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Igreja Presbiteriana do Brasil // 150 anos de IPB // Ano 2009 //

Bacharel Heber Ramos Bertucci // Palestras para o acampamento de fevereiro // -1-

I – VIDA ETERNA: CONHECER A DEUS POR MEIO DE CRISTO

“‘Para o cristão a verdade é algo que primeiro deve


descobrir-se, e logo obedecer-se.’” - William Barclay
apud COSTA, Hermisten Maia Pereira da.
Introdução à filosofia. São Paulo – SP: fevereiro
de 2001. Anotações de aula da disciplina
“Introdução à Filosofia” ministrada no Seminário
Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, f.
7. [Trabalho Não Publicado].
“Mesmo numa primitiva era de ouro da Igreja, um
estimado e velho pai podia dizer: ‘Bom Deus, para que
tempos me preservastes!’ (Policarpo, 1 cit. In, Eusébio
de Cesaréia – História Eclesiástica, V, 20).
Atualmente temos muito mais razão para repetir estas
palavras ou, melhor ainda lamentá-las, pois a maior de
todas as perdas é a perda das palavras.” - SPENER,
Philipp Jakob. 2 Pia Desideria. Tradução de

1
R. N. Champlin afirma: “Policarpo (cujo nome significa muito fruto), o discípulo pessoal do apóstolo João,
homem muito consagrado, foi o principal pastor da igreja de Esmirna, bem como o principal instrumento do poder de
Cristo. (...) A história de seu martírio[:] (...) Foi levado à arena, lugar dos jogos olímpicos, um dos maiores teatros
abertos da Ásia Menor, parte de cuja construção permanece e pé até hoje. Foi ordenado que se retratasse e que
abandonasse a Cristo, dando sua lealdade ao imperador romano, como se fora um deus. Foi-lhe ordenado que
dissesse: ‘Fora com os ateus’, isto é, com os cristãos. Isso ele fez, mas fazendo um gesto largo com a mão, indicando a
população hostil na arquibancada, composta de pagãos. Foi-lhe ordenado que jurasse pelo ‘gênio’ de César,
confessando assim a divindade do imperador. Isso ele se recusou a fazer. Foi ameaçado de ser morto pelas feras, mas
não demonstrou qualquer temor. Foi resolvido que o queimariam na fogueira. O procônsul se opôs a tais
providências, mas sem resultado. Alegremente, muitos trouxeram madeira para fazer a fogueira. Quando lhe foi dito
que se retratasse, ele zombou do fogo que tinham feito, e relembrou seus algozes do fogo muito mais terrível das
chamas do juízo eterno, que os ímpios terão de sofrer. Então disseram: ‘Esse é o mestre da Ásia, o pai dos cristãos,
aquele que derruba por terra os nossos deuses e que tem ensinado a muitos a não sacrificarem e nem adorarem’. Ante
às ameaças deles, que instavam para que amaldiçoasse a Cristo, respondeu: ‘Por oitenta e seis anos tenho sido servo
de cristo, e ele nunca me fez mal algum. Como posso blasfemar de meu rei, que me salvou?’ Ato contínuo, foi
preparada para ele a fogueira; mas, segundo se diz, o fogo fez um arco ao seu redor, ficando ele intocado no meio das
chamas. Alguém que estava próximo, entretanto, matou-o com um golpe de sua adaga.” (Policarpo. In:
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 6. ed. São Paulo – SP: Hagnos,
v. 5 (P - R), 2002. p. 318).
2 Philipp Jakob Spener nasceu em 13 de Janeiro de 1635, em Rappoltstein, que ficava próxima a
Estrasburgo. Ele morreu em 5 de fevereiro de 1705, quando já exercia ha 14 anos o cargo de membro do
Consistório Luterano em Berlim e também de pastor da Igreja de São Nicolau. Sua linha de pensamento é
conservadora e bíblica. Ele se levanta para descrever os erros da Igreja de sua época atacando não tanto
os de fora da Igreja, mas sim, aos que estavam na Igreja e viviam como se não estivessem nela. (Cf.: Um
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Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do


Campo – SP: Imprensa Metodista & Programa
Ecumênico de Pós Graduação em Ciências da
Religião, 1985. p. 22.

Neste nosso primeiro capítulo de nossa pesquisa abordaremos a importância do


conhecimento na vida do cristão e o que é a vida eterna para a Bíblia. Nosso objetivo é
demonstrar que a vida eterna envolve o conhecimento do Senhor e de Cristo, a quem
ele enviou. Nosso texto chave será João 17:3 que diz: “E a vida eterna é esta: que te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.”

1.1 – A Questão da Definição

1.1.1 – A Definição no início de diálogos e pesquisas

Algo que sempre temos demonstrado em nossas aulas de Escola Dominical,


Sermões, Estudos Bíblicos e Palestras é que quando começamos qualquer assunto,
devemos primeiramente definir os termos sobre os quais falaremos. 3 Isso é de extrema
importância e se aplica tanto na fala quanto na escrita, e tanto em disciplinas gerais
quanto em teologia.

1.1.1.1 – A definição nos diálogos

A definição de termos na fala é importante para evitar que o emissor transmita


uma mensagem ambígua para o receptor a ponto de não ser ela compreendida.
Também evita que haja discussão de pontos em que se fala a mesma coisa, porém, com
termos diferentes. São interessantes as palavras de Sócrates (470 – 399 a. C.) sobre este
assunto narradas por Platão (427 – 347 a.C.) na sua obra Fedro. No contexto da obra

bom livro de Spener é: SPENER, Philipp Jakob. Pia Desideria. Tradução de Prócoro Velasques Filho. São
Bernardo do Campo – SP: Imprensa Metodista & Programa Ecumênico de Pós Graduação em Ciências da
Religião, 1985. 86 p.).
3
Cf.: BERTUCCI, Heber Ramos. O dogma da infalibilidade papal: visão romana e protestante. São Paulo:
Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel as Conceição, novembro de 2008. f. 10 – 13.
Monografia elaborada para cumprir as exigências da disciplina “Monografia 2” ministrada no Seminário
Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, sob a orientação do Rev. Wilson Santana Silva. [Trabalho
não publicado]; _____. A importância da definição para a teologia. Jandira – SP, janeiro de 2009. 25 f.
Anotações parciais de aula da disciplina “Teologia Sistemática”, ministrada no Instituto Presbiteriano da
Penha, São Paulo, Capital. [Trabalho não publicado].
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Sócrates iria fazer um discurso sobre o tema “amor” e citou o exemplo de dois rapazes
que conversavam. Um deles se voltou ao outro e lhe disse:

em todas as coisas meu rapaz, para que se tome uma resolução sábia é mister
saber sobre o que se delibera, pois, de outro modo, certamente nos enganamos. A
maioria dos homens não nota, entretanto, que ignora a essência das coisas. Isso
porém não os impede de acreditar erroneamente que a conhecem; segue-se daí
que no começo de uma pesquisa não definem suas opiniões, acontecendo depois o
que era esperado: tais pessoas não concordam consigo mesmas, nem uma com a
outras. Evitemos, pois, esse defeito que censuramos nos outros. Como se trata de
saber se é melhor ter amizade com alguém que ama do que com alguém que não
ama, começaremos assim estabelecendo uma definição de amor, da sua natureza
e dos efeitos, definição que deverá satisfazer a opinião de nós ambos; havemos de
nos referir sempre a esses princípios, e, reduzindo desse modo a discussão,
examinaremos se o amor traz vantagens ou prejuízos. 4

A ênfase é que as pessoas quando vão expressar as suas idéias, devem ter em
mente o que significam os termos que usarão para evitar discordância lógica ou falacial
consigo mesmas, e confusão com a pessoa que se fala. Muitas discussões poderiam ser
evitadas se as pessoas definissem bem os termos que utilizam em suas conversas.

