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AR Cadernos Antropologia Imagem Uma publicacio do Programa de Pés-Graduagio ‘em Ciencias Sociais - PPCIS e do Nucleo de Antropologia e Imagem - NAI 2 Antropologiae Fotografia Cadernos de Antropologia e Imagem 2 Antropologia ¢ Fotografia Cadernos de Antropologia ¢ Imagem ¢ time publicopia organizada pole Daido de Antropolegio« mage (NAD, da: Oficina de Ensine ¢ Pesguiza om Gibneias Sociats, do Depertamente de Siineiae Sociais! Fnstitute de Filosofia e Glincias Humancs da Cniversidadeda Estado do Rio de-Fanciro CUBR. Sua propasta ta de atualizar as Giscuesdcsem forno do use da imagen nas Giimcias Soctais, especialmente no dmbito Ga Antropotogia, senda wm vefeulo para a publicagdo tanto de literatura 78 fonsiderada cdssica quanto dé Contribuigier contempordneds ‘cadernos de Antropologia€ Imagem Nicleo de Antropologia« imagem ‘Oficina de GnciasSociais /UER) [ua Sto Fransisco Ravier, 524 - Bloc A sala 9001 20550013 Rio de Janeiro - Rf ‘el ran (021) 587-7590 Fotografia da Capa: retirada do artigo "A Fotografia nas Festas Populares" de Flervé Texéquel Reprodugdes fotogrdtieas: Bérbara Copque Publicagéo semestral Solicits se permuta/ Exchange desired ditores Clarice Ehlers Peixoto Patricia Monte- Mor Comissde Editorial Glarice Ehlers Peisoto Laie Rodolfo Vilkena Marcia Persira Leite Parrleia Birman Poirteia Monten Mor Rocane Manhaes Prado Conselho Editorial fina Maria Galane (Universidade Federal Go Rio de Tanciro), Bela Feldman= Bianco (Universidade Estadual de Campinas), Cornelia Lekers (Oniversidade Federal do Rio Crande do Goi, David MacDougall (Fieldwork Productions, Australia), Dominique Gatieis (Universidade de Sao Paulo), Elizobesh Wearkerford (National Museum of the American Indian, EUA), Etienne Samain (Universidade Estadual de Campinas), Faye Ginsburg (Nee York Unigersity, BUA). Mare- Gtenri Phaute (Ecole cer Hanres Brudes tn Science: Sociales, Franea), Miriam Moreira Leite (Universidade de S20 Paulo), Peter Loizos (London School of Economics ond Political Sciences Taglaterra), Regina Catia R. Novaes (Whiversidade Federal do Rie de Gancire), Siluia Cainby Novae: (Universidade de Sdo Paulo), Silvio Da-Rin (Cineaste) Sylooin Maresca (Onivertité Paris VIIL- range) Colaboraram neste niimero Christopher Phillips - Redator-chefe da revista Art in America, escreveu numerosos textos sobre arte e fotografia no século XX como 0 antolégico Photography in the Modern Era Huropean Documents and Critical Writings 1913-1940, em 1989 Christopher Pinney - Antrop6logo € professor especialista da Asia do Sul na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres Elizabeth Edwards - Curadora dos arquivos do museu Pitt Rivers da Universidade de Oxford Eduardo Viveiros de Castro - AntropSlogo e profestor do Programa de Pés-Graduacio ‘em Antropologia Social do Museu Nacional desde 1978. Fez pesquisas etnogréficas entre (os Yawalapiti, os Kulina (Acre) e os Araweté (Pars) Howard Becker - Professor da Universidade de Washington, fez sua formagio na Universidade de Chicago, onde tomou contato com a importante tradigao de estudos sociolégicas Junto 2 outros colegas de geracio ligados essa mesma infiuéncia, fot um dos criadores do estilo de estudos *micro-sociolégicos’ conhecidos pelo termo Interacionismo simbdlico” Entre os seus varios livros destacam-se Outsiders e Art Worlds Hervé Jézéquel - Pesquisador do Museu Nacional de Artes e Tradigdes Populares, de Paris, ¢ Diretor do Servigo de Fotografia j& participou de organizacao de varias exposicoes sobre fotografia como arte popular e foi, recentemente, um dos curadores de Photos Foraines 1990-1960 Inne Jonas - Pesquisacora freelancer 4 tendo trabalho em ci cultural, interessou-se nos whimos anos pelo estudo das fotos de familia mae produgio Maria Leticia Ferreira - Antropéloga e professora no Departamento de Hist6ria e ‘Antropologia da Universidade Federal de Pelotas Desde 1992 vem desenvolvendo pesquisa, sobre processo de envelhecimento Desenvolve, no momento, projeto de estudos sobre locais de sociabilidade de idosos na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul Miriam Lifchitz Moreira Leite - Historiadora e pesquisadora do Centro de Apoio & Pesquisa em Hist6ria da Universidade de Sao Paulo Trabalha, desce 1975, em andlise de documentagao e, desde 1981, com anélise de fotografias Publicou, em 1993, Retratos de Familia: andlise da fotografia bistbrica (S40 Paulo: EDUSP-FAPESP, 1993) que recebeu 0 prémio Jabuti de Ensaio Sylvain Maresca - Sociélogo e professor na Universidade Paris VIII, no departamento Imagem Fotogrdfica Publicou diversos artigos sobre 0 uso sociolégico de imagem ¢ 0 livro L'euioporirait six agricultrices en quéte d'tmage, um estudo sobre a economia social das imagens £ também membro da comissto de redagao de revista La recherche photograpbique Bela Feldman-Bianco- Antropéloga e professora do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade de Campinas Dedice-se 20 estudo da relagto midis e cultura ¢ € autore de varios artigos sobre antropologia visual Clarice Ehlers Peixoto - Antropéloga e professora do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas e membro do Nacleo de Antropologia ¢ Imagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com formagao em Antropologia Visual Publicou vérios artigos sobre a antropologis visual Luiz Rodolfo Vilhena - Antrop6logo e professor do Instituto de Filesofia e Cléncias Humanas da Universidade do Esxado do Rio de Janeiro Tem se dedicado 20 estudo de sistemas simbélicos-religiosos € 20 pensamento social brasileiro £ autor de O Mundo da astrologia: estudo antropotigico Marc-Henri Piault - Antropélogo-cineasta, professor de antropologia politica na Sorbonne ¢ antropologia visual na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (CNRS/ EHESS) Em suas pesquisas antropolOgicas, incorporou o filme etnogréfico como uma das principais fontes de informaczo Criou, junto com dois outros antropélogos, a Cellule Anthropologie Visuelle na EHESS ‘Myriam Lins de Barros - Antropéloga professora da Faculdade de Servigo Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Publicou, erm 1992, com flana Strozenberg, Album de Familia (RJ, Comunicacéo Contemporines LTDA) Patricia Monte-Méx - Antropéloga @ consultora junto & Oficina de Ensino ¢ Pesquisa fem Ciéncias Sociais na criaglo e desenvolvimento do Nacleo de Antropologia ¢ Imagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Produtora Cultural, curadora da Mostra Internacional do Filme Etnografico, diretora da Interior ProdugBes € responsével pela realizagio de varios projetos e publicagoes associando antropologia ¢ imagem Sumario Apresentacao ~ Clarice Ehlers Peixoto e Patricia Monte-Mér 5 Histérias Paralelas 9 Antropologia e Fotografia 11 - Elizabeth Edwards A historia paralela da Antropologia e da Fotografia 29 + Christopher Pinney As figuras do desconhecido 53 + Syloain Maresca A Fotografia dos anos vinte: a exploragdo de um novo espaco urbano 83 - Christopher Phillips Pesquisas 93 Explorando a Sociedade Fotograficamente 95 + Howard S. Becker Dois Rituais do Xingu 99 - Eduardo Viveiros de Castro Mentira e verdade do dlbum de fotos de familia 105 - Irene Jonas Olhares fixos na imensidao do tempo: 115 fotografia e lembranca - Maria Leticia Ferreira A fotografia nas festas populares 127 + Hervé Séaéguel Ensaios Bibliograficos 135 Balinese Character: uma andlise fotografica - Gregory Bateson @ Margaret Mead 137 - Howard S. Becker Negros e Fotografia 145 - Mirian Lifchits Moreira Leite Resenhas de Filmes e Videos 151 First Contact (Bob Connoly e Robin Anderson), 153 por Mare-Henri Piault PhotoWallahs (David ¢ Judith MacDougall), 156 por Bela Feldman Bianco Rio de Memérias (José Inacio Parente), 159 por Myriam Lins de Barros Malinowski: Off the Verandah (André Singer), 161 por Luiz Rodolfo Vilhena Fotocronografias ou Cronofotografias de Etienne-Jules Marey (Jean-Dominique Lajoux), 164 por Clarice Ehlers Peixoto The Ax Fight (Timothy Asch), 167 por Patricia Monte-Mér BARBRA Ap resentag¢géo O seguato néimero de Cadernas de Antropologia ¢ Imagem & consagrado as diversas relagoes tecidas entre a antropologia e a fotografia, desde os primeiros tempos Sio textos que discutem tanto suas hist6rias paralelas quanto os diferentes usos a fotografia no campo da antropologia: seja enquanto um instrumento para a anélise, seja como instigadora de reflexdes tedricas ou, ainda, como elemento fundamental da trama relacional observados/observado na pesquisa de campo Nao ha dividas de que, hoje em dia, ninguém mais ignora a enorme riqueza que os documentos visuais aportam 3s ciéncias humanas Embora a grande maioria ainda Jance mio desse instrumental somente como ilustacio de seus trabalhos, sem privilegiar © questionamento das teorias ou das praticas subjacentes ao uso das imagens, observamos um interesse crescente de pesquisadores pela linguagem fotogrifica e seu emprego nas pesquisas sociais. Mas seré que a fotografia € uma forma de conhecimento? Nao foram poucos os pesquisadores que procuraram responder a essa interrogacao. J nos anos 1960 Pierre Bourdieu, por exemplo, se interessou pelo uso social da fotografia nas ‘camadas populares, escrevendo o cléssico Un art moyen: essai sur les usages sociaux de la ‘photographie (1965:108). Para o autor a fotografia sempre teve um certo pendor para servis 38, fangoes socias, pois as diferentes formas de pratici-la definem, de fato, a verdade social da fotografia do mesmo modo que sto definidas por ela Howard Becker publicou, nos anos seguintes, uma coleténea de artigos intitulada Exploring Society Photograpbically, onde apresentava “alguns dos muitos esforgos feitos por fotdgrafos e cientistas sociais em combinar as duas disciplinas e, usando o meio visval, para compreender as atividades da vida social.” 0s fotégrafos, desde o inicio, continua 0 autor, “tiveram como tarefa fotografer 0 mundo social, tanto pelo interesse por lugares distantes € povos ex6ticos, quanto por registrar eventos exéticos e pessoas préximas. Os cientistas sociais, de tempos em tempos, fotografaram as pessoas € os lugares envolvidos em suas pesquisas (poucas vezes como uma atividede de rotina, exceto no caso da antropologia). Os fot6grafos tém estudado antropologia e sociologia e os cientistas sociais estudado 2 fotografia” No Brasil, Miriam Moreira Leite em Retratos de Familia (1993:150-151) aponta para a difusio, na década de 70, de toda uma revitalizacdo do interesse pela sociologia visual no 56 como um instrumento de pesquisa € ensino, mas pelo fato de ser colocado ‘em foco © problema da “amostragem, da validade, da representatividade e da precisio com que a cimera capta um recorte da realidade social. Estabeleceu-se que a fotografia & uma evidéncia” {A leitura dos artigos aqui publicados nos apresenta os muitos caminhos trilhados por aqueles que se interessaram pela aproximacio das duas disciplinas, revelando afinidades e apontando problemas Organizamos os artigos em dois blocos: Historias Paralelas e Pesquisas, No primeiro, agrpamos aqueles que consideramos tratar, em éltima anélise, da genese das duas disciplinas Sao 0s artigos de Elizabeth Edwards e Christopher Pinney, publicados originalmente na obra inglesa Antbropology and Photography, tratando das suas historias paralelas, de Sylvain Maresca, o primeiro capitulo de seu trabalho Connaissance ou Vision, enfocando a questao do “anonimato x identidade" no retrato fotografico ¢ de Christopher Phillips, sobre 2 fotografia e 0 espago urbano na Franga no inicio do século No segundo bloco, agrupamos os artigos que estio voltados para investigacoes especificas Incluimos ai a Introdugao de Howard Becker, felta originalmente para a coletinea Exploring Society Photograpbically, por ele organizada e aqui jt mencionada ‘Trata-se de uma publicac2o que marcou poca, enfatizando a fotografia no contexto das pesquisas sociolégicas, mas até hoje no acessivel em portugués Também da mesma coletinea, incluimos 0 artigo de Eduardo Viveiros de Castro, ainda no inicio de sua producio académica, apontando para a “novidade” do uso da fotografia na pesquisa de campo. Irene Jonas entra no universo dos 4lbuns de familia, na Franca, aproximando-se da pesquisa de Maria Leticia Ferreira, sobre fotografia e lembranga, no sul do Brasil. O artigo de Hervé Jézéquel abre inimeras discussdes com o universo das festas populares, das festas de padroeixo e a presenca da fotografia, ‘Além dos artigos, duas outras sessdes também se apresentam: Ensaios bibliogréficos Resenhas de Filmes e Videos. A obra de Margaret Mead e Gregory Bateson, The Balinese Character, foi resenhada por H. Becker, originalmente incluida na publicag0 por ele corganizada, jd mencionada Miriam Moreira Leite vai watar da fotoanilise, fazendo a resenha de quatro livros referentes & iconografia e & fotografia de negras, publicados por ocasiao do Centendrio da Abolicao da Escravatura s > s a © > > Procuramos ampliar a sessio de resenhas de filmes e videos, para tornar disponivel, pouco 2 pouco € de forma qualitativa, nio s6 0 acervo do Nacleo de Antropologia e Imagem da UERJ, como outros titulos de interesse. Agradecemos a colaboracio de Marc- Henri Piault, Bela Feldman - Bianco, Myrian Lins de Barros e Luiz Rodolfo Vilhena que, com suas observagdes, nos fornecem mais pistas para o uso dos filmes no contexto do ensino e da pesquise. Pretendemos, dessa maneira, dar seqiiéncia, com os Cadernos, a0 nosso projeto de oferecer 20 piiblico universitério literatura especializada sobre o tema Produzir esta coletinea de artigos nao se realiza sem um arduo trabalho Pingamos aqui e ali textos, preciosos; lntamos com a produglo das tradugdes € revisdes, com a busca das imagens ¢ todas as devidas autorizaces. Queremos agradecer a todos que se empenharam, colaborando conosco. Especialmente aos autores e seus representantes, que nos cederam © direito de publicagao dos textos € nos facilitaram o acesso 2s imagens Clarice Eblers Peixoto Patricia Monte-Mér eae de faite fenpesor Peds ‘aeper eanplenen finds ex is le snp rt ages Iewepeiie cia, tere Macs perder sil fared Balae riuer, de rode» pra Pie cane decom tris g gna ‘anata = dene tbe ae Sivirind ple ssttionn qo ie ‘pehc Sete Pagel LT - ate Hh) Hist6rias | Paralelas to. RAAAEY SES Antropologia e Fotografia Een Antropologia ¢ Fotografia é uma pu- blicaco que contempla a significancia e relevancia das imagens fixas, o sitll foto- grafico, criado e usado na antropologia briténica entre 1860 € 1920. Este acervo fotogréfico € a evidéncia dos primeiros anos daquilo que se tornou agora 2 sub- disciplina antropologia visual, com toda a paraferndlia de sua pritica: grupos de especialistas interessados, conferéncias € publicacbes. Assim, ao mesmo tempo em que considera materiais histéricos, Anira- pologia e Fotografia € também uma res- posta aos registros modernos e 20s pro- blemas interpretativos A imagem visual é, possivelmente, o modo dominante de comvnicagio no fi- nal do século XX e sua posigao, estabele- cimento ¢ integragio entre textos tradici- conais ocupa devidamente o pensamento de académicos interessados e praticantes Gracas a isso, © material hist6rico est4 passando por uma investigacao semelhan- le: existe um interesse de explorar suas possibilidades e examinar sua integracao como evidéncia do passado, entre otras, formas mais wadicionais de transcrever ¢ twansmitir informacées antropolégicas O proceso no é exclusividade da antropo- logia, mas tem havido talvez uma resis- téncia particular por parte dela devido a seu relacionamento conturbado com a his- ‘ria. © pensamento funcionalista tradi ional, especialmente na Gra-Bretanha, € o estruturalismo, posteriormente, estavam baseados em uma visio geral de cultura estética, sincronica € aist6rica (Tonkin et al 19893-4) Enquanto que uma “pers- pectiva histérica” era algumas vezes in- cluida, a hist6ria como tal nao foi, na maioria dos casos, uma paste integrante do assunio, de sua pesquisa ov andlise (Thomas 1989:10).! Apesar das variz tativas de conciliagao (por exemplo, Evans Pritchard 1962; Lewis 1968), o preenchi- mento desta lacuna, por historiadores com espirito antzopol6gico e antropélogos com espirito de historiadores, se dew ha pou- cos anos apenas (por exemplo, Ladurie 1980; Cohn 1987; Thomas 1989). Existem, entretanto, boas raz6es para se considerar 0 material hist6rico fotogré- fico. Embora técnicas sofisticadas de re- gistro visual integrado ~ fotografia ¢ filme = tenham sido desenvolvidas como parte do método antropol6gico moderne (por exemplo, Hockings 1975; Collier e Collier 1986, Caldarola 1987), o material histori- co est apenas comecando a receber aten- Go minuciosa? Existe uma série de ra- 20es para isto. Primeiro, as intengdes e a ideologia dos primeisos produtores des- tas imagens eram radicalmente diferentes das do antrop6logo visual contemporineo Isto gerou uma tal tensio e inacessibili- dade que a tendéncia foi descartar as ima- gens resultantes nos termos mais simplis- tas, Contextos epistemol6gicos € cultu- tee myo og salnente oeio ‘eno tele pe. asoba opie Perret Fe ete ne Phoregraphy te Uivnty Ye ge pad ‘ano Siig. te cor ‘ale Ute Pre pur es Rene ‘deh per ex: Ae Quin ver > Howe eco ‘otralocate ores Sat de ie enor (938 rs toe (58) [powiers dongs, free 9 A (abies oo Sept ie revi fi dips tet Cone iar ge "37h king tar oper 1973 Eraoe Frnebore 2 tam hv ae dees iad renga uot Dnt 1986) eye 909) ¢ 84 spe ent paleo tn i Sadie 2M do k Mogan, 2 swveyig the Satis a he al awgup lec Man Ebon E aegarhy 1 de k 0 wipe ‘cri cnt svoluned ‘ona de al. prelage umes cage pe fete fae po. Foie debs Sih om ime Eseeuda of ‘i comple gut ‘en dob fedat vlen e 1 Geopats foc inisotine one Goeotal de pta econ casi teiipadoam dee sect ds sm fe do pret fe anton ‘ids ele ve npc fads ‘ae panei penticl d poe [tavern i iss por [2 rais novos e muito diferentes tornam im- possivel, neturalmente, examinar 0 ma- terial com @ mesma convicc4o com a qual ele foi considerado pelos contemporine- 0s Contudo, quando o submetemos & anilise hist6rica, ficamos mais perto de compreender como as imagens eram cons- truldas e percebidas no passado e aptos a sugerir maneiras pelas quais elas poderi- ‘am se encaixar na andlise contemporinea. Este tipo de exercicio apresenta dificul- dades, porque a interpretacio de imagens fotograficas 6, sob muitos aspectos, um proceso extremamente subjetivo (Skinnin- gsrud 1987:50). Entretanto, espera-se que 0s ensaios incluidos nesta publicagao™ demonstrem que, com uma anilise cuida- dosa e sensivel que leve em conta 0 posi- cionamento do poder produtivo € inter- pretativo, estas imagens podem dar uma coniribuigio importante 2 compreensio anlropolégica © historica [A segunda razio para se adotar a pers- pectiva hist6rice esti relaclonada & primel- 12 O material pertence a um periodo da fotogeafia antropol6gica que possui, no todo, uma coeréncia nos temas refletidos, na ideologia ¢ na intencdo dos fot6gra- fos. Até cerca da segunda década deste século, a fotografia era, falando-se em ter- mos gerais, parte da tentativa coletiva de se produzir dados antropol6gicas Como demonstra Poignant, foram estabelecidos comités para coordenar € fazer circular material de interesse antropolégico, e fo- tografias foram reunidas, permutadas arquivadas para o bem comum cientifico como parte da coleta de “dados brutos", no mundo todo, para andlise na metc6po- le. Na verdade, a tiltima década do sécu- lo XIX testemunhou um alvorogo de inte- resse pelas abordagens sisteméticas da fotografia no wabalho de Thurn (1893), Portman (1896) e Haddon (1899), este dl- timo explorando a consideravel experién- cia fotogréfica da Expedigio ao Estreito de Torres, da Universidade de Cambrid- se, em 1898 Por volta de 1910 ou 1920, varias cor rentes que haviam se desenvolvido du- rante as décadas anteriores, na Gri-Breta- ha, juntaram-se e provocaram uma gran- de mudanga de direcao nos rumos da an- tropologia (Urry 1972; Stocking 1983) Primeiro foi o desenvolvimento da antro- pologia social profissional, com base ins- titucional, € o estabelecimento do traba- ho de campo individual como prética cen- wal Relacionada a isto estava a énfase crescente sobre a anélise detalhada da organizagio social, que nao era necessa rlamente concebida como sendo visivel em termos fotograficos Terceiro, ¢ talvez ‘menos quantificavel mas igualmente rela- cionada, estava 2 crise de confianga na visio analégica da fotografia, argumen- tada por Pinney * (Sekula 1989:372). Por Gluimo, bons equipamentos fotogrificos ficaram disponiveis para os amadores A conseqiéncia final foi que a fotogra- fia passou a ser apenas mais uma ferra- menta ancilar no arsenal do pesquisa- dor de campo. As fotografias tornaram- se especificas para determinados pro- jetos de trabalho de campo e marginais a0 processo de explicacao em vez de fazerem parte de um recurso concebi- do centralmente: a fotografia, uma téc- nica percebida mais como registro de superficie do que profundidade, que era © assunto do antropélogo (Malinowski 1934:461) > Finalmente, mudangas na percepgio geral das prOprias fotografias influencta- rain a compreensto das fotografias hist6- ricas. A época em que as fotos que s40 0 assunto deste livro foram tiradas, elas eram vistas, em grande parte, como um simples mecanismo de registro revelador da ver- dade. Hoje, a fotografia € tida como uma forma de comunicagio de massa e, na verdade, de participaco e manipulacto das massas Sua aparente integragao com 0 mobiliirio cultural geral de fins do século XX enfraqueceu-he 2 poténcia. A imagem tudo penetra, mas esté desvalorizeda (Hun- ter 1988:200; Bourdieu 1965:41-9) § Este volume 6, antes de mais nada, um exercicio em busca de critica; €, apesar de seu contetido hist6rico, ele nao pretende apresentar uma unidade cronolégica A maior parte das fotografias apresen- tadas na obra Anthropology and Photogra- hy faa parte da colecto do Royal Anthro- ological Institute (RAL), de Londres, ins- tituigao com a qual iniciamos 0 projeto desta obra. (..) Relagies e contextos hist6ricos © contexto, assim como qualquer fon- te histérica, € crucial para a interpretacao das fotografias. Ele nao é sempre neces- sariamente definitivo, mas provocativo sugestivo (Levine 1989:x) Dois podero- 508 contextos interrelacionados, um inte- lectual, 0 outro politico, sto relevantes a todas as imagens neste volume. Em pri- meizo lugar, a percepgio do ‘Outro’, o5- ope «Faye tensivamente manifestada nas teorias rac ais, €, em segundo, a expansio e manuten- gio do poder colonial europeu. As circunserighes culturais incluidas sob moderno rétulo interpretativo de “percep- ¢#o ocidental do “Outro” sto fundamen- tais para a criagio ¢ © consumo da foto- grafia, na segunda metade do século XIX primeira metade do XX. Ao passo que a definigio e rotulagao destas relacbes pas- sadas slo uma manifestagio da interpre- la¢do vigente no final do século XX, elas incluiam todavia crengas, valores ¢ classi- ficagées que , por um lado, expressavam- se fisica e politicamente, ¢ por outro eram impressas, em maior ou menor escala, sobre as imagens (Pinney, 1990). Como tal, este conjunto de idéias culturais é cru- cial para 0 historiador avaliar e compre- ender o material analisado neste volume Nao se pode fazer aqui nada além de resumir um conjunto complexo de idéias que jé foram extensamente examinadas em outros trabalhos (por exemplo, Gould 1981; Stepan 1982; Stocking 1987) A se- gunda metade do século XIX e 0 comego do XX testemunharam uma grande expan- sto e consolidacao colonial das poténcias evropéias. Este movimento ps os euro- peus em contato com diferencas culturais em uma escala sem precedentes. Apoian- do esta apropriacio da maior parte do glo- bo nio evropéta, ¢ estruturando respos- tas para ela, havia um conjonto de hip6 teses relacionadas & superioridade do ho- mem branco € aos deveres e direitos que esta superioridade conferia. Paralelamen- te, desenvolveu-se uma predominancia de idéfas que dava valor as descobestas tec- nolégicas ¢ cientificas. Em combinagao com a re-emergéncia de uma atitude reli- * im i, pote se dar qu pr tpn anto ar ‘Goya hese, ‘eatennenufouc ‘nic, von ile cide piven ‘tere mers eae ase tines esas "0 ene ikl om ter ons ce eso orconoia Re Frade en nn Ha Se" fr sbaegeds ‘evo ervence pre 13) item sgiosa mais evangélica, ciou-se um clima no qual os europeus e seus descendentes no Novo Mundo podiam afirmar uma suposta superioridade e justificar esta posigao politica cientificamente. As relagdes de poder na situzgo colonial nao eram apenas de opressio declacada, mas também de relacionamentos desiguais, insidiosos, que permeavam todas as facetas da confrontagzo cultural. Na verdade, este confronto incluta relagées de poder locais nas terras ocupadas pelos brancos. Enquanto este relaciona- mento, em muitos casos, era temperado, a nivel individual, por um desejo genuino de compreensio amigavel entre 05 povos, em termos humanes estas intengdes fo- ram inevitavelmente confrontadas pelas di- ficuldades intelectuais de um tal empreendimento e 0 selacionamento desigual foi sustentado através de um conhecimento controlador que se apropriava da “realidade” das outras culturas na esirutura organizada. A fotogeatia, de muitas formas, simbolizava este relacionamento. Ela representava a superioridade tecnol6gica su- bordinada 20 delineamento e controle do mundo fisico, fosse através de levantamen- tos de fronteiras e projetos de engenharia para exploragdo de recursos naturals, ou da descricio ¢ classificagao da populacao (Bir- rel 1981; Monti 1987; Falconer 1990) © surgimento da antropologia cientifi- 2 foi um episédio coincidente ¢ relacio- nado a estes processos, pois foi através da antropologia que 0 poder do conheci- mento foi transformado em uma “verda- de" racionalizada e observada. Fundamen- tais para nossa preocupagio aqui sio as nogées de raca, porque estas so comuns tanto 4 justificativa e racionalizacio da dominacio colonial quanto ao estudo cien- tifico da antzopologia que, por sua vez, conferiu peso de verdade cientfica as hi- poweses de cardter racial modelo inte- lectual dominante durante 0 periodo era © evolucionismo, 0 qual abragava idéias como progresso, regressio, recapitulacio e sobrevivencia “arcaica” Primordial para esies modelos era a crenga no relacione- mento intrinseco entre 2 natureza biolé- gica ¢ fisica do homem e sua natureza coltural, moral ¢ intelectual. Assim, a cul- tura era vista como sendo biologicamente determinada As racas nao européias, que pareciam menos dotadas tecnologicamen- te, foram interpretadas como representan- do a “infancia da humanidade”, fase pela qual o homem europeu havia pasado em seus periodos pré-hist6rico € proto-hist- rico, em uma progressio linear em dire- Gao a civilizagio. Através destas teorias, a ciéncia era vista como avalista das rela- bes de poder e das estruturas sociais exis- tentes e, a0 mesmo tempo, oferecia 20 homem branco resposta para sua pr6- pria hist6ria (Gould 1981; Kennedy 1976) A antropologia, apesar de sua natureza eclética nos primeiros anos, tomou gran- de parte dos seus métodos das ciéncias biol6gicas, dando énfase 2 observacio, @ classificagio e ao registro, Sobre isto cons- truiu-se uma estrutura sélida para 0 co- nhecimento positive, cientifico e empiri co, Os fatos observados, a saber, o que era concedido como “verdade”, eram cui- dadosamente construidos Na Gra-Breta- nha, © pequeno livro da Associag2o Brita nica para o Progresso da Ciencia, Noles and Queries on Anthropology (que teve seis edicdes entre 1874 e 1951), construiu ‘uma visio antropol6gica de mundo, mol- dada por preocupacdes disciplinares que, por sua vez, deram forma & representagao da cultura (Stocking 1987; Tomas 198 Edwards 1989; Coote 1987; Urry 1972) Isio tem implicagdes importantes para a fotografia antropol6gica, pois determinou, em grande parte, 0 que era fotografado e, portanto, que fragmentos eram criados, estabelecendo, assim, quais os “fatos’,in- tencionalmente registrados, que se torna- ram dados hist6ricos No final do século XIX, os modelos mais rigidos do pensamento evolucioni- rio comegaram a se dissolver sob