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EDITORIAL

SUMÁRIO
Visão cristã da morte Novembro 2005/09

N
o dia 2 de novembro fazemos memória dos que nos pre-
cederam, os mortos. Que sabemos nós sobre o mistério
da vida e da morte? Nesta edição, Missões retrata em Eunice Rodrigues Barbosa,
suas matérias, diversos sinais de vida e morte presentes assistente social da Febém
na sociedade contemporânea que nos ajudam a refletir Tatuapé, SP. Militante do
sobre a nossa missão de peregrinos nesse mundo. Criados movimento negro e líder
comunitária da Zona Norte de SP
à imagem e semelhança de Deus, carregamos em nossa realidade
Foto1: Cleber Pires
de humanos, traços visíveis daquele que nos criou. Deus quis estar
representado na pessoa humana que, por sua vez está profunda- Festa da homologação da Raposa
mente vinculada a Ele. Ao mesmo tempo carregamos em nosso ser Serra do Sol, Maturuca, RR
necessidades, desejos, limitações, tensões... e estamos sujeitos às Foto2: Lírio Girardi
realidades do mundo.Um dos segredos do dinamismo do sistema
capitalista moderno é a acumulação de riquezas, de mercadorias,  MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
como o único ou melhor caminho para satisfazer o desejo de ser, Cartas
poder e aparecer. Acontece, porém, que o pensamento econômico  OPINIÃO--------------------------------------------------05
não trabalha com as necessidades, o que seria limitado, mas sim Ações afirmativas
com o desejo, que não tem limites e por isso, nunca consegue ser Joseph Waithaka
saciado. Nesse sistema, a satisfação prometida é ilusória e imediata,  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
destinada a preencher um vazio Jaime C. Patias O "mesquinho" não realiza ninguém
no ser humano (consumidor) que Rosa Clara Franzoi
quanto mais consome, mais vazio  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
se sente. Dessa forma, é preciso Notícias do Mundo
Fides / Missões
inventar continuamente novas
ofertas num processo infinito e  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
auto-regulador. Desaparece a Cristo Rei, o seguimento de Jesus hoje
José Roberto Garcia
noção de limite para as ações
humanas e surge a idéia de que  CIDADANIA-----------------------------------------------12
“querer é poder”. Vivemos tão Uma vida pela Vida
Alfredo J. Gonçalves
preocupados em ter casas, carros, fortunas, status, aparência...Va-
mos acumulando medo de perder, de envelhecer, de morrer... vem a  testemunho-------------------------------------------13
Bubaque, minha vida
insegurança, as angústias... Apesar de não estarmos completamente Maria de Lourdes Pereira
convencidos dos momentos de prazer que o dinheiro compra, acre-
ditamos que possuindo alcançaremos a felicidade e viveremos neste  testemunho-------------------------------------------14
50 anos de paz e bênção
mundo para sempre. Surge o mito da erradicação da morte. Rosa Squizatto
Podemos dizer que a pessoa, imagem de seu Criador, vive numa
encruzilhada entre dois verbos: o “ser” e o “ter”. Mas é diante da  FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
Evangelii Nuntiandi, 30 anos
morte que o enigma da condição humana atinge seu ponto mais alto. Luiz Balsan
No final da nossa passagem por este mundo o verbo “ter” revela-se
muito pobre: não nos é possível levar nada daquilo que acumulamos,  MISSÃO HOJE-------------------------------------------19
A Eucaristia é celebração do amor
consumimos ou parecemos ser ao usar este ou aquele produto de Alcides Costa
marca. Isso porque a nossa vida pertence a Deus, que no seu amor
 DESTAQUE DO MÊS------------------------------------20
nos chamou à existência, e não ao mercado que quer dominar e nos Vaticano II, embrião do movimento negro
possuir. O que conta mesmo é o verbo “ser”: o que somos de fato e Dagoberto José Fonseca
o que somos na transparência do nosso interior. Na morte seremos
 ATUALIDADE----------------------------------------------22
o que fizemos de nós mesmos durante nossa vida terrena. Levo o Charles de Foucauld
que sou, eis o que importa. Benedito Prezia
Para o mercado, a morte é dolorosa como um fim de festa. Daí  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
todo o esforço da sua negação. Até falar da morte é proibido, virou Consciência Negra e a criança
tabu. Para o ser humano, a morte é um fim “plenitude” e um fim Roseane de Araújo Silva
“meta alcançada”. Devemos sempre iluminar o mistério da morte  CONEXÃO JOVEM--------------------------------------25
cristã com a luz de Cristo Ressuscitado. E para os que morrem Jesus Cristo, a face humana de Deus
na graça de Cristo, é uma participação na morte do Senhor, a Edilene de Souza
fim de poder participar também de sua ressurreição. A morte,  ENTREVISTA CRISTÓVÃO PEREIRA--------------------26
sendo o fim normal, recorda-nos que temos um tempo limitado Viver a fé no mundo neoliberal
Jaime Carlos Patias
para realizar a nossa vida. Graças a Cristo, a morte cristã tem um
sentido positivo. “Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro” (Fi  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
1, 21). Na pessoa de Jesus ressuscitado, Deus se revela aquele Raposa Serra do Sol, Terra generosa
Lírio Girard
que ressuscita os mortos. Da mesma forma como ressuscitou
Jesus, Deus nos ressuscitará também.   Volta ao Brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
CNBB / COMIDI Curitiba / Ética na TV / UCBC

Missões - Novembro 2005 3


Mural do Leitor
Ano XXXII - no 09 Novembro 2005 Revista Missões a todos os povos, línguas e nações”. Pe-
dimos que o Senhor continue conduzindo
Diretor: Jaime Carlos Patias Parabéns pela beleza, qualidade das o dinamismo bonito e enriquecedor que
matérias e colaboração estreita de Missões Missões nos traz.
Editor: Maria Emerenciana Raia com a Campanha Missionária 2005 (edição
de outubro). Isso nos incentiva a crescer Lenivaldo Carvalho
em parceria e colaboração sempre mais Via e-mail
Equipe de Redação: Joaquim F.
estreita e fraterna, pela causa da missão
Gonçalves, Cristina Ribeiro Silva e Rosa
Clara Franzoi
evangelizadora da Igreja, em fidelidade A Missão a serviço da paz
ao mandado de Jesus. Nesse sentido,
sabemos que podemos contar com vocês, A paz é um anseio profundo do cora-
Colaboradores: Alfredo J. Gonçalves,
e vocês, com estas Pontifícias Obras Mis- ção humano. Somos promotores da paz
Vitor Hugo Gerhard, Lírio Girardi,
sionárias. Deus nos abençoe e continue a quando em nossa missão evangelizadora
Luiz Balsan, Marinei Ferrari, orientar nosso esforço em comum! somos sensíveis ao Evangelho que nos
Roseane de Araújo Silva, Júlio César, convoca a criar uma “cultura de paz” num
Manoel Aparecido Monteiro João Bosco mundo em conflitos.
Pontifícias Obras Missionárias, Brasília Não há paz sem solidariedade! Para
Agências: Adital, Adista, CIMI, termos paz no convívio social precisamos
CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA, Sou seminarista diocesano em Santo tomar partido dos pobres, atentos às
Pulsar, Vaticano André, São Paulo, e fico muito feliz pelo questões sociais como fiéis defensores
trabalho que brota do amor pela missão. da vida. Da mesma forma não há paz
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires Ao ler a revista Missões sinto esse amor humana, paz no coração, nem paz so-
missionário que transborda das linhas, das cial, se não houver paz com a ecologia,
Jornalista responsável: palavras... que bom saber que existem diálogo e respeito às diferenças. Somos
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) pessoas que, seguindo o exemplo do continuamente ofendidos em nossa dig-
missionário do Pai, Jesus, doam a vida nidade, quando nos é negado o direito à
Administração: Eugênio Butti pela construção do Reino de Deus que é cidadania básica, que garante o máximo
justiça, amor, enfim, é libertação. de sobrevivência com dignidade.
Sociedade responsável: Continuemos sempre dispostos a partir, Apaz não acontece sozinha, mas sim no
Instituto Missões Consolata a sair dos nossos “mundinhos” assumin- conjunto da vida, atingindo vários aspectos
(CNPJ 60.915.477/0001-29) do assim a Missão universal. “É missão e dimensões. Como fiéis testemunhos da
de todos nós, Deus chama quer ouvir a Boa Nova, queremos empenhar-nos na
Impressão: Edições Loyola sua voz...”. Um forte abraço e parabéns missão bonita de sermos agentes da paz.
Fone: (11) 6914.1922 a todos que contribuem com o trabalho A nossa missão de paz não pode nunca
desta revista. se basear sobre uma atitude caracterizada
Colaboração anual: R$ 35,00 pelo ser “contra”, mas deve nutrir-se da
BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 Jerry Adriano V. Chacon, busca incessante do bem. Este agir em
Instituto Missões Consolata Via e-mail favor do bem comporta em desmascarar
(a publicação anual de Missões é de 10 números) toda cultura de morte, violência que fere
Desde 2003, acompanhamos Missões o coração humano.
e ela tem nos possibilitado muita alegria no Somos chamados a criar uma cultura
Missões é produzida pelos
desempenhar de nossa missão na vida em de paz a partir da solidariedade, que nos
Missionários e Missionárias
comunidade. Moro em Campinas e sem- permite amor sem limites. Paz se faz a
da Consolata
pre trabalho os temas e testemunhos que partir de nossa mística relação com Deus,
Fone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP
ela nos traz. Lembro-me de um encontro conosco mesmo, com os irmãos e toda
(11) 6231.0500 - São Paulo/SP
vocacional que promovemos e na ocasião Criação, relação que nos leva à recon-
(95) 3224.4109 - Boa Vista/RR partilhei alguns dos testemunhos missio- ciliação. Evangelizar é, portanto, uma
nários, de pessoas corajosas, capazes de ação em favor da vida, da paz, anunciar
Membro da PREMLA (Federação de ir ao encontro dos irmãos distantes, e com a palavra de Deus. É missão de todos nós
Imprensa Missionária Latino-Americana) eles fazer a experiência do Evangelho da construir em outro mundo possível com
vida, concretizando o sonho de Jesus a mística da paz, fazendo-nos solidários
Redação Cristo. Uma senhora nos surpreendeu com os que sofrem, sempre escutan-
Rua Dom Domingos de Silos, 110 com o momento da partilha. Com os olhos do de Jesus: “bem-aventurados os que
02526-030 - São Paulo cheios de lágrimas dizia: “mesmo diante promovem a paz, pois serão chamados
Fone/Fax: (11) 6256.8820 de um mundo feio e animalizado, ainda filhos de Deus!”
Site: www.revistamissoes.org.br é possível mostrar a outra face como faz
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br essa gente corajosa. Eles não têm medo Lenivaldo Carvalho, vocacionado IMC
de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo Campinas, SP

4 Novembro 2005 - Missões


Divulgação

OPINIÃO
Políticas públicas:
- Lei nº 10.639, que obriga o
ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana nas
escolas;
- ProUni (Programa Universidade
para Todos). Lei nº 11.096, que
possibilita o acesso de jovens
de baixa renda à educação
superior através de bolsas de
estudo integrais e parciais.
- regularização fundiária dos
quilombos;
- sistema de cotas para alunos
negros nas universidades.

Ações afirmativas de Joseph Waithaka morrendo em 1695. Vários outros quilombos tiveram a mesma
função de abrigar os que procuravam uma sociedade alternativa
sem escravidão. A morte de Zumbi se comemora no dia 20 de

A
novembro e por isso a data se tornou momento da consciência
ilusória Lei Áurea assinada no dia 13 de maio de 1888 negra no Brasil. Os quilombos inspiram-se na necessidade de
significou muito pouco para a população negra. A falta uma organização social para a comunidade negra, tendo em
de oportunidade dada aos negros cria um circuito vicio- mente a elevação de seu nível cultural, especialmente a vida a
so que hoje se expressa nos índices das estatísticas, partir da comunidade.
nos quais a população negra aparece como campeã Um outro campo em que as "ações afirmativas" se fazem
da violência, analfabetismo e com dificuldades nas presente são as iniciativas alternativas na área da educação,
áreas de moradia e saúde. As políticas afirmativas, dentre outros como os cursos pré-vestibulares para os negros carentes e a
aspectos, visam corrigir a situação de discriminação, exclusão e obtenção de bolsas para ingresso nas universidades. O mais
desigualdade vivida pela população negra através da valoriza- conhecido é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer
ção de seu rico patrimônio cultural, preservado, em parte, pela um determinado número ou percentual a ser ocupado em área
cultura ocidental. Os afro-descendentes enfrentam políticas que específica. O negro se encontra excluído no acesso à educa-
cerceiam seus direitos de integração na sociedade brasileira ção, impossibilitado de adentrar e concluir os ciclos formais de
como cidadãos. Hoje na Igreja constata-se mais consciência escolaridade desde a pré-escola até a universidade. O ensino
da realidade afro-brasileira e em alguns momentos o apoio da superior tem menos de quatro por cento de estudantes negros.
Pastoral Afro tem sido importante para conquistar um espaço na No Brasil, a implementação de políticas reparatórias, como por
sociedade. A atuação pastoral na perspectiva afro tem ocorrido exemplo, as afirmativas, tornaram obrigatória a inclusão da
não só dentro da Igreja, mas também fora, como exigência da disciplina História e Cultura Afro-brasileira e Africana no sistema
sociedade civil, solidarizando-se com as reivindicações dos de ensino nacional.
movimentos populares. Contempla-se ainda a inclusão dos afro-descendentes no
O termo "ações afirmativas" chegou ao Brasil carregado mercado de trabalho. O mercado de trabalho apresenta grande
de uma diversidade de sentidos, o que em grande parte reflete número de postos de trabalho denominados vulneráveis. Os
os debates e experiências históricas dos países em que foi vulneráveis são aqueles trabalhadores que não possuem carteira
desenvolvido, como Estados Unidos, Índia, África do Sul, Cuba, assinada, sem direitos sociais. A comunidade negra é a maior
Argentina, dentre outros. vítima desta injustiça. Os trabalhadores autônomos, os agricul-
No Brasil é a luta por reparação já. A reparação é pensada tores, os empregados domésticos não têm amparo jurídico.
como uma compensação da dívida histórica com os negros e Seria um ato de justiça e nobreza cristã apoiar essas ações
combate às desigualdades raciais. As principais áreas contem- nas paróquias, nos movimentos religiosos, com recursos e es-
pladas são: clarecimentos. É, sem dúvida, uma forma de incluir os afro-des-
A luta pela democratização das terras dos quilombos e pela cendentes na sociedade brasileira em vista do aprofundamento
moradia, sendo os negros as principais vítimas. O primeiro e da vivência da fé cristã para louvar a Deus e testemunhar a
quilombo foi o de Palmares, que entre os anos de 1654 e 1695, fraternidade de seu Reino. 
sofreu 25 ataques da Colônia portuguesa e era a mais significativa
sociedade de escravos fugitivos, abrigando aproximadamente Joseph Waithaka é missionário queniano,
vinte mil pessoas. Zumbi foi o último e maior líder de Palmares, mestre em Missiologia.