1.1.1.2 – A definição nas pesquisas

Também quando vamos escrever algo devemos nos preocupar em definir os


termos que nos propomos estudar para que eles sejam melhor compreendidos pelos
nossos leitores. Hermisten Costa sobre isso escreve: “A definição se propõe a nos fazer ver
com maior clareza o assunto do qual tratamos. A ‘indefinição’ acarreta uma série de omissões e
equívocos, justamente por não termos claro diante de nós o objeto do qual estamos tratando ou,
em que sentido nos aproximamos de cada idéia.” 5

1.1.1.3 – A definição nas disciplinas gerais

4
PLATÃO. Fedro. Tradução de Alex Marins. São Paulo – SP: Martin Claret, 2005. V. 60, 237, p. 69.
(Coleção A Obra Prima de Cada Autor).
5COSTA, Hermisten M. P. da. Noções de lógica. São Paulo - SP, Agosto de 2001. Seminário Teológico
Presbiteriano Reverendo José Manoel da Conceição, Agosto de 2001. Anotações de aula da disciplina
“Lógica” ministrada no Seminário Presbiteriano Rev. J. M. Conceição. f. 34. [Trabalho não publicado].
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Este ponto foi inserido para nos demonstrar que três autores, dois filósofos e
uma psicóloga, ao começarem seus textos, fizeram questão de enfatizar a importância
da definição no início de suas pesquisas. Os dois filósofos cristãos são Norman L.
Geisler 6 e Paul D. Feinberg. 7 Eles escrevem: “O lugar lógico para começar o estudo da
filosofia é uma definição da disciplina.” 8 A psicóloga é Rosileny A. dos Santos 9 que, ao
explicar o título de sua obra, redige:

Este título – Entre a razão e o êxtase: experiência religiosa e estados


alterados de consciência – requer certas considerações iniciais a respeito dos
conceitos que o fundamentam e o acompanham em seu desenvolvimento. A
definição de tais conceitos é essencial para a compreensão dos referenciais
teóricos que serão utilizados. 10

1.1.1.4 – A definição nos estudos teológicos

1.1.1.4.1 – O erro de pregar apenas o elemento sentimental da fé

A ciência da definição é importante não só nas disciplinas gerais, mas o é


também na Teologia. Isso é assim por causa do caráter racional que tem a fé cristã. Não
podemos pensar que temos uma fé apenas sentimental como algumas igrejas tanto
enfatizam em nossos dias. 11 Quem modernamente enfatiza apenas o lado sentimental

6
Norman L. Geisler é professor de Telogia Sistemática no Seminário Teológico de Dallas. Foi presidente
da Divisão de Filosofia da Religião na Trinity Evangelical Divinity School. Recebeu seu MA da faculdade
de Wheaton e seu PHD da Universidade Loyola. (Informação atualizada até 2005).
7 Paul D. Feinberg é professor de Teologia Bíblica e Sistemática na Trinity Evangelical Divinit School e
recebeu graus de BD e de ThM do Seminário Teológico Talbot e o MA em Teologia Sistemática do
Seminário Teológico de Dallas. (Informação atualizada até 2005).
8GEISLER, Norman L.; FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã. Tradução de
Gordon Chown. 2. ed. São Paulo – SP: Edições Vida Nova, 2000. p. 12.
9 Rosileny Alves dos Santos é psicóloga, musicista e professora universitária em ciências da religião e
teologia. O doutorado e o mestrado foram defendidos na Universidade Metodista de São Paulo, no curso
de Ciências da religião, na área de teologia. No mestrado de 1999, a pesquisa foi sobre “A Função
Terapêutica do Canto Congregacional. O texto da tese, defendida em 2004, serve de base para o seu livro
que citamos acima.
10
SANTOS, Rosileny Alves dos. Entre a razão e o êxtase: experiência religiosa e estados alterados de
consciência. São Paulo – SP: Loyola, 2004. p. 29.
11O pastor inglês John Stott em seu famoso livreto “Crer é Também Pensar” afirma que há alguns grupos
que são anti-intelectuais em suas práticas porque não se atêm ao estudo das Escrituras Sagradas. Um
desses grupos seriam algumas igrejas pentecostais que, segundo ele, “... fazem da experiência o principal
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da fé é, mesmo sem saber, adepto dos ideais de um teólogo luterano chamado Friedrich
Schleiermacher (1768 – 1834), 12 que foi chamado de “Pai da Teologia Moderna”. Suas
idéias teológicas não eram tão ortodoxas, e por isso a teologia sistemática moderna está
em decadência.

Schleiermacher lutava contra os ideais iluministas 13 de sua época que tendiam


a racionalizar exageradamente a fé cristã. Por isso ele “... colocou toda a sua epistemologia
religiosa em termos de ‘Sentimento (ou senso) de absoluta dependência’; deste modo toda a nossa
compreensão a respeito de Deus estará previamente determinada por esta premissa.” 14 Sendo
assim, falar sobre Deus é falar de “minha” experiência com Deus e não do que Deus se
revelou a “mim” nas Escrituras. Isso é grave para a Teologia Bíblica, pois não respeita a
sua autoridade, antes, coloca o homem acima dela. Louis Berkhof (1873 – 1957) ainda
afirma que para Schleiermacher a fé “É uma nova experiência psicológica, uma nova tomada

critério da verdade.” (STOTT, John. Crer é também pensar. Tradução de Milton A. Andrade. São Paulo –
SP: ABU, 2001. p. 9).
12
“O luterano Friedrich Schleiermacher (1768 - 1834) é talvez o mais influente teólogo alemão do século 19,
sendo considerado o fundador da moderna teologia protestante.” (COSTANZA, José R. da Silva. As raízes
históricas do liberalismo teológico. Fides Reformata. São Paulo – SP: Mackenzie, v. X, n. 1, p. 89, 2005.
(Revista do Centro Presbiteriano de Pós – Graduação Andrew Jumper – CPAJ)). Ele “Nasceu em Breslau.
Educou-se em Halle. Foi pregador em Berlim. Foi professor de teologia e filosofia em Halle. Foi ministro da Igreja da
Trindade, em Berlim. Traduziu as obras de Platão para o alemão. Foi autor de muitos livros, além de ter sido
renomado conferencista. Fez progredir a teoria do conhecimento, o raciocínio teológico, a erudição platônica e a
teologia sistemática. Sofreu a influência de Kant e Fichte, mas sem se tornar um idealista subjetivo.”
(Schleiermacher, Friedrich. In: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia.
6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, Vol. 6 (S - Z), 2002. p. 117).
13
Segundo José R. da Silva Costanza, “Iluminismo é o nome do movimento cultural, social e religioso que se
desenvolveu na Europa no período que vai da Revolução Inglesa (1688) até a Revolução Francesa (1789), ou seja,
cerca de 100 anos.” (José R. da Silva COSTANZA. As raízes históricas do liberalismo teológico. Fides
Reformata. v. X, n. 1, p. 84 – 85. Champlin diz que esse período foi assim chamado porque “... então houve
a desintegração do ponto de vista sobre o mundo, de acordo com a era medieval, bem como a gradual secularização do
pensamento na Europa ocidental.” (Iluminação, A. In: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia
teologia e filosofia. 6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, v. 3 (H - L), 2002. p. 240). E Hermisten Costa
completa esse ponto afirmando que o iluminismo “... originou-se na Inglaterra, alastrando-se pela França e
Alemanha, sendo então apelidado de Aufklärung (Iluminismo), justamente devido à sua pretensão de iluminar o
obscurantismo da tradição.” (COSTA, Hermisten. Raízes da teologia contemporânea. São Paulo – SP:
Cultura Cristã, 2004. p. 280). Alister MacGratt diz sobre a influenia do iluminismo sobre a religião: “Com
o surgimento do iluminismo veio a demanda de que a sabedoria deve ser universalmente acessível. A idéia de um
conhecimento ‘privilegiado’ de Deus, mediado apenas pela revelação, foi rejeitada em bases morais. Como a revelação
não era universal, argumentou-se, Deus estava causando problemas morais por limitar a revelação à pessoa de Jesus
Cristo, ao texto da Escritura, ou ao domínio da Igreja. O Iluminismo argumentou que qualquer sugestão dessas
deveria ser rejeitada como formadora de um ‘escândalo de particularidade’. Esse conhecimento tinha de ser
universalmente acessível, em todas as culturas, contextos históricos e regiões geográficas. Para o Iluminismo, a
razão fornecia exatamente um recurso universalmente válido. Todas as pessoas tinham uma faculdade racional;
portanto, todas podiam usá-la, e assim ter acesso ao conhecimento de Deus.” (MCGRATH, Alister. Paixão pela
verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo. Tradução de Hope G. Silva. São Paulo – SP: Shedd,
2007. p. 75).
14
Hermisten COSTA, Raízes da teologia contemporânea, p. 295 - 296.
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de consciência, arraigada numa percepção, não de Cristo, nem de alguma doutrina, mas da
harmonia do Infinito, da Totalidade das coisas, na qual a alma encontra a Deus.” 15

