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O MARAVILHOSO MUNDO PEQUENO

Descobertas impressionantes no reino mágico da nanotecnologia


prometem revolucionar nossa vida
Claudia Cornwall

Há uma revolução silenciosa acontecendo, e seu nome é nanotecnologia. Sem alarde, uma série
de novidades está a caminho. Algumas parecem quase mágicas, como o novo material, mais
forte do que o aço, transparente e muitíssimo leve, criado em 2004 por Ray Baughman,
professor da Universidade do Texas, em Dallas, e sua equipe. Uma placa de 10 mil metros
quadrados do material pesaria apenas 280 g.
Também há outras descobertas, talvez não tão incríveis, mas muito bem-vindas: meias que não
ficam com mau cheiro, calças que não pegam manchas, janelas que dispensam limpeza, vasos
sanitários que nunca ficam sujos, bolas de tênis que não param de quicar e bolas de golfe que
corrigem a própria trajetória. Tudo isso é consequência da exploração do munda da
nanotecnologia.
"Nano" vem da palavra grega para "anão". Em geral, a nanotecnologia se define como o estudo
e o manejo de material inferior a 100 nanômetros - tamanho, por exempo, de vírus e moléculas.
O agrupamento de dez átomos de hidrogênio mede um nanômetro. E um milhão de nanômetros
tem um milímetro. Difícil imaginar?
Os pesquisadores da "Nanolândia" encontram-se num mundo onde antigas regras não se
aplicam. Isso está por trás de invenções como o vaso sanitário autolimpante, revestido por um
verniz superliso, dotado de orifícios microscópicos de menos de 30 nanômetros. Como tais
orifícios são menores do que bactérias e particulas do mofo, elas não se prendem à superfície
porosa. Dar descarga é basicamente o único trabalho que temos.
Esses cientistas também vêm apresentando pequenas invenções com propriedades espantosas
- o nanotubo de carbono. Chris Papadopoulos, pesquisador da Universidade de Victoria, afirma:
"O nanotubo de carbono é a estrela dessa nova tecnologia."
No lápis, o carbono, sob a forma de grafite, é macio, maleável e frágil. Mas o nanotubo de
carbono é duro. "Ele é uma lâmina muito fina de grafite em forma de tubo", explica
Papadopoulos.
Esses cilindros minúsculos, que podem ter apenas meio nanômetro de espessura, são até 100
vezes mais resistentes do que o aço e seis vezes mais leves do que ele. São o material mais
forte que conhecemos e estão entre os melhores condutores de calor e eletricidade que existem.
São capazes de conduzir cerca de mil vezes mais corrente elétrica do que um fio de cobre.
"Todo mundo quer os nanotubos", diz Benoit Simard, pesquisador do Conselho Canadense de
Pesquisas (CCP), em Ottawa. Mas até agora eles são escassos e caros. Hoje, a produção anual
mundial é de apenas 300 kg. A mil dólares o grama, os nanotubos de carbono valem 50 vezes
mais do que o ouro. Mas o CCP patenteou um método com sua parceira, a Universidade de
Sherbrooke, para produzir tubos com 1,4 nanômetros de largura. Diz Simard: "Podemos fazer
um quilo por dia, dobrando a produção mundial. O preço deve baixar."
Quando o assunto é encontrar utilidades para o nanotubo de carbono, o leque de opções é
imenso. O CCP está querendo aproveitar sua potencialidade misturando-o a materiais de
construção. A Boeing acredita que o material será uma fonte de futuros progressos na aviação.
Algumas das utilidades mais inusitadas vêm da pesquisa de Ray Baughman. Empregando o que
chama de "antiga tecnologia da fiação", Baughman e sua equipe criaram um modo de fiar os
nanotubos de carbono em fibras que são quatro vezes mais duras do que a teia da aranha, o
mais resistente dos filamentos naturais.
Como também conduz eletricidade, o fio do futuro poderia compor "roupas inteligentes", que
armazenariam eletricidade, seriam potencialmente à prova de bala e incorporariam sensores
capazes de ajustar a temperatura. As fibras ainda podem se transformar em cabos para
sustentação de pontes suspensas muito mais longas do que as que temos hoje.