Missões - Novembro 2005 5


Encontro Internacional África Brasil
Recomendações no campo da relação entre a mídia e a igualdade racial

Um dos temas abordados no evento e que foi incorporado


Fotos: Jaime C. Patias

à declaração final referiu-se ao “desenvolvimento de práticas


educomunicativas por instituições e comunidades educativas,
assim como pela mídia, objetivando a promoção de iniciativas
voltadas para o combate a toda e qualquer forma de discrimi-
nação por raça, cor, etnia, gênero, classe e crença religiosa”.
O documento considera também importante a divulgação de
pesquisas multidisciplinares e intercontinentais sobre o papel e a
responsabilidade da mídia na promoção da igualdade dentro da
diversidade racial e étnica, propondo a execução de programas
de treinamento para profissionais da mídia, visando capacitá-los
para a promoção da igualdade em todos os campos da ação
humana, nos países da África e no Brasil.
A embaixadora da África do Sul no Brasil, Lindiwe Zulu, fez um
dos pronunciamentos mais aplaudidos do encontro e destacou a
importância do documento final. “Ele estimula os profissionais da
mídia a abandonar o tratamento estereotipado que muitas vezes
Antoine de P. Chonang (Camarões) e Joyce L. Kazembi (Zimbábue). dão aos negros. E faz com que todos nós, negros e brancos,
paremos para pensar sobre o que a mídia pode fazer, de fato,

E
pela igualdade racial e o que, juntos, podemos fazer para que
ntre os dias 12 e 16 de outubro, realizou-se o Encontro nossa voz e vontade promovam as mudanças necessárias”.
Internacional África Brasil, no SESC da Vila Mariana, Para o secretário-adjunto da Secretaria Especial de Pro-
em São Paulo, com jornalistas, lideranças da sociedade moção de Políticas de Igualdade Racial, (SEPPIR), Douglas
civil e educadores do Brasil e de 9 países africanos. A Martins de Souza, as recomendações do Encontro Internacional
tônica do documento final é um estímulo às iniciativas África Brasil apontam para alguns dos novos caminhos a serem
capazes de promover a cooperação entre os países trilhados. “Abrigar a diversidade humana é estratégico para as
africanos e o Brasil para a realização de ações voltadas para
uma efetiva igualdade racial, através da abertura da socieda-
de, da mídia e do sistema educativo. O texto chama a atenção
para a importância das políticas públicas no setor, bem como
para a necessidade de se criar mecanismos que garantam a
formação de comunicadores, educadores e lideranças políticas
preocupados com o tema das diferenças culturais e étnicas na
sociedade contemporânea.
O diálogo inédito proporcionado pelo Encontro resultou no
lançamento, no final do evento, da “Declaração de São Paulo
sobre igualdade racial como desafio para a mídia”. A soleni-
dade foi presidida pelo jornalista e professor Ismar de Oliveira
Soares, coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação
da Escola de Comunicações e Artes da USP e contou com a
presença da jurista Eunice Prudente, professora da Faculdade
de Direito do Largo São Francisco, da jornalista Joyce Laetitia
Kazembi, do Zimbábue, representando a delegação estrangeira,
Mesa redonda sobre etnia e desenvolvimento humano.
de Cláudia Lago do NCE/ECA-USP e de Dilma Melo e Silva,
do Mídia e Etnia. democracias contemporâneas. Na atualidade, a maior forma
O documento retoma o caminho percorrido desde a aprova- da violência é a omissão e a indiferença. O preconceito racial
ção do relatório final da Conferência Mundial contra o Racismo é a expressão disso e a grande mídia não pode continuar se
e a Discriminação Racial, ocorrida em Durban, em 2001, até o prestando a esse papel”, destacou. 
início da implantação de medidas reparatórias no Brasil, como
a legislação que tornou obrigatória a inclusão da história da Matéria publicada no site <http://www.usp.br/nce/> Acesso em 19 out. 2005.
África e da cultura afro-brasileira no sistema nacional de ensino,
sugerindo “a criação de um núcleo disseminador, visando sen- Mais Informações
sibilizar os profissionais de comunicação da África e do Brasil http://www.saoluis.org/africabrasil/
para as questões cruciais com que os mesmos se deparam, em onde estão armazenados os programas radiofônicos desenvol-
seus respectivos países, no campo da relação entre a mídia e vidos via web-rádio por um grupo de 70 crianças e adolescentes
o tema das etnias”. do projeto Educom.rádio do NCE/USP.

6 Novembro 2005 - Missões


pró-vocações
O "mesquinho" não realiza ninguém
Correr menos e refletir mais... mais...

Jaime C Patias
de Rosa Clara Franzoi

N
esta página da revista Missões, há mais de um ano,
estamos tentando entender sempre um pouco melhor
o que seja "Vocação" para o ser humano. Destaco
o ser humano, porque para os demais seres não há
vocação: eles se orientam pelo instinto. Ao passo que
para nós, inteligentes e livres, a busca, a descoberta
e a escolha da vocação é de fundamental importância. Fomos
criados para a felicidade e a realização; mas só nos realizaremos
e seremos felizes quando encontrarmos o “nosso lugar”, onde
pudermos concretizar o que o nosso coração mandar. Como
é importante parar de vez em quando, fazer uma meditação,
questionar as próprias atitudes, as próprias convicções, os
próprios princípios, pois além de ajudar a nos conhecer mais
em profundidade, às vezes poderíamos evitar muitas situações
desagradáveis e sofrimentos inúteis. Precisamos “correr” menos Vasos decorativos no palco das CEBs, Ipatinga, MG.
e “refletir” mais. Aquelas perguntas teimosas: Que futuro estou
preparando para a minha vida? Quais os meus projetos para o ainda vazios entre as pedras grandes e as bolinhas. E o profes-
amanhã? são questionamentos que todo jovem faz e que exigem sor insistia: “O vaso está cheio?” Apenas alguns arriscaram um
resposta, exigem muitas vezes uma reformulação da escala de “sim”, meio desconfiado. Então o professor mandou buscar uma
valores. Veja esta história: jarra de água e a derramou no vaso. A água saturou a areia e foi
se acomodando até à borda. O professor perguntou aos alunos
Em primeiro lugar as pedras grandes o significado daquela demonstração. A resposta era um pouco
“Um professor de Ciências queria demonstrar um conceito difícil para eles. Então ele explicou: meus queridos jovens! Se
aos alunos. Pegou um vaso com a boca bem larga. Colocou vocês não puserem as pedras maiores em primeiro lugar no
dentro dele algumas pedras grandes e perguntou à classe:“O vaso de sua vida, nunca mais conseguirão fazê-lo”.
vaso está cheio?” Em coro, todos responderam: sim. O professor
pegou então um balde de bolinhas de gude e jogou-o no vaso. Deixar-se guiar pelo Espírito de Deus
As bolinhas foram se alojando nos espaços entre as pedras O que seriam essas pedras grandes? São as coisas de
grandes. E o professor perguntou: “O vaso está cheio?” Os maior importância na vida de cada pessoa. Veja a importância
alunos ficaram um pouco receosos, mas ainda um bom número de se ter uma escala de valores e dar a eles o devido lugar. Por
respondeu: sim. Continuando, o professor pegou uma lata de exemplo: o relacionamento com Deus, a religião, a família, os
areia e fez o mesmo. A areia foi se infiltrando nos buraquinhos amigos, a preparação profissional, a preocupação pelos que
estão à sua volta... Tudo isto tem muito a ver com o que estou
sendo chamado a ser no futuro. Se continuarmos a preencher
Quer ser um missionário/a? a nossa vida (o vaso) com coisas pequenas, medíocres, sem
importância - bolinhas, areia, água - como: diversões, vaidades,
Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli fama... para as mais importantes jamais haverá espaço e tempo.
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui Precisamos “sonhar alto” e não ter medo de correr atrás destes
02611-011 - São Paulo - SP sonhos que sentimos ter no coração, pois só assim os alcança-
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br remos. Precisamos reformular continuamente nossa escala de
valores, colocando no topo tudo o que realmente vale a pena;
Centro Missionário “José Allamano” - Pe. Manoel A. Monteiro (Néo) e depois ser decididos. Ninguém pode andar com um pé em
Rua Itá, 381 - Pedra Branca
02636-030 - São Paulo - SP dois sapatos... Somos pessoas livres e o maravilhoso dom da
Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br liberdade que Deus nos deu é para ser usado nesses momentos
que decidirão o nosso futuro. Continue a reflexão com o texto
Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda da Carta de São Paulo aos Gálatas, 5, 16-25 “Deixai-vos guiar
Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253 pelo Espírito de Deus”. 
69072-970 - Manaus - AM
Tel. (92) 624-3044 - E-mail: imcmanaus@manausnet.com.br
Rosa Clara Franzoi é irmã missionária e animadora vocacional.

Missões - Novembro 2005 7


com 21%. Na América Latina e Caribe, o desem-
prego afeta 16% dos jovens, enquanto nos países
industrializados, 13,4%. Uma das causas principais
da morte juvenil é a difusão do vírus HIV. Existem
hoje 10 milhões de jovens soropositivos em todo o
mundo, a maior parte dos quais nos países da África
sub-saariana (6,2 milhões) e da Ásia (2,2 milhões),
enquanto na América Latina são 700.000 e nos países
industrializados, cerca de 600.000.

Venezuela
Infância Missionária e Encontro Eucarístico
No contexto do Ano da Eucaristia, as Pontifí-
cias Obras Missionárias da Venezuela, através dos
Secretariados diocesanos da Infância Missionária
(POIM), iniciaram, em janeiro passado, uma corrente
Índia de Jornadas de Adoração Eucarística em todas as
Evangelização da família e leigos regiões do país. A iniciativa, intitulada “Cintila de
O organismo que reúne 12 regiões eclesiásticas e Amor”, com o slogan “A caridade nunca terá fim! Está
VOLTA AO MUNDO

122 dioceses, a Conferência dos Bispos de Rito Lati- aqui, adoremo-lo!”, promoveu uma série de Jornadas
no, se encontrou em outubro para a sua Assembléia de Adoração Eucarística em todas as arquidioceses,
anual, que programou o novo ano pastoral indicando dioceses e vicariatos apostólicos da Venezuela, com
as prioridades. Da Assembléia, composta por cerca o envolvimento de crianças da Infância Missionária e
de 70 participantes, emergiram as prioridades para pessoas adultas. A iniciativa terá seu ápice com um
o Ano Pastoral que está se iniciando: a formação do Encontro Eucarístico Nacional que envolverá cerca de
laicato e do clero, além da revitalização das cele- 2.500 crianças, de todas as regiões da Venezuela.
brações litúrgicas, para que se tornem sempre mais
significativas e solenes. Os bispos confirmaram que Vaticano
os protagonistas da ação catequética devem ser Evangelização e promoção humana
os leigos, e encorajaram a formação de pequenas Segundo o “Guia das Missões Católicas 2005”,
comunidades, que, revivendo o espírito das comuni- atualizado em 31 de outubro de 2004, desde 1989
dades dos primeiros cristãos, devem ser testemunhas até hoje, foram erigidas 134 novas Circunscrições
autênticas dos valores do Evangelho. Um elemento- eclesiásticas, e cerca de 150 sofreram modificações.
chave - afirmou a Assembléia - é o apostolado das Atualmente, à Congregação para a Evangelização
famílias que devem ser seguidas e visitadas pelos dos Povos são confiadas um total de 1.069 Circuns-
sacerdotes das paróquias, para que, por sua vez, crições eclesiásticas, quase 30% de todas as Cir-
possam transformar-se em agentes de evangelização. cunscrições eclesiásticas da Igreja no mundo. Destas,
Entre as urgências, destaca-se a evangelização do 180 Arquidioceses Metropolitanas, 750 Dioceses,
norte da Índia, área em que muitas pessoas ainda 1 Abadia Territorial, 72 Vicariatos Apostólicos, 45
não receberam o anúncio da Boa Nova. Prelazias Apostólicas, 4 Administrações Apostólicas,
11 Missões “sui iuris” e 6 Ordinariados Militares. O
Suíça maior número das Circunscrições eclesiásticas se
Relatório sobre a Juventude Mundial encontra na África, onde são 477; segue a Ásia,
O Relatório sobre a “Juventude Mundial 2005: os com 453; a América, com 80; a Oceania, com 45 e
jovens hoje e em 2015”, elaborado pelo Departamento a Europa, com 14. Ao serviço da “Missio Ad Gentes”
para Assuntos Econômicos e Sociais da Organização trabalham cerca de 85.000 sacerdotes, dos quais
das Nações Unidas (ONU), constata que mais de 52.000 pertencem ao clero diocesano; 33.000 são
200 milhões de jovens vivem em estado de pobreza religiosos. Acerca da distribuição territorial, 27.000
total, 130 milhões são analfabetos, 88 milhões estão atuam na África; 44.000 na Ásia; 6.000 na América;
desempregados e 10 milhões são soropositivos. A 5.000 na Oceania; 3.000 na Europa. Sua atividade
pobreza, afirma o relatório, é o principal obstáculo para missionária recebe o apoio, além disso, de 28.000
o desenvolvimento juvenil, sobretudo considerando religiosos não sacerdotes; de 45.000 freiras e de
que 18% da população juvenil mundial, ou seja, 209 1.650.000 catequistas. Um último dado que emerge
milhões de jovens, vivem com menos de um dólar por é a contribuição que a Congregação para a Evange-
dia, e cerca de 515 milhões sobrevivem com menos lização dos povos deu na construção de inúmeras
de dois. O impacto é maior no sul da Ásia, onde 84 igrejas-capelas (principalmente para as pequenas
milhões vivem com um dólar por dia, e 206 milhões comunidades espalhadas nas áreas rurais). A isso,
com dois dólares, enquanto na Ásia sub-saariana, acrescentam-se atividades educacionais (cerca de
são respectivamente 60 milhões e 102 milhões. Na 42.000 escolas); atividades de saúde (1.600 hospi-
América Latina, 11 milhões de adolescentes sobrevi- tais, mais de 6.000 dispensários, 780 leprosários);
vem com um dólar e 27 milhões, com dois. A falta de atividades de recreação e sociais (12.000 iniciativas).
trabalho faz registrar cerca de 88 milhões de jovens Isso mostra que na Igreja, evangelização e promoção
desempregados em todo o mundo, sobretudo nas humana andam de mãos dadas. 
regiões da Ásia ocidental e da África do Norte, com
25,6% da população juvenil, e a África sub-saariana Fontes: Fides, Missões.
8 Novembro 2005 - Missões
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
Pela formação permanente dos sacerdotes em

José Luis Ponce de León


territórios missionários.
de Vitor Hugo Gerhard

T
ive a oportunidade e a graça de percorrer vários territórios
de missão, seja na América Latina, seja na África, nos
rincões mais distantes daquela realidade que julgamos
por bem chamar “civilização ocidental”. Foram vários
países no “continente da esperança” e outros tantos no
continente verde, lá onde o jovem cristianismo floresce alegre-
mente, apesar das duras lutas.
Nestes recantos, encontrei um sem número de sacerdotes,
alguns já com os cabelos grisalhos e outros ainda nos albores
da vida e do sacerdócio. São padres diocesanos e membros Padres Joseph Mang’ongo, Thokozani Kunene e diácono
Siyabonga Dubazane em Madadeni, África do Sul.
das congregações religiosas, todos eles dedicando, dia após
dia, suas energias físicas, emocionais e espirituais, pelo bem complementares do ser humano, precisam ser trabalhadas per-
da parcela do Povo de Deus que lhes foi confiada. manentemente, para que o desequilíbrio entre elas não nos leve
São homens de grande valor, apesar de suas fraquezas, à beira do abismo da perda da serenidade, da intranqüilidade e
dedicados e incansáveis, nos trabalhos apostólicos, no ma- da dispersão, males tão modernos e tão antigos.
gistério, na formação dos mais jovens, nas obras sociais e em Um padre, sobretudo em terras de missão, a gente não perde
tudo aquilo que, no momento e naquele lugar parece ajudar na pelas idolatrias do poder, da riqueza e do prazer, mas se pode
missão do anúncio do Reino de Deus. deixá-lo à margem do caminho por não ter cuidado diligentemen-
Talvez, um dos maiores desafios encontrados nestas para- te da sua pessoa e do seu sacerdócio, como um frágil e tenro
gens tenha sido a formação permanente destes apóstolos da arbusto que, por mais vigoroso que seja seu caule e sua copa,
Palavra e da caridade. Aquele esforço permanente e necessário sempre precisará, de forma vital, da seiva que o alimente.
de “tirar um tempo” para si mesmo, tempo de cultivo pessoal, de Por isso, tanto os superiores maiores quanto os bispos locais
crescimento humano-afetivo, de atualização teológico-pastoral não deixarão de oferecer aquelas permanentes oportunidades de
e de renovação das energias do espírito, para que a fragilidade encontro fraterno, de estudo esmerado, de diálogo aberto e franco
humana não esmoreça. Tempo em que o humano e o divino e de contato com peritos em humanidade, para que os guardiães
se mesclam, numa simbiose sempre atual e atuante, sempre do rebanho estejam sempre prontos para o pastoreio. 
necessária e oportuna, sempre verdadeira e eficaz.
As dimensões intelectual e humano-afetiva, as dimensões Vitor Hugo Gerhard é sacerdote e coordenador de pastoral
operativa e instintiva e a dimensão transcendental, cinco áreas da Diocese de Novo Hamburgo, RS.