1.1.1.4.2 – O elemento racional da fé

A ênfase de Schleiermacher era exagerada, mas não de todo errada. O que


salvava pelo menos, a princípio, os seus ideais, era o fato de ser verdade que a fé
contém um elemento sentimental. Mas, enfatizar apenas esse aspecto da fé é não fazer
justiça a totalidade do ensino das Escrituras. Ao contrário de Schleiermacher, João
Calvino (1509 – 1564) fala da fé como sentimento e também como razão. Veremos agora
uma síntese do ideal calvinista da fé.
João Calvino nasceu Noyon, Picardia na França, em 10 de Julho de 1509. Lutero
tinha 26 anos nessa época e enquanto esse é considerado da primeira geração dos
Reformadores, aquele pertencia a Segunda geração da mesma. Calvino faleceu em
Genebra, na Suíça, no dia 27 de Maio de 1564. Sobre a importância de Calvino para a
Reforma Protestante do século XVI, o historiador Wilson Santana escreve que ele tem:
“... a mesma importância que teve o reformador Martinho Lutero. Um elemento diferenciador é
que Calvino, fazendo parte da segunda geração dos reformadores, foi aquele que ordenou e
sistematizou o pensamento teológico reformado.” 16

Calvino cria na Depravação Total do ser humano. 17 Comentando o Salmo 51:5,


ele escreve: “Nós não teremos idéia adequada do domínio do pecado, a menos que nos
convençamos de que ele se estende a cada parte da alma, e reconheçamos que ambos, a mente e o
coração do homem se têm tornado totalmente corruptos.” 18 Essa concepção nos faz refletir
que os homens naturais não podem chegar a Deus se Deus não se revelar do alto. A

15BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. Tradução de Odayr Olivetti. 2. ed. São Paulo – SP: Cultura
Cristã, 2004. p. 459.
16SILVA, Wilson S. Prefácio. In: COSTA, Hermisten M. P. da. Calvino de A a Z. São Paulo – SP: Vida,
2006. p. 9. (Coleção “Pensadores Cristãos”).
17L. Berkhof diz que a Depravação Total significa que “... “... a corrupção inerente abrange todas as partes da
natureza do homem, todas as faculdades e poderes da alma e do corpo.” (Louis BERKHOF, Teologia sistemática, p.
229). A. Hoekema diz que o termo Depravação Total é muito mal compreendido e por isso ele prefere
chamar essa doutrina de “Depravação Generalizada”. Ele assim define esta doutrina: “(1) a corrupção do
pecado original que se propaga e afeta todas as partes da natureza humana: da razão e vontade das pessoas aos seus
apetites e impulsos; (2) por natureza, o homem não tem o amor a Deus como princípio motivador de sua vida.”
(HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. Tradução de Heber Carlos de Campos. São Paulo –
SP: Cultura Cristã, 1999. p. 169). Dentre os textos que comprovam esta doutrina temos: Jo. 5:42; Rm. 7:18,
23; 8:7; Ef. 4:18; II Tm. 3: 2 – 4; Hb. 3:12; etc.
18
CALVIN, John. Commentary on the Psalms. Translated From The Original Latin, And Collated With
The Author’s French Version, BY THE REV. JAMES ANDERSON. Albany, OR USA: AGES Software,
1998. 1 CD-ROM. v. 1, Psalm 51:2, p. 800. (The Ages Digital Library Commentary, Version 1.0).
(Tradução nossa).
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Bíblia Sagrada só é verdadeiramente entendida pelo homem quando Deus gera a fé


salvadora em seu coração. Calvino diz: “... devemos estar relembrados de que há uma relação
permanente da fé com a Palavra (...) Pelo que, se a fé se desvia sequer um mínimo desta meta
que deve colimar, [já] não retém sua natureza, mas é incerta credulidade e vago devaneio da
mente. A mesma Palavra é a base em que [a fé] se libra e se sustém.” 19 Aqui é importante
citarmos o teólogo Calvinista Hermisten Costa que diz: “O conhecimento que temos de
Deus é em virtude de sua graça que faz com que ele se revele e nos capacite pelo seu Espírito, por
meio da fé, a conhecê – lo: A revelação de Deus antecede a fé (...) (Rm. 10. 17), diz Paulo.” 20

Calvino sempre deixou claro o seu ensinamento de que a fé envolve


conhecimento. No seu comentário do livro de Gálatas 1:8 ele critica a Igreja de Roma
por ter uma “fé implícita”, e defende que não existe fé onde não há conhecimento: “Que
costume é esse de professar o evangelho sem saber o que ele significa? Para os papistas, que se
deixam dominar pela fé implícita, tal coisa pode ser suficiente. Mas para os cristãos não existe fé
onde não haja conhecimento.” 21 A fé implícita que Calvino critica significa uma submissão
inquestionável aos ensinos da Igreja, mesmo que os laicos não entendam estes ensinos.
22 Este tipo de fé é incompatível com a fé bíblica porque “A fé não repousa sobre a
ignorância, mas em conhecimento. E esse conhecimento não será apenas de Deus, mas de sua
vontade divina.” 23 Calvino ainda acrescenta que “Por esse conhecimento, eu digo, e não pelo
submissão ao nosso sentimento, nós obtemos entrada no Reino dos Céus.” 24 Com isso ele
ensina que a fé não é apenas sentimento, mas tem também um aspecto racional. Vemos
isso de modo claro em sua definição de fé: “[A fé é] um firme e certo conhecimento da
bondade de Deus para conosco, fundado na verdade da promessa livremente feita em Cristo,
revelada em nossas mentes e selada em nossos corações por meio do Espírito Santo.” 25

