era sempre a mesma: tempo diante de uma um papel com letras re-
- São crianças, minha escrivaninha com um buscadas.
senhora. É por isso que globo terrestre foi o lugar
onde Cantídio escolheu - Eis meu testamento.
temos que estar de olhos Ficam para você este ca-
em alerta aos desvios da para se sentar, tão logo o
professor lhe dissera para sarão, incontáveis livros,
mocidade. móveis que estão entre o
ficar à vontade. E tudo
***** começou a ficar claro. lixo e uma restauração,
- Preciso que tu me quadros sem valor e 15
- Não te preocupe, me- cabeças de gado, confi-
acompanhe à minha casa, nino, vou ser breve, pois
Cantídio. nados num curral a três
tão logo o primeiro bon- estações daqui. Todos os
- Na casa mal assom- de vai passar. Não temos animais têm um B de Bo-
brada, professor? muito tempo. naparte marcado a fogo
- Poupe-me de tuas Cantídio se aprumou no dorso esquerdo. São
asneiras, menino. É uma no sofá, diante do velho teus.
casa sóbria, como con- de pé, por trás da escri- O menino, então, conse-
vém a um templo de vaninha. Nada disse, só guiu se manifestar.
conhecimento sabedoria... queria descobrir o rumo
da prosa. - Mas por que eu, pro-
- Agora? fessor?
- Agora! Enquanto Tri- - Meu filho, como ima-
ginavas, sou um homem - Como disse, Cantídio,
biguá dorme... sou sábio e observador.
sábio e solitário. Tudo
***** que aprendi na vida e Sei de teu fascínio pela
No rastro do professor, nos educandários de nada morte. Esta é a tua per-
trilhando o caminho do serviu para esta póvoa sonalidade. E como tal,
bonde, Cantídio seguiu inútil em que vivemos. trate de cultivá-la. E pela
em silêncio e curioso. As pessoas obtusas e rara coragem de ser tão
Perguntava a si mesmo refratárias que habitam peculiar, te faço duas
por que teria sido esco- Tribiguá não me inspi- ofertas. Uma aqui está na
lhido para desvendar os raram a constituir uma minha mão, meu testa-
mento.
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Contos
http://www.flickr.com/photos/myklroventine/3400039523/sizes/l/
Léo Borges
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tar matadores para liquidar bras. Bispo pedindo para digo. A fama de uma pessoa,
um rótulo, um espectro que matar a madre, duque pe- concluíram, é coisa muito
vivia visceralmente atrela- dindo para matar a duquesa, próxima: é a sua alma, espíri-
do à rainha. Afinal, mortes pessoas de família abastada to que ganha forma e que se
por espada ou por veneno requisitando extermínios em agiganta tomando propor-
só ocorrem entre vivos, não geral. Mas, matar a fama?! ções tais que eliminá-la se
entre estigmas. De qualquer Olharam para os parcos torna uma tarefa impossí-
modo, apoiava a decisão que, símbolos religiosos expostos vel. Mas para tão complexo
em todo caso, era soberana na capela e se benzeram. intento a rainha, certamente,
por essência. Mas o prêmio era bom e o iria convocar matadores com
pagamento superou a falta de maior capacidade de plane-
– Ei-los! – exclamou a rai- lucidez da proposta. jamento. Por isso, acredita-
nha ao avistá-los. ram que a tarefa seria fácil.
– Sim... iremos matar a Com a simplicidade com
Logan foi o primeiro a fama de Lady Loffertie – Ygor que desenvolviam sua labuta,
apresentar desculpa pela falou e saiu puxando Logan. enxergaram que este pode-
demora:
– Quero o serviço com- ria ser, de verdade, o serviço
– Perdoe-nos. Perdemo-nos pleto em no máximo uma mais simples para o qual
no caminho. semana! – arvorou-se, gesti- já haviam sido contratados.
culando como se sua caracte- Desta maneira concluíram
– Penso que escolhi as que o estigma em questão
pessoas erradas para resolver rística fosse mais relacionada
à loucura do que à realeza. deveria ser elemento repre-
a problemática. Se não con- sentado por figura única e
seguem nem mesmo lembrar- Logan não tinha a menor não a coletividade ou algo
se do caminho que conduz ideia de como poderia come- abstrato.