Ajuda às vítimas do terremoto na Ásia e do furacão na América Central


Diante do terremoto que no dia 8 de outubro atingiu a região da até dia 10 de dezembro de 2005. A presidência da CNBB pede ainda
Caxemira e da recente passagem do furacão Stan pela América Central, que o apelo seja especialmente divulgado nas celebrações dominicais
a Cáritas Brasileira une seus esforços à sua rede internacional para e que as coletas para atender ao pedido de ajuda sejam feitas nas
auxiliar nos serviços de apoio às vítimas. “Estamos diante de uma série comunidades, paróquias, dioceses e escolas católicas. O organismo
de catástrofes naturais muito graves, que nos últimos dias se abateram episcopal indica que a divulgação também pode ser feita pelos meios
sobre a Guatemala, El Salvador, Paquistão e Índia, deixando milhares de comunicação locais, internet, mala direta e outras formas, para que
de mortos, mais de quatro milhões de feridos e desabrigados, além de a população tenha conhecimento da Campanha.
grande destruição e desolação”, afirma a presidência da CNBB (Con- “Pedindo também a solidariedade das orações pelas pessoas atingidas
ferência Nacional dos Bispos do Brasil), em um comunicado intitulado pelas catástrofes, confiamos nossa ação à proteção da Virgem Maria,
Apelo à Solidariedade. que invocamos como a Senhora da Conceição Aparecida, com fraterna
Como medida concreta, a Cáritas Brasileira, seguindo o exemplo saudação”, encerra o comunicado, assinado pelo cardeal Geraldo Majella
da Cáritas Internacional, abriu duas contas especiais para doações em Agnelo, presidente; por Dom Antônio Celso Queirós, vice-presidente, e
favor das populações atingidas naqueles países. “Apresidência da CNBB por Dom Odilo Pedro Scherer, secretário-geral.
endossa este gesto de solidariedade e apela para a generosidade dos As contas específicas da Cáritas Brasileira para esta Campanha
cristãos e de todos os demais brasileiros, para encaminharem suas são: Banco do Brasil, Agência 3475-4, C/C nº9303-3; e Banco Bradesco,
doações”, diz o comunicado. A Campanha estará aberta por dois meses, Agência 0484-7 C/C nº66000-0.

Missões - Novembro 2005 9


Cristo Rei
espiritualidade

o seguimento de Jesu
“Vocês serão meus amigos se obedecerem aos meus mandamentos, assim como eu obedeci
aos mandamentos do meu Pai e permaneci no seu amor. Eu disse isso a vocês para que
minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa” (Jo 15, 10-11).
tempos antigos, a pessoa do rei encarnava os próprios deuses
Jaime C. Patias

da religião do Estado. O rei era a última instância do poder,


ele era a autoridade máxima, todos o serviam e adoravam.
Mas com Jesus a concepção da palavra rei não teve a mesma
interpretação como acontecia na sociedade de seu tempo.
Jesus nunca usou a palavra “rei” referindo-se a si mesmo. Ele
simplesmente evitava associar-se a tal termo... justamente
porque Ele não entendia o reinado de Deus da mesma forma,
ou com as mesmas características dos reinados dos homens.
O Evangelho nos diz que quando queriam fazê-lo rei em uma
ocasião, Jesus afastou-se do povo para um lugar isolado (Jo 6,
15). Ele mesmo disse: o meu Reino não é desse mundo... E certo
dia, reprimiu duramente seus discípulos quando discutiam entre
si qual deles era o “maior” do grupo, pois já estavam pensando
quem iria assumir os primeiros postos ao lado de Jesus num
futuro governo! (Mateus 20, 20-28).

A cruz e a coroa
Para nós cristãos, a fé em Jesus Cristo deve passar antes
pela cruz (morte) para chegar à coroa (vida nova). A cruz é o
sinal da nossa fé, o símbolo do nosso resgate, pago pelo sangue
do cordeiro - Jesus - à Satanás. A cruz é o lugar onde a nossa
libertação e salvação aconteceu! A cruz é a maior expressão do
amor de Deus pela humanidade (Jo 3, 16-18; Jo 3, 14-15). A cruz
é também o lugar da dor, do sofrimento, das perseguições, da
Celebração durante XLI Assembléia CRB - São Paulo. luta do pobre que sofre exclusão; a cruz gera morte!
Para os discípulos de Jesus hoje, a cruz é a maior prova de
de José Roberto Garcia amor de Deus pelos seus filhos. Pela cruz, Deus dá ainda hoje,
a possibilidade dos homens libertarem-se do reino do mal e do

N
pecado. Basta crer no nome de Jesus; o milagre para aconte-
o último domingo do ano litúrgico (sempre aquele que cer depende também da nossa resposta de fé: “Vai, a tua fé te
antecede o Advento, este ano dia 20/11), celebramos salvou...te libertou!” Chegar até a coroa significa vencer o mal
a festa de Cristo Rei. Sem ter a intenção de resgatar pela raiz, assim como fez Jesus. A ressurreição de Jesus é a
as origens desse título dado a Jesus, vamos fazer sua vitória sobre Satanás. A coroa de Cristo Rei significa que
uma reflexão sobre o significado das palavras Cristo, Deus em Jesus venceu o pecado, e é por isso mesmo que Ele
rei e cruz, para os discípulos de Jesus hoje. é o Senhor dos vivos e dos mortos! A ressurreição é o nosso
objetivo, a nossa meta final! Porém, não podemos ficar parados
Jesus Cristo: qual rei? adorando a cruz. A cruz simplesmente é uma passagem neces-
Quando ouvimos a palavra rei, imediatamente vem à nossa sária para a vida plena no Espírito de Jesus: deixemos de servir
mente aquele sistema de governo centralizado, onde um sobe- ao homem velho (Adão), e revistamo-nos do homem novo que
rano governava os seus súditos com muita força e poder. Nos é o próprio Cristo (Rom 5, 8).

10 Novembro 2005 - Missões


us hoje

Divulgação
Os reis da sociedade hoje Os valores do Reino de Jesus!
Todos nós, seres humanos, queremos ser felizes. Mas não Jesus disse a Pilatos: “o meu Reino não é deste mundo, se
trilhamos os mesmos caminhos em busca da felicidade. Poderíamos o meu Reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para
perguntar-nos: qual é o caminho verdadeiro rumo à felicidade? que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus. Mas o
Bem, aqui a resposta pode depender de muita coisa. Mas, para meu Reino não é daqui!” (Jo 18, 36).
nós, seguidores de Jesus, essa pergunta pode ser facilmente Jesus admite ser rei, porém, não à maneira dos homens.
respondida por Ele mesmo, quando um dia disse a um de seus Então, de que reino está falando Jesus? Que tipo de reinado Ele
discípulos chamado Felipe: “eu sou o caminho, a verdade (que quer implantar? No seu Evangelho temos muitas passagens que
leva) e a vida” (Jo 14, 6). E em outra ocasião: a vida eterna é esta: respondem a essas perguntas confronte algumas (Jo 19, 11; 18,
que eles conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que tu 37; Mt 19, 13-30; 20, 17-28; 20, 1-16; Mt 13). Nessas passagens,
enviaste, Jesus Cristo (Jo 17, 3). Hoje na sociedade, vemos que a Jesus nos faz compreender que a implantação do Reino de Deus
publicidade veiculada nos meios de comunicação, principalmente no mundo não pode seguir a lógica humana, ou seja, o nosso
na televisão, procura convencer as pessoas que a felicidade está jeito de governar e de fazer as coisas. Por isso mesmo, Jesus
no ter ou no possuir coisas, mais que no ser. Assim, os valores renunciou a usar seus poderes em benefício próprio, evitou que
morais e humanos como a verdade, sinceridade, honestidade, o elegessem rei, recusou toda forma de glória e poder humanos
solidariedade, justiça, vão perdendo força interior nas atitudes que não fossem de acordo com a vontade de Deus. Ele queria
e na vida das pessoas. Assim sendo, os meios de comunicação somente servir a Deus seu Pai e a missão a ele confiada...tudo
apresentam um caminho falso em busca da felicidade. para a glória de Deus! Jesus não quis governar pela espada
Jesus nos diz que a felicidade verdadeira encontra-se so- (violência) e pela força das armas. A sua única preocupação é o
mente em Deus; é Ele que dá sentido a tudo o que eu faço, à amor ao próximo. A sua entrega total a Deus e a sua Missão fez
minha vida! As coisas desse mundo foram criadas por Deus e Dele servo de todos para salvar a todos! Daí derivam os valores
podem me ajudar a ser feliz, porém, as coisas em si não são a do Reino de Jesus: o amor-serviço, a fraternidade, o perdão, a
felicidade. Quando a TV nos diz: “compre isso, compre aquilo e justiça, a paz! Quem segue Jesus rei e mestre terá dentro de si
você será feliz”, percebemos que a felicidade não vem das coi- a felicidade, a paz e a vida eterna! (Jo 15, 7-14). 
sas... ela não mora ali! Afinal onde está a felicidade que parece
escapar das mãos de tanta gente? Será que já não partimos José Roberto Garcia é missionário e pároco da Paróquia Santa Paulina, Heliópolis, SP.
em busca dela no caminho errado? Para o jovem que ainda
não tem uma consciência crítica formada, a tentação de seguir
a onda é forte: “quero ser como fulano de tal, como aquele mo- Para Refletir
delo, artista, jogador de futebol etc”. Hoje a sociedade valoriza
o ter, a aparência, o prestígio social, o prazer e o poder em si, 1. Eu me vejo como um fiel discípulo de Jesus hoje?
independentemente de onde vem, de como chegar lá! Essas 2. Jesus tem alguma influência na minha maneira de ser, agir e viver?
são as tentações comuns numa sociedade voltada para um ciclo 3. As minhas obras dão testemunho de que sou cristão frente à minha família, comu-
vicioso do “espetáculo e do consumo”. nidade, sociedade?

Missões - Novembro 2005 11


Uma vida pela Vida

Jamil Bittar
cidadania

O projeto polêmico da transposição do Rio São Francisco cria oportunidade


para se pensar em outras alternativas, como a de sua revitalização.
de Alfredo J. Gonçalves iniciativas populares que já estão em curso? Por que não abrir
um debate transparente com as entidades e movimentos que

T
atuam na área: Cáritas, Pastorais Sociais, ASA, entre outras?
odos fomos testemunhas do recente gesto profético de Mais uma vez, a revitalização do rio e a participação popular
Dom Luís Flávio Cappio, bispo de Barras, BA. Durante nos debates precedem a pressa da transposição.
onze dias (26 de setembro a 6 de outubro) manteve-se Uma última lição, entretanto, vem do próprio gesto do bispo.
em greve de fome na cidade de Cabrobó, PE, contra o Num momento de tantas dúvidas e interrogações no interior das
projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. forças sociais, a greve de fome abre horizontes para novas formas
Nestes tempos de crise política e de corrupção genera- de resistência e de luta popular. Aliás, ao longo da história, tem
lizada, por um lado, e de perplexidade ou sido um instru-
indignação das organizações sociais, por mento poderoso
Arquivo

outro, o que nos ensina essa atitude tão contra a tirania e


franciscana quanto evangélica? o império. Falou-
A primeira lição tem a ver com a herança se de “suicídio”
do pobre de Assis. Com sua vida, obras e e de “eutanásia”,
cantos, São Francisco nos mostrou a im- até mesmo por
portância do convívio dos seres humanos parte de outros
com as demais formas de vida da natureza. setores da Igreja
Preservar o patrimônio hídrico de toda a e do episcopado,
humanidade e combater a devastação do mas esquece-se
meio ambiente constitui hoje um imperativo que, desde seus
para a continuidade da vida no planeta. primórdios mais
Daí a insistência de Dom Cappio e das remotos, nume-
organizações que defendem a integridade rosos cristãos e
do Velho Chico: a revitalização precede não-cristãos co-
qualquer tentativa de trans- locaram sua vida
posição. Esta sem aquela a serviço da gran-
Jamil Bittar

representa a morte de um de causa da Vida!


dos maiores símbolos da Poderíamos aqui
integração nacional. enumerar centenas de pessoas que hoje são
reverenciadas pela liturgia católica, mas que,
Perguntas sem quando vivas e no contexto de seu tempo, foram
respostas sinais proféticos de contradição.
Uma segunda lição está
ligada ao próprio modelo Uma luz na escuridão
de desenvolvimento da po- Dom Luís Cappio colocou em pauta um tema
lítica econômica adotada que governo e grande imprensa procuram encobrir.
pelos últimos governos. A Com sua coragem, mobilizou milhares de pes­
opção do Planalto tem sido, soas. No meio do escuro, acendeu uma pequena
sistematicamente, apoiar a luz que poderá transformar-se em estrela para
grande empresa, o agrone- as forças sociais. Seu testemunho é fermento
gócio, os megaprojetos em vista da exportação. Desconhece-se na massa, seja na Igreja, seja na sociedade. Em termos mais
a força e a viabilidade do pequeno e médio empreendimento e específicos, ajudou a ampliar o debate da Assembléia Popular
da criação de um mercado interno robusto. Por exemplo, por que Mutirão por um Novo Brasil, realizada em Brasília, DF, de 25 a
acelerar as obras de transposição do São Francisco, ao mesmo 29 de outubro, e promovida pela 4ª Semana Social Brasileira
tempo que se ignora completamente o projeto de construção de e pela Campanha Jubileu Sul. 
cisternas? A que interesses irão servir essas águas transpostas?
Por que não pensar em termos de uma política pública mais ampla, Alfredo J. Gonçalves é sacerdote carlista, assessor da Comissão para o Serviço da Caridade,
envolvendo toda a região do semi-árido, levando em conta as Justiça e Paz – CNBB.