19
CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Tradução de Waldyr Carvalho Luz. São
Paulo - SP: Casa Editora Presbiteriana, 1989. III, II, 6, p. 11 - 12.
20 COSTA, Hermisten M. P. da. O Pai Nosso. São Paulo – SP: Cultura Cristã, 2001. p. 116 – 117.
21
CALVIN, John. Commentary on the Epistle to the Galatians. Albany, OR USA: AGES Software, 1998.
1 CD-ROM. Galatians 1:8, p. 22. (The Ages Digital Library Commentary, Version 1.0). (Tradução nossa).
22
Anthony Hoekema (1913 - 1988), teólogo calvinista, em sua obra “Salvos Pela Graça” também critica a
fé implícita ensinada pela Igreja Romana medieval: “Uma vez que o crente comum não pode entender todos os
artigos da fé proposta pela igreja, ele não precisa abraçar todos com fé explícita, mas deve aceitá-los com fides
implícita (‘fé implícita’), isto é, mero assentimento ao ensino da igreja.” (HOEKEMA, Anthony. Salvos pela
graça: a doutrina bíblica da salvação. Tradução de Wadislau G. Martins. 2. ed. [rev. ]. São Paulo – SP:
Cultura Cristã, 2002. p. 143).
23
CALVIN, John. Institutes of the Christian Religion. Translated by Ford Lewis Battles. Albany, OR
USA: AGES Software, 1998. 1 CD-ROM. v. 3, 2, 2, p. 10. (The Ages Digital Library Theology, Version
1.0). (Tradução nossa).
24 Ibid., V. 3, 2, 2, p. 10. (Tradução nossa).
25
Ibid., V. 3, 2, 7, p. 17. (Tradução nossa).
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Vemos nesta definição que Calvino afirma a intelectualidade como uma


essência da fé, mas não devemos pensar que ele se limitava apenas a esse aspecto da fé.
Calvino também afirmava o elemento sentimental da fé como sendo uma confiança e
segurança do homem em Deus. 26 Na realidade, os dois elementos se completam e um
não existe sem o outro. Se conheço minha fé é porque a sinto, e, se sinto minha fé é
porque a conheço. Dentre os textos bíblicos que comprovam que a fé tem um aspecto
racional temos: Lc. 24: 45; At. 17:23; Rm. 10: 13,14; 17; II Pe. 3:18.
Daí a importância de nos atermos às definições também nos assuntos
teológicos. Nossa fé contém conhecimento e para obtê-los precisamos estudar a Palavra
de Deus. Finalizo este ponto citando o grande teólogo bíblico-calvinista R. K. Mc Gregor
Wright que afirma:

Tem sido freqüentemente observado que se os filósofos e teólogos se importassem


em definir seus termos no começo de uma discussão, a maioria de seus debates
seria desnecessária. É certamente verdade que precisamos ter um entendimento
claro daquilo em que as pessoas crêem e o que elas querem dizer com os termos
que usam, antes de adquirirmos qualquer direito em discordar. É também
verdade que se o significado de uma palavra muda no curso do debate ou
durante a apresentação do argumento então o debate repentinamente muda para
algo diferente, e a validade do argumento é destruída. Portanto, temos o direito
de pedir não somente que os termos – chave sejam claramente definidos desde o
começo, mas que também novos significados não entrem sorrateiramente em
meio a uma exposição. Como protestantes, esperamos que as idéias principais de
nossa teologia sejam demonstravelmente derivadas da Bíblia. As suposições
puramente humanas que podem ser mudadas ao acaso não podem ser a
substância de uma cosmovisão consistentemente cristã. 27

1.1.2 – A definição de definição

O termo português “definição” é oriundo do latim “definitio”, que corresponde


às palavras gregas o[roj [hóros] “termo” ou “limite” e o[rismoj [horismós] “delimitação”. 28
Partindo dessa definição o Teólogo Presbiteriano Charles Hodge (1797 - 1878) escreve
que

26 Cf.: John CALVIN, Institutes of the Christian Religion. v. 3, 2, 33, p. 49. (Tradução nossa).
27
WRIGHT, R. K. Mc Gregor. A Soberania Banida: Redenção Para a Cultura Pós-Moderna. Tradução de
Heber Carlos de Campos. São Paulo – SP: Cultura Cristã, 1998. p. 47.
28
Cf.: Hermisten M. P. da COSTA, Noções de lógica, nota 117, f. 33.
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Definir, contudo, é simplesmente delimitar, separar ou distinguir; de sorte que a


coisa definida seja discriminada de todas as demais coisas. Isso pode ser feito:
(1.) Delimitando suas características. (2.) Determinando seu gênero e sua
diferença específica; (3.) Analisando a idéia como se acha em nossa mente. (4.)
Fazendo uma explicação do termo ou nome pelo qual ele se denota. Todos esses
métodos equivalem e muito à mesma coisa. 29

Uma questão importante que temos que ter em mente é a distinção entre a
essência da definição e o seu conteúdo. Quem nos ensina isso de modo claro é
Agostinho de Hipona (354 - 430) em sua obra “A Doutrina Cristã”. Nela, Agostinho
comenta sobre a importância do conhecimento das ciências, especialmente da lógica,
para uma melhor interpretação da Bíblia Sagrada. Dentro deste assunto, ele explica que

A ciência da definição, da divisão e da classificação, ainda que seja empregada


muitas vezes para coisas falsas, não é por si falsa; nem foi instituída pelos
homens, mas descoberta pela própria razão das coisas. Poetas em suas fábulas,
filósofos em suas opiniões errôneas ou até hereges, isto é, falsos cristãos,
costumam empregar essa ciência. 30

Observamos com estas palavras que para Agostinho, a definição é uma ciência
extremamente necessária, mesmo que seja usada algumas vezes para se definir coisas
falsas. Completando esta idéia ele escreve: “Então, a definição e a divisão de coisas falsas
podem ser bem verdadeiras, se bem que as coisas falsas, em si próprias, não o sejam.” 31 Isso
quer dizer que em muitos casos nós temos a ciência da definição sendo correspondida,
mas o conteúdo da definição é falacial. Por exemplo, quando alguém diz que Cristo foi
apenas um grande mestre humano que surgiu em determinada época da história, a
ciência da definição foi correspondida porque houve uma delimitação e clareza do
assunto, mas o conteúdo é falacial porque não se refere a Cristo da maneira que a Bíblia
o apresenta.

29 HODGE, Charles. Teologia Sistemática. Tradução de Valter Martins. São Paulo – SP: Hagnos, 2003.
p. 276.
Aristóteles (384 – 322 a.C.) que ensinou que “Uma definição é uma frase que significa a essência de uma
coisa. Apresenta-se ou sob a forma de uma frase em lugar de um termo, ou de uma frase em lugar de outra frase; pois
às vezes também é possível definir o significado de uma frase. Aqueles cuja explicação consiste apenas em um termo,
por mais que façam, não conseguem dar a definição da coisa em apreço, porque uma definição é sempre um certo tipo
de frase.” (ARISTÓTELES. Tópicos. In: _____. Aristóteles. Tradução de L. Vallandro & G. Bornheim. São
Paulo – SP: Abril Cultural, 1978. v. I, 5, p. 7. (Coleção “Os Pensadores”)).
30AGOSTINHO. A doutrina cristã: manual de exegese e formação cristã. Tradução de Nair de A. Oliveira.
São Paulo – SP: Paulus, 2002. V. 17, II, 36, 53, p. 138. (Coleção Patrística).
31
Ibid., v. 17, II, 36, 53, p. 139.
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1.2 – A Questão do Conhecimento

