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Tais fatos foram determinantes para dar início a transformação do modelo de Estado
então sedimentado. A transição decorreu em conseqüência das injustiças sociais
ocasionadas pelo individualismo e extrema neutralidade do Estado Liberal, fazendo
com que crescesse na sociedade a necessidade de justiça social. Nasceu, assim, o
Estado Social de Direito, mais voltado a afirmação dos direitos sociais e às
aspirações de justiça social, embora tal concepção, na opinião de muitos autores
seja de "ambigüidade manifesta", como diz Jose Afonso da Silva, ressaltando que:
"Primeiro, porque a palavra social está sujeita a várias interpretações. Todas as
ideologias, com sua própria visão do social e do Direito, podem acolher uma
concepção do Estado Social de Direito, menos a ideologia marxista que não confunde
o social com o socialista. A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha
franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França,
com a Quarta República, especialmente, e o Brasil, desde a revolução de 30 - bem
observa Paulo Bonavides - foram "Estados sociais", o que evidencia, conclui, "que
o Estado social se compadece com regimes políticos antagônicos, como sejam a
democracia, o fascismo e o nacional-socialismo. Em segundo lugar, o importante não
é o social, qualificando o Estado, em lugar de qualificar o Direito."1
Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Constitucional, destaca que: "O centro
medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é
indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade
da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual; gira toda a
concepção estrutural do Estado democrático contemporâneo. De todos os direitos
fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito
Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito-
chave, o direito-guardião do Estado social."2
Com base nessa perspectiva é que se fará a análise do princípio da igualdade tal
como contido no art. 5° da Constituição Federal, em face do atual modelo de Estado
neo-liberal que se quer implantar.
Mais que reconhecidos e postos, devem ser eles garantidos por instrumentos capazes
de fazê-los sair de uma realidade apenas formal para incorporar-se a realidade
material, ou seja, ao patrimônio do indivíduo. Essa nova concepção conferiu um
caráter diferente aos direitos fundamentais, efetivados por meio das chamadas
garantias institucionais, que sintetizam, na prática, o aspecto objetivo desses
direitos, segundo a formulação proposta por Carl Schmitt. Como ressalta ainda o
Prof. Paulo Bonavides: "A concepção de objetividade e de valores relativamente aos
direitos fundamentais fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da
liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual
que demanda tratamento igual e uniforme para assumir, conforme demonstra a
doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de
garantia contra atos de arbítrio do Estado."3
Não há dúvida de que o papel do Estado precisa ser redefinido. Tal redefinição,
contudo, não pode atropelar o processo democrático em andamento nem desestabilizar
a ordem jurídica, considerando-se que não há Estado de Direito sem legalidade, nem
democracia sem cidadania, elemento caracterizador da participação popular.
É necessário atentar para a nossa realidade fática, não aderir a modismos, porque
hoje muito se fala em "Estado Mínimo e Estado Subsidiário" , embora muitos não
saibam sequer a distinção entre um e outro. Muito corrente também é o discurso a
respeito da necessidade de se reduzir o tamanho da máquina administrativa, o
"monstro frio" em que se transformou o Estado. Certo é que o Estado, enquanto tal,
não poderá deixar de ter e exercer atividades essenciais que lhe são inerentes e
típicas do Poder Público. Nesse sentido é o entendimento da profa. Maria Silvya
Zanella DI PIETRO: "Devem ficar a cargo do Estado as atividades que lhe são
próprias como ente soberano, consideradas indelegáveis ao particular (segurança,
defesa Justiça, relações exteriores legislação polícia): e devem ser regidas pelo
princípio da subsidiariedade as atividades sociais (educação, saúde, pesquisa,
cultura, assistência) e econômicas (industriais, comerciais, financeiras), as
quais o Estado só deve exercer em caráter supletivo da iniciativa privada, quando
ela for deficiente.
Como se vê, não se confunde o Estado Subsidiário com o Estado Mínimo; neste, o
Estado só exercia as atividades essenciais, deixando tudo mais para a iniciativa
privada, dentro da idéia de liberdade individual que era inerente ao período do
Estado Liberal; naquele, O Estado exerce as atividades essenciais, típicas do
Poder Público, e também as atividades sociais e econômicas que o particular não
consiga desempenhar a contento no regime da livre iniciativa e livre competição;
além disso, com relação a estas últimas, o Estado deve incentivar a iniciativa
privada, auxiliando-a pela atividade de fomento, já referida.