12 Novembro 2005 - Missões


Bubaque, minha vida

Testemunho
Maria de Lourdes, 54, é filha de Inocêncio Teixeira e Olinda Pereira. Viúva muito jovem, com
quatro filhos pequenos, a mãe enfrenta os desafios da vida. Lourdes cresce e aprende a
caminhar na esperança de um mundo melhor.
de Maria de Lourdes Pereira

Orestes Asprino
O
s pequenos gestos de caridade, partilha e atenção
aos necessitados, praticados por minha mãe, me
tocavam profundamente. No entanto, jamais havia
pensado tornar-me religiosa missionária. Contudo,
mamãe sempre nos convidava a rezar diariamente
pelas vocações. Aos 17 anos numa celebração
eucarística ouvi o padre falar das missões e das situações
de extrema pobreza em lugares distantes, onde não havia a
presença de missionários. Senti forte e claro o chamado à vida
religiosa missionária. Deste apelo surgiu a inquietação: como
enfrentar o grande desafio? Encontrar caminhos para responder
ao chamado? Sentia-me dividida entre a vida consagrada e
a família, que tanto precisava de mim. Com a graça de Deus
após um ano de trégua e discernimento, já me encontrava
no Colégio de Rio do Oeste, Santa Catarina, com as irmãs
missionárias da Consolata.
Em 1980 parti para a Libéria, no Oeste da África. Nesta nova
terra tive que enfrentar, entre tantos desafios, a aprendizagem da
língua inglesa. Com grande esforço e muita ajuda, logo consegui
atuar entre aquele povo amigo e acolhedor. Permaneci por seis
anos trabalhando na evangelização e numa congregação religiosa
local, “Holy family” recém-iniciada pelo bispo. Retornei ao Brasil
para um curso e recuperação da saúde. A situação de guerra
naquele país e a negação do visto de entrada como missionária
no Allabama, Estados Unidos, me obrigaram a permanecer no
Brasil por mais dezoito anos. Desseseis, na formação inicial
das futuras missionárias da Consolata. Finalmente, parecia
concretizar-se o sonho de retornar à Libéria. Passei pela Itália ilhas ou à capital, Bissau, é necessário enfrentar as marés altas
e neste exato momento, a guerra no país explodiu novamente, e violentas, navegando em canoas frágeis e sobrecarregadas,
impossibilitando minha entrada. Fui para a vizinha Guiné Bissau, por horas e horas no oceano. Ver tantos doentes, adultos, jovens
também, destruída pela guerra. e crianças morrerem por falta de remédio e cuidados médicos,
nos causa grande pesar. Assim, numa mudança compelta,
Na Guiné Bissau deixei a formação para atuar na área da saúde. Quantas vidas
A Guiné Bissau é um país pobre, onde o povo vive massa- ceifadas pelo paludismo, desnutrição e tantas outras moléstias!
crado por contínua instabilidade política, econômica e social. Não existem comunidades cristãs nas ilhas que visitamos. Por-
Atualmente moro numa ilha chamada Bubaque, entre dezenas de tanto, procuramos ser sinal de esperança e presença do Cristo
outras ilhas do Arquipélago dos Bijagós, no Oceano Atlântico. É Consolador para este povo. Na convivência com essas pessoas
um local com paisagens e praias lindas. A natureza é exuberante aprendo: viver o momento presente no despojamento, crescer
e original. Percebe-se de um lado a imensa riqueza da cultura e na fé. E na partilha de minha pobreza, acolher os pequenos
do outro, costumes tradicionais que escravizam e amedrontam. gestos de solidariedade e a riqueza cultural do povo. Na voz do
A missão é muito desafiadora em todos os sentidos. O idioma salmista quero cantar com o povo da Guiné Bissau: “Sinhor no
oficial é o português, o falado é o crioulo e mais a língua da etnia, Deus, Bu Nome i garandi na tudu terra”, que quer dizer: Senhor
no meu caso, o “Bijagós”. A comunicação, transporte marítimo, meu Deus, Teu nome é grande em toda a terra! (Sl 8,2). 
saúde, educação e os meios básicos de sobrevivência são ainda
muito precários. Em alguns meses do ano, para chegar às outras Maria de Lourdes Pereira é irmã missionária na Guiné Bissau.

Missões - Novembro 2005 13


50 Anos
Testemunho

de paz e bênçãos
“O qüinquagésimo ano será para você um ano de júbilo” (Lv 25,11). Ano
de ação de graças, de alegria, entusiasmo, de fé e de muito amor.
de Rosa Squizatto Fatos que marcaram a minha vida
Nesta memória há alguns fatos marcantes em minha vida:

I
sou a quarta das filhas mulheres e a sexta dos oito filhos, de
rmãs e irmãos, a minha saudação é de paz e bem! Nela uma abençoada família. Era ainda uma menina quando, em
tenho a oportunidade de experimentar quão gratificante é 1951, cheguei em Rodeio, Santa Catarina. Hoje, sou grata à
o viver e o partilhar com todos vocês a alegria dos meus congregação franciscana pelo carinho e atenção recebidos.
50 anos de total consagração a Deus, a serviço do seu Assim, comecei o processo formativo: convivência, trabalho,
Reino. Agradeço pelos inúmeros benefícios recebidos de oração. Tudo foi criando espaço, gosto e enriquecendo a se-
bondade, fidelidade e misericórdia da Trindade Santa: Pai, mente batismal – a vocação a serviço do Reino no seguimento
Filho e Espírito Santo. Agradeço à minha família, congregação e de Jesus Cristo. Bem cedo, como juvenista, com a quarta série
a tantas outras pessoas que me acompanharam e participaram primária, fui convidada a morar com uma irmã e ser professora
da minha caminhada. Celebrar o Jubileu de Ouro para mim, da comunidade. Aí me apaixonei pela Educação. No final do ano
significa retomar e reviver o início: 2 de agosto de 1955, ano voltei para Rodeio, fiz seis meses de postulantado e um ano de
eucarístico, festa franciscana de Nossa Senhora dos Anjos. Dia noviciado. Enfim, chegou a hora de emitir os votos temporários:
feliz do meu sim, de minha entrega a Deus, sem reservas. assumir o compromisso no seguimento de Jesus Cristo a serviço
do Reino. Partir para a missão. Fui enviada a São Miguel, em
Porto União, Santa Catarina. O que mais amei? A experiência de
Arquivo Pessoal

fraternidade vivida no meio do povo e com o povo: na pobreza,


simplicidade, abnegação, alegria, luta e muitos desafios. Assim, o
processo da minha vida de consagração foi acontecendo. Diante
das situações, circunstâncias e necessidades surgidas, fui me
qualificando no modo de viver e trabalhar tanto como franciscana,
quanto como irmã catequista e na vida profissional.

No itinerário dos 50 anos


Transcorri 30 anos a serviço da educação direta e 20 anos
a serviço da congregação e família franciscana do Brasil. Con-
tudo, nessa memória renovo o agradecimento muito sincero
e profundo a Deus Pai-Mãe e à Maria que me abençoaram
e pelos quais, em nenhum momento, me senti abandonada.
Agradeço à congregação que me possibilitou, junto às irmãs e
o povo, ir construindo um ideal franciscano, que busca a cada
dia reconstruir-se no seguimento de Jesus Cristo, nos passos de
Francisco e Clara de Assis. No meu dia-a-dia sinto o chamado:
“vinde e vede”. Ofereço minha vida dizendo: “eis-me aqui Senhor,
para fazer tua vontade”. Procuro “curtir” com Ele. Ler e rezar o
Evangelho. Escutá-Lo no silêncio e no coração do mundo. E,
na esperança de testemunhar o amor nas relações, entrar em
sintonia com a realidade da vida. Coloco em Seu coração, todas
as pessoas que fizeram ou fazem parte da minha história de
vida, pedindo bênçãos e graças. Tenho sempre no coração o
povo, os alunos, professores, amigos, irmãs das comunidades
onde vivi e trabalhei. Digo com sinceridade: todos foram apoio,
força, ânimo e bem-querer em todos os momentos. 

Rosa Squizatto é irmã franciscana.

14 Novembro 2005 - Missões


A Exortação Apostólica

Divulgação
do papa Paulo VI está
completando 30 anos.
Uma boa ocasião para
refletirmos sobre a
sua atualidade.
de Luiz Balsan

A
o falarmos de Evangelii Nuntian-
di, estamos usando o título em
latim de uma Exortação Apos-
tólica do papa Paulo VI, escrita
no ano de 1975, dirigida a toda
a Igreja, sobre a evangelização do mundo
contemporâneo. Hoje, constantemente
se ouve dizer que vivemos um tempo de
rápidas e profundas transformações. Esta
realidade de certa forma está presente já
nos anos em que se realiza a publicação
da Evangelii Nuntiandi. São anos quentes
em que, de um lado, as esperanças e,
de outro, a insegurança, marcam pro-
fundamente os sentimentos e a vida da
humanidade. Seguem alguns dados de
contextualização quando da publicação
da Exortação.

EvangeliiNuntiandi
Situação sociopolítica
No palco mundial predomina a famosa Guerra Fria entre as duas grandes po-
tências do momento: União Soviética e os demais países comunistas de um lado, e
os Estados Unidos e seus aliados de outro. De um lado e de outro estão a corrida
armamentista e a bomba atômica, capaz de destruir muitas vezes a vida no planeta.
Em âmbito continental e nacional a esperança e a luta por mudanças sociais e
políticas, como a superação do capitalismo selvagem que cria desigualdade e ex-
clui, desemboca na violência. Na Europa, grupos de esquerda ameaçam a solidez
dos Estados. Na América Latina, com o total apoio dos norte-americanos e com
certa conivência da própria Igreja, na década de 60, a ditadura militar se instaura
em praticamente todos os países, acompanhada por uma dura repressão que gera
uma quantidade de “desaparecidos” e exilados. Em contraposição, afirmam-se os
movimentos de guerrilha na tentativa de destituir os militares e implantar uma nova
ordem política. São tempos sombrios de censura, de repressão e ao mesmo tempo
de uma corrupção que cresce no silêncio, antes nos altos comandos, depois, em
toda a sociedade. Este clima de contestação e luta por mudanças estruturais, de
um lado, e repressão violenta por parte do Estado, de outro, levam os intelectuais a
caracterizar este período como “anos de chumbo”.

Missões - Novembro 2005 15


A Igreja passa a Renovação litúrgica
A nova visão de Igreja como Corpo de Cristo é levada para a liturgia

ter uma atitude e faz abandonar assim a idéia de que quem celebra a Eucaristia é o sa-
cerdote (os demais apenas assistem). Considerando a assembléia como
de diálogo com povo celebrante, o latim é esquecido e a liturgia passa a ser celebrada na
língua do povo. Isto vem ao encontro da necessidade há muito sentida de
o mundo e não que a liturgia abandonasse o peso das normas e se tornasse mais aces-
sível e mais próxima da vida das pessoas. As compreensões e reações,
mais de mera nos anos que sucedem ao Concílio, são tão diversas a ponto de, a poucos
metros de distância, a Eucaristia ser celebrada de maneira muito diversa:
condenação. Cresce de uma parte os que, por dificuldade de aceitar estas mudanças, continua­
vam celebrando em latim, de costas para o povo; de outra parte a família
a compreensão de que recebe em sua casa um grupo de amigos, entre os quais o padre, que
celebra em manga de camisa, servindo-se do pão e do vinho comprados
sua secularidade, na mercearia da esquina. Sem perder a solenidade, busca-se uma liturgia
mais próxima da vida das pessoas.
isto é, de seu ser
Jaime C. Patias
para o mundo.

Situação religiosa e eclesial


Se na sociedade existe este clima
efervescente, no âmbito religioso e
eclesial a realidade não é diferente. A
Igreja vive um de seus acontecimentos
mais importantes e inovadores de toda
a história: o Concílio Ecumênico Vati-
cano II, realizado de 1962 a 1965. As
mudanças propostas pelo mesmo são
grandes e as repercussões também.
Ele suscita na Igreja um ar de novidade,
de profundas esperanças, mas também
de insegurança e de angústia. É a sen-
sação de ter partido para uma longa
viagem, trilhando caminhos incertos;
viagem esta que promete muitas novi-
dades e que parece ser sem retorno.
Jaime C. Patias

Dom Pedro Sbalchiero bispo de Vacaria, RS.


Encontro do COMIRE - SUL 3, Porto Alegre.

Renovação teológica
A nível teológico, busca-se uma teologia
que não apenas explicite os conteúdos da fé,
mas que reflita “à sua luz os problemas da vida,
da experiência humana, da história concreta, do
cotidiano do homem e mulher modernos num
espírito de muita liberdade e criatividade”. Esta
nova teologia terá reflexos também na cristo-
logia: Jesus Cristo passa a ser considerado
sobretudo na sua humanidade – homem igual
a nós em tudo, menos no pecado. Leva-se a
sério o verso de Fernando Pessoa que diz: “hu-
XLI Assembléia Geral CRB/SP, julho 2005. mano assim só pode ser Deus mesmo”.

16 Novembro 2005 - Missões


Uma nova visão do mundo “O que é que é feito, em nossos dias,
Com o Vaticano II, a Igreja não apenas muda a forma de ver a si mes- daquela energia escondida da Boa Nova,
ma, mas também o mundo. De uma visão preferencialmente negativa – suscetível de impressionar profundamente a
como se tudo o que viesse do mundo fosse mau – passa-se a uma visão consciência dos homens? Até que ponto e
prevalentemente positiva. Reconhece-se que no mundo há valores e que
como é que essa força evangélica está em
a Igreja não apenas pode ensinar, mas pode também aprender. A Igreja
condições de transformar verdadeiramente o
passa, assim, a ter uma atitude de diálogo com o mundo e não mais de
homem deste nosso século? Quais os méto-
mera condenação. Cresce a compreensão de sua secularidade, isto é, de
seu ser para o mundo. A quem pensa que a Igreja se desinteresse do ser dos que hão de ser seguidos para proclamar
humano, Paulo VI responde, no final do Concílio, com uma frase emble- o Evangelho de modo a que a sua potência
mática: “nós também, mais do que ninguém, temos o culto do homem”. possa ser eficaz?
Tais perguntas, no fundo, exprimem o
problema fundamental que a Igreja hoje põe

Jaime C. Patias
a si mesma e que nós poderíamos equacionar
assim: após o Concílio e graças ao Concílio,
que foi para ela uma hora de Deus nesta
viragem da história, encontrar-se-á a Igreja
mais apta para anunciar o Evangelho e para
o inserir no coração dos homens, com con-
vicção, liberdade de espírito e eficácia? Sim
ou não?” (EN 4).

As mudanças significativas e
rápidas questionam a Igreja.
Encerramento do CAM2-COMLA7, Guatemala, novembro 2003.