1.2.1 – Definição de conhecimento

Quando falamos em conhecimento nós tocamos num dos pontos fundamentais


do ser humano. Aristóteles (384 – 322 a.C.) já dizia que “todos os homens têm, por
natureza, desejo de conhecer.” 32 Esse desejo vem desde a infância quando a criança
percebe a si mesma e o mundo ao seu redor e quer às vezes, consciente ou
inconscientemente, descobri-los. 33
Mas, o que é conhecimento? Conhecer é “... o processo de reflexão crítica que
possibilita a compreensão de um objeto.” 34 Nesta definição observamos dois elementos: um

32
Aristóteles. Apud COSTA, Hermisten Maia. P. da. Teologia Sistemática: prolegômena. São Paulo:
Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel as Conceição, fevereiro de 2005. f. 4. Anotações
parciais de aula da disciplina Teologia Sistemática I (Prolegômena / Teontologia e Antropologia),
ministrada no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo, Capital. [Trabalho não
publicado].
33
Hermisten Costa escreve que na infância “... a criança faz perguntas infindáveis sobre questões para as quais,
nós, adultos, já a muito iniciados no mundo do saber, nem sempre temos respostas satisfatórias.” (Ibid., f. 4). O
psicólogo batista Merval Rosa descreveu a religião da criança como tendo um elemento de curiosidade
onde ela faz perguntas para entender também sua crença religiosa. Em suas palavras: “... há na religião da
criança, um elemento de admiração e curiosidade que a leva a uma fruição mais profunda da vida e do universo. Esse
espírito de curiosidade e de exploração é típico da faixa etária entre os sete e os doze anos. É nessa fase que a criança
faz perguntas difíceis de responder. Em muitos casos, as perguntas em si á são por demais difíceis e o problema é
agravado pelo fato de o mundo adulto rodeá-las de certo ar de mistério. Pais e educadores devem ser extremamente
cuidadosos para não deixar sem resposta a inquirição da criança e, sobretudo, não mostrar irritação, que seria um
atestado de sua própria incapacidade de respondê-la. Tais atitudes podem matar o espírito criativo da criança e levá-
la a uma posição de indiferentismo e de apatia para com o problema religioso da vida.” (ROSA, Merval. Psicologia
da religião. Rio de Janeiro – RJ: Casa Publicadora Batista, 1971. p. 80 – 81). Esse costume das crianças de
perguntarem coisas difíceis já era visto no passado quando Eusébio de Cesaréia (270 – 339), escritor
cristão, relata sobre a infância de Orígenes (185 – 254). Ele escreve que “... seu pai, [Leônidas] antes do ciclo
comum a todos, fez com que sua preocupação (...) [pelas Escrituras] não fosse secundária. Em conseqüência, antes
de ocupar-se das disciplinas helênicas, em toda ocasião o introduzia a exercitar-se nos estudos sagrados, exigindo-lhe
cada dia passagens de memória e relações escritas. Estes exercícios não desagradavam o menino, antes até,
empenhava-se neles com ardor excessivo, ao ponto de que, não se contentando com os sentidos simples e óbvios das
Escrituras Sagradas, já desde então buscava algo mais e investigava visões mais profundas, de forma que chegava
pôr em apuros seu pai perguntado-lhe o que queria significar o sentido da Escritura divinamente inspirada. Este
aparentava repreendê-lo abertamente, exortando-o a não indagar nada que excedesse sua idade nem mais adiante do
sentido evidente, mas no seu íntimo regozijava-se enormemente e proclamava perante Deus, autor de todo bem, seu
maior agradecimento por tê-lo feito digno de ser pai de tal filho.” (EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica.
Tradução de Wolfgang Fischer. São Paulo – SP: Novo Século, 1999. IV, II, 7 – 10, p. 194).
34
Hermisten Maia. P. da COSTA, Teologia Sistemática: prolegômena, f. 4.
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ser que busca conhecimento e um objeto que passa pelo processo de ser conhecido. 35 O
ser deve ser sempre cognoscente, isto é, deve ter a capacidade de refletir sobre o objeto
de análise, pois sem esse processo de reflexão não pode existir o conhecimento. Sendo
assim, o conhecimento pode se dar entre um ser cognoscente e um objeto ou entre dois
seres cognoscentes, mas nunca entre dois objetos.

1.2.2 – A reflexão e a qualidade no processo de conhecimento

“Há três tipos diferentes de mente: um compreende as


coisas por si só; o segundo compreende as coisas
demonstradas por outrem; o terceiro nada consegue
discernir, nem só, nem com a ajuda dos outros. A
primeira espécie é a melhor de todas; a segunda é
também muito boa, mas a terceira é inútil.”-
MAQUIAVEL. O príncipe. Tradução de Pietro
Nassetti. São Paulo – SP: Martin Claret, 2004.
XXII, 2. p. 137. (Coleção “A Obra Prima de Cada
Autor”).

“A palavra reflexão vem do verbo latino reflectere, que significa voltar atrás.” 36
Isso quer dizer que refletir é rever o que já existe no pensamento, é sistematizar e julgar
as idéias, opiniões que já possuímos em nossa mente. Esse processo é importante para
todas as pessoas porque só existe verdadeiro saber quando refletimos. Onde não há
reflexão, há apenas mero “decoreba” ou assimilação mecânica de assuntos. Isso não nos
faz sábios, mas meros “papagaios” que vivem repetindo o que muitos já disseram.
Outro ponto interessante a compreendermos é que sem reflexão as provas do que
defendemos são impossíveis de serem feitas. Wright escreve que “Tantas coisas são
assumidas sem reflexão que qualquer espécie de prova é impossível.” 37 Isso significa que a
reflexão é importante em nossa argumentação para que possamos provar com maior
clareza e fidelidade documental que nossa posição é verdadeira.
No processo do conhecimento deve haver reflexão. Quem enfatiza isso com
uma simples frase é Charles Hodge (1797 – 1878) quando escreve que conhecimento é
“... a persuasão do que é verdadeiro sobre a evidência adequada.” 38 Onde há persuasão do
verdadeiro sobre a evidência adequada, certamente há preocupação na qualidade do

35
Cf.: Hermisten Maia. P. da COSTA, Teologia Sistemática: prolegômena, f. 34.
36PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. Filosofia e história da educação. 10. ed. São Paulo – SP: Ática,
1993. p. 13.
37 R. K. Mc Gregor WRIGHT, A Soberania Banida: Redenção Para a Cultura Pós-Moderna, p. 51.
38
Charles HODGE, Teologia sistemática, p. 1.
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conhecimento. 39 Jamais devemos buscar o conhecimento de forma despreparada


porque se o que buscamos é a verdade, nossa busca deve ser sincera e minuciosa.
Hermisten Costa escreve que “A verdade é um todo unificado que cabe a cada um de nós
descobrir através da pesquisa – dentro de nossa contingência histórica -, dispondo do mundo
como o grande laboratório concedido por Deus ao homem.” 40 Nós como Igreja de Deus
devemos ter a consciência de buscarmos a verdade do Senhor para que possamos
conhecê-lo melhor.