a Melgraste. Estão cada vez çar o trabalho. Ygor menos
piores. ainda. Pensaram até que Lady Ao analisarem o histórico
Loffertie estivesse satirizando de Lady Loffertie viram que
– Não pergunte se somos se tratava de uma mulher so-
capazes. Passe-nos a missão. seu ofício. Mas ela parecia
decidida e não voltou atrás, litária, pois o marido morre-
despedindo-se de ambos com ra antes mesmo de se tornar
– O que quero pode pa-
um sorriso carregado de rei. Alguns disseram que foi
recer estranho e de fato o é.
escuridão. picada de cobra, outros que
Espero que façam e façam
fora a própria Rainha do In-
com rapidez. Estou cansada
Nos primeiros dias cogi- ferno que o asfixiara durante
de carregar uma fama que
taram que para acabar com o sono. Certo é que Lady
não possuo em caráter legí-
o estranho pedido, deveriam Loffertie era quem mandava
timo. Quero minha aura de
acabar com quem acolhia em Melgraste e apenas uma
rainha generosa de volta, ou
essa opinião. Como na lo- pessoa era fiel e estava per-
instituída, se pensarmos que
calidade praticamente todos manentemente ao seu lado:
ela nunca existiu. Que minha
consideravam a rainha uma a empregada Thebiane. Seria
fama de matadora seja morta!
mulher vil, pensaram, de ela, portanto, a chave para se
Oitenta moedas de ouro e
início, que teriam de promo- desvendar o mistério.
títulos de nobreza para os
dois. Terei a prova quando ver uma carnificina. Mas não
era isso o que Lady Loffer- Thebiane raramente saía
mais ninguém intimidar do castelo, mas num determi-
meus passeios com ares de tie queria. Era justamente o
contrário: queria que todos a nado dia em que foi visitar
pavor ou de insulto latente. sua tia Jividain, foi abordada
respeitassem por seu tempe-
ramento amistoso. pela dupla, que já a esprei-
Logan e Ygor entreolha-
tava.
ram-se, espantados. Já haviam
recebidos muitos pedidos, Acreditaram que todo
aquele mistério era um có- – Tu sabes! Vives com
muitas encomendas maca- ela! Como podemos matar a
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Contos
Giselle Sato
Jack , o estripador.
A primeira vítima
Alice apertou as fai- lhar mais uma semana e ter e esfoladas. O patrão, do alto
xas em volta do abdome a criança, cujo destino seria a do balcão, gritava com as
inchado,tentando esconder a roda dos enjeitados. moças e exigia mais rapidez
barriga de quase oito meses nas tarefas.
de gravidez, mal podia respi- Por mais dura que fosse a
rar. Temia a sociedade lon- vida em Londres, não queria No velho Pub Ten Tells, os
drina, austera e impiedosa. terminar os dias arando terra homens bebiam sem parar.
e cuidando de porcos no Aos poucos as vozes au-
A mulher vivia em um interior da Inglaterra. mentavam. Algumas discus-
cortiço no bairro pobre de sões começavam do nada e
Whitechapel, área de prosti- As jarras pesadas de cerve- sempre acabavam em briga.
tutas e bandidos. ja preta eram um tormento. Piadas sujas eram repetidas
Enchia as canecas, servia os inúmeras vezes. Mãos atrevi-
Se a senhoria desconfias- fregueses, recolhia os vasilha- das tentavam tocar as aju-
se de qualquer deslize seria mes sujos e passava ligeira- dantes de salão.
expulsa e jamais conseguiria mente em uma tina de água
outra vaga. Planejava traba- encardida. As mãos doloridas Sarah recebia as melhores
Chovia e a temperatura
sofrido. Ir para bem longe da
cidade que abrigava o mons- O Covil
havia caído muito. Os pés de tro.