a luz das mudangas no pensamento cientifico Houve um movimento geral em disegio a uma visio mais relativista da cultura e 0s primérdios da observac2o antropol6gica extensiva, em trabalhos como os de Boas nos Estados Unidos, Spencer na Austr, € Rivers e Seligman na Gra-Bretanha ' Gontudo, as hipéteses culturais de su- perioridade racial, cultural e moral foram completamente absorvidas perpetuadas pelas estruturas sociais € politicas européias e continuaram como um poderoso sistema de 2poio 2s relacdes coloniais e ao pensamento antropoldgico (Stepan 1982; Stocking 1987; MacKenzie 1984, 1986). A histéria e 0 momento fotogrdfico Muitas andlises de fotografias histori- cas concentraram-se sobre 2 fotografia enquanto documento, como revela a pes- quisa de Scherer* Ao se usar fotografias em antropologia, tenta-se interpretar di- ferengas culturais através do manejo da tecnologia (objetos da cultura material) da cultura interpretadora. Este paradoxo, Annes e tees naturalmente, no de modo algum exclu- sividade da criagao e aplicagao da fotogra- fiz e o problema, no que se refere & prética etnografica mais ampla, tem sido muito discutido nos tltimos anos (por exemplo, Clifford 1983; Marcus € Fischer 1986). A fotografia se torna sedvtora por sua capacidade de ser deta e por sua realidade aparente. © problema 6, na sua esséncia, mais histrico€ ideol6gico do que fotogr’- fico ou foto-histérico, pois as fotografias nunca so simplesmente evidéncia Elas sto histéricas em si mesmas (Tagge, 1988:65), € a complexidade dos contextos de percep- fo da "realidade”, enquanto manifestada na riagio de imagens, cruza-se com a comple- xidade da natureza da fotografia em si, de varias formas. A circunscrigio cultural que possibilitou uma imagem, determinou e va- lidou o momento fotografico expressa 20 menos uma “parcialidade" cultural, vm conceit sobre 0 que é “fotografével” (Bourdieu 1965; Clifford e Marcus 1986:6) Por um lado, 2 subordinagao a uma atitu- de coletivista de controle social e disci- plinar jé foi discutida (Tagg 1988; Tomas 1987; Bourdieu 1965). Todavia, as circuns- Uncias, a visto € intencao pessoais estio presentes no intesior desta estrutara geral € existem sob forma de um relacionamen- to reflexivo com estruturas culturais mais amplas (Carr 1987:32-5; Lloyd 1986:280- 4), Como os casos estudados neste volu- me revelam, particularmente o ensaio de Tayler (Very loveable human beings’: The Photography of Everard im Thusns), o de Hocking sobre Rivers e Macintyre ( The Yellow Bough: Rivers's Use of Photogra- phy in The Todas), o de MacKenzie so- bre ts fot6grafos nz Nova Guiné ( Focal Lenght as an Analogue of Cultural Distan- ce), as respostas individuals na crlagio de > te pad fot on iar fo dedpat v0 1 oats plea. se: ter avepnes zn ample we Top se ait ‘erp vsjeeuransoee. ‘endo eas 198 eter 1982 ropa! + Aten deste eras fog tone docovente€ ‘net iter [los vbr ame Wide tree ee eam. Ene trupunoagioen {fen eaten » eos ocean ta feat rn ose am psi Gheano ode foes tics ps outs tops vores @ fala ee dopeee Boe coeds do fk tropa fevemelt tao fimiceripen es imagens diferem entre siconsideravelmente. A0 rmesino tempo em que ninguém discorda ser 0 individvo um produto de sua culture, o emprego de uma visio excessivamente coletivista nao consegue se acomodar i diversidade infnita do registro fotografico Fundamental para a natureza da foto- grafia ¢ de seus dilemas interpretativos € © seu deslocamento constante do tempo edo espaco. Sontag, comparando a foto- grafia com o filme, enfatiza o seguinte: “Uma fotografia estética, a qual permite que nos demoremos sobre um Gnico mo- mento © tempo que desejarmos, contra- diz a propria esséncia do filme, da mesma forma que um conjunto de fotografias que congelam instantes de uma vida ou socie- dade contadiz sua esséncia, que € pro- cess0, um fluxo no tempo, © mundo fo- tografado encontra-se na mesma relaclo esiritamente inexata com o mundo real, do mesmo modo que a fotografia estatica estd para o filme” (1978:81). A forga ea fragilidade da fotografia estio contidas neste paradoxo A fotografia, pela pro- pria natureza, € “do” passado. Contudo, também é do presente. Ela preserva um fragmento do passado que é transportado em aparente totalidade para o presente © “lé-¢ entio” tansforma-se no “aqui € agora” (Barthes 1977:44) Os proprios ime- diatismo e realismo da fotografie diferen- ciam-na de todos 05 outros mecanismos através dos quais temos acesso ao passa- do Como afirma Barthes, 0 que a foto- grafia reproduz & infinidade ocorreu ape- nas uma vexr “a fotografia repete meca- nicamente o que jamais poderia ser repe- tido existencialmente” (19844). A repeti- ¢ao do tempo aprisionado tem muita for- ga, pois permite ao espectador demorar- se, imaginar ou analisar de uma forma que nio seria possivel no fluxo natural do tem- po’ Poderia-se também argumentar nes- tas paginas que a fotografia pexpetua o pasado de um modo insidioso, negando 6 tempo, apresentando uma visio de infi- nitude temporal, um “presente etnografi- co" e, como tal, transforma-se em outra manifestaglo do discurso atemporal da antropologia (Fabian 1983) Intimamente relacionado ao desloca- mento temporal em um contexto fotogra- fico esti 0 deslocamento espacial. Na cri- agao de uma imagem, 2 tecnologia foto: grafica da forma ao mundo angulo da camera, a capacidade das lentes, o tipo de filme e o momento de exposicao esco- Ihido determinam e moldam ainda mais 0 momento Exposigao € um termo rele- vante, pois transmite nao sé um significa- do técnico, mas descreve também aquele ‘momento “exposto” a0 escrutinio da his- ria, A fotografia contéme restringe den- tro de svas proprias fronteiras, excluindo tudo o mais, um andlogo microcésmico do enquadramento do espaco, 0 qual € co- nhecimento (Szarkowski 1966; Ardener 1989:23) Como tal, ela torna-se uma metéfora do poder, tendo a capacidade de descontextualizar ¢ se apropriar do tem- po € do espaco ¢ daqueles que existem dentro dele. A fotografia isola um (nico incidente da histéria Ela pode tornar 0 invisivel visivel, 0 despercebido percebi- do," 0 complexo aparentemente simples e vice-versa (para um exemplo, ver Poig- nant 1989). A fotografia auxiliou o pro- cesso de tratar abstragdes como objetos materiais, na medida em que as criagdes da mente tomnaram-se realidades concretas, observadas, registradas no olho mecénico da camera. Através da fotografia, por exemplo, © “tipo', a esséncia abstrata da variacio hhvimana, foi percebido como sendo uma realidade observavel (Edwards, 1990). © detalhe inevitével criado pelo fot6grafo tansforma-se em um simbolo para o todo ¢ induz oespectador a admitir o especifico como generalidade, tornando-se um emblema de verdades mais vasias,” sob 0 risco de estereotipar e deturpar. Contudo, apesar destes deslocamentos, a autoridade inegavel da fotogralia esta baseada em sua presenga temporal efisia. Ele estava 1A fotografia confirma a presenca ¢ a observagii do fot6gralo ea “verdade” do seu refato. Como tal, uma fotografia é um andlogo da “ealidade” vista pois o que estava na fren- te da clmera existia (Malmshelmer, 1987:21) Otipo de realismo “calvo" nfo esté em ques- {Bo © problema da forca evidencial é, em ‘ima andlise,histérioo e nl exisencil (Tape, 198855), pois, como observou Heider, existe um nGmero infinito de *verdades” na antropologia, todas validas em ceros contextes, « multas capazes de expresso visual (197665), ‘oque deve ser avaliado. esimado no uso de fotografiashistricas (ou de qualquer imagem, na verdade) € a razio entre fo e dados soci- ais (Stott, 1973:13; Gould, 1981:22; Lyman, 1982). 0 “real” ou o “natural” ou “‘autentico’, € 05 elementos selectonados para representar essa realidade, dependem da condigao dos cobjetos envolvidos dentro da classificagao geral de conhecimento e da representacio desses objetos de uma forma que seja compreendida como “real” pelo espectador Se entao a natureza fragmentéria da fotografia apresenta falhas te6ricas, 2 um nivel evidencial, 0 problema possui uma certa famillaridade, Toda a hist6rla Aegon € construida de fragmentos selecionados, um processo que comeca com o registro dos acontecimentos € continua com uma avaliagao e¢ ¢laboracao continua € retrospectiva. Da mesma forma, na antropologia, cestruturas “significativas’ de uma cultura sio observadas, os fragmentos dos in- formantes sio registrados e o trabalho final nasce primeiro da sintese e depois da generalizagio; os fragmentos sio moldados em um relato unificador de “cultura”. Assim, na fotografia, o momento especifico torna-se representativo do todo e do geral Representagdo e interpretagao O termo still fotografico descreve exatamente 2 natureza da fotografia e, 20 mesmo tempo, encerra uma deturpagdo de sua natureza. Enquanto que seu conteddo é, na verdade, estatico, fixado quimicamente no papel, © mesmo nao acontece com sua interpretaglo. Como em ovtras formas de imagem grifica, os espectadores atribuem um significado novo através de sua experiéncia cultural propria e, des- sa forma, a fotografia é, de uma mancira ov de ovtra, submissa. Contudo, ela'nao € de todo passiva. A fotografia sugere significado através do meio no qual esta estruturada, pois a forma representaci- onal cria uma imagem acessivel e com- preensivel para a mente, informando ¢ sendo informada por todo um corpo coculto de conhecimento que é explorado pelos significantes da imagem (Barthes, 1977:36-7; Arnheim, 1975;155-6; Sekula, 1975; Connerton, 1989:11-12). Ja se » tmoseyre bt de smotat tomer @ ‘regu oe septa domed ‘estan tena hn ‘spp mre antny Sot Se ‘end io se fncoah Couey a falou que a fotografia € um andlogo da experiéncia visual e, assim sendo, uma ordenagao culturalmente baseada do mundo, na qual o significante e o significado sto lidos a um tinico e s6 tempo. Entretanto, os elos ent significado e significante sao, de certo moda, arbitrarios, os cédigos sto varidveis e impermanentes para que novas conexdes possam ser feitas e a reinterpreta- cio tomne-se um exercicio vilido. A par com 6 significado esté a “expectativa” que 2 fotografia carrega: ela propria torna-se um significante. Se a fotografia for percebida como “realidade”, entdo os modos de repre- sentago vao intensificar esta “realidade". Em outras palavras, 2 fotografia é tomada como “real” porque € isto 0 que o espectador espera ver: 0 “isto é como deveria ser” tans- forma-se no“é assim que é/foi" Os padroes de representagao nao sto faceis de serem quantificados ou categori- zados. A tecnologia da fotografia data do segundo quartel do século XIX, mas, como diz Wright em seu ensaio, as condicdes cculturais que tornam possivel a aceitagio de um "conhecimento 6tico” da fotografia tém uma linhagem muito mais antiga A representacio fotografica foi firmemente bascada em formas de ver pré-foto cas jf estabelecidas (Galassi, 1981). llus- tragdes de documentos ou crénicas, tais ‘como das “grandes viagens", eram vistas como algo separado da “Arte" (Smith, 1960; Ivins, 1980:218; Seiberling, 1986:47-8; Honour, 1988:14). Existe, todavia, uma continvidade de visio, e a fotografia an- tropolégica deveria ser vista como uma continvagao desta tradigao de ilustrag5es, tanto em termos funcionais quanto repre- sentacionais. Ao paso que dispositivos es- téticos tradicionais para a representacio do outro" podem ser encontrados na fotogra- fia de pessoas ¢ de paisagens (por exemplo, Lee, 1985), a antropologia desenvolveu efecivamente seus proprios modos de representagao, 2 medida que tentava usar a fotografia de uma forma cientificamente definivel (Edwards, 1988, 1990; Pinney Poignant, neste volume) Por exemplo, os sistemas antropométricos como os defendi- dos por Lamprey ¢ Huxley, e discutidos por Spencer neste volume”, foram absorvidos por uina estética“realista” mais geral, ¢ re- feréncias a eles aparecem nao apenas nos “retratos de tipos”, mas também em fotogra- fias “mostrando” ou “exibindo" cultura © que € mais importante, eles influenciaram 0 modo de ver estas fotografias Num proces- so em mio dupla, o material, ele proprio influenciado por nocdes antropologicas, foi Retrsio Mulber titetana de Tasbi-Lumpo, ¢ 1890 Fotografia de P A Jobrsion eT Hoffman (RAI 197) ‘Mosirando cultura atulber ban tecendo, Sarowek,¢ 1850- 41900. Flegafie de Charles Hose (RAL 11037) encampado pelo dominio cientifico como sendo de “interesse antropol6gico”. (Banta € Hinsley, 1986; Edwards, 1988, 1990; Poig- nant, neste volume). Rochelle Koloday (1978) sugeriu ués modelos interconectivos que lveram atua- lo na estruturaglo da realidade nas ima- ‘gens, e, embora de certa forma problematt- os, eles fornecem ao menos um comeco roveitoso para a discussio. Cada um de- les, que também sio sistemas explicatives, pode ser desmembrado em quatro facetas: hipoteses sobre a natureza do mundo como definidas pelo papel das imagens, os aspec- tos da cultura criadora com os quais as ima- gens esto conectadas, os suportes ideol6- gices que estas imagens sustentame, finalmen- te, 2 fungao de cada modelo ou suporte. Os modelos sio, primeiro,o “romantismo’,® que tem a ver com o mundo das esséncias Este é naps Fea traduzido em “Arte” e sustentado por uma ide- ologia de idealismo, que funciona como uma ideologia redentora Segundo, o “reelismo", que esti ligado ao mundo dos faios Neste modelo, a realidade empirica permeia a cléncia dentro de uma ideologia positivista ‘ou empirica. Este modelo tem uma fun¢io andloga o “€ assim mesmo” uma representacdo “verdadeira". Finalmente ha “mado documental’, que trata do mundo da agio de uma forma “inspiracional”. "Ele esti relacionado & ciéncia social e & teeno- {ogia, envolvendo critica social ou politica Enquanto estes modelos podem ser distinguidos analiticamente, em termos praticos a situaglo é mais complexa. Fre- Qiientemente, na criagdo de uma imagem particular, mais de uin modelo pode ser empregado. Além disso, uma fotografia pode ser interpretada de acordo com mode- "olny wed theroy Peer isis, + ie tina dete v0 po. i par om is ence ine Benge teeta mae Y setoopata pe de ate car sre me in awed et toe do incre (Fer exes Seep eon Srtoepye tom acts ta taapda bold earth Me aden Pap ties (pay ar 1389 do Mace Ciisdate, Op Gi Dips 8 Re resin te Ob: She non Ane fein oben Shs doropteey {ed Phccpanty “0 oR Manse deus urease fray mi nto fh om gues Uderseath te Groceund Phage pie Ero los diferentes, em épocas diferentes, na medida em que novas perspectivas sto acrescentadas a ela.¥ O modo “roménti- co” é, talvez, reconhecido mais facilmen- te porque se encontra ligado a uma reagdo estética mais forte € a nogdes do exdtico Por exemplo, Macintyre e MacKenzie Dippie § discutem exemplos de cultura representados por meio de uma grade esictizante, Questées de fundamento esietico € iconogrifico sio, na verdade, primordiais em uma série de trabalhos, sendo components importantes, € algumas vezes no reconhecidos, da representagao visual na antropologia. Pinney” discute fotografias de casta, nas quais itens de cultura material sto usados como marcadores de “primitivismo” e, dessa forma, de distanciamento cultural A pose também usada desta forma, Por exemplo, 2 conotagio oposicional de trés mulheres jovens imitando a pose, segundo a conven- (io iconografica ocidental, das “Trés Gracas" (vi exemplos da Ausirilia, América do Sul e sul da Africa), ov a extensa variedade de imagens fotogrificas originadas das conven- goes exéticas da pintura ocidental, ¢ da fantasia erdtica masculina ocidental (Alloula, 1987; Graham-Brown, 1988). Do mesmo modo, formas e contextos de ago podem ‘pow Swampy Cree, de Cress lake, Manitoba, Canadé, © 1925 “A mulbor a esquerde usa wma pele de colbo Blas sto tuades agora apenas come capase no como wes, ras la usu para ocasiéo” Fotigaftado Dr Stone (Covtste do ‘it River Musou, Universidade de Oxford PRU BB A185) funcionar como marcadores culturais. Como exemplo, tem-se a danca como uma exibigao do “primitive”, conforme foi su- gerido pelo exame que Vansina” fez. das fotografias da expedicdo Torday € pelo fas- cinio do fotdgrafo ocidental pelas cerimé- nias de danga dos hopl (Fleming e Luskey, 1986:145) Uma reagao estética nao invalida, natu- ralmente, 0 registro antropol6gico (como observou Mead, é agradavel a combina- fo da sensibilidade estética com fidelida- de cientifica (1975:5)), mas a coexisténci do cientifico como esiéticolevanta a questo de como se pode estabelecer a razao entre eles. Estes problemas so abordados por ‘Tayler , Macintyre e MacKenzie ¢, em um nivel mais conjectural de associagoes estéticas, por Pinney € Hockings. Todos esto contemplando formas pelas quais a estruturagao do contetido opera para produzir uma gama de significantes, o que situa o assunto em ideologias mais amplas (Os mods “realista’ e “documental” de Koloday estio mais intimamente relacio- nados e talvez, em iltima andlise, redu- zam-se & intencao ou 3 ideologia que esti por detris da funcio. Por exemplo, a fo- lografia de um grupo de pessoas em tra- jes europeus, paradas em frente a uma casa wadicional decrépita, € uma representa- Glo verdadeira de sua existéncia (cealis- 1a), ov uma critica sobre aculturago e mis condigdes de habita¢ao (documental), o na verdade, por associacio, um comenté- rio sobre a corrupeio ¢ 0 desaparecimento dos costumes tradicionais (romantismo) (Ver como exemplo a llustra¢io). Pols a estética “romanticista” também entra em jogo nos ‘mods “realista” e “documental’, no $6 no sentido iconografico mas também ao ni- vel das esséncias. Seria possivel dizer que 4 fotografia, do tipo discutido por Black- ‘man, Jacknis e Edwards, concebida como “etnografia de resgate" e como documen- térlo da cultura tradicional face & mudan- (2 irreversivel, nao € necessariamente pu- ramente “documental” Ela evoca sent mentos de nostalgia pelo desaparecimen- to de culturas e uma “nobreza” estetizada que transcende o modo ‘realista" ou "do- comental’. Isto pode se aplicar tanto a imagens criadas em um contexto de apro- priagdo manifesta, quanto as fotografias tasmanianas discutidas por Rae-Ellis® Neste ponto, parece que fechamos o cir- culo € estamos de volta & questo da frag- mentagio, pois o detalhe passa a repre- sentar as verdades gerais que estio, tal- ver, fora da dinmica da imagem Se a complexidade do significado fo- tografico torna a categorizacao exata im- praticavel, talvez seja possivel aceitar um modelo similar simples de imagens pos! tivas € negativas que pode ser usado, através de uma representagao seleciona- da e motivada, para manipular significa- dos.” A origem destes temas pode ser encontrada mais em expresses visuais de estratagemas literdrios e filoséficos do que na realidade observada. Porém, quando consideradas em.conjunto com a natureza realista da imagem fotografica € com as tendéncias do pensamento ciemtifico de tatar absteages como objetos materiais, estas convengdes adquirem uma forga estereotipica poderosa. Elas podem ser vistas, claramente manifestadas, nas represen- tagoes do século XIX. Se estas repre- sentacdes estercotipadas parecem extre- dan heap the Ssh nd fer Bate ‘Gtan Une by fi ray (1070 Iai ad iW fen Siro (48) ate) re oe top dP wey Sy aoa verb {The ge ein a ce As inagn po tire eps ‘mle a. (eicar sere "bre in Emaerar ey newt prvi 037) 2 sw dom adn inate images (hupg fader Theatr covet ote tomers to cern eo 2 mas, elas $0 entretanto ativas, em- bora muitas vezes expressas de for- mas mais sutis € insinuantes (Bhabha, 1983; Pinney, 1989; Mydin, neste vo- tume*). significado das fotografias pode ser, naturalmente, guiado ou sugerido por tex- tos, envolvendo-as assim em um contexto particular. Isso € extremamente pertinen- te no contexto antropolégico, pois, mui- tas vezes, € através do texto que uma ima- gem é finalmente legitimada no dominio cientifico e disciplinar Por exemplo, é por meio da justaposiga0 de um modo ¢ uma legenda representacionais especificos que os *tipos" sto estabelecidos ou que um individuo consegue tornar-se uma generali- dade. Legendas generalizadoras do tipo “Um. nativo tipico", “Uma beldade nativa", “Um guerreiro” ou até “Nativo usando um graveto” foncionam desta forma Uma versio mais sofisticada é a generalidade na definicao dos cenirios da abordagem einografica “classica" como, por exemplo, “Jovem” (frontispicio de Nuer Religion, de Evans-Pritchard, 1956) ou “Grupo encar- regado do rebanho ao redor das cinzas de um acampamento” (Ilustragio 1b em Chiefs and Strangers, de Buxton, 1967) Reciprocamente, uma legenda pode conferir imediatismo € convic¢o 2s fotografias. Em We, the Tikopia , de Firth, por exemplo, as legendas dio nome aos individuos fornecem documentago minuciosa, que empresta autoridade & parte principal do texio A idéia de encontro pessoal que elas, sugerem liberta o sujelto de uma catego: rizagao imposta pelas tendéncies genera- lizantes da fotografia e dos textos antro- poldgicos. Nos dois casos, a legenda est sendo sada para situar a fotografia, ¢ os processos de interpretacio sto controla- dos através da interaglo entre imagem & texto (Hunter, 1988:130-42). O texto tam- bem pode ter um papel narrativo, uma fur-¢ao amplificadora portanto A fotogra- fia em si no possui uma narrativa autén- lica de acordo com 2 definicto literdria classica; ela no propicia a aco, pois isto exige uma sequéncia de tempo (Metz, 1974:18-21) Ao mesmo tempo em que pode possuir uma forma de coeréncia, até ‘uma série de fotografias requer uma lin- guagem ou um texto para preencher as lacunas na narrativa Uma participacto efetiva na narrativa nao €, portanto, ine- rente & fotografia, que ela depende mui- to do seu relacionamento com outras fo- lografias ou texios como demonstra 0 en- saio de Prins™ Todos estes atributos da fotografia in- fluenciam sua interpretago Entretanto, porque ela € tida como io modificdvel ¢ anal6gica, existe 0 perigo, na anilise fo: tografica, de que @ construcio de inten (®es retrospectivas, mais do que a anilise substanciavel, seja usada para legitimar 2 apropriacio interpretativa da imagem em um discurso especifico (Krauss, 1985:313) ‘Assitn, a andlise visual, em oposi¢io 4 mera interpretaczo, depende mais da sua capacidade de avaliar e estimar as possi bilidades contextuais do que de um ato de simples tradugo, de acordo com a postura “presentista” (Clifford, 1986:120; ‘Asad, 1986:150-2) Embora possa teorica- mente ser indefinido, o significado € tam- bém hist6rica e culturalmente determina- do. Desde o momento de sua criagio, a fotografia “significa” alguma coisa, refle- tindo a intengao do fotégrafo Enquanto este significado permanecer com ela ou for recuperavel por meio da pesquisa his- t6zica, ele se tornard estratificado (a me- tfora arqueol6gica é intencional) sob ou- tos sigaificados atribuidos @ imagem. Estes podem se encontrar em total op: fo 2 imtencio do fotdgrafo, uma vez que conjuntos diferentes de conhecimenta so considerados significativos & medida que a fotografia € usada para expressar preo- cupagbes diferentes (Dolby 1979).® Idéias estranhas ao retrato conferemlhe, portan- to, significado, tanto para seu piiblico origi- nal quanto para as geragées subseqiientes de intérpretes Inicialmente, 0 contexto colonial no qual 2 antropologia e a fotografia funcio- naram foi © modo contexwwal primério. Contudo, nao € improvavel que outros contextos para andlise, mais complexos, surgirdo (ov jf estio, na verdade, surgin- do) especialmente quando povos coloni- zados anteriormente reafirmarem seu po- der € recuperarem sua propria hist6ri Muitas vezes, sio as préprias tensdes de uma fotografia, as circunstancias de sua ctiagao, que lhe conferem significado, estas qualidades abstratas so documen- tos em si mesmas. A presenca colonial ou antropolégica 6, em muitas das foto- srafias discutidas neste volume, manifes- ta pela sua auséncia em termos visuais,? ‘sugerindo um registro sem interferéncia Como jé foi também sugerido, 2 fotografia invoca uma espécie de eternidade. Mas 0 Préprio fato de que as pessoas sejam fo- tografadas é parte de sua histéria, de sua existéncia variével em um mundo que se expande. As fotografias podem, apés um exame contextual atento, serem lidas como vastos textos que revelam mais estas “his- ‘rlas ocultas® do que qualquer documento descritivo individual. Mais uma vez, mui- to depende da pergunta que foi feita, mas depois de um exame, tanta coisa parece contradizer a versio recebida destas foto- grafias, talvez até 2 antropoldgica, que a descoberta da *histéria oculta” tem de ser uma com objetivos os mais analitices e interpretativos possiveis, na avaliagio moderna das fotografias do periodo em discussio. Este € certamente um tema que aparece de alguma forma em quase todos 08 ensaios deste livro. Ume série de ensaios adota uma abor- dagem forense em relagio as evidéncias internas da fotografia, pois € auavés da leitura forense contextualizada que a“his- (ria oculta” 6 revelada_ Prins estabelece uma narrativa fotogréfica a fim de eluci- dar ovtras narrativas hist6ricas incomple- tas; Vansina ¢ Edwards examinam a for ‘ma pela qual o subtexto colonial opera nos tabalhos manifestamente antropol6- gicos; Bradford ® sugere modos através dos quais o sujelto pode ter usado 0 con- fronto fotogréfico Na verdade, algumas fotografias, como as discutidas por Pankhurst e Binney* , foram realocadas, retiradas do paradigma antropolégico tra- dicional, ¢ recolocadas em uma posigao historicamente mais realista, desclassifica das em termos antropol6gicos, @ recolo- cadas em discursos de orientagao histéri- ca diferente. Além disso, Hamouda” mostra como materiais criados com pro- ésito etnografico, ¢ publicados come tal, podem ser realocados e reinterpretados fora da estrotura antropolégica para elu- cidar outras histétlas, stuando-se neste caso ‘a tradigao oral do povo auresiano na Argélia, Da mesma forma, o ensaio de Salmond? sobre o templo dos te tokange-nui-a-noho te pose vata. ‘eration [perinerte rster tit modes ae fev do ite pretives mises Era em ges elpamentot ‘Coat oagen ovata omar inet Insrspune nclate ands flea gi de ped Con9 aero ech hn s0s) serps «spe (Bie da Fotos ts eto enegai dota € he ate ‘tad icon died otras onic Nd tre elgac o e Miaibense nde ovate tm Ym ok Hands ro tea a aa Sind ‘reps 0 Nesiop se 23) 1 reo 08 aisemens pine ples Meant (Bedncineno Scere ‘orice re perry Bemumpeaion (Sepa wo > repute ve, Shioe deci ners sop ns eae obesia coe dep ee pe ceguene Sommers Seno pare cet Prey goss coce (mtooncaacae “ta pecepemr lane ficglacmhec = i rete Siperneoaile ells hagetaron eooratonl BF oeeatoore ide area paige femme Seaton Upstscniss See pps ‘pintow edo Bim eee ake be sugere o poder das “historias ocultas’ reve- Jadas e © contetido da imagem assumindo a condigao de simbolismo histérico Podemos ser levados a perguntar, por fim, 0 que € que faz uma fotografia ser antropolégica de fato. Basicamente, uma fotografia antropoldgica € qualquer uma da qual um antrop6logo possa retirar in- formagdes visuais tteis ¢ significativas A esséncia definidora de uma fotografia an- tropolégica nao € seu assunto, mas a clas- sificagao do conhecimento ou “realidade”, feita pelo usuario, que a fotografia parece transmitir. © material pode se locomover para dentro e para fora da esfera antropo- logica,® ¢ fotografias que nao foram cria- das com intengées antropol6gicas, ou se- cundadas especificamente por conheci- mento etnografico, podem, todavia, ser apropriadas com finalidades antsopol6gi- cas Mas as definigdes sobre o que € in- formagio antropolégica visual vo se mo- dificar de acordo com nogbes variiveis de objetividade € preciso cientificas (o ma- terial fotografico hist6rico nao foi levado em consideracao exatamente por esta ra- zo) (Heider 1976) ® ‘As fotografias neste volume exibem o que poderia ser descrito como expressdes do “piiblico” e do “privado", o que de certa forma assemellia-se 2 uma oposicio cien- tifica/nio cientifica Com 0 registro “pé- blico", “cientifico’, pretendeu-se informar diretamente as questdes disciplinares, € uma série de ensaios trata do trabalho de fotdgrafos como EH Man, Everard im ‘Thusn, Emil Torday ov Edgar Thurston, que trabalharam especificamente para produzic dados antropolégicos. A selegio dos temas e do modo de representacao foi feita manifestamente para registrar, documen- tar descrever dentro dos limites de cer- tos padrées concebidos de rigor l6gico € poder de observacio Por outro lado, existe um grupo maior, mais amorfo, que apresenta um registro ‘mais ‘particular’, uma reagao pessoal € ‘vara expressto visual, ciadas por interesse pessoal, tais como as fotografias de Whitfield, discutidas por Faris. HA tam- bém um grupo intermeditrio, fotografias “piblicas* de outras esferas, missoes, ad- ministragbes coloniais, fotografias comer- ciais profissionais que tinham o propési- to de se comunicarem em estruturas “pi- blicas" especificas, mas que no possui- am intengdes antropolégicas Mais uma vez, estas estao bem representadas no presente volume: fotografias tais como 0 enigma da imagem dos peregrinos de Bur- ma, discutidas por Seneviratne, ou as ima- ‘gens politicamente motivadas, comentadas por Pankhurst e Binney. Este material aparentemente marginal poderia ser visto como sendo de “interesse antropol6gico", mesmo nao sendo percebido como de “propésito antropol6gico’. Ele contém aspecios importantes de experiéncia vivi- da que devem ser de interesse para 0 an- tropdlogo € no podem, portanto, ser ig- noredos. Os comentirios de Binney so- bre as fotografias dos maori que ela dis- cute podem ser estendides, proveitosa- mente, para todos estes materiais; eles ‘sto antropol6gicos’ no sentido correto: séo registros de homens em sua época . ° Finalmente, deve-se lembrar que embo- ras as imagens tenham sido reunidas como sendo de “interesse antropolégico”, sua ciculagio nao se restringix de modo algum — 08 Circulos antropolégicos. Como mos- twam Street € Poignant, a antropologia ci- entifica possuia manifestagées populares que salientavam sua tendéncias a estere6- tipos Vansina também sugere, em um contexto diferente, modos pelos quais os fot6grafos adaptaram seus temas e formas de representacio as expectativas popula- res Na verdade, uma série de imagens da colegao da RAI, tais como as fotografias de im Thurn discutidas por Tayler, ou par te do material da Expedicio Torday discu- {ido por Vansina, também sobrevive como antigos slides. Seu papel na disseminaga0 mais ampla da imagem fotografica é 6b- vio. Ir além de uma definigao disciplinar restrita da fotografia antropolégica também apresenta seus problemas. Representa um desafio de intexpretacio, pois requer uma compreensio das informagées visuais que vai além da busca pelo documento cientifico, até uma apreciag2o dos relacionamentos histéricos mais vastos que esto comecando. 