Expectativas e desorientação
Aplicação particular De um lado este clima de mudanças suscita grande entusiasmo e fortes expec-
tativas. Finalmente se vê nascer uma Igreja mais próxima das realidades do mundo.
na evangelização Por outro lado, mudanças tão significativas e rápidas, criam questionamentos, de-
sorientação e crises. Sem a necessária preparação para uma vivência de fé mais
O empenho em anunciar o Evan-
centralizada na pessoa de Cristo, o povo se sente desorientado ao perceber que as
gelho aos homens do nosso tempo imagens dos santos de sua devoção, simplesmente, desapareceram das igrejas. O
animados pela esperança, mas, ao clero, formado numa mentalidade diferente, teve dificuldades para adaptar-se a uma
mesmo tempo torturados muitas vezes Igreja mais próxima do povo. Uma das conseqüências disto será a desistência de
pelo medo e pela angústia, é, sem muitos. Entre os anos de 1963 a 1970, aproximadamente 25 mil sacerdotes abando-
dúvida alguma, um serviço prestado naram o ministério. Este número corresponde a 5% de todo o clero.
à comunidade dos cristãos, bem como

José Roberto Garcia


a toda a humanidade.
É por isso que a tarefa de confir-
mar os irmãos, que nós recebemos do
Senhor com o múnus de Sucessor de
Pedro e que constitui para nós “cada
dia um cuidado solícito”, um programa
de vida e de atividade e um empenho
fundamental do Nosso Pontificado,
tal tarefa afigura-se-nos ainda mais
nobre e necessária quando se trata
de reconfortar os nossos irmãos da
missão de evangelizadores, a fim de
que, nestes tempos de incerteza e de
desorientação, eles a desempenhem
cada vez com mais amor, zelo e
alegria (EN 1).

11º Intereclesial das CEBs, Ipatinga, MG.

Missões - Novembro 2005 17


Questionamentos sobre a missão!
Arquivo

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Celebração macroecumênica, Assembléia da CNBB Porto Seguro, BA. velação elez
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Vaticano II abre caminhos no- Fio condutor não é d ia que
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Ela é c nd
vos em relação ao ecumenis- É neste contexto que se insere a apaz, p o.
mo – esforço de aproximação Evangelii Nuntiandi. O fio condutor do m e sma, de or si
com outras Igrejas cristãs – e documento aparece já na introdução. a fé, um suscitar
a
ao diálogo inter-religioso. Tais Paulo VI diz que ela quer ser uma palavra apóia n fé que se
a potên
Deus. E cia de
caminhos foram, em seguida, de orientação e sobretudo de confirma- nfi
Verdad m, ela é a
trilhados também por Paulo VI que teve ção e encorajamento num tempo que ele e. Por
bem m iss
gestos e palavras particularmente signifi- caracteriza como sendo de incerteza e erece q o,
apóstolo ue o
cativos. Reconhecendo o valor das outras desorientação. Para quem tem dúvidas lhe cons
todo o a
religiões, a Igreja afirma que a liberdade se vale ou não a pena o empenho pela seu tem gre
das as po, to-
su
religiosa é um direito inalienável da pessoa evangelização, ele começa a elaborar e lhe sa as energias
humana. A Igreja deixa de se considerar sua resposta já no primeiro parágrafo: crifique
necess , se for
ário, a
como o único caminho para a salvação, “O empenho em anunciar o Evangelho pria vid sua pró
-
a” (EN
afirmando que aquelas pessoas que, sem aos homens do nosso tempo... é sem 5).
culpa, ignoram o Evangelho de Cristo e sua dúvida alguma um serviço prestado à
Igreja, mas buscam a Deus com coração comunidade dos cristãos, bem como, a
sincero e tentam cumprir a sua vontade, toda a humanidade”.
conhecida através do ditame da própria Como pano de fundo da reflexão
consciência, podem chegar à salvação. de Paulo VI está a percepção de que
Esta atitude respeitosa para com ou- os tempos mudaram. “As condições da
tras religiões, com a qual certamente nos sociedade (...) obrigam-nos a rever os
identificamos profundamente, traz consigo métodos, a recorrer, a todos os meios para anunciar o Evangelho e para infundi-
um questionamento fundamental. Se as possíveis, e a estudar o modo de levar lo no coração dos homens e mulheres do
pessoas podem se salvar também de ao homem moderno a mensagem cristã, seu tempo. Paulo VI se propõe, a partir
outras formas, até mesmo sem conhe- na qual somente ele poderá encontrar a das riquezas do Sínodo, a facilitar em
cerem Jesus Cristo, a missão ainda tem resposta às suas interrogações e a força toda a Igreja uma reflexão, e ao mesmo
razão de ser? Até o Concílio Vaticano II, o para a sua aplicação de solidariedade tempo, dar um impulso novo a todos, de
grande motivo da missão era a salvação; humana” (EN 3). modo particular aos que estão diretamente
agora a Igreja reconhece que a mesma No fundo, a grande pergunta que o ligados ao anúncio do Evangelho. 
pode ser alcançada também por outros papa se coloca é se, depois do Concílio,
caminhos. Disto nasce a pergunta: para no qual reconhece uma verdadeira obra Luiz Balsan é missionário, professor de Espiritualidade
que a missão? de Deus, a Igreja está ou não mais apta e doutor em Teologia.

18 Outubro 2005 - Missões


A Eucaristia é celebração de amor

Missão
história missão
daHoje
“Se não há missão, a celebração eucarística não é autêntica; se não
há Eucaristia vivida, a missão não é verdadeira” Dom Marcelo Zago.
de Alcides Costa discípulos de Cristo, o objetivo último da missão encontra na
Eucaristia sua antecipação e inspiração.

A
Igreja é fruto do amor trinitário (Deus Pai, Filho e Aprendendo aos pés da Eucaristia
Espírito Santo) e com a missão que recebeu, deve A Eucaristia continua sendo o mistério que mais inspira a
perpetuar esse amor vivido e celebrado na Eucaris- missão porque é a fonte de onde ela nasce e o fim para o qual
tia. Por isso, é sinal e sacramento dessa corrente de ela caminha: reunir a humanidade em torno da mesa do Senhor
amor entranhado no mundo. Sua missão torna-se Jesus como sinal e chegada do seu Reino. Porém, para que
autêntica, à medida que realiza esse amor, pois é isso se realize, é preciso uma atitude de diálogo. E um dos
única e tem uma só fonte: Cristo. Ele é, pois, o ápice, o centro, grandes desafios para a missão hoje, no mundo globalizado, é
o pivô desta economia da salvação e a Eucaristia atual é a sua o diálogo de vida e de fé com o mundo, com outras denomina-
demonstração. Nesta visão, a Eucaristia é o sinal daqueles que ções religiosas. Ele deve ter um espaço privilegiado no trabalho
conscientemente aceitam o amor de Cristo e se disponibilizam missionário, porque a Igreja não é somente a comunidade dos
a transmiti-lo e a perpetuá-lo. A pessoa que sabe que é amada, que procuram viver o Cristo. Ela deve ser também o sinal, o
sente a necessidade de transmitir tal amor aos outros e, assim, sacramento do Reino de Deus que já está presente no mundo,
torna-se missionária a partir da própria vida. ultrapassando os limites da própria Igreja. Por isso, o diálogo
A Eucaristia e a missão são, sobretudo, de Cristo, mas tam- exige contemplação que para nós significa adoração e colóquio,
bém, da Igreja. Por um lado, a missão nasce sempre de uma e que encontra seu ambiente propício aos pés da Eucaristia. Ali
comunidade que celebra a Eucaristia, nasce como exigência de se encontra o equilíbrio e o aprofundamento.
comunicar aos outros o Cristo descoberto e experimentado na A missão cristã na atualidade coloca como primeiro sinal,
fração do pão. Por outro lado, os desafios que vêm da realidade as ações que apontam para repartir o pão da vida, promover a
nos ajudam a encontrar na Eucaristia a resposta para o agir. Por justiça e a inclusão social, impulsionar os processos de trans-
isso é ponto de chegada e ponto de partida de toda a missão formação. Estas ações são explicitamente eucarísticas na sua
que a Igreja realiza, ou seja, a missão nasce da Eucaristia e inspiração. Elas derivam do conceito de fraternidade e partilha
conduz à ela. A Eucaristia é talvez o mais poderoso símbolo que desde o início animou a comunidade cristã e as primeiras
de que dispõe a missão para expressar seus objetivos e sua celebrações da Eucaristia (At 2, 42-47). O texto do instrumento
mística. Ela evoca a reconciliação e a paz da humanidade. Ela de trabalho do Sínodo sobre a Eucaristia e a missão da Igreja
oferece os espaços onde as culturas e os povos podem se en- contemplava as “implicações sociais da Eucaristia” e dizia que “é
contrar, dialogar e sair enriquecidos pelo Evangelho, sem perder preciso ajudar os cristãos a compreender o que significa para a
o que lhes é próprio. O sonho da unidade da humanidade e dos fé a relação entre o Cristo da Eucaristia e o Cristo presente em
seus irmãos e irmãs, sobretudo nos pobres
e marginalizados da sociedade”, porque “a
Jaime C. Patias

solução dos problemas grandes e pequenos


da humanidade está no amor que Cristo nos
ensina na Eucaristia: amor que se dá, que
se irradia e se sacrifica”.
A Eucaristia é a memória de Jesus e o
projeto da sua missão, que a Igreja continua
no tempo e na história. Um projeto que se
realiza numa variedade de formas e sensi-
bilidades. O desafio para os missionários e
missionárias de todos os tempos, é manter
sempre unida as duas mesas, a da Palavra e
a do Pão, a Missão e a Eucaristia, e colocar
continuamente o avental do serviço, para
que a Eucaristia e a missão apareçam sem-
pre como ações de Cristo e da sua Igreja,
sacramento da sua presença, na história e
na vida das pessoas, da qual eles e elas são
somente e exclusivamente servidores. 

XLI Assembléia Geral CRB/SP, julho 2005. Alcides Costa é missionário comboniano.

Missões - Outubro 2005 19


Destaque do mês

Vaticano II

Embrião do
movimento negro
de Dagoberto José Fonseca minações protestantes e não-cristãs nos meios urbano e rural,
fazendo muitos adeptos entre a população afro-brasileira e, do

A
outro, com a diminuição das vocações “brancas” provenientes
o longo dos 40 anos que separam o Concílio Vaticano dos estados da Região Sul do país.
II dos nossos dias, a presença da população afro-
brasileira vem sendo sistematicamente interrogada A Vida Religiosa pós-Concílio
no interior das diversas congregações religiosas no Com o Vaticano II e depois dele, nas conferências latino-
Brasil. O questionário de 1960 - que refletia sobre a americanas de bispos e de religiosos, a Igreja e a VR são con-
reduzida inserção dos afro-brasileiros na Vida Reli- vidadas a rever suas posturas teológica, moral e cultural frente
giosa Católica (VR) - e, posteriormente, as análises de Hugo aos “negros” e as “negras”, alicerçando o caminho dessa atual
Fragoso interpelavam a Conferência dos Religiosos do Brasil discussão sobre a refundação da VR, que passa a ter, como já
(CRB) com veemência, no tocante a discutir as vocações afro- estava proposto no Concílio, um olhar autêntico e respeitoso
brasileiras no país. sobre as diversidades social e cultural dos grupos étnicos e
Esses questionamentos representam as primeiras tentativas raciais, além de firmar uma posição política e profética frente ao
mais ostensivas e organizadas de alguns setores da VR no Brasil etnocentrismo e ao racismo imperante fora e dentro das próprias
em reformular o pensamento e o sentimento de desconfiança que instituições católicas.
ainda cercavam a população afro-brasileira e a impediam de ser Esse caminho árduo proposto às instituições católicas só
parte da vida consagrada no país. Essa mudança de mentalidade era possível ser exercido e cumprido a partir da revisão da
estava relacionada ao tormento que viviam a Igreja Católica e Igreja Católica e da Vida Religiosa, sobretudo através de um
a Vida Religiosa, de um lado com a difusão das diversas deno- olhar para dentro de si, que retirasse as velhas e tristes idéias

Fotos Jaime C. Patias

Participação do Movimento Negro


do Fórum Social Mundial, Porto
Alegre, 30 de janeiro de 2005.

20 Novembro 2005 - Missões


Movimentos negros surgiram após
o Concílio Vaticano II, contribuindo
para a diversidade da Igreja.

Dia Nacional da Consciência Negra


No dia 20 de novembro de 1695, sob o comando dos
bandeirantes paulistas ocorreu a morte de Zumbi, líder do
Quilombo de Palmares quase dois anos depois de destruída
a capital política de Palmares, o mocambo de Macaco. No
entanto, até hoje os negros no Brasil cantam: “Ei, Ei Zumbi!
Você não morreu, você está em mim!” Quando a Lei Áurea foi
assinada no dia 13 de maio de 1888, aproximadamente 5%
apenas dos escravizados continuavam nesta situação, sendo
favorecidos. A imensa maioria já havia obtido a liberdade à
força, pela compra de sua alforria ou pela “bondade de seu
senhor ou senhora”. Essa alforria também veio a partir da
intenção dos grupos dominantes em importar a mão-de-obra
dos imigrantes europeus.
Ao longo dos anos os movimentos sociais rompem o silên-
cio: os negros gritam por oportunidades e igualdades sociais
e o fim do racismo; os trabalhadores clamam por trabalho e
emprego digno; as mulheres bradam por creches e contra a
carestia e setores da Igreja Católica comprometidos com o
povo pobre e trabalhador também suplicam aos céus e aos
homens por justiça social. O dia 13 de maio tornou-se para
as entidades do movimento negro, o Dia Nacional de Combate
ao Racismo. Enquanto que o dia 20 de novembro tornou-se o Grupo de capoeira, Ipatinga, MG.
dia de comemoração pela liberdade. Inspirados pelo militante
de um povo eleito ou de um grupo dominante. Elas para serem
negro gaúcho Oliveira Silveira, essas entidades elegeram esse
de fato e de direito universais, prescindiram da representação
dia como o Dia Nacional da Consciência Negra em que se
e do ingresso de todos os povos no seu interior, sendo irmãos
recorda os ideais e os sonhos de Zumbi e de e tantos outros
iguais em Cristo Jesus.
homens e mulheres que fazem parte dessa luta secular.
Surgem os Movimentos
Esse movimento alimentado pelo Concílio Vaticano II e pelas
de superioridade e de inferioridade entre irmãos e irmãs, de leituras acerca da Teologia da Libertação e das preocupações
diferentes grupos étnicos, raciais, sexuais e de credo. específicas sobre a negritude, permitiu que as(os) religiosas(os)
A Vida Religiosa feminina, de modo particular, deveria se tivessem uma maior visibilidade no seio da hierarquia católica e,
abrir para o mundo, refazer suas constituições, seus capítulos, inclusive, as condições de criarem dois grupos com característi-
se inserir no mundo e ser penetrada por ele; daí de maneira cas devocionais, sem perderem o viço sociopolítico e econômico
definitiva as congregações deveriam aceitar mulheres afro- – o Grupo União e Consciência Negra (1978) e os Agentes de
brasileiras com comprovada vocação como parte de seu contin- Pastoral Negros (1983) e, ainda, a criação do Instituto Mariama
gente de religiosas consagradas, sem que houvesse qualquer (1990) – articulação de diáconos, padres e bispos negros; do
hierarquização ou uma formação separada e diferente entre Agbara, denominado anteriormente de CEBI-NEGRO (1994),
elas e as “brancas”. iniciativa de formandas(os) e leigas(os) com a intenção de ler a
Esse processo teve repercussões positivas e negativas no Bíblia na perspectiva afro-brasileira; e do Grupo de Reflexão da
interior dessas instituições católicas e, também, na sociedade. As Vida Religiosa Negra e Indígena (G.R.E.N.I.) (1992), vinculado
congregações foram “obrigadas” a se adequarem aos interesses à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Pastoral Afro
majoritários da Igreja e do próprio papa Paulo VI, deixando as (1997). Com exceção do Instituto Mariama, que se afirma como
antigas formas particularistas e as velhas formações baseadas um grupo especificamente masculino, os demais sempre tiveram
no legado tridentino. Assim, tiveram que estabelecer novos a participação majoritária de mulheres.
valores a partir da Teologia, da Filosofia e da Antropologia, cal- Esses são os principais grupos e as mais notáveis experiên-
cadas basicamente em pressupostos teóricos do humanismo e cias que foram criadas no final do século passado e continuam
do culturalismo. presentes nos dias atuais com as velhas, mas também com as
A Igreja e a Vida Religiosa com esse impulso dado pelo novas roupagens políticas, ideológicas, nunca esquecendo que
Vaticano II lançaram-se decisivamente no caminho universal, têm em sua essência o sentimento cristão. 
a fim de construir o Reino de Deus na terra, junto aos empo-
brecidos e excluídos; retomando o que dissera sabiamente o Dagoberto José Fonseca é professor doutor em Ciências Sociais e Coordenador Executivo do Núcleo
apóstolo Paulo, ser uma Igreja de todos os povos, não apenas Negro da UNESP, membro do Grupo Atabaque: Cultura Negra e Teologia.