O que não é possível é promover uma completa reforma do Estado, apenas para que
este se adapte as regras do poder econômico. As mudanças devem ser procedidas com
base na legalidade e na legitimidade, com vistas a se alcançar os fins sociais
apontados pela Constituição.
Além disso, é inteligente o Estado que cria uma política estratégica a longo
prazo, que trabalha em colaboração com o mercado, retirando-se de setores que não
são os institucionalmente seus, que elimina a corrupção e utiliza todos os meios
disponíveis para a promoção e apoio da organização e desenvolvimento da sociedade
civil."5
Se se busca por esta forma, dar maior agilidade ao Estado, desvencilhando-se dos
nós jurídicos que emperram o funcionamento da máquina administrativa, em nome de
uma eficiência duvidosa E de uma política nem tão comprometida assim com os
valores sociais eleitos pelo povo, não se deve perder de vista que o pano de fundo
da situação é a crise constitucionalista que enfrentamos. As soluções para os
problemas econômicos E sociais não pode justificar o rompimento com a ordem
jurídica estabelecida. A segurança das relações jurídicas é comprometida toda vez
que se opta por uma solução contrária ao interesse público. O desrespeito as
normas constitucionais está se tornando cada dia mais usual, mais comum,
refletindo o profundo descompromisso da classe política para com a sociedade e a
completa incapacidade de compatibilizar a realidade jurídica com a vontade
política. Cada governante traça o perfil do ordenamento jurídico como lhe convém,
moldando o Estado de acordo com a sua própria concepção. Esta tem sido a tônica do
novo modelo de Estado que está florescendo entre nós. A atual Constituição não
consegue ser boa o suficiente, a ponto de atender aos mais verdadeiros anseios e
as mais abissais aspirações neo-liberais.
Entendemos, porém, que a ênfase deva ser dada a nossa realidade social, como a
falta de saneamento básico, o desmonte do serviço de saúde pública, a falta de
escolas para as populações carentes, a miséria e a fome, estes sim, problemas
carecedores das mais profundas mudanças.
Como bem salienta o ilustre jurista Juarez de Freitas: "Certo, o Estado brasileiro
precisa ser, cautelosa e idoneamente, redesenhado, mais por força dos imprevistos
da realidade do que por motivações de cunho ideológico.
Inegável, outrossim, que tal reformatação deve ser feita sem que se extravie a sua
funcionalidade, sobremodo, a fiscalizatória, indispensável para garantir o caráter
público de determinados serviços. Impede pôr em realce que, se o modelo de Estado
intervencionista - direto, pesado e ineficiente - cede lugar a um outro que se
quer mais regulador, não menos evidente a mantença do portentoso desafio de ser
eficaz e jamais omisso nesta nova empresa.
O que se pode concluir de tudo isso, é que a política neo-liberal do atual governo
vem, sutilmente, corroendo as bases de sustentação do Estado desenhado pela Carta
Magna de 1988. Os direitos sociais nela prescritos encontram-se seriamente
ameaçados, direitos estes, destaque-se, inseridos entre os direitos fundamentais.
Tal flexibilização é a que chama a atenção dos leitores do texto, porque arrasta
da lei complementar e qualquer lei ordinária e até mesmo à medida provisória e
instrumentalização da instituição de tributos federais".8
Não se pode pensar que as soluções para todos os problemas vivenciados pelo povo
brasileiro passam por constantes alterações à Constituição. Tal raciocínio é de
uma inconseqüência tremenda, prestando-se somente para revelar o descompasso entre
a realidade política e a realidade social, postas em confronto pelo ordenamento
jurídico. A concentração do poder nas mãos do Chefe do Executivo causará o
desequilíbrio do sistema e dificultará o engajamento da sociedade no intrincado
processo de democratização do Estado, tornando inúteis quaisquer garantias postas
à disposição dos indivíduos.
NOTAS
1 In Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. RT, 5a ed., São Paulo, 1989,
pág. 102.
8 Direito Constitucional Brasileiro. Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1996, pág. 305.
BIBLIOGRAFIA
1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed.RT, 5a ed.,
S.P., 1989.