2 serem trezidos para o dominio antropoldgico.* Existem metéforas visvalistas fortes na antropologia “observar’, ‘ver", “ler” ¢ ha a analogia Sbvia entre antrop6logo e camera, como observador externo e registrador (Fabian 1983:107; Clifford 1986:11) Contudo, o material visual em si permane- cev A margem. A tradicao antropolopica tern sido olhar dentro da cultura e da sociedade, 20 passo que se olfia para as fotogratias. O objetivo deste volume” & sugerir formas elas quais se possa olliar dentro das foto- brafias e através delas dentro da cultura tanto a cultura representada quanto a representante Algumas das possibilidades interpretativas da fotografia histérica na antropologia estio exploradas: o que foi revelado nao é s6 “antropologia", mas uma hist6ria reflexiva. Ao analisarmos e ten- tarmos entender como as pessoas estru- turavam seus mundos no passado, talvez possamos ver como seus modelos podem ser integrados construtivamente as nossas hist6rias. Ao fazermos isto, podemos entio avaliar melhor como estruturamos nosso mundo € como poderfamos iluminar historias que ainda esto para serem articuladas Agradecimentos Gostaria de agradecer a Roslyn Poignant, Jonathan Bentbvall, Marilyn Stratbern e Patti Langton pelo incentivo e pelos comentarios inestimdveis sobre muitos aspectos deste trabalbo Meus agradecimentos especiats a Frances e Howard Morphy por suas criticas consirutivas e pelo apoio constante durante os viérios esbogos deste ensaio Referéncias Bibliogréficas Alloula, M. 1987. The Colonial Harem. Manchester University Press ‘Ardener,£. 1989. ‘The Construction of History, Vestiges of Creation,’ In E Tonkin, M Macdonald & M. Chapman (eds } History and Ethnicity 22-33. London’ Tavistock Arnheim, R. 1974. Photography. 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Que elas parecem também adquirir seus pode- res de representacio através de procedi- mentos semi6ticos quase idénticos requer, talvez, uma argumentacao um pouco mais elaborada. ff ao estabelecimento destas duas proposigées relacionadas que este ensaio, a principio, se dedica. 0 que o ensaio procura também fazer € esborar duas interpretacdes aparente- mente alternativas da hist6sia da antropo- logis € da fotografia que emprestam um sentido bastante diferente a suas natrati- vas. Na primeira interpretagio, a fotogra- fia aparece como o resultado final da busca se situa no pice tecnolégico, semiético € perceptivo da “visdo", a qual alua como uma metéfora estimulante para todas as outras formas de conhecimento (ver Ror ty 1980; Tyler 1984; Salmond 1982). Como verdade, ela € representagao e comodi- dade em uma categoria propria inigualé- vel. Entre os que aceitam esta versto da hist6ria estio aqueles que, como seus pri- meiros adeptos, avaliam-na positivamen- te (ela foi descrita como “um anjo copia- dor; uma maquina divina na qual a clari- dade € a luz do sol sao como o fogo ins- irador de Prometeu’, Journal of the Pbo- ‘ograpbic Society 1859:144), e também al- guns de seus detratores mais recentes, que revelam nas criticas um certo medo do seu poder? A segunda histéria possivel reforga a idéia de que 2 fotografia, embora geral- mente aclamada como 2 apoteose (boa ov mé) de uma civilizacZo ocidental bascada na ocularidade, sempre passou por “mo- mentos de intrangiilidade” (Jacqueline Rose, citada por Jay 1988:3-4) Esta in tangiilidade pode ser conceituada de inimeras formas, que vao de uma tensio recomente entre 2 condigio’ (Jay, sem data) “icdnica” e “indexical” da fotografia, entre “arte” e “verossimilhanca’, & énfase sobre as linhas de fratura desconstrutivas que tanto sustentam quanto enfraquecem 2 avtoridade* monovocalizada da fotogra- fia ‘Ao procurarmos, a esta altura, estabe- lecer a hist6ria paralela da antropologia e da fotografia, nao nos desviamos da ques- {Go acima, uma vez que também na antro- pologia € possivel encontrar as mesmas narrativas controversas € os mesmos sig- nificados ostensivamente herméticos Antes, 0 registro da coincidéncia do esta- belecimento da Sociedade de Protecio aos Aborigenes, em 1837, e da Sociedade Et- nol6gica de Londres, em 1843 (Stocking 1971:369-72), com o desenvolvimento bem sucedido do primeiro daguerredtipo, em 1837, € 0 antincio piiblico da “ilusiracio aie savers Emenee Fe ae ators ot pelo ant Sint pe pee pcglone hms Paro (ted Gt, Siproaetits Nomen 1 ler agenesta ilo Agen dina Cetecnepens ‘pl Ay ‘desl pi. Tega eat tei piardal no ‘rate tote pee Ingige¢ Pensamento® iso te oe lege tere a esis ieee Cos ‘pers pine Paver como » Como ebuevs tani ye tows opdads ar mts ‘ie Bed ry Sens ation Siepirene Seine oage itcovon ero. eters Sobhanea seat to Guommibne Sarat ae oe Ses" ba * rae eden “sete sete earn meee Saccelae Coes 23) * ta da fore Ronen dei ‘obra aelénal ‘perl Bias gt felis inde deta “et eset fen se ies sees et semi rcs oer eo aa peecee Pa Sinok agra feel al seein Se el Soprano. on lope ire api tytn es Bian Fest no ea fealdie ed Seda Seen ois BS ‘Semen Gee ings gee ge pen sae Birenioo deloeh ‘eidee 9083, ices Eerramente ‘Sires its uate eco (con ptt fotogénica’ de Fox Talbot em 1839, pre- tendem estabelecer uma moldura coniés- mina na qual pudéssemos ver estas duas priticas relacionadas, exibindo os mesmos movimentos € rotinas controversos € in- determinados. A primeira histéria Examinemos primeiro a versio triun- falista da historia da fotografia e da an- tropologia, 2 qual abriga entusiastas detratores que concordam, por fim, so- bre 2 persuasao e certeza de seu po- der. Assim, Paul Virlio, que é sem divida um detrator, vé na fotografia e no filme uma manifestagio técnica do processo de conhecimento através da visibilidade e da penetracio ameacadora da luz. Isto € se- methante 20 processo de subjugagio mi- litar por meio da iluminagio, o que Viri- lio chama de “guerra da luz", desde o pri- meiro uso do holofote na guerra russo- japonesa de 1904 até *o sangrento clario de Hiroshima que fotografou literalmente a sombra lancada por seres e coisas, fa- zendo com que cada superficie se tornas- se imediatamente a superficie de regisiro da guerra, o seu filme’ (1989:68; énfase original). Na era at6mica, Visilio observa com consterna¢ao, somos todos “negati- vos humanos” esperando ser reveladas (1989249) Susan Sontag adotou uma interpreta- glo da fotografia particularmente influen- Ciadora e negativa que enfatiza suas atra ¢0es fatais* Ela ve 0 fendmeno de popu- laridade da camera como uma arma pre- dat6ria que € “carregada”, “apontada’ “disparada”. A cAmera € uma *sublims- (Ac da arma de fogo" e “fotografar pesso- as € 0 mesmo que violi-las (...)" (1979:14). Ela é um veiculo cujas cer- tezz e especificidade podem modificar vidas. $ua propria vida, observa ela, é marcada pelo “primeiro encontro que eve com 0 invent6rio fotografico do insuperavel horror”, fotografias de Ber- gen-Belsen e Dachau vislumbradas em uma livraria quando ela tina doze anos (1979:19). Aquilo foi uma “epifania ne- gativa” criada pelo poder da fotografia: “parece-me plausivel dividir minha vida em duas partes, antes de ver estas foto- grafias (..) e depois” Estes testemunhos negatives do poder da fotografia também encontram eco em algomas interpretagdes da obra de Miche! Foucault, embora eles situem este poder muito préximo, basicamente mais como uma funco das necessidades de um esta- do disciplinacior do que da “iuz’ Apesar de nao ter se interessado pela fotografia per se(ele estava escrevendo sobre 0 pa pel da visto e da visibilidade no cresci- mento da pristo moderna e da clinica), muitos escritores ficaram fortement pressionades com as semelhancas no- tavels entre o olho da vigilancia que jaz no centro da priséo panéptica, ou que atravessa os espacos disciplinares de inspegio, € 0 olho do fotdgrafo oci- dental que documentava 0s outros po- vos do mundo ¢ 0s estranhos habitan- tes da sua propria terra incognita do- méstica, a cidade industrial em expan- sto. A fotografia encaixava-se perfel- amente nesta moldura e podia ser subs- tituida pelo conceito de disciplina/vi- gilancia em quase todos os escritos de Foucault’ Simon Watney observa, por exemplo: Foucault poderia muito bem estar falando sobre a fotografia quando descreveu o exercicio da discipline como ‘um aparato no qual as técnicas que tornam posst- vel a esta ver induzem aos efeitos do poder, e no qual de modo in- verso, os meios de coerce tornam aqueles sobre os quais eles sto aplicados claramente visiveis* (Watney, sem paginagao; citando Foucault 1979:170-71) ‘0s objetos da fotografia podem ser facil € repetidamente substituides pelos obje- tos da disciplina: © poder disciplinador (..) € exer- cido através de sua invisibilidade; 420 mesmo tempo, ele impbe a quem sujeita um principio de visibilida- de compuls6ria. Na disciplina, os submetidos € que tém de ser vis- 108. Sua visibilidade assume o con- trole do poder que é exercitado sobre eles. E 0 fato de ser cons- lantemente visto, de poder ser sem- pre visto, que mantém o individuo disciplinado em sua sujeigao. (Fou- cault 1979:87; ver também Sontag 1979:14 para uma afirmagao seme- Shante)? Disciplina ¢ fotografia parecem amal- Bamarem-se aqui em uma linguagem co- ‘mom de sucesso, dependente da suposta ‘ransparéncia do veiculo (Sekula 1982:54). Na fotografia, assim como na “disciplina’”, 1 Fea ese ea pa © fotdgrafo esté invisivel atrés da cimera, enquanto o que ele vé torna-se completa- mente vistvel (cf. Berger 1972:54 para co- mentérios sobre a auséncia do “principio protagonista” na pintura). O efeito mimé- lico da fotografia reduz o leitor a um con- sumidor puro de um signo no qual o sig- nificante parece ter desmoronado junta- mente com o significado (Tagg 1980:53). Quando a fotografia € operada em con- junto com a antropologia, a necessidade de enfatizar a re-produgio e reprimir a producao (Burgin 1982) envolve a oblite- ragéo de qualquer marca da presenca da cultura do fordgrafo. Neste ponto, 2 bus- ca antropolégica recorrente pela diferen- 4 coincide exatamente com o truque que a fotografia encena na procura de seu “efeito realidade". Da mesma forma que © antropélogo se vé constantemente pre- cocupado com o efeito poluente de sua presenca sobre aqueles que estuda (ver por exemplo Lévi-Strauss sobre o efeito corruptor da “introducao” da escrita entre ‘0s Nambikwaras 1976:322-416, e a critica de Derrida a isto 1976:107-40), 0 fot6- grafo antropolégico esforca-se para pre- servar a pureza do outro cultural que re- presenta, Igualmente, a observacao *pre- judicada pelo homem branco em primei- ro plano’, no estudo de um cabinet da Galeria Hudson, em Iowa, mostrando “ca- sas de inverno feitas com capim retirado de “brejo” e couros de vaca’ situa a figura européia como uma espécie de arranhio no negativo, uma macula que denuncia a presenca do fotdgrafo e da sua cultura” Esta linhe de argumentagio poderia também aplicar-se a uma ilustraco em The Nuer que mostra em principio uma chv- varada de agosto em plena forga, mas que baat pa speeds ee eeravotaie iSpy er ome poesia te E Eliane tim lt" Brae ae toons Bo yande gene Si tpt plague Ire Oe vrdade™ woah feo tee tomb, See ‘ebeitee fe Semen Base ee i chee a ie irate cared Cee ceed Se ae enemas ie Baer, eas ches erocidena Note 8,9 14 Pia 32 ae aia Velzget emer ove we near apa par om poe pte made io eto aoe thee (587 spe (sins con apt ‘elena © So Se wado como fees pee OF feat ing her ena Ca) de Sven pin ver cinsbrg (9 pueuma de fat da pel de Steps Od Seas eats even cp fee cone lend po Bo fo te (32, revela, através da presenga periférica da aba de uma tenda, a presenga do fot6gra- fo por detrés da c2mera. O impeto aqui precipitou 2 exposigio da presenca do fo- \6grafo, e talvez nllo seja ir longe demais Cchuvarada de agosto” Forgrafta de B Bvans-Pri bard (Corts do Pit Rives Museum Universidade cde Oxford PRM EP NI 43) ver este espelhamento da propria cultura do espectador, no mastro e na aba da tenda, como 0 Las Meninas da antropologiz mo- dena (Fernandez 1985; Foucault 1970). Contudo, o poder da fotografia nto re- side apenas na desejada invisibilidade de seu produtor, mas também na autopresen- * 4 aparente de sua superficie Enquanto que por um lado a superficie € invisivel, uma janela transparente para uma fatia da realidade, a superficie da impressio ma- peia uma grade quantitativa sobre as pro fundidades cartesianas que jazem dentro da imagem (Ver Jay 1988:13 para parale- Jos na pintura). A influéncia da ciéncia da fisionomia, de Johan Casper Lavater (Ghortland 1985), entre outsos fatores, tinha ajudado 2 dissipar 0 “ruido’ do corpo ante- rior jA que a antropologia do século deze- nose podia usar corpos totalmente legiveis par. InspecZo" Estes exigiam sistemas for- ‘malizados de leitura, € um dos mais influen- tes foi produzido por J. H. Lamprey em 1869 ® Em um trabalho publicado pelo Jour- nal of the Ethmological Society of London, ele defendia o uso de uma moldura em madeira trangada com fios de seda de modo 2 formar quadriculos de duas polegadas Isto fornecia uma grade “‘normalizadora* deniro da qual “a estrutura anat6mica de uma boa silhueta ou modelo de academia, de mais de um metro e noventa, podia ser compara- da com um malaio de aproimadamente um metro € meio de altura” (1869:85) 46. Estudo antropomévica, ¢ 1870 Fotografia de J Lamprey (RAL 35892) ‘Btamps en albinem inserita “Iigrante de Lucknow, ‘colada sobre 0 mesmo papel com @ exqutleo de uma folks, década de 1860 (Coresa dos curadores do ‘Brish auseun) Michel de Cestau observou que a nor- smalizacio utilizava uma grade celular que “transforma o préprio espago em um insiru- mento que pode ser usado para disciplinar” (1986:186), e que Lamprey criou uma grade disciplinar desprovida de qualquer metaforicidade. A grade tornava explicita a transcrigao do espaco sobre a prépria area de superlicie da imagem fotografica. No caso de um estudo, feito provavelmente por WH R Rivers, sobre “o tempo de eaglo de um cachorro face 2 um corpo que cai (um biscoito)’, a superficie da imagem torna-se literalmente uma régua, um marcador™ preciso. A fotografia mos- tra objetos no 6 dentro de uma profun- idade perspectiva cartesiana, mas con- tém também na propria realidade material de seu espago um outro plano da “verda- de” Sao coisas que temos como certas Av Feed Alp aoa Quando esta certeza € precistio sio expe- rimentadas pela superficie material do tex- to escrito, 0 efeito & completamente dis- crepante Entre aqueles que defendem 0 que estou descrevendo aqui como 2 primeira hist6ria da fotografia existe um consenso de que a razio pela qual podemos ter esta verossimilhanga fotografica como certa € que a fotografia além de ser ic6nica (suas ‘imagens assemelham-se, parecem-se, com os referentes) é também indexical. Com isto pretende-se demonstrar, de acordo com C 5. Peirce, sua incorporacio dentro da prOpria semelhanga icénica de um tragado fisico do ‘mondo material . O esqueleto ressecado de uma folha € o efeito da luz sobre os agentes quimicos na superficie da estampa em albimem “imigrante de Lucknow” sio, nos termos de Peirce, a mesma coisa.™ A fotografia, assim como o esqueleto dissecado, é: ‘um tracado, uma coisa reproduzi- da diretamente da realidade; como uma pegada ou miscara mortudria (.) um vestigio material de sew sujeito (Sontagl979:154). ‘um trago revelado fotoguimicamen- te.) semelbante a (...) impressées ~ digitais ov pegadas ou aos circu- los de agua que os copos gelados deixam sobre a mesa. (Krauss, ci- lado por Prochaska (1990:404)) A fotografia chegou com uma habilids- de peculiar de construir um indice fotoqui- mmico do efeito da luz sobre as superticies de objetos distantes, sob a forma da propria fotografia. A sensibilidade da emulsio do filme como superficie de registro dos objetos tenet sae Bilas ipa pe ppc mpeds ‘oso bret toe Tar om veces Sao eg ds seo (ig iss ays Ee a Sane 8 Sacto tanen rr foreiocr be ar fbn ss Cie anes dee cmege Wooten! ingens arte roe dos titan dose (ssn fe pen. for exe ‘ain a eta tis conser fete Ufc inte one ba ‘Beenchmgscam ete fered sg i fe ees ie teach he fake seni os fie tue Suter Stronet seen ican eeager fem eile eae (lets ufo als polstnies Sveriadspl ines unvees "> een pa Gpreecepad? inact 19851) feng hes sine tuber doug prs sen poops, Chores dics Vind de ame der Toninad d Moulaenguiads PP tse eter eiotanbon Spooneinetever dhawcompeneacs ‘tind Boudes faves lopetal © Toco eels ings fipielnete me avalase vas spp Totgete pope ree psoas © Say gto oemalps fe Surnog te Go Wee: The arp cae rromteb gece me |e ‘expostos na frente das lentes tem satisfet- to, tanto na ciéncia (Green 1985; Sekula 1986) como no pablico (Bourdieu 1965; ‘mas ver também Krauss 1984), 0 desejo pelo que Tage caracteriza desdenhosamen- te como uma “certeza pré-linguistica” (1988:4), por um significado que existe anteriormente as tentativas de represen- té-lo Como observa Sekula: ‘Nada podia ser mais natural do que (J umm bomem tirando da carteira um instanténeo e dizendo, “Este 6 ‘meu cachorro” (1982:86) ‘Menos de quatro anos depois da desco- berta da fotografia, Feverbach lamentava que “nossa era (_.) prefere a imagem & coisa, a cOpia ao original, a representagao & realidade, a aparéncia 20 ses" (The Essence of Christianity, citado por Sontag 1979:153) Desde entto, o poder da fotografia de instituir um mundo de imagens que substituiv seus referentes tem continuado a preocupar os teéricos (ver Boorstin 1963; Baudrillard 1983; Krauss 1981), € é encontrado 2 todo instante em nossa vida diécia (ver a discussto de Greenblatt (1987:10-L1) sobre 2 fotografia das Quedas de Nevada gravada em aluminto, para que ‘um piblico cético possa compard-la coma realidade diante deles) ‘Até mesmo alguns dos textos de Ro- land Barthes deserevem a fotografia como sendo privilegiada de modo Gnico, em- bora, como veremos mais tarde, ele for- nega um némero equivalente de argumen- tos a favor da natureza indefinivel ¢ po- liss€mica do veiculo. A fotografia, escre- veu ele a certa altura, no envolvia qual- quer tansformagio ou “permuta’ entre objeto e imagem fotogréfica A imagem nao era realidade, mas era sev “anélogo per fei", “uma mensagem sem c6digo” (1983. 19: € no término de sua vida, apés a mo-te da mae, ele descobriu finalmente ‘um. imagem dela que “reunia todos os predicados possiveis dos quais o ser de minha mie era composto” € que, embora fenomenologicamente fosse um objeto “co- mum", constivuiu para Barthes, em sua dor, *ulopicamente, a ciéncia impossivel do ser tinico? (1984:70-71; énfase original) Em sva manifestagao final, ao menos, Barthes desempenha um papel importante na pri- meira hist6ria da fotografia Procuremos 2 esta altura algumas das possibilidades e implicagdes desta primeira versio da his- téria da fotografia, na qual uma antropo- Jogia que ainda engatinhava, com preten- s6es a tornar-se ciéncia, usa este veiculo novo ¢ superior em sua busca para re- apresenlar areas de escuridio sob a luz reveladora da investigacio A historia des- te relacionamento, que € tratada com mais profundidade por Poignant” ,pode, para (08 propisitos deste ensaio, ser dividida em dois movimentos O primeiro deles, indo do comeco da antropologia e da fo- tografia até a virada do século, assinala uma unido produtiva entre duas praticas ansiosas por “des-platoniza:" o mundo ¢ que compartitham umd linguagem comum da penetragao da juz ¢ transcricio de disjuncdes temporais (Wright 1987) O segundo, tornando-se mais manifesto da virada do século em diame, viu o deslo- camento gradual pare um mundo de sig- nificado invisivel e internslizado, em es- tratégias antropol6gicas re-platonizadoras tais como @ preocupacio com a “estrutura social". Apesar de terem sido justamente riticados por sua natureza sincrdnica € metaforizagao geométrica e mecinica de- sajeitada, os “fatos sociaisque eles mobi- lizaram nao foram Considerados um obje- to apropriado para a fotografia, Crucial para a mudanga entre estes dois movimentos foi a emergéncia do pesqui- sador de campo como legalizador central do empreendimento antropolégico que, com sua forma semioticamente idéntica ao “ritual da fotografia” (Tomas 1982; 1988), teve condigées de invocar e substituir os cédigos anteriores da verdade A tendéncia “des-platonizadora® da fotografia encontrou uma vitima anuente 1a antiga antropologia. Quando, em 1893, Everard im Thurn, em sua defesa de um novo papel para 2 cimera na antropolo- gia (e que, em teoria 20 menos, marcasse ‘um passo impostante em direc2o 2 foto- grafia de campo documental), queixov-se de que até aquela data os objetos da foto- grafia poderiam muito bem tanto estarem vivos quanto mortos, ele no estava con- denando os desejos nao expressos de an- twopologia de controlar objetos mudos em seu macabro museu de ragas em extingo © fatos pouco conhecidos. Antes, ele es- tava sugerindo friamente o abandono do que havia sido um privilegiamento antro- polégico claramente articulado do imovel € do silencioso sobre o movedigo € 0 vivo. Isto pode ser visto, em parte, como uma conseqiéncia do weinamento médico de muitos antropélogos do século dezenove e a adocdo mais ampla, por todas as investi- agdes das quais o homemera objeto, de um modo de indagaco cuja origem era médica: ‘Aquito que esconde eenvolve, a cor- tina de escurido sobre a verdade, 6 paradoxalmente vida; e a morte, ppelo contrdrio, revela a luz do dia 0 cofre negro do corpo: vida obscu- 1a, morte limpida, os valores ima- gindrios mais antigos do mundo ocidental cruzam-se aqui em uma estranha interpretagéo equivocada que é 0 proprio significado da ana- tomia patotégica (.) A medicina do século dezenove era perseguida por aguele olbo absolulo que cada- veriza a vida e redescobre no corpo a nervura fragile rompida da vida (Foucault 1976:166, citado por Jay 1986:21) A aut6psia ~ literalmente (mev) “pré- prio olho” (Hartog 1988:xtx) — situava-se no pice deste exame visual contingente A morte, 2 ‘cessago do tempo que Bar- thes (1977:44) enfatizava continuamente € que, na opiniio de Christian Metz, faz da fotografia estética um fetiche podero- so (Metz 1985). No “imediatismo espacial € na anterioridade temporal da fotogra- fia” (Barthes:ibid), pocemos ver talvez 0 precursor invertido do “presente etnogré- fico" da monografia p6s-malinowskiana. ‘Assim, ao encenar esta metéfora tanato- grafica especifica, 2 fotografia também pactua com a antropologia no distancia- ‘mento temporal de seu objeto (Fabian 1983; ‘Thomas 1990). No caso da fotografia, o mo- mento fracionario da exposicao produz neces sariamente um memento mori imediato, en- quanto no caso da antropologia este desloca- ‘mento temporal, sob forma de “presente etno- grafico", pode ser visto servindo a interesses” de poder especifico 0 indice nao fotografico na pratica da antropometsia serviv, no século dezeno- get nega Migeecnttes Ilocmis ons eco pe benticome ent fe tae ops do ‘nero gu es. fe (obi) ve, para transformar o vivo em imével, 0 sujeito em objeto. Na verdade, nesta trans- formacio jaz a propria definigao de cién- cia e objetividade Assim, Denzil Ibbet- son, presidente da Sociedade Antropolé- gica de Bombaim, defendev, em 1890, confiabilidade indexical da antropometria na palestra The Study of Anthropology in India Em primeiro lugar e em alguns as- ‘pectos mais importantes que tudo, ‘porque absolutamente confidvel, te- ‘mos.a confirmagao fisica de ato dos individuos que sao parte de qual- quer unidade tribal ou de casia() Qualquer um que tenha feito a ten- taliva pode compreender bem como é dificil obter uma declaragdo com- plela e precisa, sobre um determi- nado assunto por meio de indaga- gio verbal, de um oriental e ainda mais de semi-seluagens ( ) As medigées cranianas, por outro lado, esto provavelmente quase que livres das conjecturas pessoais do obser- vador (Journal of the Anthropolo- gical Society of Bombay 1890-121) Uma distingao semelhante entre di- logo € observagio é feita por Tylor, que advertia os pesquisadores contra fazer “perguntas nao necessarias" ¢ de- fendia em vez disso a observagao dos “rituais religiosos praticados" (Stocking 1983:72) Talvez 0 uso mais elaborado do indi- ce fotogrifico e de outros seja a pesquisa fotografica e estatistica de Portman e Mo- lesworth sobre as [lhas Andaman, com- pletada em 1894. MLV, Portman fez onze volumes de fotografias que mostravam andamaneses na frente de telas quadricu- ladas (um aperfeigoamento posterior da grade de Lamprey. Ver Desmond 1982:55 para dois exemplos), estudos faciais, de frente ¢ perfil, e longas seqiéncias narra- tivas que ilustravam os procedimentos para 2 fabricagao de artefatos tais como enxés earcos Havia quatro volumes de estatis- ticas adicionais compostos de tabelas im- pressas com o titulo de Observagdes sobre cardteres externos. Estes produziram cin- giienta e quatro itens de informacio, € foram anexados tagados da mio direita € do pé esquerdo de cada sujeito Uma pagina final em branco deixava espaco para informacSes mais detalhadas, inclu- indo, em alguns casos, uma avaliacio do temperamento do sujeito (no caso de Riwa, vol. 14, “nervo-sangiiineo"). A enorme diligéncia de Portman € Molesworth era direcionada para 2 pro- dugao de normas estatisticas. Eles forne- cem némeros no prefacio para altura mé- dia, batimentos de pulso por minuto, pa- dro de respiracio abdominal, de respi- ragao, temperatura e peso dos homens das has Andaman do Norte, Mas esta bate- ria de dados pode também ser vista como ‘uma manifestaclo de um conhecimento cocidental superior sustentado pela visto, , neste caso, pela fotografia A poss dade de que os andamaneses do norte ti vessem maior poder de visio do que seus governantes € algo que Portman e Mo- lesworth est&o