Missões - Novembro 2005 21


Charles de Foucauld,
“Meu Deus, não sei se é possível para alguém,
atualidade

ver-te pobre e continuar rico como antes...


Quanto a mim, não posso conceber o amor
sem a necessidade, a necessidade imperiosa
de identificação de semelhança e sobretudo de
partilha, de todos os sofrimentos, de todas as

um profeta para nossos dias


dificuldades, de toda as durezas da vida.”

No próximo dia 13 de novembro,

Fotos: Arquivo Irmãzinhas de Jesus - Roma


Charles de Foucauld será beatificado.
de Benedito Prezia

A
o se falar em profeta pensa-se ou em alguém que
anuncia o futuro ou em quem está à frente de seu
tempo. Se em muitos aspectos Charles de Foucauld
foi um filho de seu tempo, com as limitações próprias
de sua época, por outro lado teve grandes intuições e
uma vivência missionária que o fizeram um precursor
do Concílio Vaticano II. Sua mensagem tem três aspectos que a
tornam muito atual: a radicalidade na entrega a Deus, a Nazaré
dos excluídos e o diálogo com os não-cristãos.

A radicalidade na entrega a Deus


A vida de Charles de Foucauld foi marcada por extremos.
Nascido na França, em 1858, ficou órfão de pai e mãe aos seis
anos. Essas mortes trouxeram-lhe um grande vazio na vida,
apesar do conforto – era de família nobre – e do carinho que
lhe ofereciam seus avós maternos. Ao chegar à adolescência,
enveredou por um caminho de rebeldia e de libertinagem. Para
fazer frente a essa situação, seu avô conseguiu que entrasse
num Regimento de Cavalaria da aristocracia francesa. Depois
de dois anos, foi dispensado por indisciplina. Com a morte de
seus avós herdou uma pequena fortuna, que consumiu rapida- O deserto e as práticas coletivas religiosas dos muçulmanos
mente, levando uma vida de prazer, cercada de bebidas e de mostravam que poderia encontrar a verdade e o caminho que
amantes. Se na época houvesse drogas, certamente teria sido tanto buscava. Durante um certo tempo hesitou entre o islamis-
um usuário delas. mo e o cristianismo. Na França procurou um sacerdote, amigo
Um fato mudou sua vida: um levante na Tunísia fez com que da família, para ter lições de religião católica. Ao invés de uma
seu antigo batalhão fosse convocado. Vendo seus colegas arre- aula, recebeu ordem para se confessar. Perplexo, ajoelhou-se,
gimentados, pediu para ser readmitido. A solicitação foi aceita, confessou-se e... de repente, sentiu ser outro homem. Deus
sendo enviado não para a Tunísia, mas para a Argélia. existia e o tinha encontrado. Iniciava agora outra aventura, não
Ali teve o primeiro contato com o Islã. Apesar da campanha de um homem de ciência, mas de alguém à procura do absolu-
militar, ficou impressionado com a religiosidade do povo. De to. “No momento que descobri que havia um Deus, vi que não
volta à França, resolveu enfrentar um novo desafio: realizar podia viver, a não ser para ele. Minha vocação nasce no mesmo
uma missão geográfica no Marrocos, país totalmente fechado instante que minha fé”.
aos ocidentais. Disfarçado de judeu russo, viajou durante dois Depois de uma viagem à Palestina para conhecer a terra de
anos, de 1882 a 1884, fazendo um minucioso levantamento, Jesus, buscou a ordem mais rigorosa para entrar, os trapistas.
não sem enfrentar perigos. Ao retornar à terra natal, recebeu Decorrido um tempo, pediu para ser transferido para um mosteiro
um prêmio por esse trabalho. mais pobre, na Síria. Desejava viver a radicalidade de sua opção.
Tal aventura deixou-o mais próximo de Deus. “O Islã produziu Foi morar num convento extremamente simples, coberto com
em mim uma profunda comoção”, escreveria ele mais tarde. “A folhas de palmeira. Mas seu radicalismo exigia mais: “Somos
visão dessa fé, dessas almas vivendo continuamente na presença pobres para os ricos, mas não pobres como era Nosso Senhor,
de Deus, fez-me antever algo maior e mais verdadeiro que as não pobres como eu era no Marrocos”. Mesmo assim, passou
ocupações mundanas”. ali sete anos.

22 Novembro 2005 - Missões


A Nazaré dos excluídos
Desde sua conversão, buscava concretizar uma intuição que SEGUIDORES DE FOUCAULD

A
tivera: “Tenho sede de levar a vida que entrevi, que adivinhei pós sua morte surgiram vários grupos que se propuseram
enquanto andava pelas ruas de Nazaré”. Primeiramente procu- concretizar sua mensagem. Hoje são cerca de 20 agrupa-
rou a Nazaré geográfica, indo para a Palestina. Trabalhou dois mentos - comunidades religiosas, grupos leigos e grupos
anos como jardineiro, num convento de clarissas. Rezava muito de sacerdotes diocesanos, espalhados pelos cinco continentes.
e meditava. Meditava escrevendo, e por isso escreveu muito. A No Brasil há as Fraternidade dos Irmãos de Jesus, Irmãos
maior parte dos escritos dos oito volumes de meditações, hoje do Evangelho, Irmãzinhas de Jesus, Fraternidade Jesus Cáritas,
publicados, data dessa época. Mas Deus foi-lhe mostrando Associação Carlos de Foucauld, Fraternidade Sacerdotal, Fra-
que a verdadeira Nazaré não ficava na Palestina. Ficava onde ternidade Secular, Fraternidade Missionária, Sodalício Carlos de
estavam os mais pobres. Lembrou-se então do Marrocos, que Foucauld e Comunidade de Damasco. Os grupos se caracterizam
percorrera anos atrás. Decidiu partir para lá. Impedido de ali pelo acolhimento, abertura para o outro, vida simples, compro-
entrar, por ser europeu, instalou-se na fronteira, em Beni-Abbés, misso com os excluídos, oração e adoração eucarística.
do lado argelino.
Sonhava com uma congregação contemplativa para “através
da oração e do sacrifício, converter as pessoas distantes de Um diálogo com o mundo tuaregue
Jesus”. Esse sonho não se concretizou, pois um único compa- O ardor do missionário cedeu lugar ao contemplativo que
nheiro que foi até ele, não agüentou acompanhá-lo. A realidade descobria o poder do exemplo silencioso. “Gritar o evangelho de
colonial foi lhe mostrando um outro caminho. Ficava chocado cima dos telhados, não com palavras, mas com a vida”.
com a escravidão que ainda existia nas colônias francesas. O Irmão Carlos, bem antes do Concílio Vaticano II começava
Numa carta ao abade do seu antigo mosteiro, escrevia: “Há muita a praticar o que agora se chama de macroecumenismo. “Estou
hipocrisia na França. Imprimem nos selos liberdade, igualdade aqui não para converter os tuaregues, mas para tentar compreen­
e fraternidade, mas subjugam escravos; punem o roubo de uma dê-los. Acredito que o bom Deus acolherá no céu aqueles que
galinha e permitem o roubo de um homem. Não temos o direito forem bons e honestos. Os tuaregues são muçulmanos, mas
de permanecer como sentinelas adormecidas... cães mudos... Deus receberá a todos, se merecermos”. Os tuaregues também
É Jesus quem está nessa situação”. Assim foi entrando na outra rezavam por ele, para que pudesse ir ao céu, embora fosse
Nazaré, o lugar social e religioso escolhido por Cristo: a Nazaré cristão... Era o desejo não só das mulheres, como o de Mussa
discriminada (Jo 21, 2), a Nazaré do carpinteiro e dos pobres. Ag Amastane, chefe da região: “Que nos encontremos com ele
Sua vida foi radicalmente transformada: “Das 4h30 da manhã no paraíso...”
às 8h00 da noite não fico um minuto sem falar ou ver alguém: Interessava-se por tudo, até por atividades e vaidades
escravos, pobres, soldados, viajantes e curiosos”. Na busca dos femininas. Numa de suas viagens à França, aprendeu o tricô
mais pobres, Charles de Foucauld - agora Irmão Carlos de Jesus para ensiná-lo às mulheres tuaregues. Chegou a escrever à sua
-, vai deixar seu conventinho de Beni-Abbés, transferindo-se para prima pedindo “modelos de sapatinhos de crochê para criança
Tamanrasset, no sul da Argélia, para acompanhar os nômades de um ano, e meias para crianças da mesma idade”. Em outra
tuaregues. Ali irá viver 11 anos. ocasião solicitou à sua sobrinha tintura de cabelo, pois “não
faltam mulheres que vêm pedir um “remédio” para escurecer
alguns cabelos brancos”.
Seu grande trabalho, além dessa inculturação, foi o estudo
da língua e da cultura desse povo. Elaborou várias obras: uma
gramática e coletânea de textos, um dicionário tuaregue-fran-
cês-tuaregue em quatro volumes, e uma importante coletânea
de poesias tuaregues, em dois volumes, todos publicados após
sua morte.
Pressentindo seu fim, escrevia no ano de sua morte: “Como
dá trabalho esse dicionário. Desejo tanto vê-lo terminado!...
Isso faz de mim um sedentário e me impede de ver as pessoas
como eu desejaria”.

A medida do amor
Para imitar a Cristo, desejava morrer mártir, de forma violenta...
“A semelhança é a medida do amor”, escreveu certa vez. No dia 1º
de dezembro de 1916, numa emboscada de um grupo que resistia
à ocupação francesa, terminou sua vida, estendido na areia do
deserto, perto das hóstias consagradas, igualmente espalhadas.
Os dois amigos permaneceram juntos até o fim... 

Benedito Prezia é membro da Fraternidade Secular.

Contatos:
Neuza Lopes Severino Pe. José Bizon
Tel. (11) 4787-5992 Tel. (11) 3884-1544
e-mail: neusals@ig.com.br e-mail: dcj@casadareconciliacao.com.br
Benedito Prezia Irmãzinhas de Jesus
Tel. (11) 3825-9569 Tel: (62) 581-3711
e-mail: beneditoprezia@ig.com.br e-mail: edith.chevalier@laposte.net

Missões - Novembro 2005 23


Consciência Negra
e a criança “Ó que coisa bonita!
Deus Pai Libertador
criar negra cor

José Roberto Garcia


Infância
Missionária
Ó que coisa bonita!”
de cunho racial que permeiam as relações entre as crianças e
entre adultos e crianças, favorecendo também o acolhimento ao
“diferente” como sujeito. No banquete do Deus da Vida todos
são convidados, porém, o banquete é ofertado para aqueles e
aquelas que vivem no seu cotidiano o projeto de vida em pleni-
tude para todos (Mt 22, 8-14).

“É Deus quem revela quem somos!” (Sl 138)


O olhar da criança não carrega nenhum preconceito, pelo
contrário, ela intenciona acolher um novo amiguinho ou amigui-
nha, independente da cor da sua pele. Busquemos então tratar
destas questões com um “novo olhar”. Um olhar anti-racista e
democrático que considere a presença negra no Brasil, através
da culinária, da riqueza artística expressada na dança, na mú-
sica, na religiosidade, no Português falado no Brasil, enfim nos
nossos sonhos, nosso sangue, nossa luta por um mundo mais
Coral Família Alcântara que reúne quatro gerações de
remanescentes de quilombo em apresentação, Ipatinga, MG.
justo, mais democrático para todos os povos.
Passados mais de 300 anos da morte de Zumbi, mártir da
resistência negra, apresentemos às nossas crianças a possibi-
lidade de se relacionar melhor com o “diferente”, tenha ele ou
de Roseane de Araújo Silva ela descendência africana, asiática, indígena, européia ou tenha
posição contrária à nossa. Na relação com a mulher estrangeira,

“Ó
Jesus acolhe o seu pedido, convidando-a a participar do Reino de
que coisa bonita” relembrar neste mês o herói brasileiro Deus (Mc 7, 25-30). Como evangelizadores, procuremos “nadar
Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e de na direção contrária” à lógica da sociedade que prega a divisão
liberdade, levantando alguns pontos de reflexão em e a competição. Vamos construir o Reino sonhado por Deus
nossa página da Infância Missionária. Infelizmente aqui na terra? Temos um grande desafio de construí-lo com e
ainda não é possível festejar integralmente, porque para as nossas crianças, sem preconceitos, nem discriminação,
convivemos com situações de racismo e desigualda- porque “a criança missionária olha todas as pessoas com olhos
des. Hoje comemoramos no dia 20 de novembro, o Dia Nacional de irmão e irmã” (1º Mandamento da Criança Missionária). Das
da Consciência Negra fazendo memória junto às organizações crianças do mundo – sempre amigas! 
comunitárias que resistiram a anos e anos de exploração. As
comunidades quilombolas vêm sendo reconhecidas em passos Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.
lentos pelo governo federal após a Constituição de 1988, con-
servando tradições e espírito comunitário à luz da história dos
antepassados que naquele chão se organizaram. Você sabia?
Que por muitos anos nós brincamos e cantamos “ino-
O Reino de Deus é para todos! centes” músicas que reproduzem uma memória negativa da
Diante de uma população cuja maioria é constituída por nossa cultura. Dentre elas: ‘chicotinho queimado’, ‘escravos
afro-descendentes, ainda ocorre na escola uma reprodução de Jó’, ‘sou pobre de marré’.
de racismo, mascarada através de atitudes de diferenciação, Conhecemos outras brincadeiras que marginalizam os
afro-descendentes?
transmitindo valores negativos no que se refere à sua des-
cendência, negando a história destes pequeninos. Pequenos Indicações de leitura (infantis e juvenis)
detalhes transmitem à criança valores tais como “ser negro é Menina bonita do laço de fita,
ruim”, “tem o cabelo duro”, ou ainda “negro é feio e cheira mal”. de Ana Maria Machado (Ed. Melhoramentos);
Na situação de aprendiz, a criança não saberá diferenciar uma O menino marrom,
informação nova como algo pejorativo ou algo positivo, sem a de Ziraldo (Ed. Melhoramentos);
reflexão primeira dos adultos que a cercam.
Em boca fechada não entra mosca,
Os animadores ou educadores que lidam com crianças em de Fátima Miguez, (Ed. DCL).
situação de aprendizagem, necessitam estar atentos às questões