E há também as placas superfortes e superleves de Baughman. Papadopoulos explica que um
dos motivos pelos quais os cientistas estão animados com as placas é que elas dariam velas
solares perfeitas. "Com uma vela solar, deixamos que a força da luz do sol nos impulsione pelo
espaço do mesmo modo que o vento impele um barco a vela. A luz exerce pequena pressão
sobre a superfície ao se afastar dela." Como essa pressão é mínima, normalmente não a
notaríamos. Mas no espaço, estamos no vácuo. Se tivermos uma placa grande, e ela for leve o
bastante, a menor força já servirá de impulso", diz ele.
Mas também existe uma vantagem para quem viaja por terra. Usando um forno de microondas
comum, a equipe de Baughman conseguiu fundir uma dessas placas entre duas folhas de vidro.
Após a operação, ela ainda conduzia eletricidade e continuava transparente. Placas desse tipo
poderiam ser usadas nos pára-brisas dos carros, com a corrente elétrica podendo descongelar
os vidros.
Muitos vírus e bactérias são medidos em nanômetros. Assim, faz sentido que a nanotecnologia
ofereça caminhos de combate a eles. A Nucryst Pharmaceuticals, em Alberta, Canadá, inventou
uma fórmla que mistura nanociência e a velha sabedoria popular.
Os gregos antigos usavam a prata para estimular a cicatrização e impedir infecções, mas a
prática foi posta de lado quando surgiram os antibióticos. A Nucryst ressuscitou e melhorou a
antiga forma de tratamento, revestindo uma atadura para ferimentos e queimaduras com
partículas de prata que medem poucos nanômetros, mais reativas do que a forma maciça do
metal. Essas partículas penetram na pele e agem de maneira contínua. Assim, as vítimas de
queimaduras podem trocar os curativos apenas uma vez por semana. Antes da invenção da
Nucryst, esses curativos tinham de ser trocados várias vezes por dia, um procedimento doloroso
que incluía a remoção do creme cicatrizante.
O Dr. Gary Sibbald, professor da Universidade de Toronto, afirma: "Dos diabéticos com úlceras
crônicas nos pés que não cicatrizavam no tempo esperado, 70% resolveram o problema com o
uso desses curativos." Em 2004, a Nucryst produziu mais de três milhões de ataduras, e as
vendas chegaram a 30 milhões de dólares. O próximo passo? Um creme que usa a
nanotecnologia para tratar eczemas e está em fase de testes no Canadá.
Linda Pilarski, professora de Oncologia da Universidade de Alberta, cientista do Instituto Cross
Cancer e pesquisadora de nanotecnologia biomédica, tem interesse especial pelos pacientes
com mieoloma múltiplo - um câncer da médula óssea ao qual poucos sobrevivem. "A pessoa não
vive mais do que três a cinco anos, nem com todos os excelentes tratamentos novos", diz ela. "A
pergunta é: por que sempre há recidivas?" Foi isso que levou Linda a trabalhar com outro
cientista da Universidade de Alberta, Chris Backhouse, para criar algo que os dois chamam de
lab-on-a-chip (laboratório em um chip).
Esse aparelho pretende oferecer aos médicos resultados instantâneos de exames de câncer ou
viroses. O lab-on-a-chip capta as informações analisando o material genético de células
isoladas. Graças aos avanços no sequenciamento genético, isso agora pode ser realizado rápida
e eficientemente com pequenas amostras de fluidos corporais ou tecidos, como o sangue, a
medula ou os temores.
Embora o enigma das recidivas continue à espera de uma solução, até agora o lab-on-a-chip
tem sido usado para conseguir informações de anomalias cromossômicas em casos de mieloma
múltiplo, bem como de linfoma folicular. Essas informações podem determinar se o paciente
reagirá melhor à quimioterapia convencional e ao transplante de células-tronco ou a terapias
mais recentes. Crianças com leucemia linfocítica aguda também podem ser testadas para ajudar
o médico na identificação do tratamento mais adequado.
"O lab-on-a-chip vai permitir que o médico faça um tratamento personalizado", diz Linda. "E o
paciente evita os efeitos colaterais de algum medicamento que não era exatamente o ideal." O