1.3 – A Vida Eterna

Anthony Hoekema (1913 – 1988), teólogo de linha bíblico-reformada, faz alusão


ao que C. S. Lewis ensina sobre o termo vida. Ele escreve:

C. S. Lewis em Mere Christianity, emprestando duas palavras gregas,


distingue dois tipos de vida: Bios e Zoe. Bios é o tipo de vida que todas as
pessoas têm – vida biológica, mantida pela comida, pelo ar e pela água, mas que
no final termina em morte. Zoe, por outro lado, é vida espiritual, o tipo de vida
que Deus nos dá quando nascemos de novo – vida eterna. Esses dois tipos de
vida, Lewis continua, não são apenas diferentes; eles são opostos entre si. Bios é
basicamente centrada em si mesma, ao passo que Zoe é centrada em Deus e nos
outros. 41

Lewis ensina que há dois tipos de vida para os seres humanos. A vida biológica
e a vida espiritual. Isso é Bíblico. Observemos Jo. 1: 11 – 13: “11 Veio para o que era seu, e
os seus não o receberam. 12 Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; 13 os quais não

39 Um exemplo que o método filosófico de pesquisa nos dá é que o conhecimento envolve uma pesquisa
profunda e não superficial. De acordo com Jacques Maritain, “ ... a Filosofia é uma sabedoria que consiste em
CONHECER. Conhecer como? – Conhecer no sentido pleno e perfeito da palavra, isto é, com certeza, e podendo
dizer por que a coisa é tal e não pode ser de outro modo, CONHECER PELAS CAUSAS. A investigação das
causas é com efeito a grande tarefa dos filósofos, e o conhecimento de que se ocupam não é um conhecimento
simplesmente provável, com o que proporcionam os oradores nos discursos; é um conhecimento capaz de exercitar a
inteligência, como o que os geômetras proporcionam pelas suas demonstrações.” (Maritain, Jacques. Introdução
geral à filosofia. Tradução de Ilza das Neves & Heloísa de O. Penteado. 9. ed. Rio de Janeiro – RJ: Agir
Editora, 1970. v. 01 – Elementos de Filosofia, p. 67 – 68). Esse tipo de investigação profunda e desejosa de
conhecer a verdade que têm os filósofos deve também fazer parte da Igreja de Cristo Jesus.
40COSTA, Hermisten M. P. da. História da filosofia: breves anotações (Introdução geral). São Paulo - SP,
Agosto de 2001. f. 18. Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo José Manoel da Conceição, Agosto
de 2001. Anotações de aula da disciplina História da Filosofia, ministrada no Seminário Presbiteriano
Rev. José Manoel da Conceição. [Trabalho não Publicado].
41
Anthony HOEKEMA, Salvos pela graça: a doutrina bíblica da salvação, p. 99.
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nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de


Deus.” Nesse texto vemos que há os que nascem em propensão natural, isto é, vida
biológica, e aqueles que, além de viverem de modo físico, pela obra de Deus em suas
vidas, ganham também vida espiritual ou eterna. (Cf.: Ef. 2:1). Também é importante
frisar nesse ponto que os cristãos ganham de graça a vida eterna da parte de Deus, e
não pelas suas obras. (Cf.: Ef. 2:10).
A vida eterna é um estado já presente no homem convertido pelo Senhor (Cf.:
Jo. 3:36), embora ainda não a tenhamos de forma plena. Por isso Cristo manda-nos
esperar e nos preparar para ela. (Cf.: Jo. 12:25). Esse preparo é realizado com a força que
o nosso próprio Deus nos supre. (Cf.: Fp. 2: 12 – 13).
Cristo diz que para termos a vida eterna nós precisamos de duas coisas básicas
que envolvem conhecimento: Conhecer a Deus e a Cristo: “E a vida eterna é esta: que te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo. 17:3). É
nesses pontos que adentraremos agora, mesmo que de forma apenas introdutória.

1.3.1 – Conhecer a Deus

O conhecimento sobre Deus é algo importante para quem quer crescer


espiritualmente. O teólogo Batista inglês Charles Haddon Spurgeon (1834 - 1892) 42

42
Spurgeon “... foi o maior pregador inglês do século passado [século XIX] e o líder de um pequeno grupo de
batistas calvinistas proeminentes da União Batista. Suas publicações mostraram a heresia e o liberalismo da União, e
também documentaram o que veio a ser conhecido como a Degradação entre os batistas ingleses. A liderança da
União Batista estava se tornando mais liberal e consistentemente rejeitou os pedidos de Spurgeon para que
introduzissem dois padrões doutrinários muito simples para os membros: a crença na Trindade e a infalibilidade das
Escrituras. Ao invés, eles optaram por uma inclusão não somente dos arminianos e calvinistas (a quem Spurgeon
nunca se havia oposto), mas também do crescente movimento liberal modernista, que ia a ponto de negar a Trindade.
Finalmente, a União incitou Spurgeon a sair da denominação.” (R. K. Mc Gregor WRIGHT, A Soberania
Banida: Redenção Para a Cultura Pós-Moderna, p. 37). Spurgeon era bíblico-calvinista. Ele diz: “‘As velhas
verdades que Calvino pregou, que Agostinho pregou, que Paulo pregou são as verdades que eu devo pregar hoje, ou,
de outro modo, serei falso a minha consciência e a meu Deus. (...) Deleito-me em proclamar estas velhas e fortes
doutrinas apelidadas de calvinismo, porque são certa e seguramente a verdade revelada por Deus, como ela está em
Jesus Cristo.’” (Charles Haddon Spurgeon apud Spencer, Duane Edward. TULIP: os cinco pontos do
calvinismo à luz das Escrituras. Tradução de Sabatini Lalli. 2. ed. São Paulo – SP: ParaKletos, 2000. p. 8
– 9). Sobre o termo Liberalismo é bom sabermos que ele “... é um termo muito usado e pouco compreendido.
Ele é usado no campo político, social e religioso sem que haja uma definição universalmente aceita.” (CONSTANZA,
José Roberto da Silva. As Raízes Históricas do Liberalismo Teológico. Fides Reformata. São Paulo – SP,
Vol. X, n. 1, p. 80, jan. 2005. Para um artigo sobre “liberalismo político e filosófico” ver: ABBAGNANO,
Nicolas. Liberalismo. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e outros. 3. ed. São Paulo –
SP: Martins Fontes, 1998. p. 604 – 605). Champlin escreve que “O liberalismo, explicado de modo geral, é
uma atitude para com as idéias ou sistemas sociais, econômicos, políticos e religiosos, que não se valhe de dogmas
fixos, e que, além disso, promove alterações que promovem por meio da razão e da experiência.” (Liberalismo. In:
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 6. ed. São Paulo – SP: Hagnos,
Vol. 3 (H - L), 2002. p. 800). Em termos etimológicos, “A base lingüística do termo ‘liberal’ é a palavra latina
liberalis, ‘pertinente ao liberto’, em contraste com os escravos, que não podiam promover suas idéias e realizações.”
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afirma que “Nenhum tema contemplativo tende a humilhar mais a mente do que os
pensamentos sobre Deus.” 43 James Packer demonstra que isso é verdade numa síntese
bem interessante que ele faz:

Para que fomos feitos? Para conhecer a Deus. Que alvo devemos estabelecer
para nós mesmos nesta vida? Conhecer a Deus. O que é a ‘vida eterna’ que
Jesus dá? Conhecimento de Deus. (...) Qual é a melhor coisa na vida, que traz
mais alegria, prazer e contentamento que qualquer outra? O conhecimento de
Deus. (...) Qual, de todos os estados em que Deus vê o homem, Lhe dá mais
prazer? O conhecimento de dele. 44