24 Novembro 2005 - Missões


conexão jovem
Jesus cristo,
a face humana de Deus
Levemos para a oração, a des, riachos de água pura, arco-íris... e coisas semelhantes.
Dificilmente se fará um cartaz sobre espiritualidade mostrando
espiritualidade que descobrimos na a enfermeira no hospital, os jovens na escola, a água que sai
da torneira da nossa casa para lavar a louça... Dias de espiritua­
vida. Jesus Cristo nos apresentou um lidade costumam ser vividos em casas chamadas “de retiro”:
como o próprio nome indica, lugares para a gente se “retirar” do
Pai presente na existência humana. movimento normal de todo o dia. Fica parecendo que estamos
separando direitinho o espaço de rezar e o espaço de viver, e
que Deus só pode ser encontrado nos lugares onde a natureza
de Edilene de Souza não foi atingida pelas obras do progresso humano. Não se nega
que seja revigorante poder rezar e meditar num lugar bonito,

D
silencioso, onde o meio ambiente nos fale por si mesmo da sa-
eus nos mostrou coisas espantosas em Jesus de bedoria do nosso Criador. Porém, não se pode reduzir a oração
Nazaré. O mais surpreendente não foi ressuscitar a essas ocasiões, que nem estão ao alcance de todos.
Lázaro depois de quatro dias enterrado, curar le- Nossa linguagem costuma ser rural. É verdade que Jesus
prosos, ou transfigurar-se diante de Pedro, Tiago e falava de sementes, vinhas, figueiras... É claro que nunca fa-
João. Espantoso foi Deus se importar tanto com os lou de ônibus, de antena parabólica, de supermercado, de fila
seres humanos a ponto de querer tornar-se um de do INSS, de revista em quadrinhos, de criança abandonada
nós, sem fazer disso um teatro, vivendo de verdade as grandes cheirando cola. Ele falava da vida que vivia seu povo naquele
alegrias e também as dores da existência humana. Muitas pes-
soas aprendem que Jesus é divino, mas não prestam atenção

José Roberto Garcia


no fato de que nos revela o lado humano de Deus.
Através Dele, Deus participa de coisas muito nossas: o
aconchego de uma família, a animação de nossas festas, a inti-
midade de alguns amigos, as brincadeiras próprias da infância, a
aventura de aprender, a dor da perda de pessoas queridas (o que
será que Jesus sentiu quando José morreu?) e também, é claro,
experimentar o terror da tortura até à morte, fruto das ambições
humanas. O Deus de Jesus toma posição diante da maneira
como a vida está organizada: não quer que se perca “nenhum
desses pequeninos”; diz que tudo que fazemos aos doentes,
famintos, desamparados, encarcerados, é feito a Ele; afirma
que os últimos deste mundo serão os primeiros no Reino. Jesus
é profundamente humano, sem deixar de ser Deus, aquele cujo
mistério nos ultrapassa. O importante hoje não é saber se alguém Acampamento da Juventude, 11º Intereclesial das CEBs.
é religioso ou ateu. Importante é perceber em que tipo de Deus tempo. Do que será que ele falaria hoje? Sua oração era cheia
acredita. Muita gente, quando diz que não crê em Deus, de fato de comparações rurais: “olhai os lírios do campo...” dizia ele. O
está dizendo que não acredita no Deus que lhe foi apresentado; que será que Jesus nos mandaria olhar hoje? Com que inspira-
e freqüentemente tem razão, porque há muita caricatura por aí. ções encaminharia a nossa oração? Talvez dissesse: “olhem o
Por outro lado, há quem diga que crê em Deus, mas o coloca rosto cansado desse pessoal que toma o metrô depois de um
fora da vida, sentado com muita glória e pompa num trono nas dia de trabalho... olhem a animação desses jovens que estão
alturas. Esse Deus distante pode ser um excelente pretexto para armando o equipamento de som para a sua festa... olhem a
a pessoa ignorar seus semelhantes e o terreno concreto da vida, amargura dos desempregados... olhem que coisa fantástica
que é onde, de fato, se decide a salvação, tanto a de quem tem é a inteligência humana que criou o computador... olhem o
religião, como a dos que se declaram ateus. que significa para o povo esta notícia no jornal...” Todas essas
coisas fazem parte do nosso cotidiano e devem ser parte do
Rezar e viver clima da “presença de Deus” em que todos vivemos. Senão,
Fomos acostumados só com um certo tipo de espiritualidade. nossa oração e nossa espiritualidade estarão divorciadas da
Experimente olhar para os cartazes que são feitos para falar vida, que é onde, de fato temos que caminhar com Deus. 
de oração ou para as ilustrações de livros de espiritualidade.
Possivelmente você vai ver flores, passarinhos, campinas ver- Edilene de Souza é coordenadora da Pastoral da Juventude em Bauru, SP.

Missões - Novembro 2005 25


Viver a fé no mundo neo
entrevista

O senhor costuma afirmar que seria


impossível ser verdadeiro, honesto
e ético vivendo sob o domínio do
sistema capitalista neoliberal. O que
quer dizer com isso?

Ser cristão no mundo estrutural-


mente iníquo, ante o pecado estrutural,
onde os gritos das diversas categorias
sociais denunciam um sistema que
o massifica, explora e mata, é ser
herói. Por exemplo, para se viver a
castidade ou a fidelidade num mundo
tão erotizado é preciso que a pessoa
tenha um equilíbrio afetivo muito gran-
de. Numa sociedade de economia
dominada pelo capital especulativo
marcado pela virtualidade, o indivíduo
tem que estar muito preparado para
viver honestamente. O ser humano
só vai ceder aos seus interesses
na medida em que for pressionado,
senão ele morre sobre seus milhões
de dólares, sem partilhá-los. O cristão
Frei Cristóvão assessora o 11º Intereclesial das CEBs. tem que nadar contra a maré e ser
um bom nadador, caso contrário ele vai se afogar ou ganhar
câimbras nas duas pernas. Por isso a Igreja, no atual momento
Texto e fotos de Jaime Carlos Patias histórico, com a credibilidade profética que ainda possui, apesar
das divergências, tem o dever de orientar as pessoas.

S
ão cada vez mais evidentes os desafios enfrentados pelo Diante do pecado estrutural, qual deveria ser a atitude do
cristão que quer professar sua fé em Jesus Cristo e é, cristão que professa a fé em Jesus Cristo?
ao mesmo tempo, obrigado a viver num mundo movido
pelo sistema capitalista neoliberal. No capitalismo, as Para ser cristão é preciso se agrupar, se reunir para rezar
relações sociais são pautadas pelo mercado, que exige em comum e celebrar a vida numa sociedade cada vez mais
das pessoas comportamentos claramente contrários à individualista. Os primeiros cristãos só se batizavam quando
mensagem cristã. Entrevistamos frei Cristóvão Pereira, 72, OFM, eram adultos e estavam preparados para o martírio, que era o
membro do Movimento Fé e Política nacional, coordenador de ideal deles. Ser cristão hoje, em primeiro lugar, implica em fazer
cursos, encontros, reflexões e retiros. Natural de Pará de Minas, uma opção de fé pessoal e não sociológica. Como cristão eu faço
MG, formado em Política na capital francesa, durante o período do uma opção e assumo as conseqüências. A fé leva a nos reunir
exílio, frei Cristóvão é representante do Serviço Interfranciscano com os outros do lugar para refletir e celebrar a vida com tudo o
de Justiça e Paz e Ecologia (SINFRAJUPE) e membro do Comitê que nos cerca. O cristão reunido celebra a partilha do pão e faz
Nacional dos Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco, uma ceia eucarística que não necessariamente precisa ser uma
que se opõe ao projeto de transposição do governo. missa. Infelizmente muitos cristãos procuram fazer celebrações
de projeção social para uma filha que faz 15 anos, um casamento
Frei Cristóvão, qual deveria ser a atitude da Igreja para bonito ou um funeral, para dar satisfação à sociedade. Para muitos
enfrentar os desafios atuais? a missa foi esvaziada da sua mensagem profética, que é celebrar
a memória da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.
A Igreja deveria enveredar por uma caminhada libertadora e
um novo jeito de ser, onde a dimensão social, política, teológica É possível viver a fé sozinho?
e bíblica, que constitui a sua dimensão profética, seja prioritária.
Isso se faz através da formação da consciência e da celebração Não, porque a fé por si mesma é um movimento de Jesus
da vida em comunidades. Os conteúdos deveriam ser a formação Cristo que reúne muitas pessoas. A não ser que ele opte por
bíblica, moral, política e litúrgica. ser um cenobita (pessoa que vive no convento) ou um eremita.

26 Novembro 2005 - Missões


oliberal
Ser um cristão
autêntico na
sociedade
contemporânea é ser
um herói.
Participantes do 11º Intereclesial das CEBs.

O cristão precisa confraternizar, vivenciar a fé em suas opções Quais seriam as alternativas para o pensamento único do
religiosas comunitariamente. Os que se retiram para orar são neoliberalismo?
pessoas com vocações especiais. Pessoas profundamente
evangélicas que estão em comunhão com os santos e colocam Eu diria que o Fórum Social Mundial e os fóruns regionais
nas suas orações os sofrimentos, os gritos, as alegrias, os ter- já se apresentam como uma alternativa quando afirmam que
rorismos da humanidade. Contudo, nem todos são chamados um outro mundo é possível. É preciso apostar nas pequenas
para ser eremita, cenobita ou contemplativo. iniciativas, nas cooperativas, na economia solidária, no exercício
da cidadania ativa através da participação efetiva nas reuniões
O senhor menciona muitas vezes a espiritualidade libertadora. dos vereadores, procurando conhecer com antecedência os
Como deveríamos viver hoje essa espiritualidade? projetos que serão votados e avaliar se eles respondem ou não
aos maiores problemas da população. Outra iniciativa é unir
Comprometida com os excluídos, com os pobres e margina- todas as ONGs que trabalham pelos direitos humanos, direitos
lizados. É com esse compromisso que se resgata a fidelidade ao da natureza, dos índios, dos negros... É desse movimento que
Evangelho. Do Êxodo, dos Profetas, de Isaías, dos evangelistas, vão surgir alternativas de um mundo diferente. A mudança não
como em Mateus, no capítulo 25. A espiritualidade gera movimen- vem dos EUA, nem do G-4 ou G-8 e muito menos de uma elite
tos de mudança inspirados na vida de Jesus que se solidariza árabe que nada no dinheiro à custa de uma teocracia que deixa
com os mais pobres. É do povo, de baixo para cima que vem seu povo morrer de fome. Os fóruns sociais vão chegar a criar
a transformação, um novo regime político e um novo sistema uma sociedade civil mundial organizada, contrapondo-se à ONU,
econômico. Nas CEBs, os cristãos que têm uma consciência que é uma organização de nações.
crítica partem da fé e política para mudar a sociedade. É claro
que eles entram em conflito até mesmo com certos setores da Para finalizar, qual a maior busca do ser humano?
própria Igreja. O caminho é trabalhar pelos direitos humanos,
pela democracia e pela liberdade dentro e fora da Igreja. Muitos movimentos ligados à Igreja estão desgastados.
Estamos vivendo um momento em que as igrejas neo­
pentecostais procuram dar respostas imediatas aos
problemas das pessoas. Quando encontram algo que
as satisfaz no momento, elas permanecem e depois,
passam adiante. Então há todo um processo de busca
para entender o que é ecologia, o que é mística, espi-
ritualidade e ética. Em qualquer lugar se você começar
a abordar esses temas, as pessoas ficam interessadas
porque estão sedentas.
É por esse caminho que passa a evangelização e
se constrói uma espiritualidade. Toda pessoa honesta,
ética e solidária é profundamente evangélica, promove
e defende a vida e é capaz de doar a sua em prol de
todos. Imbuída desse espírito ela vai dar uma solução
estrutural aos problemas do dia-a-dia, evitando as fugas
nas soluções paliativas. 

Jaime Carlos Patias é missionário, diretor da revista Missões


Frei Cristóvão nas CEBs com Neidi Paula Hech, de Santo Cristo, RS. e mestre em comunicação.

Missões - Novembro 2005 27


Raposa Serra do Sol
amazônia

Terra generosa
Com sabedoria, trabalho e perseverança
os povos indígenas celebram a
conquista dos seus direitos.
de uso permanente e exclusivo dos índios. Os festejos da homo-
logação aconteceram de forma brilhante, bem organizados, com
muita alegria, acolhida dos convidados, cantos, danças típicas
(Parixara, Tucui, Areruia e o Forró Caxiri na Cuia); presentes para
todos os amigos de luta, caxiri e churrasco (carne para umas 6.000
pessoas). A festa começou em Maturuca - dias 21 a 24 (região das
serras). Três dias de alegria, coordenados pelo grande líder macuxi
Jacir José de Souza. Continuou, em seguida, na Comunidade
Cantagalo - dias 26 e 27 (região do Surumu), com o líder regional
Texto e fotos de Lírio Girardi Walter de Oliveira Level e foi encerrada na Comunidade Bismark
- dias 29 e 30 (região da Raposa), com a coordenação de Clodomir

E
Malheiro. A participação dos índios foi fantástica. A família indígena
ntre os dias 21 e 30 de setembro cinco povos indígenas estava lá, inteira. Vovô, vovó, pais e mães, juventude numerosa e
do estado de Roraima celebraram a festa da homolo- muita, muita criança. Quanta alegria! Quanta vibração estampada
gação da Raposa Serra do Sol. Partilho um pouco do naqueles olhos brilhantes. Não faltou o futebol e até corrida de
muito que vi, senti e vivi durante os dias que estive em cavalo. Também muita oração, com Maruai (defumação sagrada).
Roraima, a convite do Conselho Indígena (CIR). Gos- Nas três Comunidades da festa houve celebração eucarística, bem
taria de destacar alguns fatos e sentimentos de nossos preparada e muito bem participada. Dom Roque Paloschi, bispo
irmãos missionários e missionárias da Consolata, do novo bispo de Roraima, e Dom Aldo Mongiano, bispo emérito, presidiram em
de Roraima, Dom Roque Paloschi, das lideranças indígenas e de Maturuca. Os missionários e missionárias marcaram presença
toda a Igreja, que vive um momento importante e histórico de sua significativa. Foi feita a memória de muitos ausentes que deram
caminhada, momento marcado pela vitória da homologação da parte de sua vida para tornar possível aquele momento histórico.
Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e também pelo sofrimento, Aliados dos povos indígenas, de perto e de longe, estiveram lá,
causado pelo incêndio da Missão Surumu. numerosos. Algumas autoridades governamentais também, todas
convidadas pelos índios, pessoalmente. Algumas sentiram medo
A festa da homologação e não vieram. Foi uma pena, pois perderam o testemunho de um
No dia 15 de abril de 2005 o presidente da República assinou povo que sabe lutar, com coragem e paciência; sabe celebrar,
o decreto da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do com alegria, ordem e partilha.
Sol, com 1.743.089 hectares, onde vivem há séculos, os povos
indígenas Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona, Saque e queima da Missão Surumu
que somam 16.484 índios, distribuídos em 164 Comunidades. O Aconteceu no dia 17 de setembro, às 2h00, por uma quadrilha
decreto prevê, entre outras coisas, a indenização das posses, em de encapuzados e alcoolizados, índios e não-índios, liderados e
boa fé, dos não-índios, o destino de áreas para o assentamento pagos por um grupo de arrozeiros, fazendeiros e políticos, não
desses posseiros e o prazo de um ano para a saída definitiva da conformados com o decreto da homologação da Terra Indígena
área, pois a Terra Indígena, segundo a Constituição brasileira, é Raposa Serra do Sol. A Polícia Federal sabe quem é. Já prendeu