claramente ansiosos por diminuir: Descontando-se a precisto ganha com a pratica € a necessidade, a visdo deles no parece ser superior 2 de nenhum eu- ropeu comum que, se passasse pelo mes- mo treinamento, veria tao bem quanto eles. Jé owvi pessoas expressando assom- bro face @ maneira pela qual eles nomeam precisamente outro anda- manés que possa estar a uma dis- tancia considerdvel, mas deve ser lembrado que eles distinguem pelo andar, etc, como nds, ¢ além disso sabem quem esperam ver naquele lugar em particular e, portanto, e5- tdo a espera. Ja os vi, quando nao estéo preparados, cometerem mui- {os erros, enquanto que um europeu ao lado deles dava o nome exato da (pessoa vista. (Prefiicio de Measure- ‘ment and medical Details. Male Seri- es: North Andaman Group of Tribes (Medigbes ¢ detalbes médicos. série masculina: grupo de tribos das Anda- ‘man do Norte), 18942) Onde a visio situava-se como o para- digma do conhecimento privilegiado, s6 poderia ser assim. Dentro dos limites desta passagem jaz mais uma demonstraco da alianga do conhecimento ocidental sobre © “Outro” com a visio, pois 2 possibilida- de de que os andamaneses tenhiam pode- res superiores & recebida auditivamente (e € conseqiientemente incorreta), a0 pas- so que a verificagao de sua visio inferior € registrada visualmente (“Eu ovvi" con- tua “eu vi" 0 "mero boato” contra o depo imento da “testemunha ocular”) ‘A matei2, 2 fotografia, a visio, 0 co- ahecimento ocidental, o poder, jé foram, espero ev, suficientemente demonstrados neste esbogo rapido da primeira histéria ks Pane gla Fee 2 fotografia Nesta versio, no contexto do colonialismo, © poder “divino" da fo- tografia chega para refletir a habilidade tecnol6gica e epistemolégica do ociden- te: as nagbes pagas da antignidade adoravam 0 sol (..) mas nés apren- demos uma ligao mais sabia, util zamos cientificamente 0 objeto da adoragdo pagd e fizemos seus raios dourados subservienies aos propdsi- tos de uma vida artificial (Discur- 0 introdut6rio do The Photographic News 1858, citado por Wright 1987:ii) Mas, escrevendo em 1962, Luc de Heusch observou 2 auséncia de fotos nas moniografias. Algumas vezes, escreveu ele, ‘um etnégrafo chega a publicar retratos de homens que cénheceu e gostou, mas o faz com considerdvel relutancia como se o podér emotivo da foto, sendo estraho a seu propésito, ‘embarassasse-o" (1987:107). Isto pode explicar 0 desapontamento criado pelos setralos, mas no resolve a questio do desaparecimento crescente da imagem fotografica nao retratistica. Este desvanecimento ocorreu primeiro nas paginas dos jomais académicos e depois nas monografias etnograficas, tornando- se cada vez mais normativa a existéncia, de paginas densas com textos escritos sem interrupgao. Uma explicacio para a eliminagdo par- cial da imagem fotografica (como prova indexical de "estar ai") no period do pés- guerra estaria na vit6rla da pesquisa de campo € no fato de que a antropologia = fini Tier! ie one iia wes pe © ‘oenr eos 6 Meso (92) toto ‘pte sci do Code Ores impr wera ‘aro aaa cow Steg en 1 Teeabesspine ‘Rowe taht err) po to om re Feepet ab eve, wer Cllld fist [38 absorveu tao profunda e subliminarmen- te 0 idioma da fotografia dentro da pro- ducao de seus texios que esta tornou-se invisivel, como uma gota de dleo expat dindo-se sobre uma superficie de aguas dlaras. J mencionel a tendéncia re-pla- tonizadora da antropologia do século vin- te, e uma outra explicacto para isto pode estar na tentativa sem tréguas que a disci plina faz para se distanciar de outros gé- eros imagindrios tais como a fotografia de viagem e a *foto-texto" emergente (ver Pratt 1986 para um argumento semelhan- te). Mas serd possivel que a fotografia, € uma metaforizagio de seus procedimen- tos técnicos ¢ rituals, tenha influido tanto na determinago dos rascunhos € das marcas sobre a superficie das paginas das monografias etnogrificas, que tena as- segurado sua propria redundancia a pon. to da superficie do registro fotografico $6 poder ser justificada, na antropologia, quando aliade 2 algum outro impulso como a “narrativa", a qual permite que ela se constitua em “filme”? Como isso pode sex? Uma linha de especulacio pottice proporia 0 seguinte: © novo € heréico antropélogo/etndgrafo pesquisador de campo localizou o “de lon- ge" que Rousseau havia identificado, des- de muito, como essencial para o estudo do “Homem’, como um lugar definido ("o campo") 20 qual o aniropdlogo tinha de se expor indexicalmente por um determi- nado periodo (cerca de dois anos, no modelo de Malinowski). Uma combina- fo da énfase de Durkheim na importén- cia do distanciamento como garantia dos “fatos sociais", com 2 situagie dos antro- pélogos como membros da meirépole im perial € colonial significou que, quase sempre, “o campo" era um lugar caracte- rizado como "remoto” (Ardener 1987), in- versamente & sociedade do etnégrafo, uma pesiferia adventicia. Assim, a exposicio do antropélogo aos dados ocorria duran- te um periodo de inversio da sua realida- de normal, uma situacio que é formalmen- te andloga & producto do negativo foto- grifico, quando os raios de luz essencials que garantem a verdade indexical da ima- gem incidem sobre 2 emulsdo do negati- vo (esta analogia foi sugerida primeiro por David Tomas em comunicagao pessoal) [A fotografia revela-se, assim, muito menos € muito mais importante do que haviamos pensado. O antropdlogo trouxe para sua propria pessoa as funcoes de uma placa de vidro, ou de uma tira de filme” que, tendo sido preparada para seceber € registrar mensagens em forma de negativo durante um momento de exposicio no “cam- po", possui a capacidade, ap6s wm processo apropriado, de apresenté-las em um estado “positive” na mnonografia etnogritica A outra histéria da fotografia eda antropologia [A segunda historia’ da fotografia (que demorou mais para emergir) argumenta que, com referencia & narrativa cronol6gica ea anilise das imagens, 2 fotografia nto 36 ndo fot capaz de validar sua reivindica- cao como verdade, mas que sempre demons- trou, em seus gestos inconscientes, uma fal- ta de confianga em sia todo instante: Nada podia ser mais natural do que (.) um bomem trando um instan- taneo da carteira e dizendo, “Este é _ meu cachorro" (Sekula86, énfase acrescentada) Jé sugeri que a mitologizacao de Mali- nowski assinala o deslocamento eritico da linguagem indexical da fotografia para uma rea de “cultura” e seus andlogos, 2 qual era precisamente o terreno que, para figuras como Tbbetson, situara-se para além das possibilidades da indexicalidade. Enquanto que anteriormente havia sido a camera quem registrara arefrapio da luz nos objetos, agora era o antropélogo-pesquisador de campo que adentrava no que foi articulado como um relacionamento sem interferéncia com 8 pessoas que ele estudava. A observagao pattcipativa, transeita em textos monogréfe- cos, apreendia a alma de uma pessoa Esta segunda hist6ria argumenta que, primeiro, aquela “cesteza” é 0 efeito de outras estruturas nao fotogréficas, e, se- gundo, que esta certeza, de onde quer que advenha, sempre foi muito frigil Jean La Fontaine iniciou recentemente sua definicéo do que é a antropologia so- cial em termos do que ela nao é (La Fon- taine 1985:1), comentando que essa es- tatégia de identidade, baseada na dife- renciagao negativa, € um expediente ino- vador para uma disciplina florescente, que antes estava absolutamente certa do que © seu “é" era. Mary Louise Pratt, em con- laste, argumentou que um trabalho de campo textual, baseado na antropologia, sempre definiv-se a si préprlo como gé- nero usando uma estratégia negativa, Ela mostra, por meio de uma anélise dos pio- Reiros etnograficos da verossimilhanca Monografica, que a antropologia sempre ‘A aes als Aid tea se revelou como sendo mais uma “no alguma coisa” do que uma “coisa em si" Sua identidade sempre se estruturov atra- vés da supertoridade e da diferenca, sva autoridade era maior do que a do visitante casual cuja presenca cindida e presungosa era freqiientemente invocada na ret6rica de verdade da antropologia (Pratt 1986:27), cla sempre foi uma coisa diferente do quese encaixaria no génezo dos relatos de viagern Acciéncia malinowskiana da fotografia e de seus rivals estigmatizados existiu no mesmo relacionamento “logocéntrico” de dependéncia oposicional hierarquica que existe entre a fala € a escrita (Derrida 1976), ¢, 0 que & mais interessante, entre a fotografia ¢ a pintura ® A anterioridade temporal da fotografia pode ser atribuida uma antropologia baseada no desloce- mento temporal de seu objeto (Fabian 1983). Entretanto, o papel da fotografia como uma forma de discurso (Benjamin observou que ela possuia a rapidez do discurso) a predispoe, em um sentido mais positivo, para o registro daquelas culturas que, de acordo com um paradigma antropolégico ‘a0 menos, existem antes dos efeitos comup- tores da escrta (estou pensando na discus- sto de Lévi-Strauss sobre os nambikware em Triste Trépicos 1976:322-416). Pasece haver ‘uma afinidade aqui entre a presenca natiral dia fotografia e a presenca natural do primiti- vy, embora ambas as idétas sejam igualmen- te questionaveis Em 1883, 0 fotégrafo dos aborigenes australianos em cendrios reconstruidos, JW Lindt, declarou que Eu sempre dei a maior atencao a produgao de negativos com 0 md: Ber pra fet, ent coe De frelon to Upiods tae» ‘cis tase 6 Prd, eM plo do wii ‘sles foe exon wos ei crn Iocan ete im dons so dee vet to Ine pine. Padua Abin é pines pace pie dele on felon» bres ene Sica der. seat co (hae pried, fon 0 pesonsren ere cmmte. ee pode decid ato tibet Pees dts ‘asi Wer Osis 1996, Bagi 9 Sa. Nae ree ent pode se Seettcone to fal camo lag. fe Otros he ‘sine or proton ‘pimieae Ears wedges lenges etl Bike hex 1 per oe a feo ave cna oder mca fra ue ‘ote de mies ‘ge ave, doe (ot wg ‘ee 3a) ino nado que oma fpawea (efits (me adh ai nceraine ‘rims Nos free lame a foncn ouade asap edtoa © pecan for puatene ts (ov urgunetende ‘eulge since Berks cae go is nats ne Iusrtnane vets Gh mare. ‘sia! come om fine de ert puro fvimente come te me ep ‘aera loo. ximo possivel de perfeigdo no que diz respelto a expressao, luz e pose; e é sobre estes negativos que 0 ira- balbo do retocador se revela com mais proveito, enquanto que 40 ‘mesmo tempo a qualidade do nega- tivo capacita-o @ manter a seme- Ibanga (@ parte vital do retrato foto- grifico)intacta (1883, prefécio para Lind! 1886, énfase acrescentada) Semelhantemente, Gregory Bateson esia- vva ansioso para distanciar as imagens em Bali- nese Character a photographic analysis da ameaga coaceta de um visual nfo indexical: Em um grande niimero de casos foi feito um sombreamento no proces- so de ampliacao das fotografias, “A primeira foogafia tirade das rites das montanbas do sudecte da Nous Guiné * Fotegrafia de AP. Goodwin Impresto em Albin sobre caro com texto impress (Corea do Museum of Archaelgy ard Antbroplegy, Universidade de Com- bridge) ‘mas isto nao acrescenta qualquer ttaco a foto, lornando passivel ape- nas que o papel dé uma verso mais completa do que esta presen- te no negativa. (1942:41) No caso de Lindt e Bateson, a verdade indexical est garantida por sva profundi- dade no negativo, ¢ seus poluentes amea- gadores estio localizados na superficie Da mesma forma que a arqueologia confia nas verdades objetivas dos fragments de “cul- tura material enterrados, ocultos da pol Gio de superficie do presente pela profun- didade, 2 fotografia conta com uma espac- alizaglo de sua anterioridade temporal den- tro do negative. Estar profundamente en- terrado no negativo € ser verdadeiro, do mesmo modo que o fato de ser ‘primeiro", estar “antes” dos outros (como na Ilustragao 51, a "Primeira fotografia Urada das tribos da montanhas do sudeste da Nova Guiné” (1889), de AP. Goodwin) deposita sua confiabil dade no ineditismo Mas isto indica algo significativo, por- que a “verdade”, aqui, parece estar em retirada, escondendo-se de um presente de superlicie, desesperada por estabele- cer que seu registro vem antes de todas as imagens (falsas?) subseqiientes. £ possi- vel perguntar-se como isto pode aconte- cer se a fotografia € aquele instrumento todo poderoso, bom e mau, que desere- “tha fami toda * Frontinpcio de A Description of 2 Singular aboriginal Race Inbabiting the Sumi of the Nelghery Hil, or Blue Mountains of Coimbatocr i the Southern Penlnsuls of India (Deserigde de wma raga Aborigene singular que babica 0 alto das colinas Neligherry, ow Montanbas acute de Cotmbatoor na ‘eninsula do cul da india), do eapitio james Harknes, 1832 (cortesia da Balfour Library, Pili Rives Museu, Uhiversidede de Oxford) ‘vemos na primeira historia do veiculo Por que, se desde a data de seu nascimento a pintura estava morta, como se afirmou, fotografia (no ocidente, ao menos) batev em retirada para o amago do negativo a Partir desta interferéncia assustadora em sua superficie?” Talvez algumas pistas para a resposta possam surpir de um exame do vuso incesto da fotografia feito por WHR Rivers e CG. Seligman, dois veteranos da segunda Expedigio 20 Estreito de Torres (1898-9), que veio a simbolizar o inicio de ‘uma era nova, reconhecivelmente moderna, ‘no uso da camera pelo antropélogo Na ex: periéncia deles podemos,talvez, ver mais evi- déncias daquilo que a outra hist6ria da foto- grafia identificaria como o desdobramento perpétuo da autoridade fotogrifica, uma li nhe de fratura desconstrutiva que corre sob elae através da qual o literal sempre se reve- Ja em figuras trépicas oindexical tomaese icé- nico e simbélico, ¢ a fotografia torna-se nada ‘mais que uma forma de pintura. Como, em coutras palavras, 2 “avtoridade” da fotografia velo parecer t2o incerta quanto a da pintura Os todas, dentre os quais Rivers (e, por curto tempo, Thurston) iniciou pesquisa de campo em 1901, tinham sido, h4 mol- to, alvo do interesse académico. Durante algum tempo, sugeriu-se que eles seriam uma das tribos perdidas de Israel. Em 1832, Harkness ilustiou seu A Description of a Singular Aboriginal Race Inbabiting the Summit of the Neilgherry Hills com um frontispicio mostrando um grupo toda de “um modo que sugeria ume familia patri- arcal judaica” (Rooksby 1971:113) e con- cluiu que o viajante ficara a se perguntar “QUEM ELES PODEM SER” (Ilustra¢ao 52) Estas primeiras representagbes, como obser- you John Falconer (1984), dao bastante subs- tir excreta pe reaxda lagen io ls or raee for conn 2 ere 85 sear de satan na Toler, no beta ‘atc a ‘ar ttn le ert ad ant afacg: fuser fe lee tee ‘donne con a nes c lary pee iaicongin © (Gusaplecesen ahaha teil ding Teale Boag ver Useot htogaphy te eds pido: bez. tncia a queias da época com respeito a “eu- ropeizacao” de povos nao ocidentais na mi- Gia® pré-fotogrifica Mas segundo a pers- pectiva de Rivers, no comeco do século vin- te, a fotografia nao havia provocado grandes smudangas na representacio dos todas e, ex sua publicacto de 1906, podemos ver clara- ‘mente suas tentatvas vacilantes de definis uma fotografia antropol6gica capaz de represen- tar 0s fodassemestetizaglo, A este tempo, 08 todas estavam fotograficamente definidos, em grande pare, através da visio dos estidios, como Bourne e Shepherd, que os fotografs- ram em grupos familiares em torno de suas casas. The Living Races of Mankind, umm exer- cicio inicial de “para-etnografla’, reproduziu ‘um destes retratos como uma lustragao de pagina inteira e observou que o semblante dos todas era “do tipo que estamos acostu- smados a associar 208 antigos romanos" € que eles habitam “um tipo de Suica tropical [onde] vestidos com uma espécie de toga, tendo um braco e uma coxa cobertos, eles tém um ar de grandeza" (Hutchinson et al. ¢ 1900:188) Para Rivers, como para outros antro- pologos desde entao, 2 prova de rigor metodolégico jazia no des-encantamento. Os primeiros textos desempenham 0 pa- pel dos “meros viajantes” ou “observado- res casuais" que, como argumenta Pratt, substancializam 0 discurso prévio ¢ infe- lor contra o qual a antropologia esfor- Gou-se por se posicionar Podemos ver aqui a ciéncia de Jean La Fontaine da "nao alguma coisa" esforgando-se por nascer ‘A critica textual de Rivers do Romantismo inicial €, como a segunda hist6ria da foto- grafia nos levaria a suspeitar, insustentavel fem suas imagens Algumas de suas ilustr ‘gbes fotogrificas sao reprodugdes de Breeks (4873), mas a maioria sio fotografias tecnica- mente pobres de autoria do proprio Rivers, ‘ou estudos artficias € pitorescos do estidio de Wiele e Klein® As fotografias de Rivers esforgam-se por ter um funcionalismo docu- mental; as de Wiele ¢ Klein apresentam uma visio pastoral de uma arcidia frondosa™ A todo instante, a tentaliva de Rivers de apzesen- tar os todas como estruturadios pelas “necessi- dades priticas de sua vida difria” (1906:26) € subvertida pelas imagens de Wiele ¢ Klein, nas ‘quais eles so mais uma vez dignos senadores romanos com um ‘ar de grandeza” acentuadolver Rivers 1906: gravuras 1-2) Os vedas, entre os quais Seligman traba- Ihou em 1907-8, foram também assunto de uma producio fotogritica massiva Este tra- balho de estiidios mostra de que modo WH.L. skeen, Scowen, Platé e a Companhia de Apo- {ecitios de Colombo os esteiotiparam como 1 “homens selvagens” do Ceilio As foto- ‘graf sugeriam que eles passavam todo seu tempo na selva agarrados a armas de caga © trabalho de campo de Seligman, entretan- to, revelou que: Com todos meus esforgos fui capaz de encontrar apenas quatro famili- as, ¢ saber de duas outras que, creio eu, jamais haviam praticado cull v0 (. 0s danigalas que praticavam cultivo tinbam assumido o papel de homens primitivos profissionais (. ) eles so comumente chamados para serem entrevisiados por viajantes na ‘posta mais préxima, onde aparecem usando apenas a reduzida vesti- menta veda, ao passo que, quando néo esto em exibigdo, vestem-se de forma semelbante & do camponio singalés das vizinhangas (Seligman 1911 uit) ie ala Aopaeg eFa “orupo Bendtagalge, de CG Seligman, um detalbe do mesmo & reproducido em Seligman (1911: dustrago 11) come “Grupo de Vedas de Henebbeda ¢ Bingoda * (FAI 4625) ‘Grupo de Vedas” Evampa em albimen, de WHHL Steon ond Co,c 1880 (RAI 5118) ate desi inn pe te so parities pon tp dose SE lest poecenccete ds Stata dee: ticles ae marae Wie toni pe spin eee fon 8 a eéica ‘set epee Snptinds mtr, nv fags Ss podoan ea ‘saa A exposicio indexical de Seligman aos vedas durante a pesquisa de campo pertniti- re-the ver por detris das “verdades” icd- nlcas € simb6licas dos visjamtes (os vedas “tinham aparecido” e “dito que eram" co- lecionadores de cagadores) Tendo des- coberto assim que o efeito de superficie podia ser enganador, Seligman € entao confrontado com wm problema em seu uso de uma série de ilustragdes fotograficas sobre as quais detalhes esclarecedores haviam sido pintados. 0 retoque era um procedimento de rotina para publicacio a este tempo, € Seligman explica que 2 luz escassa na “profundeza das selvas" neces- sitava de subexposi¢o, apesar do uso de chapas répidas (Seligman 1911:vili). Se- ligman avisava seus leitores de que as imagens haviam sido “mais ou menos fal- sificadas’ e, para que ninguém as confun- disse com fotografias verdadeiras, todas estavam marcadas com um asterisco no final da legenda Parte da estratégia de Seligman aqui é certamente delimitar 2 separacio de uma fea de verdade antropolégica de outra de fraude para-etnografica, através de uma retirada estratégica na qual, porque algu- mas de suas fotografies so reconhecidas como “falsas", a maioria € considerada “verdadeira" * Isto era duplamente neces- sitio porque formalmente muitas das fotos “verdadeiras” de Seligman “pareciam” produto dos primeiros estidios comerciais ‘Assim a imagem de Seligman de um grupo de Vedas de Henebeda e Bingods (ilus- tragio 53) possui uma afinidade com uma grande estampa em albiimen (llustragéo 54) da década de 1880, produzida por WHL Skene Cla, Ambas mostam um grupo em um cenério florestal carsegan- do arcos e machados ¢ olhando direta- mente para a cimera. A natureza privile- giada da representagio antropologica nto esté de modo algum clara aqui (nem em qualquer outro lugas, na verdade) No processo necessério de “destacar-se por contraste de discursos adjacentes ¢ ante- cedentes" (Pratt 1986:27), 0 Deus da Ver- dade quixotesco na fotografia antropolé- gica exigia o sacrificio de vitimas cuja ‘chefes kaj’, trada de The Tailed Meadaunters of Nigeria (0s capadores de cabea com rabo da Nigeria), {elo major AJ Tromsarne, 1912 opp p 108 ort do Texas, manba de domingo om junbo de 1937 * Fotegrafia de Dorotbea lange Publicada om Lange Taylor (1939) com a legend “Todas crrendatérios de fazende: despejados 0 mais velbo com 33 anos * (Contra de Biblioteca do Congreso) ‘morte esté marcada por um asterisco (Pin- ‘ria da fotografia nfo nos levam a espe- rar que um prego Yo alto seria necess4- rio A fim de concluis, examinemos, pela terceira ¢ altima vez, 2 observagio de Sekula de que: Nada podia ser mais natural do que () um bomem tirando um instantaneo da cartetra e dizen- do, "Este € meu cachorro” (1982:86) Podemos notar a esta altura que nada parece mais natural do que esta afirmagao do Sbvio necessitar ser proferida, um fato comprovado pelo dono do cachorto na legenda falada “Este € meu cachorro”, Esta validagio da fotografia indexical pelos caprichos meramente simbélicos da linguagem, a vitérla do “mero boato” so- bre a claridade de visto, resiste 2 uma investigagao mais profunda, pois indica uma retroversto geral da fotografia em direpa0 2 outras ordens do signo. Da mesma forma que Leslie Woodhead "ex- plica® sua foto dos Mursi assistindo parte de um filme da série Disappearing World Sobre eles prprios com uma referéncia a uma pintura de Magritte, a verdade das fotografias muitas vezes parece estar “ancorada", nas palavras de Barthes, a um signo® textual simbélico que age como ‘um “contra-tabu’ (Barthes 1971:43; citado Por Baker 1985:170). O ato de expor a emulsio do filme a objetos que refleticam a luz parece subitamente menos impor- tante 4 medida que o signo visual “moti- vado” comega @ ocupar o segundo lugar tes aaa lg Fp atras da identidade arbitréria da lingua- gem: A imagem congela um nsimero in- Jinito de possibilidades, as palavras determinam uma certeza tinica(..) 6 por iss0 que todas as fotografias de noticias sao legendadas (Barthes 1983.13; citado por Baker; ibid ) As possibilidades de se escrever ou ler errado as imagens, € as fotografias em especial, parecem estar limitadas a um nivel muito basico por causa do que Barthes chamou de sua mensagem “de- notativa". Assim, a ilustragio dos che- fes hajji (llustragio 55), tirada de The Tailed Headbunters of Nigeria, um tra- balho de 1912 do major AJ.N Treme- ame, €, como teria argumentado Bar- thes, denotativa e, indisputavelmente, a fotografia de cinco pessoas. Nao é, por exemplo, o retrato do Titanic dei- xando 0 porto em sua viagem inaugu- ral. Escritores como Bryson e Bertin 1m defendido que existe um certo nivel de primazia visual que nos capacita a iden- tificar com certeza formas particulares de imagens Dessa forma, de acordo com Bryson, seria "simplesmente errado iden- lificar (..) uma Pieté como uma velha com urh cadaver" (Baker 1985:164). Ba mesma forma, Bertin argumentou que sob certos sistemas *monosémicos" (como os mapas) “todos os participan- tes concordam sobre certos sentidos concordam em nao questioné-los além” (Baker ibid.) : Foi a fé neste poder denotativo da fo- tografia que sustentou as opinises esbo- cadas na sua primeira hist6ria A foto- ded ee insioes pat fa "apl al Algom tomece de ‘apa Cie pe pst en om pie os pre ‘Cato vide vou pus» ‘hres eee Sipinrpra res ean gato fe ingaue fosur “tte ts ease pet. ‘else ton aan po pede Se gnade lecyatanve be abe reste 88 pr ops opie ae ‘et, Bal 1985 06 Pars Contre ls grafia, como o “lépis da natureza”, de- notava a natureza ao longo da linha reta de transcri¢lo da natureza para a cultura (de referente para fotografia) nto havia nenhum espaco para conotacao Mas, para nosso propésito aqui, é dificil definir uma 4rea, ou contexto, de denota- ‘gto no qual pudéssemos todos concordar sobre qualquer coisa além da distingao clara entre os chefes krajji e o Titanic Desenvolvamos mais este argumento Poderiames dizer que parte do significa- 56. Qualquer que seja nossa resposta pessoal ¢ particular a estas fotografias (© & parte deste argumento que so es- las as respostas que interesssam), tal- vez pudéssemos todos concordar que nossa interpretacdo destas duas imagens & alterada quando as lemos com a aju- da de suas legendas: 1 ‘Chefes kajji O bomem a esquer- daéumando- sua barba é amarra- dacom capim, que é comprido e des- ce até 0 peito. Isto foi provavelmen- “Mulbres kagoro de Tuku Tozu’, de Tremecene, 1912; pp. p 92 (oer leenda da Uustogo $5) do da ilustragao tirada do The Tailed Hea- dbunters of Nigeria é 0 de cinco individu- os submetidos, que se situam nos antipo- das da ordem civilizat6ria que © major Tremearne dedicava-se a sustentar Poderiamos lancar a hipdtese, a maneira de Foucault, de que a fotogra- fia esta presa em um nexo de visto opressiva cuja fungio € disciplinar es- tes cinco individuos, Mas nao se pode- ria dizer a mesma coisa da llustragao te copiado dos kagoma, a tribo vizi- nha ao sul © bomem seguinte era ‘uma pessoa muito incémoda, esando sempre “contra 0 Governo” Observar as fis de cauni no saiote do bomen d direita” (Tremearne 1912:ilustracao ‘opp 104) ‘Norte do Texas, Manha de domin- ‘go-em junho de 1937. Todos fazen- deiros arrendatarios despejados. O mais velho tem 33 anos Todos americanos, nenhum deles capaci- tado para votar por causa do im- posto de votacio do Texas (sic) Todos na WPA (Administragio de Projetos de Obras) Fles sustentam uma média de qua- to pessoas cada com 22,80 dola- res por més. “Aonde vamos n6s? Gomo chegaremos 1é? © que va- mos fazer? Contra quem vamos lu- tar? Se lutarmos que vamos levar?” (fotografia de Dorothea Lange, ti rada de seu American Exodus (Exo- do americano), 1939, citada por Jeffrey 1981:166)” Entretanto, o efeito da lingvagem, 0 que Barthes chamava de “certeza da palavra", pode também ser obtido através de insercio dentro de uma linguagem composta Puramente de imagens, por meio de sua colocagdo no interior de uma corcente sintagmitica visual Adotara distingio de Saussure entre um plano lateral de linguagem, 0 sintagma, uma ‘orrente de significado na qual as palavras estao seqdencial e contextualmente encadeadas, e um plano vertical, Paradigma, nos capacita a ver melhor Como isto funciona.* O sintagma é cons- tituido por um principio de adigi0, 20 asso que. plano paradigmético opera com © principio da substituiga0. Este eixo pa- radigmético permite, como observou Jako- bon, associagdes metafdricas, enquanto que a0 longo do plano do sintagma Prevalece uma contigiiidade metonimica (Burgin 1982:56). Muitas fotografias tém A aes Peas Aoi tpi © potencial de entrar primariamente em um relacionamento paradigmético (me- taférico e vertical) com outras fotogra- fias, como duas fotos samoanas da Co- lecdo Walker® ,mas a force significati- va é consequéncia, em grande parte, de um plano contextualizador narrativo horizontal que Eco chamou de (com re- feréncia & narrativa cinemitica) “con- catenagio sintagmatica imbuida de ca- pacidade argumentativa” (1982:38) Assim, quando vemos a imagem dos chefes kaji no contexto de uma ovtra ima- gem do mesmo trabalho que mostea (Ihus- tragao 58) sete mulheres quase nuas, de costas (a legenda diz “mulheres kagoro de Tul Toxo", mas a esta altura ao menos, meu argumento nao depende de nenhum conhecimento de quaisquer contextualiza- Oes outras do que a contigiidade de imagens visuais), ao tomarmos conhecimento de que “chefes kaj” & um subconjunto de um discurso que também inclui mulheres agoro, torna-se imediatamenteinconcebivel ‘que uma tal imagem pudesse funcionar como propaganda positiva do tipo “Norte do Texas (.Y, de Dorothea Lange. A tnica questo que surge da retro-perspectiva do nosso co- nhecimento da linguagem visual de Tailed Headbunters (..)