Alice estavam dormentes e dos
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O cheiro almiscarado
o corpo doía. Mal acreditou
jamais seria esquecido. O
Inocentes
quando atravessou a porta da
toque das luvas macias, a
rua e respirou aliviada por
dicção perfeita, marca in-
haver cumprido mais um
confundível da nobreza.Tudo
longo dia.
naquele homem indicava
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O bairro escuro e mal fre- poder.
qüentado estava vazio. Não
Alice sentia que se procu-
tinha medo, preferia voltar
rasse a polícia em busca de
sozinha à companhia das co-
proteção, seria uma mulher
legas de trabalho. Uma viela
morta. Ele a encontraria
fedorenta, mais dois quartei-
onde quer que fosse, atribuía
rões e estaria em casa.
ao desconhecido poderes
Mãos surgiram das som- sobrenaturais.
bras. Pesadas, em torno do
Quando sentiu o trem
pescoço e da boca. Aperta-
deslizando nos trilhos, res-
vam com força obrigando a
pirou aliviada, afastando-se
entrega. O som das roupas
cada vez mais rápido, para
sendo cortadas pela lâmina
bem longe do mal.
afiada,o sobretudo de lã ro-
çando a pele exposta, o chei- Londres iniciou um ciclo
ro da colônia cara, os senti- violento de crimes bárbaros
dos captando cada detalhe. naquela noite. Um conhecido
maníaco de nome Jack as-
O homem parou quan-
sombraria por algum tempo
do as últimas faixas foram
cada beco mal iluminado,
arrancadas. Surpreso, tocou
transformando o pesadelo do
a barriga da mulher com a
mais temido em realidade w
ponta dos dedos. O corpo
macabra. gr nl
frágil foi atirado ao chão:-
át
oa
Falsa! Pecadora imunda! is d
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Contos
Diário do Federal
Capítulo 1 - O 1° Plantão
Dênis Moura
Meu primeiro plantão e alertei meus colegas para Cristovão no Trevo que liga
nesta Delegacia de Polícia ter cuidado com os guache- Paranatinga à Canarana.
Federal foi do dia 24 ao dia bas de um tal de Paulinho
25 de janeiro de 2009. Polícia, contratados para Às 21:40 o colega Eráclito
dar cobertura armada aos pede reforços, água mineral,
Recebi, registrei e encami- crimes. Ficou um vai e vem esparadrapo e algodão. Acio-
nhei uma denuncia de roubo de viaturas me aporrinhando no a Força Nacional e entre-
e extração ilegal de madeira até de madrugada. Os caras go a submetralhadora HK do
em terras de terceiro. Comu- dos caminhões abandonaram Plantão ao colega Rosemberg
niquei ao Delegado Moreira os mesmos e entraram no para reforçar a equipe. Às
e acionei uma equipe de seis mato. Um dos caminhões 1:50 toda a equipe retorna e
agentes para interceptar os sem as chaves e outro sem me entrega alguns documen-
caminhões ao anoitecer na freios. Os colegas arrancaram tos e materiais apreendidos,
saida para a estrada que vai cabos e secaram os pneus bem como a HK.
para a cidade de Canara- do sem chave e conduziram
na. Sondei os investigados Às 2:00, depois que todos
o sem freios até o Posto São vazam, deixo os dois vigilan-
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Autor Convidado
http://www.flickr.com/photos/nyki_m/3005979611/sizes/o/
Dez horas to, onde vive sozinha, são todo
Fim de tarde duzentos metros por um Margarida (ou seria He-
passeio de paralelepípedos lena ou Graça) olha mais
Chuvisco de começo de cinzentos
Outubro uma vez a rua no sentido
Depois é a subida no ele- que é suposto que surja o
Um ventinho quase frio e vador pachorrento: quatro transporte, e encalha com
ela sem nem um casaco que pisos os olhos de um rapaz, assim
lhe cubra o decote em bico mais ou menos para sua
que deixa ver os seios bron- Margarida (ou seria He-
lena ou Graça) mora no idade, que cora e se apressa
zeados, presos num sutiã de a poisar os olhos na pasta
algodão com flores quinto andar de um prédio
de renda económica nos de couro preta que tem a
Espera pelo autocarro – o arrabaldes da cidade tiracolo - um computador
doze que a deixará, como portátil, parece-lhe, e ela
costume, em frente da pas- O prédio é pintado de pensa: deve ser estudante de
telaria Pingo de Mel verde alface e tem bandas belas artes - e isso porque
rosa choque em cada um há uma escola, ali, depois
Daí até ao apartamen- dos andares – catorze, ao do cruzamento; e, enquanto
Maria de Fátima Santos nasceu em Lagos, Algarve, mas tem Angola, onde viveu a adolescência,
como a sua mãe-terra. Licen-ciada em Física tem sido professora de Física e Quí-mica. Com poemas
em vários livros, em co-autoria, é às pequenas histórias, que lhe voam no teclado, que chama “meus
contos”. O blog Repensando (www.intervalos.blogspot.com ) tem sido seu parceiro e motivador na escri-
ta dos últimos anos. Escreve pelo gosto de deixar que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
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Poesia
Laboratório Poético:
mistério
Volmar Camargo Junior
Funeral marítimo
grito
um gosto salgado
nauseante
chega-me aos cantos da boca
alguém a bordo morreu
http://www.flickr.com/photos/joiseyshowaa/2374526016/sizes/o/
pois não há quem as julgue
ou rejeite
consola-me apenas
lançá-las ao mar
deixar que essa imensidão decida
que rumo tomarão
submergirão, esquecidas
ou consumidas pelas coisas inomináveis
que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
torne-se, vivo ou morto,
também o mar
consola-me o mar
meu silêncio não está só
sei, pois carrega as pobres mortas
e o vento, outra vez, leva-me adiante
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Poesia
A sombra
Ju Blasina
Não acredita?