aparelho também detecta o poliomavírus humano (BK), sinal de problema em indivíduos que
fizeram transplante de rim. No futuro, acredita Linda, a tecnologia dos chips detectem, ou mesmo
se ela tem síndrome respiratória aguda grave ou HIV.
Com novos instrumentos que revelam as estruturas naturais até o último átomo, os especialistas
em nanotecnologia aprimoraram sua capacidade de imitar a natureza. Quando Bharat Bhushan,
professor de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Ohio, decidiu criar uma
superfície extremamente deslizante, ele tentou copiar a folha do lótus. Há muito tempo, os
cientistas sabem que as folhas das plantas não retêm água: são lustrosas e cobertas de
saliências minúsculas, de modo que a água escorra. Bhushan conseguiu criar uma chapa de
polímero igualmente deslizante. "Se a aplicarmos ao vidro, teremos janelas que não precisam
ser lavadas", diz ele.
Hicham Fenniri, professor de Química da Universidade de Alberta e pesquisador do Instituto
Canadense de Nanotecnologia, trilhou um caminho semelhante para criar articulações artificiais.
Nosso organismo sabe que o joelho artificial de titânio é um corpo estranho. E pode acabar
rejeitando-o. Em alguns casos, o implante fica frouxo e doloroso, até ser trocado. Mas Fenniri
criou um revestimento de nanotubos para o titânio que deve ser a solução do problema. "É uma
imitação muito boa do colágeno, proteína natural que faz parte do osso", diz.
Consequentemente, o revestimento atrai células ósseas chamadas osteoblastos. Isso é
importante, porque o crescimento ósseo ajuda a integrar a articulação artificial ao organismo.
Não apenas mais células ósseas se prendem ao titânio revestido, como elas também fazem isso
com maior rapidez.
Na Nanolândia, pequeníssimas diferenças de tamanho podem acarretar grandes variedades de
função. Ted Sargent, professor da Universidade de Toronto e autor de The dance of molecules:
how nanotechnology is changing our lives (A dança das moléculas: como a nanotecnologia está
mudando nossas vidas), é, aos 32 anos, o menino-prodígio dessa nova ciência.
Sargent afirma que a matéria é "regulável" em escala nano. Se mudarmos o tamanho da corda
do violão, mudaremos o som que ela produz. Se mudarmos o tamanho de semicondutores
chamados "pontos quânticos", mudaremos sua cor. Aliás, podemos obter toda uma série de
cores a partir de um único material. Sargent faz um ponto quântico de três nanômetros que emite
um brilho azul, um ponto quântico de quatro nanômetros que emite um brilho vermelho e outro
de cinco nanômetros que desprende raios infravermelhos ou calor.
Mas a "regulagem" da matéria é mais do que um belo espetáculo de luzes. Ela pode ser a
resposta para se produzir um painel solar barato e flexível que capte a energia do Sol com
eficiência e a converta em eletricidade. Até agora, as células solares só absorvem a energia dos
raios visíveis do Sol. A outra metade da energia solar - o calor - não é utilizada.
Em janeiro de 2005, Sargent publicou um trabalho na revista Nature Materials, no qual mostrou
que, usando seu quinto ponto quântico, é possível fazer um material flexível que absorva a
energia dos raios infravermelhos e a transforme em eletricidade.
"O próximo passo", avisa ele, "é juntar isso aos mecanismos já existentes que utilizam os raios
solares visíveis e compor um sistema que seja, no conjunto, eficiente." Se funcionar, "poderemos
criar uma célula solar para ser usada como roupa, ou um tapete solar para ser estendido no
telhado de casa ou na capota do carro".
Sargent imagina que daqui a 20 anos será barato e conveniente utilizar a energia do Sol. "Hoje é
possível, mas caro, e não podemos chamar o processo de conveniente. É fascinante pensar que
poderíamos armazenar nossa energia e ter automóveis que reabasteceriam a si próprios."

Revista Seleções - 09/2006 - pp.104 a 110

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