(Ibid., p. 800). Em questões teológicas, o liberalismo também tem a sua definição particular, como por
exemplo, “... há quem o defina como uma forma de pensamento religioso que empreende a investigação sistemática
da fé com base em uma norma diferente da autoridade da tradição.” (José Roberto da Silva CONSTANZA. As
Raízes Históricas do Liberalismo Teológico. Fides Reformata, p. 80). Também pode-se defini-lo como
tendo a tendência de “... opor-se a teorias fixas sobre a inspiração das Escrituras, favorecendo antes o uso da
crítica histórica e da aplicação das descobertas da ciência que envolvam algo das crenças religiosas.” (Liberalismo.
In: Russel Norman CHAMPLIN. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol. 3 (H - L), p. 800).
Hermisten Costa afirma que “Partindo de uma concepção bem ampla, podemos definir o Liberalismo Teológico
como o esforço por interpretar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma perspectiva iluminista. Deste prisma,
só pode ser considerada genuíno o “credo” que se ajuste aos critérios racionais vigentes. De certa forma o
Liberalismo Teológico é mais dependente da Renascimento do que da Reforma Protestante.” (COSTA, Hermisten M.
P. da. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo – SP: Cultura Cristã, 2004. p. 285). J. Gresham
Machen afirma que o Liberalismo tem sua raiz no naturalismo: “... mesmo sendo múltiplas as formas em que o
movimento aparece, a raiz do movimento é uma; as muitas variedades da religião liberal moderna são arraigadas no
naturalismo – isto é, na negação de qualquer entrada do poder criativo de Deus (distinguindo-se este do curso
ordinário da natureza) em conexão com a origem do cristianismo. A palavra ‘naturalismo’ é usada aqui em um
sentido um tanto diferente do seu significado filosófico. Neste sentido não filosófico, descreve com exatidão
satisfatória a raiz real daquilo que é chamado, mesmo sendo uma degradação de uma palavra originalmente nobre, de
religião ‘liberal’.” (MACHEN, J. Gresham. Cristianismo e Liberalismo. Tradução de Denise P. Meister.
São Paulo – SP: Os Puritanos, 2001. p. 14). Segundo pesquisamos, “O naturalismo pode referir-se ao
pensamento que o mundo e todas as coisas nele existentes devem ser explicados com base na ciência natural, sem
apelos à teologia e a conceitos do sobrenatural. E quando as coisas transcendem ao presente conhecimento que
possuímos, então somos convocados a ter fé no inexorável avanço da ciência, a qual, presumivelmente, poderá
mostrar, afinal, que todas as coisas são naturais.” (Naturalismo. In: CHAMPLIN, Russel Norman.
Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, Vol. 4 (M - O), 2002. p. 457).
Isto quer dizer que o liberalismo baseia-se na independência de Deus porque não o reconhece como o
criador e sustentador de tudo que existe. Trata-se então de um movimento herético e deve ser evitado
pelo verdadeiro cristão. Sobre a criação de Deus, João Paulo II afirma que “Uma vez que o mundo criado não
é autosuficiente, qualquer ilusão de autonomia que ignore a essencial dependência de Deus de toda criatura –
incluindo o homem – leva a dramas que destroem a busca racional da harmonia e do sentido da existência humana.”
(JOÃO PAULO II. Fides et ratio. 9. ed. São Paulo – SP: Paulinas, 2006. VII, 1, 80, p. 107. [Encíclica dada
em Roma no dia 14 de Setembro de 1998]).
43Charles H. Spurgeon apud PACKER, J. I. O conhecimento de Deus. Tradução de Cleide Wolf. 7. ed.
São Paulo – SP: Mundo Cristão, 2001. p. 9.
44
Ibid., p. 26.
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A conseqüência de não se buscar o conhecimento de Deus também nos é dada


por Packer que escreve

Para aqueles que não conhecem a Deus o mundo se torna um lugar estranho,
louco, penoso, e viver nele algo de decepcionante e desagradável. Despreze o
estudo de Deus e você estará sentenciando a si mesmo a passar a vida aos
tropeções, como um cego, como se não tivesse qualquer senso de direção e não
entendesse aquilo que o rodeia. Deste modo poderá desperdiçar a sua vida e
perder a sua alma. 45

O ponto a ser estudado aqui é que para termos a vida eterna devemos conhecer
ao Deus que a Bíblia. Não se trata de apenas estudá-lo de forma mecânica ou
superficial. Estamos falando de conhecer a deus pelo estudo das Escrituras. Eis alguns
textos que nos demonstram a importância de tal empreendimento: Jo. 17:3; Jr. 9:23 – 24;
Os. 6:6. Para termos a vida eterna nós precisamos conhecer a Deus. Sem este
conhecimento teórico, mas ao mesmo tempo prático, é impossível crermos que fazemos
parte no do Reino dos Céus.

1.3.2 – Conhecer a Cristo

Jesus diz que além de conhecermos a Deus, para que a vida eterna esteja em
nós, precisamos também conhecê-lo porque ele foi enviado por Deus (Cf.: Jo. 3:16).
Devemos entender que o cerne do cristianismo é a pessoa de Cristo, pois sem ele, não
há religião cristã, mas apenas um neo-judaísmo. Alister McGrath afirma que “... a
existência cristã só é possível na base da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo; e a natureza e
conformação dessa existência são em si incorporadas em sua vida e, por ela, inspiradas e
informadas.” 46 Jonh Stott amplia esta idéia e afirma que “Jesus, o cordeiro, hoje é mais do
que o centro do palco na salvação, na história e na adoração. Ele terá um lugar central quando a
história terminar e a cortina se abrir para a eternidade.” 47
De fato, Cristo é o centro de nossa fé. Devemos conhecê-lo porque segundo ele
mesmo nos ensina, ninguém vai ao Pai se não for por ele (Jo. 14: 6), e quem vê a ele vê
ao Pai (Jo. 14:9). Cristo é o portador das palavras da vida eterna (Jo. 6:68), e, por ele ter
vindo ao mundo para nos salvar, devemos honrá-lo. Quem honra ao Filho de Deus
honra ao Pai. Isso, o próprio Cristo nos ensinou (Cf.: Jo. 5: 23 – 24).