€ como conseguimos cons- tituir esta questio como uma possibilidade ‘em primeiro lugar, e como em um estagio anterior tinhamos langado a hipstese de uma similaridade entze as imtengbes de Tremeamne e Lange A proliferagio de imagens, a “conce- tenagéo sintagmitica’, produz aqui um fechamento momentaneo da finitude do significado, o mesmo fechamento de signi- ficado que 2 primeira hist6ria da fotografia sorte poo Geeonentseo dh tian ni tain sere sehsantio ese pints xo ovlncemants Sastre ieee ts felereg ene enegat oe thes tng ee epeceylge tras. ye ode pate, fone legen ov sora tone 6 In een on sanectrcogiest “Giese sen pins ape Satta ogee Pome Stare, f0 0a feisines san Sear pensanenor Meroe” 2 ade, pase," fe dagunat br eratn, o figs e uae Dubitens Imes 2 es desman sia oe eonpurgio ete peas © pasa ae es otra eae "0 chien! soe ‘ica vn do insevogsee St har ao epecade peeps de fede gion” Cia) Maen geese pi gue Fine. fon ee redo en 5 fotan toga odie seer napa ae shoppe ite tener > vey hie toon la tinha nos levado 2 supor que estava na propria substincia individual da imagem ‘ou do negativo, como uma coisa em si. Na terminologia de Christian Metz (toma- da 20 semidtico dinamarqués Hielmslev), a unidade fotografica de leitura, ou “Iéxi- , esté em processo de ampliagio em dirego ao léxico do filme Sem divida, 2 grande base l6gica do filme etnografico é precisamente o contexto e fechamento fornecidos pela concatenagio sintagmati- ca, em oposi¢ao ao “fetiche” tuncado castrado do “olhar”* fotogréfico. © filme assim representado faz o papel de Mali- nowski para a fotografia estética de Fra zer (Strathern 1987). Existem virias colegdes de fotografias estiticas na Coleco da RAI” que pare- cem prefigurar ¢ desejar a condico de filme em movimento. Assim MV. Port- rman fez longas seqiéncias narrativas do fabrico de arcos e enxés entre os habitan- tes das Ihas Andaman, € 0 préprio 8 man, em suas longas seqiéncias de rituais de cura entre os vedas, parece obter uma abrangéncia sintagmética e cinematica. Talvez fosse @ aceitago subliminar da indeterminacao da imagem o que inclinava ‘08 vitorianos a fotografar em prises, onde a ‘dentidade fotografia era sustentada por outras forgas menos transgressoras Aparentemente tudo que podemos dizer € que 0 o queé da fotografia, como o da antropologia,jazno seu 0 que nd 0 seu contra-texto (cf. Hobart 1985.41; Faris, T. Photography, Power and the Southern Nuba) ‘Mas esta indeterminagio nao precisa ser causa de tristeza Pelo contrario, ela sugere duas conclusbes muito proveitosas, Primeiro revela que 2 fungao do arquivo (por exemplo, um arquivo como o chamado “The Royal Anthropological Institute Photogra- phic Collection”) € ocupar-se com a disci- plina de suas imagens, dentro de uma vi- sio politica do mundo e de seus povos baseada na linguagem © arquivo funcio- na como uma vasta grade lingtistica, en- volvendo 0 que seriam imagens volateis dentro do que ele espera ser uma certeza que esé se estruturando. Aprisionadas den- tro da grade do arquivo, as imagens (gracas a teleologia do arquivo) tornamse coisas em. si mesmas avto-evidentes. A linguagem do arquivo, tendo preenchido 0 espaco em branco da fotografia, apaga a natureza inde- cisa da imagem. Esta € uma das razdes por- ‘que a primeira histGria da fotografia esbora- da neste ensaio tem sido tao poderosamen- te persuasiva ‘Nao € um paradoxo que a antropologia esteja descobrindo a “importincia", o “valor de informaczo", de suas imagens de arquivo precisamente no momento que estas imagens estio se deteriorando e desaparecendo, a afirmagao honesta de sua propria insignificancia, j& que nao significam nada além de: A perda do que nunca aconteceu, de uma auto-presenca que nunca {foi dada, mas apenas sonhada sempre quase desmembrada, repe- tida, incapaz de aparecer para si mesma exceto no préprio desapare- cimento. (Derrida 1976:112) Se, como parece possivel, a mesma imagem de um garoto judeu saltando de um trem em Auschwitz pode servir tanto como uma confirmagao do poder do Reich (quando enredada na linguagem do arquivo nazista), quanto como uma injungo para conter o fanatismo e seus impolsos geno- cidas (quando usada em uma campanha anti-racista contemporiinea), ela se torna tudo ¢ também nada. Se é assim, ento 0 estudo da antropologia ¢ da cimera é transformado de um relacionamento de simples produgo, no qual a camera € uma mera “ferramenta” ou “fio condutor’, ® no estudo da determinacao (em um primeiro € provisério nivel) do “o que é” (ou *o que nio €") que jaz ne fotografia, através de um estudo das estraturas significat6ri- 4s por meio das quais estas imagens st0 dotadas de significado e fechadas com sig- aificado (Tagg 1988) A fotografia esté sendo agora refotogra- fada. Com isso nao me refiro principalmen- te ao processo de conservacio pelo qual a imagem de arquivo deteriorada é reproduzida para outra geracio, mas, an- tes, @ maneira pela qual recessos sombrios de arquivos fotogrificas esizo vindo 8 tona, € imagens de um passado imaginado sendo tazidas da escuridao para a luz, por projetos que enfatizam as possibilidades recuperati- vase forénsicas (metiforas médicas novamen- te) desta cultura material desenterada da heranga colonial e imperial da antropologia Tenho sugerido que assim que estes objetos, fotografias, imagens sejam trazi- “dos & superficie, que sejamos nés como espectadores ¢ intérpretes a determinar seu significado. Escuridao e profundidade, do mesmo modo que a auséncia criativa de luz na camara escura do fot6grafo, séo Metéforas vitais que introduzem um pla- no de presenga distinto das fraturas de superficie do presente, que € o tempo no qual sempre Lemos as fotografias: A ne PB epg 8 os Ha uma rachadura ali. Consiragao @ desconstrugao estado quebradas/ perfuuradas A linba de desintegra- 40, que ndo 6 reta, continua ou regillar (. ) (Derrida 1987.13) Em segundo lugar, se mesmo a conca- tenaco sintagmética nfo é, por fim, ne- ‘huma garantia de um significado contex- wal fixo, j4 que contexto é ume questo de treinamento, de estabelecer o contex- to do contexto, o sintagma do sintagma, a possibilidade atraente de usurpar comple- tamente qualquer tentativa de obter isto sugere-se por si propria a heterotopia sugerida por Foucault, na qual unidades de leitura liberadas por uma ruptura radi- cal do contexto “tradicional” alinham-se em disjungdes surreais (cf. Harkness 1983:4). A possibilidade destas associagbes he- terot6picas € encorajada e tem origem na crescente conjuncao da antropologia com a fotografia, 2 medida que suas antigas cerlezas ¢ hist6rias anteriores caem por terra. As primeiras histOrias paralelas da fotografia ¢ da antropologia foram faceis de demonstrar. O que também esti vindo @ tona € que tanto a fotografia quanto a antropologia esto descobrindo simulta- ‘ncamente suas pr6pias incerteza e impos- sibilidade. Do mesmo modo que a antsopo- logia esté descobrindo sua condicto de an- sropo grafia,® vm “visualismo" rerico (Fax bian 1983:106), a fotografia encontra-se no processo de descobrir que ela € uma foto- logia baseada na linguagem ov, mais corre- tamente, folo-gramdtica Na medida em que os tragados de suas trajetrias se aproximam, passa a exists, pela primeira vez, uma possi- bilidade de convergéncia criativa protqepravne Liter paper) Ein neo trio escape hind (ede acon papsas ne fede Febedy, “re Sw Sigh (Do ue pr sanyo ere. rte ‘te pe ro acs ta ong Eines compas ae" (nt Fey 30 » ter teiga ne ler sebenaro ee 1 atepegaie tatem vines do sel puedo since pene ee pant wen evident de. ene prsuee a ‘pesos vols ‘penton gee Bi pts pon Sp de pleat oene pal so eps pot Hise erin erty fers de Deis (Generel bso Agradecimentos Neste ensaio, surrupiei idéias reconhe- cidas ¢ no reconhecidas de Martin jay, Chris Wright, James G Faris, Peter Hoffen- berg, Timothy Yates € David Thomas. As idiotices sao todas minhas Referéncias bibliograficas dens a 1987 “Rete Aes sone thrial ‘onidratens” WA felon (el) Antvopoegy {Fame ASA 25" Londo Taito. Bale een 588. Anbopcogt ard ng apie Flnealrg. .R Kelagen (ed) arieplogl Flamating, Gus Harwoed Aexdenie an, Mala & Hil, Cc 566. ii atbpoegy Pheaphy and Fer of aga. Gare ae Probe teem Pres Bake; Se 195, The Hel of Comaaton Word and nage 104 16475 ur, Roland 1977 Image sc Tet Tans Hes onda: Fone 1964 (1800 Came Lucid: Recon on Phtgraphy “ams R Howard. Londen Fonna 198) “Te Photographie Mesage’_ In Snag i) Eafon Sled Ving: 196210" Lon: Fontana fsa ge man e190 Sle Grete ptcgapie sais New Yok New Yok acadenyl Scenes dia, ean 193 (1961). Snulacr ad Statins ‘er Yoke Semoexed Sep hn 1972 Ways! Seeing Hamordoort engin Bol, bea 1988, Weds onthe ere: Te peblen of the igus sgn be cea Seiten 721 790 oro, oep 1879. 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Jour of Anteopological Research 40 (1h 23-40 Notas 1 ne ox manent de po “opera gmc ‘apels get nents 9 tr emp de vlads gu be i, ‘ie ec pr orange pole ascot Fi sa inter eae Sepa imu eset Paltretele p ene pce pers oer i xin eum joven itd de Hespeymencres ftedinen ae" Seats eben erupt enti ome Dae ee caine a, abo pa lela wn cine qe poe apa en on poets Beg oo 8 toe pis ue "ee db cs tcp alge ety es ne or? ese (eis opti debt cna HEA) rhea 1907p atin ds precspgo 10 tp demi ion neal ny bude un ini Medes Cocrod arom pp Geta, ed de ar net Ute net nes fr ma tL) Lane oe tas edna mehclarde eel mee int, $e eer a dae ipincpl oes esr quar ih ‘Ton Philips absora que "a vids fi censord a five de snk dco Eh deeb er ns cage eamiboe? 198) er tien ifdef wr caso de se ‘Eintrag oma paride ie iat pe re Pe ae detatec gr fo aseomeor gone prs no sin de Ee pushers eg 981) il, ol 18 War and Cana Be gies of ocipten Loc Yess \onay Sinan 1987 “The nage othe Bay’. Fgwes ‘Cambridge: Cambridge Dakraom 7 Wooded ese 1987.80 Fal of Spi: Adena Tate nae, tnionPehenone Woodhead Lele 8 Sige, Ande 1988, Dipping i Tea and abo. oe oaree Wig 187. vale eas nepal pha fold nape tt a ‘ian oes Ueto Abstract “That the Histories of Anthropology 2s we would recognize it today and of photography have followed parallel courses is a simple proposition to demonstrate ‘That they also appear to detive their tepresentational power through neatly identical semiotic procedures requires, pethaps, 2 slightly more elaborate case to be made It is with the establishment ofthese two {elated propositions that this essay is, in the first instance, concerned ‘What the essay also seeks to do is sketch two apparently alternative interpretations of the histories of anthropology and photography wich make rather different sense of their narrati- ves ‘What is emerging is that both anthopology and photography are simultaneously discove- sing their own uncertainty and impossibility jus as anthropology is discovering its status as fanthropo-graphy", so photography Is in the process of discovering thet it is @ 'photo-grammar’ é get a Deeside RAEFYYYE As Figuras do Desconhecido* Sees aS nénima* Fotgafa retired do lr de Barnard Markt André oul, De corpetson magé Phtoropbies du x2 site, Parts, onirepott, 1986p 136 “Que fungao gramatical, psicologica, espiritual exerce um ‘nés’ que no é formado de ‘eus’ distintos? Quem fala quando n6s falamos, sem que algum eu fale? (Mary Balmary, citada por Marc-Alain Ouaknin, 1992 : 313). O leitor que consultar 0 catilogo da desta produglo fotografica que teve seu exposicao Identités, de Disdéri au photo- momento de gléria na segunda metade do ‘maton (1985) verd, no capitulo consagra- _sécvlo passado e a0 longo da qual se insi- do ao retrato-cartao de visita, uma colecao nua, tal como wma serrinha dissonante no * ees ex oasis Coma aprait ptap. pee ase pie (Tadeo eB SiC S a faves, Cine € Fe sa) 2 gut ve ps meet prea tate pode bet, sentonsw en fete spe arin (Ger 198082 Gr esis foto (pierniondioma Fone Isenge gurantee lait mouse pee Sie agra tase aes 002 tor fae eos hy, 5800. moter ‘ecole ea tater vide fae, ma sn de (ii agen free inrgreae ot ao press Grasmere (Cabin 1907 an meio de uma melodia, a repetigio da men- @o ‘anénimo’ j& que somente um tergo dos 128 reiratos mostrados se fazia acompanhar do name dos respectivos modelos CO anonimato resulta de um proceso de privagio, voluntério ou no, assumido ox forcado, uma vez que todo individuo pos- sui um nome desde seu nascimento. 0 ano- nimato nao é um dado, mas um vir @ ser torna-se andnimo qualquer um que se veja privado de seu nome. “Telfer, Corteylou, Nivet : poder-se- citar centenas de artistas de talen- 10, origindcios de todos os cantos do mundo ocidental e cujos nomes si por nés conhecidos gragas apenas ‘20s acasos curlosos da conservacio das fotos. Também existiam fotdgrafos andnimos e sujet nimos, mas ninguém permanecia intencionalmente no anonimato". (Maddow, 1982: 45) No caso presente, um fator especifico vem se juntar ao ja complexo mecanismo da anonimizacdo, tornando-o ainda mais misterioso : a perda da identidade é opera- da a partir de imagens que, em muitos ca- 505, tinham ilustrado essa identidade pela primeira vez Nao se deve esquecer, com efeito, que a metade do século XIX foi ‘marcada pela intrusfo, a vida cotidiana, dda propria imagem de um niimero crescen- te de pessoas. As classes mais abastadas nao estavam desfavorecidas nesse assunto, Todavid, a fotografia Ihes oferecia, mais do que uma renovaco do género retro, © acesso & “semelhanga” ? : “Eu constatei, escrevia Henri Fox Talbot, recorrendo apenas 2 esta ientela, que as preferéncias se situ- amna foto de familia Qual nao seria © valor, para nossa nobreza inglesa, de um tal documento sobre seus ancestrais que viveram hé um sécu- lo, Como esti reduzida a parte da ga- levia de retratos de familia na qual eles podem confiat’.(citado por Jean- ‘Claude Gautrand, 1990 :77), Para as classes modestas, 2 novidade foi diferente; radical, se pensarmos na ra- ridade da presence de espelhos nos interio- res das residéncias *O burbeito, requentemente, € 0 tni- co. possuir um para barbear € pen- tear os homens. Os espelhos $6 co- megam a enfeitar as paredes no final do século XIX, inicio do século XX Nos melas populares, a descoberta, ‘no quotidiano, de seus prOprios r0s- tos € contemporinea da democrati- zagao do rosto que permitiu a foto. gratia” (Le Breton, 1992: 40-41; of igualmente Corbin, 1987 : 421 ¢ seg). Minha interrogac#o inicial € a seguinte: como esses retratos fotogréficos, primeiras imagens de identidade, chegaram a0 pon- to de nao atestar mais nada em matéria de identidade? Tal resultado se revela mais estranho se considerarmos que a época hist6rica reservava aquela forma de repre- sentacto As classes burguesas, as fracdes ascendentes da sociedade. Impossivel ima- ginar esses retratos sem nome, uma vez que eles eram exatamente de modelos que pos- suiam, traziam ou se revestiam de um nome? A pose felta no atelier do famoso Disdéri nfo tinha outro objetivo que no 0 de consagré-los como homens de renome Em “re-nome”, o prefixo diz claramente: trata-se de dobrar o nome para melhor glorificé-lo A partir de entao, nada parece mais antindmico com a consagragao social do que o anonimato. Excegao disso poderia ser a suposicao de que, sob 0 efeito da passagem do tempo, esses retratos - quantos certamente contendo os nomes dos modelos - 1 “caido" no esquecimento e que nao teriamos mais condigoes de Ihes conceder © atributo a que foram destinados celebrar : o nome de seus modelos. A Perda da Identidade As primeiras paginas que o historiador americano Ben Maddow (1982) consagrou 20 retrato fotografico estio repletas de le- gendas lacunirias, o que maior realce da 20 Iriplice mistério que cerca hoje os cli- chés que restaram dos primeiros tempos da invengio: de seu autor, de seu mode- lo (cu pessoa retratada) e o de sua data Eis algumas legendas, a titulo de exem- plo: “Fot6grafo desconhecido, sem titu- lo, nao datado"; “Fotdgrafo desconheci- do, sem titulo, por volta de 1846"; “Wi lliam Telfer, Femme au bonnet mauve, por volta de 1848"; “Car! Ferdinand Stelz- ner, Daguerre6tipo de uma familia nao idemtificada, no datado"; “Henry Fox Talbot, Groupe a Lacock Abbey, nao datado, cal6tipo" A medida que o tempo passa, as datas se tornam mals precisas e os nomes dos autores se afirmam. Primeiro, por se tatar de fotégrafos cujas obras permaneceram entre n6s. Segundo, porque esta posterida- de € exatamente o mecanismo histérico (os “curiosos acasos da conservagio de fotos") que nos faz consideré-los presentemente como autores. Um dos exemplos mais faro- 08 desses acontecimentos aleat6rios da pos- teridade atistica € aquele de Eugene Atget, “descoberto” em 1925, 20s 68 anos (e viria a ‘morrer dois anos mais tarde), gracas 2 seu vizinho da rua Campagne Premire, Man Ray, e aassistente deste titimo, a fot6prafa ameri- cana Berenice Abott que consagrou, desde ‘ent, um grande esforgo para fazer com que ele se tornasse conhecido; publicou em 1930, simultaneamente em Paris e Nova York, um livro prefaciado por Mac Orlan : Atget, photo- graphe de Paris Suas fotos “devem o conceito de que gozam, sua propria existéncia - pois a ge- latina sobre as placas de vidro se resseca ¢ descasca com o tempo - a seu trabalho, a sua devogao" (Maddow, 1982 : 2479. ‘A questio que se coloca é saber porque a identidade dos modelos nio resist & ag0 do tempo melhor que 2 gelatina. Inicial- ‘mente, uma pergunta: como € indicado, hoje, seu esquecimento, quando essas pessoas serviram de modelo para fotos de autores reconhecidos? Taisinterrogacées poderao ser aplicadas & pintura da mesma época na mé- dida em que, para muitos dos pioneiros da Jmagem fixa, o ato de fazer uma foto estava ‘no mesmo patamnar da realizago da pintura de quadros, quando no se limitava a thes servir de estigio preparatério' Além disso, © retrato fotografico € tibutirio da historia mais que milenar do retrato pintado. Quando um daguerrestipo ou um cal6- tipo compde o retrato de uma pessoa da “0s mes fons. 0 (Racine. FiSdons edo ‘baccarat reo laapaen Suds pr Gubin veh citer Saat Perit of Geergt, ating 505 Suede com rts em rin ‘alameda ‘lee rand. menage et cae foapes, Sader eco peng ‘arated mei hog dation er Mecrenahir, cece 1856 Nes * pain 000 por crnplg doe ‘Sicche pe Ie juee dn Beto ‘pea ep itaparchete ne elo meno dts Sie vsee hs Proce pas fender Sposa gene ‘apis vo Seo de ‘i deg rt Shas ‘oo 19) Noe fecgonor ett to nos cn toe Ages aoe {amo ait Po cece 3 Fewest Eee Oe rp” ‘is eueeta oe sede Une (eae ste dnc ooaea Tonio 0 pis seen 55) eo pn om 19k aparece eden ct sericea ap {a Roan Sa at eonseoio peace ot 2 ‘eee pre odiieaelaco ‘Seeemeral daly Retnicaasu boo ooauecnere poi aloge ie Spare fo lie an 18 1339, lado om 1983p oct seoqucrtnie dt (eoyats one © secrdociedeon ype eno "se te igatneteo ch hol “omen Sets tgln pot alta sociedade, Ben Maddow (ou os con- servadores das colegles por ele solicita- das) revela a ignorincia da sua identida- de através de termos que vaduzem sim- plesmente o estatuto social (Lady? ou que exprimem 0 mistério (Unidentified man le- aning on chair, Unidentified woman) Como se, imortalizada por uma assinatura que se tornou célebre, a fisionomia aber- tamente aristocrética ov burguesa do in- dividuo representado obrigasse a reconhe- cer que a incapacidade de nomeé-lo con- fina a falta de gosto retrospectiva. Encon- tra-se a mesma preocupacao de nao mas- carar seu desconhecimento no catdlogo dos calétipos de dois fot6grafos escoce ses, David Octavius Hill e Robert Adam- son (Stevenson, 1981), que sero tratados mais adiante: 12% das figuras masculinas, todas burguesas, de um total recenseado de cerca de 1300, € 18 % das figuras de mulheres, de um total de quase 300, esta- vam repertoriadas como “unknown Tais escriipulos de exatidio documental sto pouco encontrados na Franga, onde um modelo feminino de Etienne Garjat se torna uma simples jeune Femme se ela nao estiver compreendida entre as artis- tas conhecidas que ele fotografou (Regar- ds sur la photographie, 1980 : foto 37); outro exemplo € 0 de uma familia bur guesa fotografada por Désirée F Millet, nada mais do que um simples Couple et enfant (ibidem: foto 103) Os pioneiros do retrato fotografico pa- reciam estas, antes de qualquer coisa, fas- cinados pelo aperfeigoamento técnico, 20 que dedicavam todos 0s esforgos, subordi- nando a isso a contribuigao de seus mode- Jos. Tanto que as primeiras reproduces sa- lisfat6rias que eles conseguiram obter de um rosto no representaram afinal para eles um retrato semelhante & pessoa, mas sim ‘uma etapa significativa do desenvolvimen- to do aparetho “Atentos 2 l6gica do conhecimen- to, movidos pela vontade de pene- tear a ordem da matéria e de se apropriar dos mecanismos comple- xos da formacio de imagens, eles chegavam a esquecer os reirataclos. Estes Gltimos eram, alias com justi- ‘¢a, mencionados com algumas pa- lavras nos comentarios, nas notas © comunicagdes diversas em que essas fotografias exam abordadas. ‘As identidades dos familiares pré xlmos, também fotografados - es- posa, ima, irmo, fillho ov outro parente - ficaram como que perdi das de vista no cipoal da pesquisa cientifica* (Mary,1993 : 27) Uma vez que o renome histérico do ope- rador da fotografia limitou o interesse dos colecionadores aos clichés que levassem a assinatura do autor, os modelos s6 viam suas identidades preservadas em deconncia de lagos pessoals com o foi6grafo, Assim, 0 re- ‘rato de Mira Dumoutier esti titulado pelo {ato de ser cunhada do fot6grafo (Belle Soeur duphotograpbe), uma vez que esse nome 10 nos diria muita coisa por si mesmo, atraidos «que ficamos pela figura do autor, a ponto de estendermos sua aura a todos os que o cer cam, como se o rosto de Mira Dumoutier pu- esse nos dizer algo sobre Antoine-Samuel ‘Adam Salomon, limitando seu uso a isso (ibi- dem : foto 2 ¥ Alls, a mengio de um nome préprio continua na dependéncia da natureza do interesse atribuido @ imagem. Interesse que é guiado pela tendéncia a uma estéti- ca fotogrdfica em que a personalidade dos modelos se apaga sob uma denominacio de inspiragao iconogréfica: uma reunizio de amigos sentados na grama diante da casa de Henry Fox Talbot se encontra re- duzida 4 menga0 Ur Groupe a Lacok Ab- bey, da mesma forma que, anos mais tar- de, um quadro famoso recebera o nome de Déjeuner sur l'berbe" Por outro lado, basta que a imagem seja perscrutada por um olho documental para que ressorjam, senfio os nomes dos modelos, pelo me- ‘nos algumas hipéteses a respeito: “Os personagens que aparecem nessa imagem nao sio conhecidos; provavelmente so membros da fa- milia de Fox Talbot, escreve Gor don Winter sob um calétipo de Tal- bot intitulado Un couple @ table a Lacok Abbey, Willshire, 1844. A se julgar pelas fisionomias, bem que poderiam ser Robert Browning e Elizabeth Barrett” (Winter, 1978 : aye Frangoise Heilbrun, redatora do catilo- 0 da exposicio consagrada a Charles Negre em 1980, se interroga nos seguin- tes termos: * Quem foram os modelos de Char- les Négre? Todos permanecem des- ‘onhecidos para nés, exceto seus fa- miliares, 0 escultor Préault, a atriz Rachel e seus colegas do atelier de Delaroche, o pintor Yvon, Henti Le Secq, com quem ele trabalhou e que aparece inimeras vezes em suas fo- toprafias “de genero”, etalvez Gus- pen dscns tave Le Gray (..) Por auséncia de fontes, torna-se dificil idemtificar os retratos conservados - quem sabe 4 figura do misterioso fot6grafo Bal- ddus, sem divida amigo de Charles Négre, no estaria escondida entre ‘05 numerosos retratos masculinos do autor? - nem daqueles caja enco- menda é bem documentada como no caso de Ernest Lacan (.), reda- tor-chefe do jornal La Lumiere, ¢ que gostariamos tanto de ver seu rosto sob o nome que aparece fre- giientemente na critica fotografica E 0 caso, também, do economista Frédéric Passy (..)e de sua familia, fotografados por Negre em 1864. Se seus modelos permanecem anéni- mos (nota: o retrato masculino que J. Borcoman (...) acredita ser de ‘Maxime Du Camps nfo pode ser de Maxime Du Camps, pois ela tinha ‘uma postura muito mais elegante ¢ arrogante. Cf o retrato de Maxime Du Camps feito por Nadar..)}, pelo menos Negre conseguiv nos dar vontade de conhecé-los, o que nao 6 frequiente no retrato fotografico do sécutlo XIX (Charles Negre, photo- grapbe, 1980: 96-97 - grifos meus) Os Grandes Modelos Voltemos ao retrato de Mira Dumoutier, feito por Antoine-Samuel Adam-Salomon, a fim de nos determos no comentirio de Bernard Marbot :* através da arte do fot6- srafo, essa figura bastante comum passa a se sitar no mesmo patamar das grandes ° heey fe Taba lego io stina fpf pl eden lng op (eal de ca aie em mat fe revo by Ioatazeso * sieiniagtoen pa, a tabs os Eigedeiplree ‘olen # cee Shee " EvinPnity fo paoas (eo pinpets e pr datemada feat wens So dreaes ee ‘ods Ase, tka dane scesiooceriie {iar sets Wepre ne i i tum aver puntos ne I coparmer fad de eset Ianega vajedo pr caterewe ce eaneinore ies prea t (paler ao open Tp dd ot Matin quest ‘compton rir (ta em ota ‘eon une Wh fs oedecnam {ts Dick Aebone ens aro (emapey oul ‘ea oe ne. evden eat Dk oe ted irs rossi fae decomp fees taie So Webi Wee fevered ‘Bdoem utero. waka the sta damas pintadas por Van Dick*. Esta ob- servagao me parece reveladora do mece- nismo hist6rico pelo qual se perde a iden- tidade dos modelos. ‘As “grandes damas” que pintava Van Dick exam princesas “cujo estatuto social esmagava de sua altura o pintor pago para colocar seu talento & servigo de sua glé- tia’. Se projetarmos sobre Van Dick uma concepcao unificadora da arte (ocidental) = que o elevou entre os maiores mestres da pintura de todos os tempos - veremos que essa no era 2 importancia dada ao artista em sua época Se bem que a mar- quesa Elena Grimaldi Cattaneo ou Lady ‘Ann Carr de Bedford considerassem que 0 valor do retrato que o pintor faria delas estaria no fato de que ele as representaria mais belas e interessantes € 56 0 aceitari- am nessa condi¢ao” Observemos de passagem que, em ma- teria de retrato fotogrdfico, a referéncia a Van Dick € to freqiiente quanto a evo- cagao de Rembrandt nas criticas ou entre 0s fotdgrafos da época Assim, Frances Benjamin Johnston, artista americana do final do século, considerava que se devia “procurar inspirago entre mestres como Rembrandt, Van Dick, sir Joshua Reynol- ds, Romney e Gainsbourg mais do que entre os compiladores de formulas quimi- cas” (citado por Maddow, 1982 : 280). Quanto a Ben Maddow, ele nao hesita em comparar a fotografia de Paul Strand & arte “suprema” do retrato que se pode ver no Sltimo Rembrandt (ibidem: 300) Expres- sando-se dessa maneira, o critico parece ter esquecido @ acusacio que ele mesmo tinha feito a tendéncia “pictorialista” da fotografia dessa Epoca, a qual confundi- tia ‘metodo € objetivo pesquisado: a fi- nalidade era fazer da fotografia uma arte respeitada e independente; ora, 0 méto- do consistiu em imitar uma arte respeité- vel” (ibidem: 225). O critico tem todo 0 interesse em mosisar que as imagens em que ele 6 especialista atingem o mais ele- vado nivel atistico, e que elas obedecem, no caso em questo, 20s cinones consa- grados da pintura Transfigurar uma “fi- gura bastante comum” em uma “grande dama pintada por Van Dick” revela toda a alquimia de uma operaczo critica, visan- do a uma dupla revalorizacao simbélica: 2 da posigao social do modelo € a do es- tatuto artistico da fotografia que a repre- senta, ambas marcadas por sua mediocri- dade original ‘A fotografia sofreu durante muito tem- po a violéncia do arbitrio aristocratico, a se julgar por uma contends acontecida em 1903 em Nova York entre um jovem fot6- grafo e um magnate da indistia. Edward Steichen (que viria a ser um dos grandes rnomes da pintura americana) tinha 24 anos nessa época ¢ realmente fotografou o ban- queiro J. Pierpoint Morgan & guisa de es- tudo para o quadro que seria pintado por seu amigo Fedor Enke. A rapidez da pose (apenas tés minutos) encantou Morgan que Ihe dev, entio, 500 délares'de gratificacao Steichen s6 havia tirado dois clichés, um para sev cliente e outro reservado para seu ‘uso pessoal. No primeiso, o fot6grafo reto- cou 0 melhor que péde o nariz do milio- nario, que alids era enorme e escrofuloso; no segundo, ele apagou somente as espi- nnhas da pele, que tinham um aspecto re- pugnante Ele mostrou uma prova de cada cliché 2 Morgan, que encomendou doze do primeiro, rasgando o segundo em pedagos Este gesto wanstornou tanto 