Vai, pode revistar.
Toca. Apalpa.
Não me importo com teu bafo no meu cangote.
Aperta.
Tá sentindo?
Palpitando?
Ofegante?
Vasculha meus bolsos.
Pode meter a mão.
Sente o volume...
E o côncavo.
Cheira.
Assim.
Mais pro meio.
Sente a textura.
Olha bem, olha.
Eu deixo. Fico quietinha.
Ainda não se convenceu? Vasculha mais!
Quer uma dica?
Sobe um pouco.
Isso. Aqui, ó, sente...
bem do lado esquerdo do peito.
foto de Alexandre Grand
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Poesia
Algumas elucubrações
Caio Rudá
http://www.flickr.com/photos/kimonomania/3180273288/sizes/o/
da cortina ao vento, uma rubra pintura expressionista
em penumbra, cena fatídica de filme noir.
Desconfiei de contratempos em sol na bexiga,
minha mera gaita de foles desafinada.
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SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Revisão
Assessoria de imprensa
Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
72 SAMIZDAT outubro de 2009
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com
Colaboração
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
Dênis Moura
Paulistano de pia, cearence de mar e poeta de
amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-
paço, mais com bits de imaginação que com telescó-
pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja
ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e
a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na
outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social,
com a democracia participativa eletrônica, onde o
povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias
sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-
ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É
feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize,
o clique, o blogue e o leia!
www.revistasamizdat.com 73
Carlos Davissara
Paulistano, filho de nordestinos, desenhista desde
sempre, artista plástico formado, escritor. Começou
sua vida profissional como educador e, desde então,
já deixou seu rastro por ONG’s, Escolas e Centros
Culturais, através de trabalhos artísticos e pedagó-
gicos – experiências que têm forte influência sobre
seus escritos. Atualmente, organiza oficinas de ilus-
tração para crianças, estuda pós-graduação em Histó-
ria da Arte e escreve para publicações na internet.
carloseducador@hotmail.com
http://desnome.blogspot.com
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão Preto,
onde cursou economia na Universidade de São Pau-
lo. Hoje, reside novamente no bairro em que nasceu.
Participou das antologias do concurso Nacional de
Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas de Ga-
veta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e ensaios
literários em um blog (Hiper-link), na revista digital
SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária. “Escrever
é um modo de ser outro ser”.
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74 SAMIZDAT outubro de 2009
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Simone Santana
Ouro Preto – MG, 1981). Professora de Língua
Portuguesa e Literatura em escolas estaduais. Escreve
já há algum tempo, é inédita em livro e edita o blo-
gue A Parede Lá de Casa. Possui textos publicados na
revista Germina, participa do site Escritoras Suicidas,
e colaborou com o conto Rosário de Lágrimas na
edição de aniversário de sessenta anos do Suplemento
literário Correio das Artes. Escrever é uma necessida-
de.
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
Maristela Deves
Gaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, co-
meçou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu
a ler. Escreve principalmente contos nos gêneros mis-
tério, suspense e terror, além de crônicas. Mantém
ainda o blog Palavra Escrita, sobre livros e literatura
(www.pioneiro.com/palavraescrita).
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Também nesta edição, textos de