45 James I. PACKER, O conhecimento de Deus, p. 11.


46MCGRATH, Alister. Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo. Tradução de
Hope G. Silva. São Paulo – SP: Shedd, 2007. p. 32.
47
STOTT, John. A cruz de Cristo. São Paulo – SP: Vida, 2002. p. 32.
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Uma lição séria que devemos aprender é que assim como o conhecimento de
Deus é pessoal, o de Cristo também é. J. Packer escreve sobre o conhecimento de Deus:
“O conhecimento de Deus é pessoal, como acontece com qualquer relacionamento humano.
Conhecer a Deus é mais do que saber sobre Ele: é entrar em contato com Ele enquanto se revela a
você e ser dirigido por Ele à medida que toma conhecimento de você.” 48 E desta forma também
é o nosso conhecimento acerca de Cristo: um conhecimento pessoal. Um texto bem claro
a esse respeito é Mt. 16: 13 – 17.
O que primeiro podemos perceber no texto é o interesse de Cristo em saber qual
era o conhecimento comum ou vulgar que as pessoas tinham dele. No v. 13 lemos:
“Indo Jesus para os lados de Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz
o povo ser o Filho do Homem?” O conhecimento vulgar é aquele em que falamos no dia
a dia expressando a nossa opinião pessoal sobre um assunto. 49 Pode ser sobre futebol, e
ai cada um tem um time; pode ser sobre política, onde cada um tem uma preferência
política; os homens falam sobre mulheres e cada um tem um gosto pessoal sobre a
beleza feminina; e as mulheres também falam sobre os homens. Enfim, no
conhecimento vulgar expressamos a nossa opinião pessoal sem um compromisso tão
sério de que ela seja verdadeira ou não. Claro que é sempre bom que seja verdadeira
porque o apóstolo Paulo diz “Não mintais uns aos outros” (Cl. 3:9), então o cristão
deve evitar falar mentira.
Jesus passa próximo a Cesaréia de Filipe. Essa cidade tinha esse nome por dois
motivos. Primeiro, “Cesaréia” vem de César e a cidade tinha esse nome por causa de
“Cesar Augusto”, rei dos romanos. Segundo, “Filipe” aqui se refere ao Filipe que era
filho de Herodes, o Grande e Cleópatra. A cidade tinha o seu nome porque ele fez uma
grande reforma nela, deixando-a muito bonita. 50 Mateus nos relata que lá Jesus
perguntou aos seus discípulos: “Quem diz o povo ser o Filho do homem?” o V. 14 diz: “E
eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum
dos profetas.” Isto significa que havia entre o povo certas dúvidas sobre a pessoa de
Jesus. É como nos dias de hoje onde alguns dizem que Cristo foi apenas um grande
mestre, foi apenas um homem muito iluminado por uma divindade, e outros ainda vão
mais longe, dizendo que Cristo nem ao menos existiu, mas foi apenas fruto da religião
primitiva dos judeus.
Contra isso nós temos no texto uma pergunta certeira para os discípulos
responderem. Cristo pergunta no V. 15: “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu
sou?” O que percebemos nesta pergunta é que Cristo exige um conhecimento pessoal de

48 James I. PACKER, O conhecimento de Deus, p. 31.


49 Cf.: Claudino PILETTI; Nelson PILETTI, Filosofia e história da educação, p. 19.
50
Cf.: Cesaréia; Cesaréia de Filipe. In: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia teologia e
filosofia. 6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, v. 1 (A - C), 2002. p. 701 – 703; Filipe (Filho de Herodes, o
Grande e Cleópatra. In: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 6. ed.
São Paulo – SP: Hagnos, v. 2 (D - G), 2002. p. 754.
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si. A pergunta dele é direta ao coração daqueles homens. Cristo queria que a resposta
deles viesse de seu coração e não que fosse baseada no que ouviram falar de outras
pessoas. Alguns indivíduos acham que podem ir ao céu pela fé de outras pessoas!
Dizem que são crentes porque os pais foram, porque a irmã ou irmão mais velho que
tomou conta é cristão. Entretanto, devemos ter em mente que o encontro com Cristo é
pessoal. Cristo olha para cada um de vocês e pergunta: “E você, quem diz que eu sou?” E
qual resposta você dará? Vai apelas para o testemunho de seus pais? Vai citar o que
ouviu os outros dizerem de cristo? Tudo isso não adianta! O que importa é o que você
acha de Cristo! É a sua relação pessoal com Cristo que vale aqui. É este desafio que
Cristo fez a seus discípulos e faz conosco hoje: termos um encontro pessoal com ele.
Que isso fique bem gravado em nossas mentes e corações: só tem a vida eterna aquele
que tem um encontro pessoal com Cristo.

1.4 – Dificuldade para se conhecer ao Senhor

Sem dúvidas a maior dificuldade que podemos ter em conhecer ao Senhor é a


nossa falta de vontade natural em evitar as coisas de Deus. Mesmo que sejamos já
regenerados e convertidos, é certo que a natureza pecaminosa ainda habita em nós e
ela, com alguma influência satânica, nos faz em alguns momentos cair em tentação.
Nossa missão é nos apegarmos com Deus e não permitirmos que essa indisposição ao
conhecimento do Senhor se torne costume nosso.
Podemos citar aqui uma bela frase de Benjamim Breckinridge Wrafield (1851 –
51
1921), teólogo Reformado, que ele dirige a teólogos, mas que aqui, a aplicaremos a
toda a Igreja:

Certamente, todo homem que aspira ser espiritual tem que começar por fazer o
seu dever, seu dever óbvio, sua tarefa diária, o trabalho específico que se
encontra à sua frente, a ser feito neste tempo e lugar específico. Se este trabalho
é o estudo, então sua vida religiosa depende nada mais fundamentalmente do

51 “Benjamim Breckinridge Warfield (1851 – 1921) nasceu no estado de Kentucky (USA). Foi um dos maiores
teólogos reformados conservadores que defenderam a ortodoxia calvinista. Estudou na Universidade de Princeton e
depois de cursar seus estudos em Edimburgo e Heidelberg se graduou em teologia no Seminário Teológico de
Princeton. Posteriormente estudou em Leipzig, Alemanha e em 1886 foi chamado ao próprio Seminário Teológico de
Princeton como professor de Teologia Sistemática. Foi sucessor de Archibald Alexander Hodge. Foi autor de muitos
artigos e obras literárias, além de editor da Revista Reformada e Presbiteriana de 1890 a 1903. Sua erudição era
precisa, ampla e bem fundamentada na literatura científica. Suas obras se destacam por sua fidelidade à Bíblia. Por
isso foi um dos que maiores teólogos acadêmicos na passagem do século e suas obras ainda hoje permanecem vivas
entre os protestantes conservadores.” (CANUTO, Manoel S. Prefácio. In: WARFIELD, B. B. A vida religiosa
dos estudantes de teologia. Tradução de Alaíde Bemerguy. São Paulo – SP: Os Puritanos, 1999. p. 5).
Igreja Presbiteriana do Brasil // 150 anos de IPB // Ano 2009 //
Bacharel Heber Ramos Bertucci // Palestras para o acampamento de fevereiro // -18-

que, e somente, estudar. (...) Há certamente algo errado com a vida espiritual
de um estudante de teologia que não estuda. 52

Da mesma forma, podemos afirmar categoricamente que há algo errado com


qualquer cristão que não tenha prazer em ler as Escrituras. Estudar a Bíblia é ordem de
Deus. Vejamos os seguintes textos: Dt. 11: 1; Js. 1: 7 – 8; Sl. 1: 1 – 2; Mt. 11: 29; I Co. 4:6;
Sl. 19: 7. No último texto citado, vemos Davi afirmar que a Lei do Senhor é perfeita e
restaura a nossa alma. John F. MacArthur, Jr. ensina que Davi usa o termo “lei” nesse
texto “... para se referir às Escrituras como a totalidade do que Deus revelou para nossa
instrução, quer seja credo (o que cremos), caráter (o que somos) ou conduta (o que fazemos).” 53
Já o termo “perfeito” significa que a Escritura é inteira e suficiente para nos transmitir a
vontade de Deus. A idéia básica da palavra “restaurar” é, para MacArthur,
“transformar”. Ele assim parafraseia Davi neste verso: “a Escritura é tão poderosa e
abrangente que pode converter e transformar a pessoa toda, tornando-a em alguém precisamente
como Deus quer que ela seja.” 54 Por isso não podemos temer a Palavra de Deus, mas
devemos obedecê-la, pois, por ela, Deus nos apresenta a sua vontade que é sempre boa,
agradável e perfeita. (Cf.: Rm. 12: 1 – 2).

Jandira, 20 de fevereiro de 2009


Igreja Presbiteriana do Brasil
Bacharel Heber Ramos Bertucci
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52 B. B. WARFIELD, A vida religiosa dos estudantes de teologia, p. 14 – 15.


53 MACARTHUR, JR., John F. Nossa suficiência em Cristo. São José dos Campos – SP: Fiel, 1995. p. 66.
54
Ibid., p. 67.

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