0 fotdgrafo que ele resolveu fazer uma ampliagio do ne- gativo que estava em seu poder, tabalhan- do nele de forma a expressar toda a raiva gue Ihe inspirava o velho pirata - fato ra- rissimo na hist6ria do retrato fotografico” (ibidem: 209 € Homberger, 1992: 116-119, conde a piada € contada mais detalhadamen- te, sendo mostrado o retrato) £ certo que, ao introduzir uma logica de massa na representagao dos individu- 08, - eles préprios originarios cada vez mais freqientemente das classes burgue- sas e menos diferenciados socialmente dos fotdgrafos que faziam seus retratos - a fo- tografia promoveu o nascimento de uma vasta produgio de imagens, em torno da qual foi agugada a concorréncia entre os que encomendavam as fotos e os autores delas: os primeiros incorporavam seus re- tratos a uma l6gica de afirmacao pessoal na sociedade, enquanto que os segundos tentavam converter esse crédito social em crédito comercial ou mesmo artistico” O conflito entre Morgan e Steichen € revela- dor da intensidade atingida pelo afronta- mento de um burgués cioso de sua ima- gem e um jovem artista cioso de seu ta- lento. £ provavel que nenhum grande se- ‘thor chegasse a ponto de rasgar a tela de seu préprio retrato: ele pensarla no valor a ser pago para tentar modificé-lo a tem- po ou dispensaria antes o artista lids, fo o que fez Morgan: supés que a legisla- (40 entio em vigor nos Estados Unidos fosse a mesma que na Franga - 08 retratos fotograficos sealizados a pedido do pin~ tor, com vistas 3 realizagao de um qua- dro, eram de propriedade exclusiva do Pintor, considerado como o tinico autor Gauvel, 1897: 20 Santini, por volta de i de Onetects 1900: 99-103). Esse quadro juridico explica porque Morgan deixou com Enke apenas uma {gatificaco, embora elevada, para ser enire- guea Steichen. Morgan considerava que, ras- gando uma das provas fotogrificas mostra- das por Steichen, estaria destruindo para sem- pre tal imagem Ora, na virada do século, em Nova York como em outros lugares, 2 foto- grafia, usando de suas potencialidades de re- produgio, jétinha escapado a exclusividade da relaglo entve o autor e seu modelo, pres- tando-se acutescrculagbes ea outros uss, Ne- num pintor podera oonservar a exata matiz de um retato; quando muito, ele teria guardado os esbogos Enquanto que os fet6prafos rapidamente viram reconhecdo o dreio de conserva onega- tivo original e, gracas ale, o direlio de reproduzir 2 imagem, inclusive quando esta se enoontrava entre as que o diente no tinha aprovado. (Sax- vel 1897: 30) O prosseguimento do caso, ais, & bas- tante revelador da mudanga da relacdo entre 0 fot6grafo quase artista ¢ seu clien- te-modelo. Steichen logo expés seu retra- to de Morgan na galeria de Alfred Stie- glitz, que representava a vanguarda da arte-fotogrdfica. Imediatamente Morgan ofereceu 5000 délares para ter o retrato, mas em vao. Foram necessarios anos de contatos e telegramas insistentes antes que Steichen se decidisse a enviar-lhe algu- mas tiragens (Homberger,1992: 118) Em 21 de agosto de 1920, Edward Wes- ton (outra celebridade da fotografia ameri- cana) respondia, nos seguintes termos, a um cliente descontente com seu retrato: “antes de terminar 2 sesso, 0 se- nhor jé tinha tido 2 possibilidade de compreender meu trabalho tej ptl Tee po Did “dor orbs sot nave de ewbonnoe semopigise rerater"tsap0e al tio sions 2 Fenese ene fal Sayin see pec 1. leona me: Sho de goal 20 So unt ea 0 eho me spe ae reve vanes Tr poe chan Meyer wee ses weeeponate db ‘Saplta eo mon es epee Sum dares Soe gee ease igen Senin deste te poperiacn Sellars Ge ens fo fees (37% (pote e De prac ue ieee cage ce (po se ee on 90, [so Suas reclamagoes de que “o rosto est muito na sombra’, bem como a “falta de enquadramento da ima gem” séo evidentemente sem fun- damento. Se tivesse vindo me ver trabalhas, o senhor teria percebi- do que meus modelos esto dis- postos em qualquer lugar - € que poderia cortar um pedaco de suas cabecas se achasse necessirio; de fato, 0 senhor 05 encontrard situ- ados por todo lado, menos no cen- tro, pois nem sempre este é 0 que ha de melhor No que se refere 2 tinta, o senhor os veria de tal for- ma na sombra que eles teriam todo um lado do sosto encoberto, de mancira 2 reduzir 08 olhos 2 dois pontos de sombra Tudo isso é para provar, se tal € possivel, que seus argumentos sao apenas 0 re- flexo de seu desconhecimento” (carta citada por Ben Maddow, 1982: 416 ).> ‘Alguns anos mais tarde, insialado em Carmel (Calif6rnia), 0 mesmo Wesion vi- via da elaboragao de retratos de turistas, a quem cle pedia uma assinatura em que aprovavam previamente que “ficava en- tendido que as provas fotograficas sero finalizadas segundo a minha apreciacao pessoal” (ibidem: 422). Assim é que, pou- co a pouco, para alguns fotdgrafos que ti vveram sucesso, fismando seu nome como autores (os tinicos que interessam para 2 hist6ria da ante), o cliente se torna aquele que “faz valer” sua arte, para ela trazendo seus tragos € a pose, tal qual o modelo de ‘um pintor, abdicando, por assim dizer, da entrada no jogo da identidade pessoal que fazia obsticulo 2 autoridade do autor so: bre a imagem Nesse face a face, o fot6- grafo jogava a consagragio artistica de seu ‘nome contra a notoriedade social de seus dlientes. Nessa linha de raciocinio, mes- ‘mo um grande burgués podia se encon- trar no anonimato (encontraremos magei- ficos exemplos na galeria de retratos de ‘Auguste Sander) Um Género Teatral Os modelos dos cartoes-retrato, fre- qientemente reputados como perten- centes 20 mundo do espeticulo - ato- res, atrizes, diretores, prestidigitadores ov “fendmenos" - representam 20 dos 37 expostos no catélogo Identités.¥ Pro- vavelmente eram aqueles cujo sucesso social passava mais expressamente pela conslituicio € imposi¢ao de um nome - aliés, geralmente, um pseudénimo, ov seja, um nome de representagao. Res- tam-nos deles, além da imagem, este nome jogado sobre a identidade pes- soal como se fosse uma mascara flutu- ante Além disso, seu sentido de espe- taculo entrava em sintonia com 0 gosto do fotdgrafo pela encenagao, fazendo desses retratos grande atragio para os admiradores de hoje (Sagne,1981). Nes- te plano, do exibicionismo, os comedi- antes (travestidos, embora pessoas ou fisionomias conhecidas, *perso-nalida- des"), exibidos sob um mesmo nome de cena como tantos outros artificios, ti nham muito mais chances de permane- cer em nossa meméria com 2 identida- de artistica do que esses corpos exibi- dos por pessoas de circo ou os mons- tos apresentados nas festas piblicas - mais facilmente reduzidos a0 esplendor de seus misculos ou a deformidade de sua anatomia. Dentre esses tltimos, so- mente uma ou ovtra celebridade inter- nacional conseguiu salvar alguns do anonimato”. Pelo viés dessas * atrag6es” - cujos no- mes eram Barnum, Tom Pouce ov Millies Sisters, mas que eram mais conhecidos pelo tipo de monstruosidade que apresen- tavam, como o Géant chinois, Deux bo- xeurs nains ou Géant et Lilliputien - desli- zaremos na diregio das fotos de “géne- 10°; parece ai evidente que as pessoas re- presentadas no tiveram acesso a uma identidade nominativa, todos reduzidos a encarnar um tipo ou uma amostra das cu- tiosidades humanas Como este tocador de drgio que deve ser visto hoje na foto- srafia 56 pelo fato de ter inspirado 0 qua- dro de um tocador de érgio". Trago invo- lontério de um trabalho preparatério, 0 cliché nos restitui o original do modelo, da mesma forma que essas provas foto- gréficas de homens € mulheres nus fixa- am rostos singulares e reais em anatomi- as que estavam destinadas a figurar so- mente como corpos. A titulo de exemplo, Ben Maddow seproduz em seu livro duas fotos da mesma mulher, uma em que ela std vestida e outra em que aparece nua (Maddow, 1982: 210-211) A primeira foro esta acompanhada da legenda nominativa (Portrait de Miss Cushing), enquanto que 2 segunda traz o titulo que talvez o tenha inspirado: Nu Assis Como 2 semelhanga dos dois rostos nao € evidente, necessita- mos da garamtia do autor para saber que “como nos dois retratos de Maja pintados 1 Fu de cana por Goya, 0 fot6grafo (no caso Frank Ev- gene) nos apresenta dois aspectos de uma ‘mesma pessoa"; um quadro identifica en- quanto 0 outro nega sua individvalidade Seria Miss Cushing uma cliente ou um modelo? De uma maneira geral, que trun- fos eram necessirios 20s modelos, para que suas identidades sobrevivessem para além das composigdes feitas a partir de- es? Como se explica - apenas um ovtro exemplo - que nas fotos de Francesco Pa- ‘olo Michetti (1851 - 1929), um pintor itali- ano que acabou abandonando a pintura em favor da fotografia, as pessoas que po- savam para ele estejam tio reduzidas a um simples emprego (Modéle posant, por volta de 1896 ) ou a uma finalidade picto- rial (Etude de Nu), quanto restituidas de sua identidade pessoal (Modéle Isabella, 1878-86) € Annunziata et Sandro Michetti posant pour Voffrande(1896), (Venezia’79, 1979: 20-31 Qualquer que seja a razlo, € certo que a relagio do modelo com o pintor bebe na fonte da ambigiiidade. Assim, Arlety teria posado nua para Kisling, mas nao sem an- tes ter exigido que ele lhe pintasse com um outro rosto. O artista, que afirmava jamais ter visto um corpo to belo quanto o dela, ‘concordou com 2s condigbes de seu modelo, ‘ouja fama superou a sua propria. Sabe-se hoje em dia que seus nus represeniam Arlety, ape- sar da miscara langada sobre o pudor da atriz “E certo que eu sempre me inter- rogava quem seria aquela mulher que tinha posado durante horas e horas, dias € dias, com as coxas separadas uma da outra, enquanto na tela € em cores sua carne pene- travel se convertia em sensagio "nce de peso sie 900 fame rover ‘open, ones phebiace snes 0 hs aprvetdas Drei anit {etd edugr nora tess 1385. 2336 tn dine "pepo nl fo gue 20 ra casters Nolo va ‘eandos magn Big et a Iaem in chew ae, 128. tee spt ee dere Seaioe nasa fideesreoerde are mos ins ‘hates ye sta srgoe tt che ee se capa fevers arena gnrape ‘Eeoe eas a otsieeod et Tieden dst. ft Tenn pe Soiree one econ on psie ae eee Bespin de ot debe (oat ir doe Soon onto de (oss Caw (ode reir wee Irogenedipern, fear or geese de oc By, a east ersie de igendaf ra. ndrcategu le imortal (trata-se do quadro Origine du munde, pintado por Gustave Courbet). Quanto a esse ponto es- sencial, 08 organizadores da expo- sigao fizeram bem o sev trabalho. Era indicado o provavel nome ver- dadeizo da Mulher sem Cabega da pintura (.) Joanna Heffernan. A Bela Irlandesa. Eu no estava des- contente com esta confirmagio Alias, por que razio esconder? Quaisquer que sejam os pretextos estéticos ou tedricos, € sempre para esse tipo de questo que a atencio primeira se volta, quando nos de- frontamos com a ude pintada (). Temos que saber que antes de ser uma mulher nua, um quadro é ‘uma superficie plana recoberta de cores reunidas em uma certa or dem, nada a fazer, no se pode es- capar da contestacio. Ou melhor, a negaglo, para ser mais exato, uma negacao to ingénua quanto mara- vilhada. (..) Antes de ser um Bon- nard, € Marthe, antes de ser um Rembrandt € Hendrickje ov uma outra, E dez outros ainda E cem ovtros. Presentes. Atuais’ (Mu- ray,1991: 40)". As Fotos de Género “David Octavius Hill era um pintor habilidoso, mas de talento medio- cre, que se tornou um observador agudo ¢ excelente fotdgrafo; ele realizou mais de 1500 retratos, @ maior parte de celebridades de Edimburgo que hoje sio obscu- ras, Ele e Adamson, para respei- lar a tradigao de temas favoritos da pintura do inicio do século XIX, freqientavam aldeias de pescadores para fotografar mu- Iheres e criangas das classes po- pulares* (Maddow, 1982 : 62). ‘Algumas dessas fotos provocaram gran- de sensagio na época, sendo acompanha- das desde entdo por legendas como aque- las que denominavam as pinturas: La visi- te du pasteur, Réverie Amoureuse ov ainda La Leltre(Stevenson, 1981: 196-199 ) E necessério que se diga que as cenas de género representavam mais freqiente- mente os meios populares (Le pelit mar- chand d herbes, Le joucur de vielle, Le men- diant, Jeune Gargon (retrato de um garo- to pobre), Brelonne d bord, Les peintres au travail, Vieille paysanne, Jeune Fille (no campo), Le semeur, homme a la carabi- ne, Enfants jouant, Buveurs, Homme au ebapeau de paille, Femme 2 la cruche, Ser- vante @ la tasse, Joune insurgé, Colleur @affiche) ov temas exsticos (Le Calabrais, Pifferari, Une partie d’échecs en Algérie, Deux Arlésiennes dans le clottre de Saint- Trophime, Jeune femme nouba), do que representantes de classes médias ou bur- guesas (Jeune femme iricotant dans un sa- lon, Abbé égrenant un chapelel, Jeune co- Hégien, Homme a 'écritoire, Femme assi- se au chéle, Femme se coiffant, Jeune Gar- gon au papillon, Homme dans son cabinet de travail lisant une letire)™ “O titulo precisa o nivel social; assi- nalamos que os numerosos retratos ‘mundanos do periodo entre as duas grandes guerras, apresentados no Saléo de pintura, abundantemente reproduzidos em Ilustrations, iden- tificam com precisdo o modelo (...), que se vé valorizado dentro de cer to grupo social suscetivel de se olhar através de um suporte medi- ftico. Ainda que especificando a ca- tegoria “lavadeira-tricoteira-pastora de cabras’, o artista nega a exis- téncia individual, Tais titulos sig- nificam, pois, a inscrigao em um estado e 2 negacao de uma identi- dade prépria. A imagem € porta- dora das intengbes do artista em fi- xara mulher & sua terra, em uma dada condiglo € de torné-la ané- nima Desde que 0 nome ou 0 so- brenome aparegam, o individuo existe; esta forma o aproxima do heréi ou do heroismo* (Bernard, Guillemin, 1990: 56) Ben Maddow nos da um significativo cexemplo de um fot6prafo inglés, Frank Meadow Sutcliffe (1853-1941), cuja selagdo com seus modelos tinha mais consisténcia humana do ‘que a habitual sem perder 0 mesme tipo de fotos e de legendas de composicao Ele se instalou em Whitby, pequeno porto de pesca ao note de Yorkshire, freqientado por t- ristas na estagio quente: durante toda a es- ‘ago, fotografava os veranistas em seu es- tédio e os pescadores fora dele “Ble se especializou na fotografia de género: descrevia cenas da vida co- tidiana, situando-se numa tradigao antstica que remonta a Bruegel. A maior parte dos titulos que dev as, suas obras possuem a jovialidade esperada desse genero: Austere A be Gnd Réalité (doze garotos de costas in- clinados num parapeito), L'Heure du diner (agricultor mostrando seu rel6gio); Rais d'eau (criangas nvas brrincando em um porto) que fize- ram sensacZo na Inglaterra dos anos 1880" (Maddow, 1982: 183). Todavia, Ben Maddow, preacupado em demonstrar sua simpatia pelo autor, nos precisa que “ele conhecia todas essas pes- $0a8 por seus nomes”, o que nao impediu que Sutcliffe, ao assinar as provas fotogra- ficas, as inttulasse conforme categorias pré- estabelecidas das imagens de género, usan- do um vocabulério que expressava mais a geografia do que o estado civil. Saberemos tudo do lugar (Tommy Baxter Street, Robin's Hood Bay, Whithy, England) ov dos sorrisos que inspiraram as relagdes entre seus modelos ¢ o cenario (Bermiques, dewx ‘gamines de Whitby pieds nus, sentades num rochedo) mas nada das pessoas individualmente. © quadro de género, mesmo fotogréfico, nto se importava com isso ‘Tomando por base a documentacto apresentada por Sara Stevenson (1981), David Octavius Hill e seu amigo Robert Adamsom também conheciam pessoalmen- te a majoria dos moradores de New Ha- ven, para os quais eles realizaram muitos retralos sob encomenda Em outras cir- constancias, os moradores também posa- vam, freqientemente em grupos, prova- velmente para estudos de projetos de qua- ros: 08 clientes, pessoas que se torna- ‘vam modelos, perdiam pelo voluntarismo da pose sua identidade pessoal (o que € possivel de se recuperar, confrontando estas cenas aos retratos individuais). Esta relativa indistingao, de um calétipo a ov- > poetic Srespeinenges ‘poentd "te ex nalentigues toa eodeie otniginer Ine de ew rtrd i ‘Geil deberaton tote geet tae dere ‘edecrbesto en mec obo onlnad sb 4 Se intens pees sovons tose {peered ae ‘ot nai. seeinae Homie de be Giles hr on ag 00 O+ ‘nde apis Sem ages ta paras ue gen= tele Taegarepoou mt Ector pr ites saedo feces leo, entre os clientes que solicitavam seu retrato - James Linton, piloto, posando diante de um bacco; Hugh Miller, artesto, seu ‘guarda-p6 jogado sobre a mesa de trabalho = € 05 aldedes, freqiientemente os mes- mos que se prestam 2s encenagdes dos dois fordgrafos (quein sabe em troca de uum retrato em boa forma), abre a porta para uma banelizagao do conjunto dessas imagens, que a historia da fotografia rete ve como uma das primeiras reportagens; talvez a primeira sobre o cotidiano de um porto de pesca. Banalizagio que passa explicitamente pela anonimiza- gao dos personagens representados, reduzidos subitemente 2 imagem de uma profissio (Pilole de New Haven), de um gesto de trabalho (La prépara- tion du filet) ou de um elo doméstico ou social (Femme de pécheui) *( .) David Octavius Hill, retratista in- glés estimado, pintou, em 1843, um afres- co representando o sinodo da Igreja es- cocesa a partir de uma série de clichés que ele proprio realizava E aqueles que para ele eram somente simples avxiliares de estudo, destinados o uso interno, sem nenhuma pretensio, conservaram muito mais 0 seu nome que suas pinturas hoje esquecidas. Sem divida, alguns estudos fotogrdficos de imagens anénimias de ho- mens marcaram mais profundamente a nova técnica do que a série desses retra- tos. A pintura conhecia de longa data fi guras desse género Tanto que os quadros ficavam com as familias, interrogava-se quem eram os modelos. Mas, com o pas- sar de duas ov tés geragdes, ninguém _mais se interessava por elas: por mais que durem, as imagens 36 vivem enquanto tes- temunhas da arte daquele que 2s pintov Com a fotografia, contudo, assiste-se a algo de novo e singular: no olhar da pescado- ra de New Haven hi um misto de pudor e sedugio, hd algo que nao pode ser redu- zido 20 testemunho da arte do fot6grafo Hill, algo que no pode ser reduzido 20 siléncio e que reclama com insisténcia 0 nome daquela mulher que viveu l4, que ainda € real e que jamais existira somente dentro da idéia de arte’. (Benjamin, 1983: 151-152). © mais chocante, neste mecanismo discricionario da meméria, € que ela permanece sempre em suspenso porque pertence ao proceso mesmo de elabo- racao da historia da arte, Cada nova pu- blicag2o de uma ou outra imagem é re- ailva. De fato, apesar das numerosas fonies documentais acessiveis, consta- ta-se que cada autor legenda & sua pré- pria maneira as fotos que reproduz em seu livro. Em outros termos, a perda de identidade pela qual um individuo par- ticular se torna, aos olhos do critico ov do historiador de arte, um simples mode- Jo que empresta seus tracos 2 imagem nascida da imaginag3o do artista fotogré- fico, essa anonimizagdo que transforma ‘um retrato em cena de género ou, mais raramente ainda, retomando a expressio de Malraux, o duque de ‘Olivares em um quadro de Velasquez (citado por Daniel Bécourt, 1969: 10), esta sujeita a se repe- tira todo momento - € isto tanto mais sis- tematicamente quanto o autor ambicione mais fortemente afirmar a natureza artist- ca da fotografia, apagando os tragos do real do qual, no entanto, ela nao pode se desfazer completamente Para se impor como arte, a fotografia tem a necessida- de imperiosa de modelos andnimos™ “Na fotografia antiga, nos daguer- re6tipos, nos retratos-cartdes, eu procurava o anonimato total ou seu equivalente no esquecimento do nome préprio que marcava. Eu ain- da procuro os tragos de um esque- cimento ativo, um tipo de esqueci- mento millitante, Eu vejo 2 aio re- dobrada do tempo vivo sobre 0 tempo morto da tomada da foto, assisto a esta reanimagio do tem- po morto por uma parada do tem- po vivo; 0 discurso do vivo e do morto funcionam ao contrério do jogo do cru € do cozido, tal qual 0s antropélogos mostraram como recorte fundamental. Est eletrocho- que da lembranga, sem a presenga do corpo do fotdgrafo, pode apenas produzir 0 retorno do cliché; da teansformacao da matéria mosta da fotografia em matéria revivificada de uma meméria artificial, nada mais resia sendo programar a fic- ¢d0". (Gattinoni, 1990 : 36 - grifos meus) Resta ainda um ponto delicado: como explicar essas fotos de género que no mais representam oficios de rua ou apresenta- doses de macacos, mas sim respeitéveis fi- guras burguesas? Como por exemplo, aque- le do Homme dans som cabinet de travail lisant une lettre, da qual nio se conhece mais a identidade a nao ser a do autor da placa (Regards sur la photographie. 1980, cliché n° 164) E possivel, de fato, que se tratasse de uma prova preparat6ria para o retrato pintado de vm homem de letras, talvez obscuro, mas por certo no despro- vido de nome proprio. Tais imagens pro- vis6rias circulam hoje no vazio escanca- gen de csc rado entre 0 modelo e seu setrato acaba- do (ou em projeto), como subprodutos in- voluntirios ou esbocos nao confirmados Nesse caso, o anonimato sesultaria de uma quebra no processo de representacao. Quantos daguerrestipos e placas fotogré- ficas precisariam ser revistos, antes de se olhar as telas para as quais serviram de prévia, sem que ninguém mais o saiba? Essas fotos circularam porque multiplica- das, enquanto que as pinturas correspon- dentes permaneceram nas residéncias de quem as encomendou, indo, em seguida, para suas sitios, seus celeiros e os de seus descendentes (cf. Mary,1993 : 97-98 )® “A fotografia, lamentava-se Barbey 'aurevilly, substituiu para nés mo- dernos as imagens dos antigos e Suntuosos retratos do Ancien Régi- me, todas essas coisas raras e bem feitas nas quais, eu vejo bem isso, © orgulho de uma raga encontrava sua dimensio tanto quanto os senti- rmentos do coraglo. Pelo menos elas permanecem fiel e pudicamente pen- uradas nos lambris das casas, sob os clhos respetosos das familias" (ctado por Jean Sagne, 1984 :292) Encontraremos hoje em dia sobre bal- cOes de brechés tantos retratos pintados sem identidade quanto fotografias que re- presente desconhecidos?® Um Genero Menor Banalizando rapidamente o retrato, a fotografia levou 20 méximo as contradigoes 94 pein cage ‘eens oto Sete ca Sem te ance eee fcr ‘ores trivde scat lg ve lores doe se leprae Som snctlce do prwtades de ropratie rade (tanec cn “ines tous ge toe enon cng gl emit, 00 ee, seared sti at PBberaace Sow rns ode ‘ect eo a. Se pr dee cheonenr ies” tect Trine! Redes folawes tot teidontinte 21036 me Coden deur pee beer de oss deo cio Beiter te Bon (in) eaetonce ‘one opis tr fe 8270 fine Caner, icanenpnasss posvaen et eppae cs) natn oxen ‘in eo 1 (ones need fio c es eeato fader, © post Cetin is doe nrges pou ese omic our! Fierro dpueam tose tee, 18372) ful anbens Soren paca Femmes poate Foster om fee unt Qeemsere oat ioscan ee stove eo ier de heaps sre de eta. Je canoe ginko ot dine wire cepts ‘ne dlave pt Isinsorb aves Iss inerentes ao género desde seu aparecimen- tora pintura. Aqui se imp6em algumas con- sideracdes sobre a histéria do retrato pin- tado™ Acontar do momento - que 03 histori- adores datam como sendo o da virada do século XV (Francastel, 1969 : 76-78) - em que 08 pintores comegaram a representar algumas das altas personalidades, com o objetivo de fazé-las ver tal qual eram € no somente como pareciam quando estavam em suas fungbes%, 0 retrato conheceu a0 mes- ‘mo tempo um grande prestigio social um consiante descrédito attistico, Holbein foi, a partir dos anos 1530, em Londres, um dos primeiros retealistas (aliés 2 Inglaterra € 0 Gnico pais europeu a consagrar o retrato como um género maior) “0 indicio mais elogiente do esasto negative do retrato enquanto género paitcalar€a ausénca de assinata eta bém de contain zesabeleciase um conta tode encommenda para um afesoo ou para cum quatro de altar, mas ri se esabelecia par ercougio de reap; mais commen te, est tltimo era executado como um favor, por ocasiio do contato com 0 lente ¢ a propésito de uma encomen- da mais importante. E 0 que faz com que na lilia 2 quase totalidade dos reratos do Quatirocento tenh perma- necido anénima; em Flandres ¢ Vene- 2a, 08 precursores os assinavam, mas 1 continvadores deixaram de fazé-o na maioria das veves (jbidem : 95-96, igualmente Castelnuovo, 1993 : 89). Devemos deixar claro que se trata va, no caso acima, de um duplo anoni- mato, pois se juntavam auséncia de as- sinatura e siléncio sobre 2 identidade do modelo Com o passar do tempo € na medi- da em que se impunham figuras suces- sivas de grandes pintores independentes e de renome internacional, o retrato se tornou um género lucrativo, sob a forma de “retratos de ostentagio", encomenda- dos pelas melhores Cortes da Europa - 0 que no impediu que os artistas mais fa- mosos se insurgissem contra tal emprego de retratistas, considerado como indigno deles. Rubens, por exemplo, declarava “plo aceitar fazer retratos, a nao ser para atingir através desse meio ‘pouco honora- vel’ ‘rabalhos mais importantes’, ou seja, aquilo que chamamos de ‘a grande pintu- 12’, ov em outros termos, 4 ‘pintura da hist6ria’ “ (citado por Francastel, ibidem 137), Assim, o retrato no chegaria a com- pensar sua falta inicial de inspiracao his- t6rica (ow mitol6gica) a no ser dedican- do-se, pelo menos, a sepresentar as per- sonalidades hist6ricas da época Em defi nitivo, era o status do sujeito que dava © estatuto a esse tipo de quadro. Este modo de legitimagio do retrato, mais propriamente social que artistico, per- durou pelo menos até o século XVIII, época em que os pastéis de Chardin, La Tour ou Fragonard Subverteram a re- provacio dos mantenedores da tradigao que sO queriam pintar ou gravar “pessoas ilustres € distintas por sua posigio social ‘ou por seu mérito” (ibidem: 159)* Os modelos deste novo estilo de re~ trato podiam ser desde obscuros burgue- ses até gente de teatro. Tal abertura so- cial antecipa aquela que envolvera o sé- culo XIX, o grande século do retrato”, que fard literalmente explodis a fotogra- fia. Mas a falta de reconhecimento antis- tico impulsionava a maior parte desses retratisias "psicologisantes” a travestir sua produgao em cenas de género, ou seja, 2 tentar promové -las em outro registro pictérico que, sendo também pouco valorizado nfo era por isso menos con- siderado £ dessa forma que 2 pessoa real representada pelo pintor nao tinha acesso a um minimo de reconhecimento arlistico a no ser moldando-se, anoni- mameate, na pele de um personagem de pura forma, em uma das figuras-tipo do imagingrio contemporineo. Fosse isso fei- to espontaneamente (como 0 suspreen- dente abade Saint-Non que posov para Fragonard numa quantidade enorme de diferentes habitos) ov fosse feito em se- guida a um desentendimento (como acon- teceu muitas vezes, no final do século XIX, entre pintores € modelos*), essas contingéncias quase no mudam o essen- cial da questao: 0 retrato burgués nao resgatou sua indignidade social sentio ca- sando as convengées da cena de género Compreenda-se melhor a diferenga de tratamento da informagao entre os anglo-saxdes e 0s franceses: se os pri- meiros (que concederam ao retrato umm estatuto importante) no hesitam em re- conhecer atualmente as lacunas docu- mentais, qualificando de unknown tan- tas pessoas dos primeiros tempos da foto- grafia, ou da pintura burguesa da mesma &poca, & porque o anonimato designa uma pessoa real e nao uma figura alegérica : unknown 6 para eles sin6nimo de retrato ro sentido moderno de efigie pessoal” Por outro lado, na Franca, um retrato separedo da identidade de seu modelo ‘eget coc permanece sempre recuperével como cena de género, ou seja, estilo de ale- goria coplosamente aburguesado. Nao hé nomes pr6prios na alegoria, somen- te tipos ideais ou representatives. Do Cédigo de Costumes ao Teatro de Boulevard Para retomar o momento presente da fotografia, 0 caso dos retratos-cartBes pa- rece diferente daquele dos daguerreéti- pos, pois eles serviram inicialmente de cartes de visita Vale dizer que, pelo me- nos no inicio, eles no circulavam jamais, sem nome”. Aliés, a moda desses cartbes traduziu igualmente uma banalizagéo dos cartOes de vista, ulizados por quem dese- java fazer seu nome conhecido ( Corbin, 1987: 421). ‘A encenacao da imagem ( para 2 foto do retrato-cartao ) se referia explicitamente 2 sutileza do cédigo de visitas que um homem de bem devia apresentar em cer- {as circunstincias. Eis um exemplo das es- pecificagdes formuladas por um cliente “Em fraque e gravata branca, ar grave, @ atitude insignificante: simples visita cor tés. (..) Gracioso, um buqué: visita para uma festa. (..) Em wajes de turista, sacola de cacador no ombro, para visitas de des- pedidas antes de tirar férias" (citado por Jean Sagne, 1985 : 13%). Assim, percebe- mos que essa arte da vestimenta s6 nos deixa ver o personagem, como se tivésse- ‘mos diante dos olhos um noivo timido ou, entio, um viajante experimentado ¢ nao © mesmo homem em suas metamorfoses mundanas. Nosso olhar se volta para 0 folclore ou para o estere6tipo porque per- anid 1a Msde de tebe ch, ie ren Sama com ae ose dancin, Sinan a sem eto der ea a, (rene 8367 Fasc pone ‘opmadeunbie 2 nda ‘oe dt em co Sis peses os me ‘ei tor ase 8 lyon ioe Ter pelos ses Eontenporineo Tie ois pepe Hess ree Dann fm, ‘oven Mae € fin Cet sieht hr ‘et cone med ‘en 2 hove a le a ede. 