28 Novembro 2005 - Missões


A luta de Moisés contra o faraó
Padre Lírio, qual o significado da festa da alguém ouviu. Não somente Jawé. Moisés diante do clamor do povo. Com coragem e
homologação para os povos indígenas? também... E o povo foi criando coragem. Foi determinação, fez a opção preferencial pelos
Estava estampado no rosto de cada Ma- se unindo. União e organização. Um feixe índios, abraçou sua causa, investindo pra
cuxi, Wapixana, Ingaricó... A festa é elemento de varas, representando as comunidades valer, em recursos humanos e financeiros
vital na cultura indígena: é acolhida solene unidas ao redor do Tuxaua (líder), tornou-se o (projetos de formação de lideranças, de coo­
dos hóspedes, índios e não-índios; comida símbolo da resistência ao invasor e da união perativas, de auto-sustentação e o projeto
e bebida abundantes; é ocasião para longas do povo. Os vários feixes simbolizaram os “uma vaca para o índio”). A Comunidade
conversas, cantos e danças; celebração de Conselhos Regionais que, juntos, formaram Indígena tornou-se prioridade e o centro
acordos de paz, alianças com novos grupos; o Conselho Indígena de Roraima (CIR). Foi o das atenções. A resposta foi dupla: de um
é evocação e comunhão com os espíritos dos gado da fazenda que roubou a terra do índio, lado, os povos indígenas puseram-se de
antepassados; é troca de presentes e comida porque a ideologia rezava: “tem direito à terra pé, começaram a caminhar rumo à terra
farta, para os hóspedes que partem... A festa quem tem gado”. Foi o gado do projeto “uma prometida, pagando alto preço pela sua liber-
tem tudo a ver com a vida e a felicidade. Ce- vaca para o índio”, da Igreja Católica, que tação... Mas venceram. A terra homologada
lebrar era necessário. Solenemente. Durante ajudou o índio a recuperar a terra e, com é a prova. Por outro lado, a reação violenta
muitos dias. A espera foi demorada. A vitória ela, a sua identidade, língua, costumes, tradi- do faraó: inconformado com a arrancada do
custou a chegar.Quase 30 anos de luta. Mas ções... Ainda há quem afirma: “é muita terra povo, intensificou sua cólera e perseguição
chegou! Quanta paciência! Um símbolo do para pouco índio”. Eu que tive o privilégio de contra as lideranças, o povo e o próprio
povo Macuxi é o jabuti: devagar e sempre. participar, não só do calvário e do caminho Moisés. A queima da Missão Surumu, sím-
“Posso não ver esta terra demarcada, mas da ressurreição deste povo, mas também da bolo histórico maior da presença da Igreja
o meu filho vai vê-la”, dizia, há mais de 15 celebração da solene festa da homologação junto aos povos indígenas de Roraima,
anos, um grande líder Macuxi. Não só o filho e conferir o extraordinário número de jovens por um grupo de vândalos, encapuzados e
viu. O pai também. E viu ainda a homolo- e crianças de hoje, ouso concluir que a Terra bêbados, liderados por um faraó global e
gação. Quanto sofrimento: além da fome, Indígena Raposa Serra do Sol é uma terra covarde porque pretende esconder-se atrás
a humilhação. Ameaças, calúnias, prisões, generosa e suficientemente rica, para dar a da imunidade parlamentar é outra prova da
agressões físicas e na alma. Mortes. O san- eles um amanhã verdadeiramente feliz. inconformidade de uma mente insana, diante
gue derramado dos parentes foi semente de da ação profética da Igreja. Quero crer que
resistência que germinou a homologação. A Qual o papel da Igreja a partir de agora? a Igreja, seguindo os passos do Mestre,
festa é a celebração da vida. A Igreja, nos anos 70, iluminada pelo continuará, agora, não mais à frente, como
Evangelho e pelas luzes do Concílio Vaticano protagonista, mas, como irmã, ao lado dos
Qual o futuro desta terra homologada? II e das conferências episcopais de Medellín povos indígenas, que saberão, com união e
O futuro já está plantado. A semente e Puebla, foi capaz de fazer uma leitura nova paciência histórica, consolidar a ocupação
foi lançada. O clamor do povo foi tanto que da realidade e assumiu o papel de Moisés, desta terra (Revista Missões).

1) Igreja de Surumu após ataque. 2) Dom Paloschi e Dom Aldo ao lado da planta símbolo da resistência. 3) Marinaldo - CIR.

dois envolvidos. Mas precisa chegar aos mandan-


tes, mesmo que aleguem imunidade parlamentar. “Queimaram as A destruição da Missão foi um ato covarde
(usaram adolescentes encapuzados e embriaga-
O incêndio da Missão Surumu é um ato insano.
Vandalismo. Terrorismo puro. Queimaram o Hospital paredes, mas não dos). Um ataque vil e insano contra a Igreja, aliada
dos povos indígenas, contra a causa indígena,
São Camilo, a igreja, a casa das irmãs missionárias
da Consolata, os dormitórios dos alunos, a escola destruíram o sonho”. e contra os próprios índios, com a finalidade de
amedrontar e reverter a situação. Foi também
indígena de segundo grau, espancaram o professor um golpe contra a Constituição, contra os direitos
Júlio, do Senai, e incendiaram seu carro. Essa Missão faz parte humanos, contra o povo brasileiro.
da história de Roraima. Foi o primeiro trabalho dos Beneditinos, Mas não serão a covardia e o terror a vencer. A paciência
no meio dos povos indígenas. Já em 1909, os monges, fugitivos histórica dos índios, sua resistência, sua união e organização
de uma forte perseguição da família Brasil, de Boa Vista, fun- saberão dar a volta por cima, também neste momento. A vitória
daram essa Missão. A malária obrigou-os a abandoná-la. Em está bem expressa nesta frase pronunciada por um aluno da
1950, o padre Marcos Lonatti, IMC, recomeçou a Missão, com escola, na celebração realizada no meio das cinzas da Igreja
uma pequena escola. Em seguida, padre José Maria Rubato, incendiada: “Queimaram as paredes, mas não destruíram o
IMC e outros, continuaram a obra. Ela é um marco na educação sonho”. É o sonho da liberdade. A Missão será reconstruída,
e evangelização, formando centenas de lideranças, professores, conforme decisão da diocese e da organização indígena, do
catequistas e auxiliares de enfermagem. A partir dos anos 70, jeito do índio, para responder às necessidades atuais. É uma
tornou-se também o berço da organização indígena e da luta ótima ocasião de solidariedade, partilha e colaboração. 
pela conquista e garantia dos direitos dos índios, principalmente
de sua terra e da sua língua. Lírio Girardi é superior do Instituto Missões Consolata no Brasil.

Missões - Novembro 2005 29


Papa visitará o Brasil Na proposta de trabalho foi reservado tempo para
V Conferência do CELAM partilha de experiências de Missão Jovem e Missões
A assessoria de imprensa do Conselho Episcopal Populares realizados nos Regionais.
Latino-americano - CELAM - divulgou a sede e a data
da V Conferência Geral do organismo: o lugar será o São Paulo
Santuário Mariano, em Aparecida, SP, e a data será 41ª Assembléia Geral
final de abril e início de maio de 2007. A escolha foi Ordinária da UCBC
uma decisão pessoal do papa Bento XVI. O papa Associados da União Cristã Brasileira de Comu-
recebeu em audiência, na sua residência apostólica nicação Social (UCBC) realizam a 41ª Assembléia
vaticana, a cúpula do CELAM: os cardeais Dom Fran- Geral Ordinária da instituição entre os dias 12 e 15
cisco Javier Errázuriz Ossa, arcebispo de Santiago, de novembro de 2005. A Assembléia acontecerá na
Chile e presidente do CELAM, Dom Pedro Rubiano Casa Sagrada Família, no bairro do Ipiranga, São
Sáenz, arcebispo de Bogotá, Colômbia, Dom Cláudio Paulo. A Assembléia não apenas irá eleger uma
Hummes, arcebispo de São Paulo, Brasil, e Dom nova diretoria, como também discutirá a atuação da
Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, UCBC, apontando novos caminhos. Para auxiliar
Argentina. Durante esta audiência, o papa recebeu o nas discussões temáticas, estão disponíveis no site
primeiro documento preparatório dos trabalhos da V da UCBC textos para serem lidos e pensados nas
Conferência Geral do CELAM e, ao ouvir os motivos dos comunidades, nas Pascom’s e nos grupos. É muito
cardeais para que o encontro se realizasse na América importante a participação de todos nesse momento
VOLTA AO BRASIL

Latina, o papa então comunicou-lhes a data e o lugar. decisivo, e de apontamentos para o futuro da orga-
O pontífice garantiu sua presença na inauguração do nização! A inscrição poderá ser ser feita através da
encontro. Bento XVI escolheu o tema da Conferência: página da UCBC na rede: www.ucbc.org.br. até 11
“Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que de novembro.
os nossos povos nele tenham a vida”. Mais informações:
Conferências gerais do CELAM: email ucbc@ucbc.org.br
1ª - Rio de Janeiro, 1955. Tel.: (11) 5589-2050.
2ª - Medellín, Colômbia, 1968.
3ª - Puebla, México, 1979. Dia contra a baixaria
4ª - Santo Domingo, República Dominicana, 1992. No último dia 9 de outubro a Campanha “Quem
5ª - Aparecida, Brasil, 2007. financia a baixaria é contra a cidadania” realizou o
segundo Dia Nacional
Curitiba Contra a Baixaria na
30 anos do COMIDI TV. Com o slogan “Sin-
O COMIDI (Conselho Missionário Diocesano) de tonize a Ética na TV”, a
Curitiba comemora 30 anos de existência. Durante Campanha programou
todo este período muitas atividades foram realiza- diversos eventos para
das. Milhares de pessoas já receberam formação e o domingo, como um
aceitaram o desafio de evangelizar além-fronteiras. programa especial que
Em comum, tantos religiosos(as) quanto leigos(as), foi gerado pela TV Câ-
dizem ter a experiência como verdadeira fonte de mara e distribuído para diversas emissoras. Foram
fortalecimento da fé. Como parte das festividades, confirmadas: TVs Nacional, Câmara, Senado, NBR,
realizou-se do dia 10 de setembro a 30 de outubro Justiça, filiadas à ABEPEC (como TV Cultura e as
um grande Mutirão Missionário na paróquia N. Sra. TVs Educativas) e legislativas. Além destas, foram
do Amparo, em Rio Branco do Sul, PR, que possui convidadas as TVs Universitárias, Telesul, TV Escola,
57 comunidades. Cerca de 200 missionários de 17 Canal Futura, Rede Vida e Canção Nova. O Ibope
paróquias da arquidiocese percorreram estradas fará uma pesquisa para avaliar o impacto na audiência
e ruas do município realizando visitas às famílias, deste ano. A proposta foi preparar uma programação
trabalho com crianças, jovens e famílias, refletindo o especial e transmitir em rede, entre 12h00 e 13h00,
tema da Eucaristia e do Batismo. Foram momentos um programa com três blocos de debates intercalados
de engrandecimento para todos e, sem dúvida, algo por Vts a respeito das principais questões relacionadas
que resgata a importância da dimensão missionária à ética na TV. A referência do interesse público foi a
na ação evangelizadora. análise das milhares de mensagens que chegam à
Campanha, coordenada pela CDHM.
Brasília Movimentos sociais e organizações não-gover-
1º Encontro de Missões Jovens namentais organizaram atos públicos para mobilizar
O 1º Encontro de Missões Jovens e Missões as pessoas em várias cidades. Em Brasília, o ato foi
Populares, organizado pelo Setor Juventude da na Torre de TV; em Recife, na Praia da Boa Viagem;
CNBB aconteceu de 8 a 11 de outubro e contou com em Goiânia, na Feira da Lua. Uma enorme rede de
participação de representantes jovens das Pastorais e-mails foi acionada para divulgar o Dia Nacional, com
da Juventude e de representantes dos COMIREs, dos o suporte de materiais impressos, spots em emissoras
Regionais dos Nordestes I, II, III, IV e V. 75 jovens, de TV e de rádio parceiras. 
assessores, padres, religiosos e leigos se reuniram no
Centro Marista de Eventos, na cidade de Extremoz,
Grande Natal, RN para despertar e animar a dimensão
missionária no trabalho pastoral com a Juventude. Fontes: CNBB, COMIDI Curitiba, Ética na TV, UCBC.
30 Novembro 2005 - Missões
Campanha de Reconstrução
Missão Surumu, Roraima
A Diocese de Roraima lança Campanha de solidariedade e reconstrução
da Missão Surumu que foi invadida, saqueada e queimada na madrugada de
17 de setembro de 2005. O ataque foi protagonizado por um grupo de pessoas
contrárias a presença da Igreja Católica junto aos povos indígenas e ao direito
da terra que lhes é garantido pela Constituição. A Missão Surumu, criada em
1909 é um marco histórico na educação e formação de lideranças, catequistas,
professores e auxiliares de enfermagem. Do ano de 1997 para cá tem sido o berço
da organização indígena e da luta pela garantia de seus direitos, tornando-se um
patrimônio cultural e histórico de referência.

“Queimaram as paredes,
mas não destruíram o sonho!”
A Revista Missões apóia a Campanha de Reconstrução da Missão Surumu
e convoca os leitores, as comunidades, paróquias, organismos e amigos das
missões a participar com coletas e gestos de solidariedade para garantir a con-
tinuação da Escola Indígena e do Hospital São Camilo.

ENTREGUE SUA DOAÇÃO:


No Estado de Roraima:
Catedral Cristo Redentor – praça do centro cívico
Igreja São João Batista – Av 16 – Bairro Caranã
Igreja São Francisco – na rotatória da Av. Capitão Julio Bezerra
Igreja Consolata – Av. Villy Roy, próxima a rodoviária
Na secretaria da Diaconia Missionária – Rua Arnaldo Nogueira

Para o restante do Brasil:


Faça o seu depósito na conta:
Diocese de Roraima 8848 – x Agência: 2617 – 4 - Banco do Brasil
1) Hospital São Camilo
Mais informações:
Tels.: (95) 3224 4109 – Boa Vista, RR. 2) Igreja São José - Missão Surumu
(11) 6256 7599 – São Paulo, SP.
3) Dormitório dos alunos com estrutura
Email: redacao@revistamissoes.org.br para amarrar as redes para dormir.


Desejo receber MISSÕES
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Colaboração anual R$ 35,00 Quantidade por DEPÓSITO BANCÁRIO pelo Banco Bradesco, agência 0545-2 c/c 38163-2.

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