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CL ‘pale Sg spl 31 leo. demos a nogio desse modo de vida, de suas variacdes, de seus travestimentos obrigat6rios em nome do bom gosto, essa matriz indefinivel do bem-parecer na boa sociedade. “Toda a obra de Cameron (..) padece atualmente da incerteza de nosso saber, que se tornou menos habil em de- rnotar a sabedoria do uso de uma ca- saca, de um foulard, de um cenésio reduzido ou de uma atitude estereo- tipads; tal no era o caso da culta senhora Cameron (..). Desprovidos ddas particularidades da €poca, que fazem com que uma obra seja‘data- da’ €, portanto, rotulada sob cédigos escorregadios, nés s6 poderiamos colar a fotografia com um olhar po- bre de intencio, que se pretende objetivo e que veria, na Rebecca de Cameron, apenas o retrato de uma bela mulher" ( Frizct, 1990 : 17) Nos meios mais modestos, para os quais 2 fotografia ofereceu a primeira forma de representacao accessivel, as limitagbes téc- fnlcas tanto quanto as normas sociais da respeitabilidade engendraram uma massa de retratos onde um quase nada distinguia ‘uma pessoa da outra Vejamos: os eternos redingote masculino ¢ criolina feminina; quanto 4s fisionomias, o mesmo bigode, ‘0 mesmo ar severo. Isso sem contar prati- camente sempre a mesma pose. “A neces- sidade de significar ascensao social € a de valorizagio passam por um reconheci- mento ¢ assimilagdo de c6digos; assim se explicam a uniformidade € repeti¢ao de poses e accessdrios”. (Sagne, 1984:214) Dispersos ao sabor das mutagées dessas familias pequeno-burguesas, 3 época em plena mobilidade social e geogréfica, tais retratos - que talvez no fossem mais es- tereotipados do que os da aristocracia (em- pertigados “pelo orgulo das origens"), mas que certamente reuniam menos sinais. de distingao ou de identificacao (nem ar- marlos, nem mobilias de familia, etc ) - vieram inchar as grandes colegdes (500 mil retratos-cart6es na Biblioteca Nacio- nal!) de rostos semelhantes, documentais, em uma palavea: andnimos® Uma vez que o novo burgués nao tinha deixado de ser representado como que paramentado de burgués (tinha que aluger ‘um terno para tal) nfo hd que se surpre- ender que, sob efeito de certos modismos das estrelas de espeticulos, a fotografia tenha garantido sucesso propondo retratos compostos “a maneira de”. ? *Bertall esboga para Vie parisienne as exigéncias de uma senhora idosa com uma pronunciada obesidade: ~‘O senhor fez um delicioso retrato de Mademoiselle Patt (cantora famo- sal. Eu gostaria que o senhor fizesse © meu absolutamente no mesmo género’. Um outro exemplo desta ne- cessidade de idemtifcacao : um ‘burgués hhorrendo’ posando para Nadar Ble jé linha feito recomecar por olto vezes 2s ‘operagtes foiogrfcas, pretextando que aparecia muito feio ‘O asta se presava atudo isso com paciéneia de um futuro académico: - Bu te admiro, diz um de seus ami- gos que presenciou o fato: em seu ugar eu teria mandado o cliente se olhar num espelho - Espere, ento, disse Nadar, detxe- me fazer. Ble s6ficard contente quan- do se parecer com Fechter [ator de ‘A Dama das Camélias] ¢ nés vamos chegar a isso pouco 2 pouco" (Gagne, 1985 : 16) A Dama das Camélias ov Nana...essas figuras romanescas da sociedade do Impé- rio ditavam um nova fisionomia, uma nova silhueta que s6 2 fotografia colocava a0 alcance das semiburguesas fascinadas. Es- tas se sentiam atraidas pela fotografia de retratos travestidos, como logo acontece- ria com os freqlentadores das feiras, nos stands onde os basbaques colocam o rosto num buraco oval de uma silhueta pintada gue fica esperando por seus tragos para fazé- los semelhantes a cowboy ou a valent2o das cruzadas. Alis, os retratos-cart6es no tardaram a se tornar retratos de feira, usando todos os faz-de-conta da sociedade de fim de século, com os burgueses endossando os adornos das atrizes. Jean Sagne descreve bem esta vulgariza¢ao da fotografia que no passou somente do daguerredtipo Ginico € caro) 20 retrato-cartéo (barato € reproduaivel 20 infinito ) mas que, 20 ni- vel da multidao, se transportou igualmen- te dos arredores chies do Palais Royal para as calgadas populosas dos Grandes Bou- levares. Nestes dltimos, situavam-se os teatros da moda: desde a instalagio da eletricidade "A saida do Opéra, 05 parisi- censes se sacrificam & moda de posar, para tirar retrato, diante de um enorme refle- tor Apds 0 espeticulo, eles passam sob as luzes da rampa, compondo 0s perso- nagens. Ao introduzir este jogo, a foto- grafia prolonga a magia do espetéculo, dialoga com a ambigiidade entre realida- de ¢ flecko e conteibui, sem divida, para acentuar seu cardter ilusionista” (Sagne, 1984 : 84). Se a identidade de alguém vi- esse ase perder na fileira de espethos en- ganadores, € que todos tinham aceito a previsio no momento de se engajar no Jabirinto: “Os clientes de Nadar nao se re- conheciam em seus proprios retratos ou se identificavam com aqueles que no os representavam, O modelo se impOe arbi- trariamente como signo. O sujeito s6 tem que assimilé-lo, se quiser ser reconheci- do, identificado. O atelier se torna o lu- gar em que se encena a representacio de ‘uma sociedade em representacao", (ibidem : 214-215). No final das contas, o teatro de convengées que distinguia a alte bur- guesia, preocupada em parecer sempre mais nobre do que er2%, virou 20s pou- cos 2 comédia de boulevard, apesar das recriminagoes de um Barbey D’ Aurevilly ‘ov de um Michelet, que se queixava de ser “antes um retrato de uma colecio do que nés mesmos" (citado por Jean Sagne, 1985: 17). Estes retratos hoje nos parecer, em sev artificalismo, como um bom pro- duto de marketing entre os vendedores de imagens que no hesitarlam em desar- ‘omar as formas (ov em normatizé-ls),e cll entes que procuram imagens mais que iden- tidade. Somente uma certa hipocrisia pode- ria causar indignacao em relacao a isso, pois, afinal, o mercado era equitativo A_Impossivel Tdentificaczo Em Paris, em 1867, 0s organizadores da Exposi¢io Universal colocaram em circula~ ‘do cartes de acesso, onde constavam o > da Rail ob tena qa a fad so egere. pon tango reais gee. isp oes ii ue ee tan ad ig Ge srocrus oo Fender trguses Sienna, Tccreraege ide at pole feo 10, ee 5 pr Jen Soe Iota). Por toe ffeve, de merle Tir coment eb ele aie ‘io pce de mars il. feos em rio Lact pe ur theese ane ds ep Dea tarot fo deve comes recor ponte asc feta Bh oat (ere noaneste ‘pecinse dae Uae dep “ae nope oad aes wa poli SS frotasinene, Lpuetenente be ites deemed delice Tua que nfo sucdeseins cin gue deve easier Oe Ere Sato ena fant utndae (ir compete ders Siicental pon Pine 985107 Goat oi Hb feo ded Ire nie a inage qe come fovsscinpr ao Blatesbsace (pikes condos Feit pe feepalisd re ‘ova estado civil € a fotografia dos visitantes (Le Breton, 1992: 42). Provavelmente foi a primeira tentativa de certficar a identi- dade de individuos, confrontando publi- camente sua imagem com seu nome. £ in- teressante que isso tenha sido tentado jus- tamente por ocasiio de uma vasta feira, que oferecia a todo © mundo a oportuni- dade de se fundir na multid’o, Ou de se dissimular usando mascaras emprestadas. ‘Mas isso nfo é um acaso, pois exatamen- te a preocupagio “ligada a entrada das multiddes aparece no fim do século XVII, aquele da identificagdo, A grande quanti- dade de fisionomias, quando sito anunci- adas as sociedades de massa, torna mais dificil a percepgao das identidades”. (Cour- line, Haroche, 1988: 147). Esses primei- ros passes de 1867 sao os ancestrais de nossa carteira de identidade (s6 tornada cobrigat6ria ‘na Franca em 1940)* e pro- moviam a associagao entre retrato e nome ‘proprio. (na Alemanha, a carteira de iden- tidade tornou-se obrigat6ria apés a der- rota de 1918 Quanto aos Estados Unidos, ‘no ha obrigatoriedade). Nesse entretem- po, os laboratérios de policta tiveram tem- po para esgotar suas fantasias sobre fotos de identificagao, de retratos infaliveis, de rostos que falam e de imagens sem no- mes (Cf. Phéline, 1985) Nesse intervalo, houve tempo de se di- fondir uma certa idéia, muito mais intima, de personalidade: “A dentincia da hipocrsia do faz-de- conta, do pafecer e da mentira péde, desde Rousseau, fazer esquecer: a consciéncia da opacidade das aparéncias foi uma condi¢ao essen- cial do aparecimento da categoria de pessoa (personna) antes de acompanhar a emergéncia progressi- vva do individuo (..). Aplicando-se a fazer com que coincidisse o civil com co exprimivel, so condutas a separar este espaco do permitido, do licto, do legal daquilo que é preciso proi- bis, subtrais, calas, colocando no mais profundo de si mesmo, no es- aco pessoal do siléncio, do pudor ede segredo” (Courtine, 1988: 38) Encontra-se hoje ainda a mesma distin- cia, 0 mesmo recuo onde, no entanto, a fotografia se difundiu bastante como meio de identificagao, Serge July, num texto que encerra 0 catalog Identités, destaca “esta tendéncia que todos nds temos, face 20 objetivo, de nos colocarmos na retranca de nds mesmos, de nos abstrairmos da imagem para conservar dela apenas esta aparéncia ‘um pouco pesada” que € considerada como atestado de nossa identidade. (1985 : 115). Por mais banal que seja, 0 retrato de identidade se tornou sindnimo de policia, ‘ov scja de suspeicio: & por definicko uma imagem com identidade duplamente svs- peita, uma vez que é preciso exibi-la para provar quem somos* (para tanto, ela nao lraz as condigées da prova) Certamente que ela relaciona um nome a uma fisiono- mia, mas a demonstracao s6 vale se a de- claracao originat for de boafé Hla deve entio ser sempre verificada $6 ha retrato de identidade autorizado, porque nto ha identidade a nao ser que seja devidamen- te comprovada, Na seqiéncia de confir mages que concorrem para autenticar a identidade civil, a imagem € sempre su- perada pelo nome e pelo signo que a au- todesigna, a assinatura: “Assinatura € nome proprio parti tham a mesma caracteristica refe- rencial que € 2 de designar um in- dividuo; mas (...) a assinatura apre- senta garantias de veracidade supe- riores Aquelas do nome proprio, uma ver que s6 ela pode denotar um in- dividuo existente. (.) Ela é forma- da por um nome, o nome préprio, por um gesto, o do escritor que au- tografa seu nome, de uma coisa designada, o proprio escritor que, assinando, apzesenta seu préprio nome efetuando ao mesmo tempo uma espécie de auto-apresentagao, (.) © gesto da assinatura 6, no momento de sua inscrigo, pura os- tentagio £ espeticulo efémero da adequagao entre um signo ¢ seu referente, da coexisténcia de quem escreve com sua inscrigao." (Fra- cenkel, 1992: 111-112) Se tivermos em mente o arsenal de apre- sentagbes proprio 20s procedimentos do estabelecimento do estado civil, este face a face institucional que coloca em jogo a escritura e as pessoas fisicas (no qual a imagem tem apenas um papel secundario € ilystrativo), nao nos surpreenderemos que © nome seja a primeira coisa perdida na circulaglo generalizada de fotografias, uma vez que ele é 0 atributo que menos se encontra vinculado, Mais exatamente, a imagem € 0 signo que menos atesta a identidade, cla tende sempre a se separar do nome para s6 velcular uma visio imagindria® Em nossa época, os trés signos elemen- tares da identidade sto 0 nome proprio, © retrato € as impressoes digitais. Como eget Dacnbce destaca Béatrice Fraenkel, ‘eles correspon dem as ués categorias fundamentais de signos concebidas por C. S. Pierce: o sim- bolo, o icone e o indice” (Fraenkel, 1992: 200). Vale dizer que, em matéria de identi- dade, a imagem nio opera como um indice ~ 0 que permitiria a ela provar - mas sim como um icone, ou seja, como uma fic¢o lustrativa. Nao € surpreendente, pois, que nessas condigdes, e mesmo atvalmente, 0 anonimato seja, de qualquer forma, o ponto de fuga obrigat6rio do anonimato Qs Tragos Vistveis do Esquecimento Eis uma categoria de imagens que pode afirmas ter efetivamente representado uma pessoa tal como ela se apresentava, mas que nao pode pretender que se tratasse realmente dessa pessoa, por no poder provar que era ela. O retrato fotografico apresenta esta lacuna constitutiva desde sua origem. Tanto assim que, através do uso abusive das fotos tiradas no século XIX, esta €poca pode aparecer como for- midavelmente representada, mas pouco descrita® ‘A pose, a se concordar como foi6grafo Dieter Appelt, que a cultiva preferencial- ‘mente ao instantneo, “funciona como uma metafora do passar do tempo, da passagem da presenca para a auséncia’ (Art Press, 111, few. 1987, p12). A que faz eco, con- firmando, o rabino e filésofo Marc-Alain Ouaknin, artesto em matéria de memo- sia: “O ago € da ordem do esquecinien- to* (1992: 119). Desde entdo, a questio po- deria sera seguinte: 2 qual funcdo obedece esta acumulacio, hé um século, de tragos » rea compe feuodecono sino aiines or wos tera drive pene, founda to te Specidstenle (ia frances a8 rage Gee ts Sted, coeents sated orto Lepeoe lacge Berens apes fm gut (i) a gts At de lar tonparet somal lope de cent lie deta mae i pega a lous eset) 0 (to de giro Merve nthor pecs ue. ‘yates chaos deen devine severed rem hee des fe aie go 20 avo de oie ders mend, #0 lesen otino 5 soonina gue te defo Has) fib onesie Ip 3 pete 1340 comun dor nowt ps ‘ome esse de Cj dr rele ‘Sree es ‘ion marae iearate ‘ie dogs ‘nv oon visuais que no podem impedir 0 apagamen- to do que ela tenta preservas; nesta incapa- cidade constitutiva, nfo faz mesmo nada de diferente a no ser tornar visivel o esqueci- mento que ela queria afastar? Visto dessa maneira, o mundo sempre foi povoado por uma multidao de desconhecidos Mas, antes da invastio da fotografia, a multidao de pessoas desconhecidas que habitava o mundo podia desaparecer sem deixar tracos, vestigios, a no ser na meméria de um pequeno niimero de pessos proximas Excegao, & claro, de um punhado de celebridades - casos em que os tracos es- to essencialmente na ordem do discur- so: lembrangas, inscrigdes sobre as sepul- tures, Enquanto sso, com a profusio dos relatos multiplicados pela fotografia, qua- se todos os desconhecidos podem ver per- mmanecer os (racos de seus rostos . Isto os faz parecer duplameme desconhecidos, uma vez que no permanecem menos ig- norados por nés, apesar da imagem utili- zada para sepresenti-los. Com a fotogra- de massa, acumulam-se os tragos do esquecimento. Phillipe Dubois evoca 2 esse respeito “uma espécie de estética do desaparecimento e do apagamento, que vai ao encontro dessa concepcZ0 muito difundida segundo a qual a fotografia se- ria um coroamento do seal, umia plenite- de de singularidade existencial, uma pura manifestagao do visivel imediato, em resumo, realca uma estética da presenga inresistivel do real e da inscrigao do referen- te” (1990: 221). Ele acrescenta, em referén- cia 20 conceito de Freud, que se poderia considerar “as Fotografias como verdadleiras re- cordagées-telas’ (ibidem: 278). Pode-se per- guntar se, com a fotografia, a relaclo primeira que André Bazin apontava na arte egipcia, a saber essa preocupaciio de "salvaro ser pelas aparéncias’, no se invertera: no seria o caso, daqui em diante, de salvar as aparéncias em detrimento do ser? Mais exatamente, a exacer- aco do desejo de guardar os tragos de um individuo nfo remete este Gltimo para a ine- xdsténcia, como se nada mais lhe restasse ano ser apagar-se atrés do taco que ele deixou dele mesmo, um lampejo de presenc2? £ no inicio do século XIX que aparecem os epitifios sobre as sepulturas®, seguidos algumas décadas mais tarde pelos medalhoes fotogréficos. “Depois que muitos dos paventes buscavam o perdi pelo abandono de seus mortos, os retratos finebres tor- naram-se 2 Gltima oferenda em homena- gem aos mortos, como uma espécie de compensagio" (Mary, 1993: 254). © histo- riador Alain Corbin ressitua esses novos rituais funerdrios em um movimento mais geral de reforgo do sentimento do eu, em que ele pescebe “a tentagao da heroizagio, 2 hipertrofia da vaidade confortadora" *O sécvlo XIX, precisa ele, fornece outros signos de acordo com a as- censfo da meritocracia - importan- cia dada a0 quadro de honra, a0 ritual de distribuigao de prémios, ov a0 diploma que se pendura em uma parede do sala ou da sala co- mum; ou entdo ao préstigio da decoragao ¢ do tom dado a0 necrolégio Para muitos dos humildes, sera uma emocao nova ler seus nomes em um jornal (..) O gesto criminoso traduz ele pré- prio essa aspiracao: Incitado por leituras fundadas em Plutarco, um jovem parricida escreveu com or- gulho, no cabegalho de suas me- morias: “Eu, Pierre Riviére, ten- do degolado minha mie, minha _ lnm e meu pai.” (1987:428-429) No final das contas, pode-se também perguntar se a expansio que o anonimato conheceu no século passado nto guarda proporgio com esta tensto individual de fazer conhecido seu nome. O patronimio de um aristocrata era inicialmente a en- carnagio de uma linhagem que transcedia 2 personalidade do herdeiro. Tal nome re- istia a0 tempo, porque ele era o produto Ge uma acumulacao hist6rica, de qualquer forma a Histéria encarnada: ‘Um discipulo de Sir John Millais, cé- lebre por seu retrato de Gladstone, havia pintado esse retrato do av6 du- rante uma viagem ao Japio(..) Ape- sar da simplicidade da composi¢io, coartistatinha dado demonstracio de uma grande habilidade, conseguindo ‘bier uma semelhanea em que se ex- pressavam o esperado ar indomavel de um nobre, e também tracos pes- soais e queridos de familiares: uma verruga na bochecha”. (Mishima, 1980 : 52). Enquanto isso, a multiddo de nomes bur- gueses (que se esforgaram para serem conhecidos no século passado) repousa- va apenas nos ombros de individuos par- ticulares, isolados pelos terrores da fortu- na e de sua transmissao. O esquecimento, ogo © anonimato, era o contraponto des- sa democracia da quantidade, da mesma maneira que as primeiras tentativas de identificacto dos individuos estiveram sempre lado 2 lado do desenvolvimento das multidées O anonimato seria, assim, © reverso da democracia do mérito. Logo 1s Hn cezibete de inicio, a fotografia operou na sombra deste novo imaginério social, individuali- zando 0s rostos, trabalhando na vulgari- zacao dos retratos, sem consagrar nomes, materializando a0 mesmo tempo a amea- g2 do esquecimento que pesa sobre toda pesquisa individual de confirmacao. A “de- mocracia do retrato” acumulou os tragos de fisionomia que logo foram esquecidos “A passagem para a dimensio in- dustrial que corsesponde & insta- lagao de Nadar no boulevard des Capucines, acarreta uma perda de controle do retratista em sua obra Nao somente ele delegou poder a assistentes, como interveio um novo e poderoso agente: o cliente Da quantidade dos retratos, extrai- ¢ um rosto coletivo, anénimo, tan- to em Nadar como nos outros re- uatisias Assistimos 2 um duplo fendmeno de despossessto: ao ano- nimato da multidao comesponde do fot6grafo. A assinatura gigantes- ca de Nadar vem coroar um duplo vazio, o do cliente despossuido de sua propria imager e o do for6gra- fo privado do controle de sua pro- dugao. Tanto um como outro se ali ‘mentam da mistificagio felta em tor. no do nome” (Sagne, 1983 : 31). Um Antecedente: Os "Crayons" gabinete das estampas da Biblioteca Nacional possui uma das mais antigas € zs) ie importantes colegbes de retratos do mun- do. A organizaglo deste conjunto, reuni- do. partis de 1667, sempre apresentou pro- blemas de classificacao, tendo sido usa- das varias nomenclaturas no correr do tem- po. Todas as classificagbes usadas, inici- almente, conservavam os nomes. Foi pos- sivel assim fundi-las, em 1854, criando uma s6 classificagio, aquela por ordem alfabética. “f preciso lembrar que s6 0 per- sonagem representado conta, o artista pouco importa”. A critica que Dezalier- Dargenville fazia a Gaigniere (século XVII) de ser um “historiador" mais que um *conhecedor verdadeiro” vale também para a colecio de retratos do Gabinete de Estarnpas’. (Melet-Sanson, 1985 : 98 ) “A partir de 1851, 05 retratos foto- grilicos sio registrados, mais faci- mente eles sio colocados na série de retratos do que na obra do fot6- grafo, procedimento inverso ao que @ cumprido atwalmente’ ( ibidem : 98) Esta observacao diz muito sobre 0 es- tatuto da fotografia, se Imaginarmos que © acervo de retratos da Biblioteca Nacio- nal € constituido por desenhos e gravu- ras, géneros graficos menores : como es- ses tiltimos, a fotografia comegou a ser co- lecionada por seu valor documental £ interessante, a esse respeito, nos re- portarmos as consideragbes que levaram Henri Bouchet, um erudito do século pas- sado, a organizar a colegio de retratos a crayon (lapis) da Biblioteca Nacional, ou seja, no dizer de um outro especialista da €poca, “do ponto de vista da arte, é de um caréter bastante banal € comer- ial, Imas quel tem ume verdadeira im- portincia iconografica’. (Léon de La- borde, citado por Bouchot, 1984: 4). Eis as explicagdes que Henri Bouchot dé em sua introdugho: “Os crayons tiveram durante todo 0 século XVI uma preferéncia que parecia degenerar em paixio. Os ‘apreciadores desse género pouco dis- pendioso compunbam dlbuns de ‘amigos, compardvel ao que familias {fazem com jotografias Inicialmente limitada & representacio de princi pes e altas personalidades, a moda dos crayons se generalizou: os pintores recolheram aqui e acol4 os reltratos, que recopiavam em segui- de segundo a escolha dos aprecia- doses" (ibidem 1 - grifos meus) David Le Breton observa, por seu lado, que nesta época “o retrato executado ra- pidamente a crayon sobre um suporte leve vale como caderneta de saide € memorial; ele acompanha freqientemente 0 pedido oficial de casamento Ele serve para que 0 pintor fixe alguns tragos, com vistas & ela- boragéo eventual de um quadro. Esses crayons tinham a vantagem de nao tomar muito o tempo de corteséos ocupados € pouco inclinados a permanecer por longo tempo diante do mesire retratista (..) 0 pintor conservava com ele prot6tipos ex- tremamente cuidados, capazes de servir para determinar encomendss, tal como hoje tum editor conservaria fotos raras" (Le Bre- ton, 1992: 32 ). “Os retratos pintados cram feitos para serem pregados nas paredes desses gabinetes € galerias que continu- ama se multiplicar; ja os desenhos circu- Javam, Se no, como explicar 2 existéncia de um atelier de provincia como o de Cor- neille de Lyon, que encontrou uma ma- neira, sem ir ver seus modelos, de cons- truir uma especialidade com a pintura de personalidades da Corte? “(Francastel, 1969 2129), Desde o final do século XVI, acres- centam os autores, a utilizacao do cobre € da gua forte vai permitir a difusio dos de- senhos franceses em toda a Europa, bem ‘como afirmar a arte auténoma do retratis- ta-gravador, verdadeiro ancestral do fot6- grafo (ibidem: 133). Brincadeiras, jogos de salao nasceram em torno desses r0s- tos “crayonnés" dos quais se tinha que adivinhar os nomes escondidos pelas cantoneiras (Le Breton, 1992: 36, Fran- castel, 1969: 129) “A idéia de setirar ensinamentos, bons ou maus, dos crayons, pros- segue Henri Bouchot, puramente iconograficos nao é antiga (..) B preciso reconhecer 0 quanto o es- tudo dos crayons 6 uma tarefa in- grata e perigosa. Os indicadores manuscritos freqientemente escri- tos pelo proprio artista sobre © desenho, estio longe de ser sem- pre exatos: os erros provém das cépias de que jd falamos. O artista, ao reproduzir uma cabega a partir de um esboro era muito mais facil mente enganado pela semelhanca de nomes; uma vez cometido ¢ erro, ele se perpetuava pelas repro- dugdes seguintes, no sendo raro ver um nome errado repetindo-se até a época em que a gravura vi- nba consagré-lo definitivamente® (1 0 objetivo proposto & de dar um nome sos personagens dese- nhados, procedendo metodicamen- 1s Fst Dover te, por comparagio, por provas in- trinsecas ou extrinsecas, por todos ‘os meios da critica em uso (...). Pre- ocupado inicialmente em pér um nome verdadeiro em todos os re- tratos, n6s fomos logo levados a fazer atribuigdes, pelo tanto que eram distintas as maneiras pesso- ais dos diversos artistas na mistura das colegdes alfabéticas. (..) Pa- rece que ninguém foi prevenido para agrupar entre eles estes leves jpastéis. (..) Nosso catélogo € en- Yao a determinagio to aprofunda- da quanto nos foi possivel fazer, dos nomes e qualificagées dos se- bores ou das damas, desenhados pelos artistas antigos.” (Bouchot, 1884: 1-5, ainda grifos meus) Donatello (, Meld da Uszano (2, anos 14302 (er racots, pintada, 45 em) Fotografia retirada do loro Roberta J 8 Oko, La Seupture de la Rene's. sance italienne, Paris, Thomas Hudton, 1992p 91 feet svt inde, 0 bes thr ape. sod ponte zi iter one fer on gue toes ssi ior onda undo~tocvode tr po ean cape opel” iene ae) eaadsoncines ‘owe su ie fewer de Coages Dis Mterman po ro woos daa te fe Sens Sellar sone Inge ecjopme (petit. (thet ‘Seo ee bene Steins ps fumes bac ‘es aeons Fon tere senting eo ao oe de auto ‘Apesar da antiguidade © do fragil estatu- to arlistico desses crayons, s6 estio listados no catélogo de Henri Bouchot 135 rostos and- nimos em mil retratos recenseados. O con- taste € suspreendente entre 2 proficua colegao dos retratas fotograficos, langa- da no anonimato, € a colegao bastante mais antiga dos desenhos, cuja maior par- te continuava nominativa, Podemos re- tomar aqui os raciocinios precedentes sobre o estatuto social das pessoas re- presentadas - o que explica amplamente a permanénciz do nome entre alguns ¢ a auséncia em outros Entretanto, creio ser importante avancar no sentido de superar nao somente este motivo social de determinacao - que quer que o retrato aristocratico seja nominativo mesmo quando ele nao o é explicitamen. te, enquanto que o anonimato espreita sempre 0 recente setrato burgués -, mas também este periodo de afismacao inicial do retrato privado, para remontar além, até a época chave em que se impés o im- perativo da imitago que, nto caso do re- ato, se traduziu no termo semelbanca. Este € a Renascenga Italiana O Coroamento da Semelhanga Na obra do escultor Donatello (y. 1386- 1466), hé um busto em terracota policrémi- caque € de umextraordinaio ealismo, Esta cobra entrou em 1745 no catilogo do artista como sendo o setrato de Niccolo da Uzza- no, humanista e grande protetor das artes florentinas, construtor e primeiro proprieté- rio do Palacio de Florenca. O ponto de partida € a moldagem do rosto - 0 que levou muitos historiadores a verem nele uma mascara mortuaria (Omaggio a Do- natello, 1985: 252). Mascara mortuaria ou moldagem ao vivo, este ponto técnico é de grande importincia, uma vez que, se este busto foi realizado imediatamente apés a morte do personagem, ocorrida em 23 fevereico de 1433, ele seria o primei- fissimo retrato esculpido da Renascenca florentina, ou seja, na tradi¢ao renovada dos bustos cléssicos romanos, 2 primeira efigie realist de uma personalidade da época. Nao mais uma represemtagao idea- lizada, até mesmo mitologizante (como quando Raphaé! “empresta” os tragos de Leonardo da Vinci a Plato no seu quadro Ecole d’Atbénes), mas sim a restituicao dos tacos de um rosto com o objetivo de pas- sar para a posteridade com quem aquele homem realmente se parecia Exposto pela primeira vez em Florenga, em 1861, ele imediatamente adquiriu uma enorme ce- lebridade enquanto espécie excepcional do “realismo donateliano” (ibidem:247) Impressio feita diretamente dos tragos do sujeito; molde procurando sempre a mais cexata imitagio paticularmente quanto 20 ‘emprego de cores realistas; elaboracio de uum retrato no sentido individual e persona- lizado como concebemos atualmente esta palavra: todas estas caracteristicas evocam, ‘com cinco séculos de intervalo, os primeiros passos da fotografia na representacio dos individuos. & esse o interesse maior de tal paralelo anacrénico. Ele mostra, num primeiro momento, que as questdes colo- cadas bebem diretamente na fonte da modernidade aitistca ocidental aberta pela Renascenga italiana Ha mais ainda. Com efeito, esse busto € muito contestado. A um tal ponto que quase fol excluido do catilogo de obras de Donatello. Muitos especialistas em his- ‘ria da arte questionavam seu modelo e, logo, sua datagio. Todavia, a tradigao du- plamente nominativa que lhe foi vinculada durante séculos permanece tao forle que ese retro continua 2 ser apresentado como antigamente, s6 que cercado de uma nuvern de pontos de interrogacio que o designa abertamente como um enigma ou que o recusa em nome dos cnones da ciéncia da arte (cf. ibidem: 247-253 assim como Bennett, Wilkins, 1984: 183) "Se ele efetivamente representa Nic- colo da Uzzano, e data dos anos 1430, poderia tratar-se por assim dizer de uma reliquia familiar nes- te caso ele nao poderia ser fulgado segundo os canones do retrato, po- dendo entéio ser considerado como um possivel trabalbo de Donatello." (Bennett Wilkins: 184) Destaquemos este ponto-anunciador da fotografia de familia e seu descrédito cul- © cardter de impressio desse busto parece se sustentar somente por razbes estritamente familiares, assim como 0 jogo de relagdes pessoais que existia entre artista e © mecenas - imperativos familiares e pessoais ca pazes de justificar ou de explicar a produgio de um retrato cujo realismo foi por vezes qualificado abertamente de “indigno” da genialidade de Donatello ¢ de “inartistico". © encerramento da obra ‘numa mansio senhorial durante mais de tués séculos s6 podia mesmo reforgar seu cariter “doméstico™ tural: ‘icado porque apresenta mui- tos aspectos que necessitariam ser retrabalhados, no sentido de pas- sar de simples mascara mortuaria a ‘um retrato - crnio, pescoro, palpe- bras (...) A atrbuigo de sua autoria a Donatello foi recusada por causa de sva Adelidade 2 realidade®, Esta obra s6 faz parecer [tis a likeness] (recons- tnindo cruamente as verrugas e todo ‘oresto), ela se ressente da falta de aber- tura sobre a personalidade e suas pos- iveis transformagdes, que qualificam ey © verdadeiro retrato” (ibidern). A identificagio de Uzzano foi procla- mada nos meados do século XVIII por um de seus descendentes, Ferrante Capponi que ocupava o palécio onde era conservada 2 obra. Suas declaracoes foram retomadas pelos historiadores da arte, nao sendo estes portanto os autores da primeira de- terminagao documental. Motivos patrimo- niais estavam ai presentes; Capponi ini- clou no século seguinte contatos para ven- der o busto (que o Estado italiano termi- ‘ow por comprar em 1884). Busto dupl2- mente doméstico entio, uma vez que con- servado no ambito da familia, em seguida reivindicado por constituir parte integrante do patriménio. A idemtficagao (ués sé culos mais tarde!) s6 foi feita entio apés 08 numerosos retraios pintados ou grava- dos que se conhecia, em outras palavras, apds as representacdes oficiais, ou seja, simultaneamente idealizadas ¢ certificadas que dele se dispunha? Retrato de Niccolo da Uzzano segundo os interesses da farni- lia ou € igualmente para a hist6rla da arte? Trata-se de um retrato digno desse nome? Ele se parece com vm retrato? “etn 2p alge eptio a ce Da tiie en 1 proulatenae, een mide tats cones (fesenraaren. (Cocke (anise oie nme preecersars fe ana ate peewee fee mae fae snd abet Sema ma pee eee es Unane Pape ama 8c ‘iro ir tial, ‘enann i é ‘pou ban ses ate ohne ar {el hws ie goonies Ce ie Spel evan dice pation poe ‘ae dratene (ieos8) carat Eesaiodan aaah gums ene Buk tam Sraad a of tose creme ele tan nor reeds te ope sinsgn ue lezemos de pots avcoguas ae slope owe ‘haplén din on elo hace de La Parece que no - 0 siléncio de Vasari, inventor da hist6ria da arte, é revelador - e isso por uma razao perturbadora: esse busto nao pareceria um retrato de Niccolo da Uzzano porque se assemelhava demais com Niccolo da Uzzano. Pode-se quase re- duzir a formula a0 seguinte: 0 busto nto pareceria um retrato porque parece muito com um retrato, Primeira conseqiiéncia de tal distorcao registrada, por assim dizer, “abaixo" do nivel da arte: mio se pode real- mente ter certeza de que se trata realmente de Niccolo da Uzzano. Alguns historiadores viram nele um dos Capponi, outros a figura de um santo (com o argumento da presenca de um buraco na parte superior do cranio). Finalmente pouco importa que a tradigao histrica tenda a achar semelhanga com figura religiosa em todo retrato. Convém observar ainda que, nessa batalha retrospectiva sobre a semelhanga, € a in- dividualidade do modelo, por ter sido tio glorioso, que estd sendo contestada, como se o que importasse antes de tudo fosse trar a obra desse referente nao muito real 20 qual ela parece se apegar tio fortemente “Desde os fara6s, os Francastel se interrogam se o problema do retra- to nfo foi uma simples questto de habilidade maior ov menor dos ar- tistas em construir 2 semelhanca. ‘Tratase sempre de resolver duas questées: € legitima a representagio dos tragos individuais? Que lugar o homem, visto através de um indivi- duo, ocupa no universo?” (1969:177) No caso exemplar do busto de Donete- llo- que é mais original por se tratar nada menos que de descriminar se se trata do primeiro busto naturalista da arte ociden- tal -, 2 anonimizacio, ou pelo menos o questionamento da identidsde do mode- To, se apresenta como o coroamento da semelhanca, visto que ela acaba de isolar a obrana semelhanca Desde entlo, essebusto ‘parece porqueele enfeixaem sia semelhan- a. Chegando a tal estigio de perfeig2o (ou de isolamento critic), a semelhanga nfo € mais uma relagio mas sim um termo: isto parece, pouco importa com qué; ov ainda isto parece perfeltamente embora no saibamos com quem A imagem absoluta- ‘mente semelhante, ov seja, recebida como absolutamente semelhante - porque em toda esta discussio 6 se colocam em oposigio representacdes do tema semelhanca*- basta a si mesma; ela evacua seu modelo como uma referéncia que @ diminviria. A semelhanga absoluta € uma fiec2o que corta todo lago com o referente, é um mito auto- suficiente, um paradigma traballrando sem cessar pela sua prépria confirmacao, uma espécie de dogma da imagem. Tal imagem, elevada ao estado de dogma, nfo se submete mais a nenhuma discussio, a mais nenhurma roca fa imagem pela imagem “Um evento muito importante paca a hist6ria do retrato no Quattrocento aconteceu erm Venza: a chegada de Antonello da Messina. O caso de Antonello é praticamente Gnico em seu género no século XV Pintor formado no sul aragonés, aberto as influéncias néxdicas, Antonello apre- ‘endia cada rosto humano no que este tinha de mais profundamente especifico, modificando o pessoal e no por ter a ver com pretexto de generalidades glorificadoras (..).O exemplo de Antonello é retomado, desenvolvido ¢ teansformado por Bellini (..) Compreende-se que alguns retatos venezianos tenham perdido muito cedo sua funcio genealdgica, ética ou hist6rica para tornar-se objeto de uma contemplacio antes de tudo estéti- ca...) Quando, por volta de 1525- 1530, © patricio veneziano Marco Antonio Michiel visita as colegdes da India setentrional e comenta sobre os quadros mais destacados, ele deixa de lado a identidade dos personagens representados, todavia, em um retrato de Antonello, ele nota, sobretudo, a “grande forca e a vivacidade dos clhtos’ J4 se operava ai a modifica- Gio do retrato enquanto objeto de piedade familiar ov testemunho genealégico, no sentido de retrato enquanio pega de colecao cujo in- teresse & antes de tudo estético.” (Castelnuovo, 1993: 47-48 - grifos meus) © mito da semelhanga absoluta cria a imagem moderna - donde vem alias 2 ex- twema dificuldade para integrar o busto de Donatello na arte de seu tempo. De onde ‘vem sobretudo a importancia tedrica, con- ceitual, da fotografia na génese da arte contemporinea, esta arte pela arte, esta arte que nao somente fixa para ela mes- ma suas proprias referencias, mas que in fine sé constitui como iinica referéncia para si prépria, Paradoxalmente, o hiper- realismo da fotografia, este coroamento da semelhanga, é igualmente © coroamento da abstracio, pois ela € a semelhanca em si, a imitagao separadz daquilo que ela imita, uma idéia perfeita de imitagio. Por um lado, 2 arte abstrata se desvencilhou de toda preocupagio de representar; por ge cabecde outro, 2 fotografia - com a multiplicidade de tendéncias hiper-realistas ou neo-figu- ralivas da pintura contemporinea - se de- dicou a levar a representagao até 0 seu auge. Tanto num caso como no outro, a légica esta na obra: a arte se encerra sobre si mesma, seja negando seja sacralizando toda referéncia. Essa l6gica que, apesar das aparéncias, reuniu intimamente abstracio e imitacao esté presente no busto de Donate- llo, primeito retrato dedicado a0 anonimato (sempse ameagado de desgraca) por exces- sode semelhanga Referéncias Bibliogrdficas Aine oud 85 -Les Cals de plrgaphede San Senttd-Sul, 3 ie At Pit, 1983 aes de homme dean ma Pat Avery Chr, 191+ Donal, cnloo comple, Flee, at eau Osi 169-Le at de prea i far e8 Mabel ent _ Bennet Eon & tli Dai G,584- Doral xr Pdn Sera He, Callen Ala, 190- “Eab Que ce hess pie 3d enue de Fesgston Lt Jol paysns pos alle se ds Boa, Bisel pp 7 Bono sca, Les pes et avepea Gee, Sis Bon Ov 1589 de at since sce, 18761087, Cami cle pp 5873. 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Ober nh 0 {ies se esse alps emg acl sees ea ar enbenore ca, ce ew aot Stender igen dei « etitesennnrre coglodtmimi’) ede one cee de cee pine socreigs time mene omar we ak lr epcr des rer, pts et ope ese Siar a6 dot inet mss is a 4 ‘Sierra pote WS Photography necessarily requires anonymous models in order to be recognized as art hile 2 reflecion is made about photographie portraits as compared to painted portcis, this process of ‘anonyiization” of the portayed individuals can be understood slong with other Piiuted matters, identity, stating of social positions, representation, relations between artists Tad clients, market, and types of portraits (photo cards, scene cards), An issue emerges from this reflection about the basic and paradoxical incapecity of photographic portrait and mass photography, in that they mean an accumulation of visual traces which cannot hinder the frasement of that which they intend to preserve soca 005 ans vit AAAAYYY A Fotografia dos Anos Vinte: a exploragdo deum novo espago urbano™ “Andria” - Foegroia retrada do tira fa, Somendge Aine Or fento de 1982 woepecs te ‘amaseatpate pe ve nat ge ‘eben ant Dee tla » taal sexhin “aon dest ce nr te Hobe ‘ee abs re ii 5 928 + pga pe Bear es pom aa sop de Saka Paps toon 1979 Ore ‘eimotgen ce ‘habe atoms tape tor fenarad sa tr de tas tea V vemos na cidade. Nossos campos sto de asfalto, nossas estrelas sio lamparinas elétricas, nossas florestas os postes de linha de alta tensao"', escreve Hans Windisch, redator chefe de Das Deutches Lichtbild (A Fotografia Alem), no editorial do nv: mero de 1928-1929. Fazer da cidade o equivalente a uma segunda natureza que suplantaria a original. Sem divida, na Ale- manha dos anos vinte, como em outros lugares, a grande cidade era ainda perce- ida pelos espiritos nostilgicos como um coceano de pedra hostil 2 vida e freqien- temente comparada a um cincer gangre- nando os tecidos do saudavel campo. Mas, ‘a0 mesmo tempo, numerosas vozes se ele- varam para cantar o advento de ui novo mundo urbano e tecnolégico Assim, o escritor ultraconservador Ernst inger pre- vinia seus colegas de direita que seria em vio querer perpetuar os valores de uma sociedade rural: a Grande Guerra, este confronto de massas humanas e de mé- quinas numa paisagem transformada pela tecnologia, imprimis irremediavelmente em todas as suas testemunhas, o ritmo brutal da metrépole industrial’ Em 1929, o redator chefe da revista de arte Das Kunstblatt, Paul Westheim, assinala que os jovens berlinenses que querem descansar runea procuram win espago campeste, preferindo passar meia hora num terrago de um café qualquer, no meio da circula- lo dos carros da praca Potsdamer, aban- donando-se 20 benéfico turbilhdo de sons imagens da cidade? ‘© entusiasmo suscitado pelas promes- sas de uma cultura urbana € tecnologica nunca fol tio grande como nos anos vin- te; e, talvez, nunca a cidade moderna te- nha sido to mostrada pelo cinema € a fotografia da época de forma mais fasci- ante € mais sedutora. Em lugar de pro- por um simples reflexo de cidades como Nova York, Paris ov Berlim — uma reali- dade ainda moderada pela heranga social e arquitetural das geracdes anteriores — numerosos artistas, arquitetos ¢ fot6gra- fos buscavam, sobretudo, ressaltar, gracas a fotografia, os primeiros elementos de uma nova ordem urbana. Nas mos, prin- cipalmente, de Lészl Moholy-Nagy, de Aleksandr Rodtchenko € de Bl Lissitzky, a fotografia (e as técnicas associadas & foto- grafia, como a foto-montagem) propoe imagens antecipando © nove mundo que omega @ tomar forma Em 1926, 0 fot6grafo berlinense Otto Umbehs, conhecido como Umbo, compoe um impressionante retrato-montagem do jornalista Egon Erwin Kisch Esta obra é um exemplo elogiente da euforia dos anos vinte diante da nova cultura urbana, Kisch se tornoy um homem célebre apés o langamento de seu dltimo livro, Der Rasande Reporter(o repérter apressado). O piiblico co.apelidou de Q homem das cem alhos por conta de sua extraordindria faculdade de observacio, € suas reportagens so brilhantes mostras do estilo de montagem, exercendo uma influéncia considerével na literatura. Alternando, sem transi¢io, os vastos panoramas sociais e os planos intimos da vida cotidiana, Kisch leva seu leitor a um discurso arquejante e repleto de fatos. Um ritico da €poca confessa se sentir ‘submerso em informagdes" quando 1é suas reportagens ‘A fotomontagem de Umbo, feita a par- tir de imagens de revistas recortadas, ofe- rece um contraste impressionante com os retratos mais sombrios do mesmo Kisch, pintados em 1928 por Rudolf Schlichter € Christian Schad, em razio, sobretudo, do modo bastante vivo como ele traduz o entusizsmo suscitado pelo surgimento de ‘uma cultura integralmente urbana € tec- nolégica. Recomposto por Umbo, Kisch toma-se a encarnagio de um novo homem, perfeitamente 2 vontade na civilizagio da ‘maquina anunciada por Marinett, Raoul Hausmann, Le Courbusier e Dziga Vertov. Kisch € representado como uma conjun- Go de aparelhos sensoriais ¢ mecinicos especializados; seus érgios ¢ seus mem- bros sao ptolongados por uma fantistica panéplia de dispositivos indispenséveis. Um de seus olhos € substituide por uma cimera fotografica, que da & visio novas possibilidades de precisio, de ob- jetividade e de reprodutibilidade (a camera A fron 905 mos wee uma Ermanox, muito popular entre os fot6grafos dos anos vinte em funcéo de sev pequeno formato e de sua excelente 6tiea). Uma das orelhas de Kisch é pro- Jongada por um receptor de radio, a ov- tra por um gramofone, o que aponta para ‘uma reconfiguragao da functo auditiva Em volta de seu pescogo, reconhecemos um rel6gio de pulso, uma inovacio dos anos vinte, que evoca a aceleragio do rit- ‘mo da vida urbana e a sincronizacio pre- cisa que ela impoe. No lugar de sua caixa tordxica, uma maquina de escrever sim- boliza 2 substituigéo do texto manuscrito pela escrita mecinica, estandardizada e ‘universal; e, para que seja assegurada uma rapida difusio de seus escritos, uma im- pressora rotativa de grande velocidade substitu seus rins. Uma de suas pernas se transforma em automével, a ovtra em aviio, destacando a mobilidade ¢ 2 velo- cidade sem precedentes que eliminam os antigos constrangimentos das distincias espaciais e introduzem uma série de pers- pectivas e de sensagdes inéditas. A gran- de pista mecénica do jornalista engole o espaco e anula 2 demarcagao tradicional entre a cidade e o campo. O territério da metrépole global, que Kisch representa, se estende manifestamente ao mundo in- teiro. Este retrato € uma perfeita ilustracto da poderosa corrente vtopista que atravessa a cultura urbana modernista dos anos vinte — va réplica pessimista poderia ser a sedutora sobotizada do filme Metropolis, realizado por Fritz Lang em 1926. Um manifesto de 1926, intitulado O Mundo Novo € assinado pelo arquiteto Hannes Meyer ( que sucedeu Walter Gropius na dirego da Bauhaus), oferece um dos exemplos mais ie nes ee “iene | e796 Via etude ne eC Smet be ade fio. del Names [nes chien Flags, rac, ‘ioe Tn a i hr 9 itis p35 + ver ja fen “aegis ht aoe fe Veet crn 13 9. geo fraser. ioe pacts ii eat ‘lie, Fe, testi 950 impressionantes da confianca que inspira a tecnologia’. Anunciando 2 eminente “mecanizagio de nosso planeta” convencido das benfeitorias dessa evolucao, Meyer canta a tiunfante prece das maquinas € das técnicas, tio freqiientemente entoada durante os anos vinte: automéveis, calculadoras, avides,telefones, linhas de ata tensio, aniincios luminosos, gramofones, microfones, gravadores, transmissores de radio, cinema e ... fotografia Pode parecer espantoso que 2 fotografia, ‘uma invenglo que, afinal de contas, jf tinha noventa anos, figure nesta lista de técnicas, simbolizando a nova era da maquina. Um remarcével ensaio do cineasta € critico francés, Jean Epstein, lancado em 1921 na revista Lesprit nouweau, de Le Courbusier € Ozenfant, nos permite melhor compre- ender as r2z0es do grande prestigio que gozava 2 fotografia nos anos vinte. Neste ensaio, intitulade “O fendmeno literdrio", Epstein se pergunta quais so as caracte- risticas mais originais da cultura moder nna, Ele as define como a aceleracio da vida fisica € mental, a constante “justapo- siggo de gramiticas” pertencentes a esfe- ras culturais diferentes e, sobretudo, a rapida penetraglo tecnolégica em todos 0s aspectos da vida, principalmente no dominio da percepcio visual (O maquinismo da civilizag3o, a imensa instrumentagio que invade os laboratérios, as fabricas, os hospitais, os estidios dos fot6grafos e dos eleiricistas, a mesa do engenheiro, a sala de cinema, a vitrine do coculista € mesmo o bolso do carpinteiro, permitem 20 homem um infinita variedade de Angulos de observacio. A otica, principalmente (¢ hé algo de impressionante nisto, jA que se trata de uma civilizacao, sobretudo, ética?), cola em nosso pescoco suas lentes como amuletos no pescogo do chefe indio. E todos esses instrumentos, telefone, microscépio, lupa, cimera, objetiva, microfone, gramofone, automével, Kodak, aviio, no sto simples objetos inertes. Em certos momentos essas maquinas vem fazer parte de n6s mesmos e filtram 0 mundo. No inicio dos anos vinte, logo que nos damos conta de que a fotografia encarna 0s principios (economia, precisio, objeti- vidade, estandardizagio, reprodutibilids- de) que presidem 2 emergéncia de um universo tecnolégico. A partir do momen- to em que ela toma seu lugar entre o gru- po restrito de técnicas que, segundo Eps- tein e ouleas figuras de vanguarda, remo- delam nfo somente o mundo mas também sua representacgo nas nossas consciénci- as, nlo € mais possivel desqualifici-la — © que foi feito muito freqientemente no século XIX — sob 0 pretexto de que seria somente uma intrusa entre as artes maio- res. Redefinida pela era moderna como prolongamento técnico do olho e da mao, a fotografia torna-se, para muitos artistas, © instrumento privilegiado de uma explo- ragio passional - Se a fotografia, 4 maneiza de outros generos considerados “objetivos’, como 0 cinema e a reportagem literdria, goza de um prestigio sem precedente nos anos vinte, € em parte porque ela aparece como um meio que permite apreender 2 nova realidade da metrépole, de um meio urbano cuja escala colossal, o formigamento de ativi- dades € 0 ritmo enlouquecido parece fu- gir aos modelos de compreensio tradick- onais. Num importante ensaio de 1903, La Métropole et la vie mentale, 0 sociélogo Georg Simmel jé opunha o dinamismo da cidade, com seus bondes, seu metrd, seus wens répidos, ao rltmo mais lento do cam- po e das cidades do interior. A vida nas grandes cidades, assinala Simmel, se c2- racteriza por uma sucessio precipitada de impressdes contradit6rias, por ‘uma cons- tante penetagio de imagens méveis, in- tercaladas entre o que percebemos num rapido € tinico olhar e a imprevisibilida- de dos estimulos visuais". 0 aspecto eva- sivo que apresenta a cidade moderna, particularmente ao observador apressado, é também notado pelo arquiteto Peter Behrens em 1914. Observando que “a ve- locidade tornou-se um fator essencial & produtividade", Behrens destaca uma de suas imprevistas conseqiiéncias: “logo que circulamos 2 toda velocidade nas nossas cidades, nao podemos distinguir os deta- thes da arquitetura. E as perspectivas ur- banas que percebemos a partir dos wens expressos 56 nos parecem silhuetas fugi- dias. Os edificios isolados nao existem mals para nés Num espago urbano onde as maquinas € 0s procedimentos mecénicos impéem cada vez mais seu ritmo, onde uma mobilidade e uma velocidade desconcertantes fazem estourar 0s quadros de referencia twadicionais, 2 extensio do sentido da vista que oferece a cimera fotografica € acolhida como uma 2daptaglo necessiria e stil. Em 1921, o dadaista berlinense Raoul Hausmann. (que ainda nao € fotdgrafo) faz votos a “uma educagio do olho pela dtica mecé- nica” e canta as vantagens da camera fo- toprafica, percebendo-a como um instru- mento indispensavel aqueles que querem > fora o0s anos vt dominar as novas pressoes impostas pela cidade, Para Raoul Hausmann, a fotogra- fla € t@o preciosa que ela permite reedu- car o olho e ampliar suas possibilidades, © que torna, assim, a visto mais segura, mais global e mais criativa. O apelo mo- dernista pare “renovar a visio" € tomado em seu sentido mais literal e mais funda- mental “Hoje, escreve Haussmann, com a estrada de ferro, a aeronave, a camera fotogréfica e 0s raios X, adquirimos fabu- losos metos de observacdo que, pracas ao au- ‘mento mecinico de nossas faculdades na- turais, nos permite ter um novo tipo de conhecimento ético” Um livro fundamental da Bauhaus, Maleret, Fotografte, Film Pintura, Fotogra- fia, Filme), publicado por Moholy-Nagy em 1925, ilustra a variedade de técnicas foto- grificas suscetiveis de servir 8 busca des- se novo "conhecimento ético’: Angulos ex- tremos de plongées e contra-plongées, pri- ses de vue em grande velocidade, tiragens negativas ¢ radiografias, fotomontagens, fotografias com alto grav de preciso. O thio capitulo do livro Dindmica da me- tropole, expe sumariamente diversas apli- cages dessas técnicas & representacao da cidade moderna Para descrever os diferentes modos como ‘a metrOpole foi repensada e representada pela fotografia durante os anos vinte, vamos examinar brevemente como os artistas € fotégrafos interpretaram trés conceitos fundamentais que sustentam a reflexto da época sobre a cidade moderna: montagem, velocidade e Sachlichkeit (“objetividade”) Esses conceltos foram utllizados com muita peitinéncia por Ernst Bloch, no livro Hé- ritage de ce temps, langado em 1935, para * crop inne he Neopased e le Data tine ob degio 1) ec Sa on teary dS. lees Une (hisg Pey 82, * pete tebe, “talon dee Rimeeoting st Idee fares ‘tig ie ber rte ah des Dewchen We Seen tape ie tie facitar a compreensto de uma série de fe- nOmenos aparentemente disparatados (o jazz, a pintura de Neue Sachlichbei, a racio- nalizago industrial, 0 teatro de Brecht € ‘mesmo © surredlismo), que seriam facetas de uma vasta configuragio comum. Solida- mente ancorados numa realidade tecnol6gi- a € urbana, os conceitos de montagem, ve- locidade e sachlichketsd0 tomados aqui como categorias das quais podemos tentar compre- ender os produtos os procedimentos de uma incontrolével cultura metropolitana Esta percepeao de cidade moderna, ‘que seria ela mesma uma grande monta- gem, uma justaposigao de espagos e rit- mos descontinuos que nunca se fundem em um todo tangivel ¢ concreto, € a ver- dadeira mensagem wansmitida pelas nu- merosas foto-montagens dos anos vinte E © caso, principalmente, das primeiras montagens urbanas de Hannah Hoch e da série “Metropolis” de Paul Citréen (1919- 1923). Nessas imagens, os fragmentos de arquiteturas dispares e vistas urbanas su- perpostas restituem admiravelmente a im- pressio de simultaneidade caleldoscépi- ca que se depreende de uma grande cida- de, Com seus elementos grificos fluuan- do no espaco, combinados com fotografi- as de operérios ¢ de arranha-céus com fachadas recortadas, a Ville dynamique (1919-1920) do supremo Gustav Kloutsis € umbém audaciosa, Esta montagem, pre- cisa a inseri¢ao de Kloutsis, “deve ser vis- ta em todos os sentidos” . Privada de toda referéncia fixa e de um objeto estavel para observar ( como o habitante desorientado das meir6poles de Georg Simmel), 0 ¢s- pectador € convidado a explorar 2 obra através de uma variedade de pontos de vista em que nenhum é privilegiado, Conclui-se que a psiqué do cidadao modemno pode ser interpretada como uma rede de fragmentos dispersos, como ilustra a Téte, de Willi Baumeister (1923), retrato de mulher em partes esquematicas estilhacadas. A espetacular série de foto- montagens realizada por Aleksandr Rodichenko para ilustrar um poema de amor de Maiakoski, Pro Eto (Daquilo, 1923), evoca de modo mais complexo a fragmentagio psicolégica que acompanha a “urbanizaco interior’; essas montagens recriam o clima de estranhamento produ- zido pelas mudangas bruscas de humor, de lugar e de tempo do poema. Por volta do final da décads, sob a influéncia de todas essas conjungdes, 25 Fotografias se afirmaram cada vex mais na apresentacao, desta vez numa imagem tnica, de um tipo de cidade-montagem: um espago atraves- sado de formas violentamente heteroge- reas e de signos visuais flutuantes. Assim € a cidade sugerida em Meudon (1928), de André Kertész, ou na Grand Magasin berlinois (1929), de Umbo, com a inguie- ante superposigio de um antincio publi- citric sobre 0 céu da (praca) Hermann- platz, diante de ume nova loja da cadeia Karstadt © mesmo acontece com o cinema, auravés dé filmes como Kino Pravda, de Dziga Vertov, ou Berlin, die sinfonie der Grogstadt (Berlim, sinfonia de uma gran- de cidade, 1926), de Walter Ruttman, que exprime melhor 2 velocidade e 2 mobilidade associadas A metropole. Para sugerir 0 mesmo dinamismo urbano através das imagens fixas da fotografia, era preciso experimentar as novas técnicas. Assim, Umbo levanta sua objetiva com uma vara € prolonga o tempo da pose para trans- formar os fardis dos automéveis em cor- rente de energia luminosa e abstrata inun- dando a paisagem urbana como um raio de luz. Evocando 0 ritmo frenético da ci- dade e sua incessante agitacio, uma foto- montagem de Lissitzky, Le Coureur dans Ja ville (1926), traduz a fascinagao da épo- ca pelo corpo humano como maquina perlormante ¢ assimila o cidadio moder- no a um atleta saltando por obstéculo numa brilhante e artificial luminosidade da noite urbana Esse sentimento de ti unfo sobre as velhas pressbes fisicas alia- se a uma verdadeisa jubilagao diante da iberdade € mobilidade sem precedentes do olho modemo. Isso fica evidente na série de vistas aéreas feitas por Moholy- Nagy do alto da torre da radio de Berlim. |A perspectiva da “visio do passaro”, es- colhida pelo fot6grafo, reduz a cidade a uma pura abstragfo de tons e texturas Ao contraio, a sacblichkeit permite in- lerromper momentaneamente 0 movi- ‘mento enlouquecedor da cidade ¢ favo- rece uma contemplacio indiferente, mas estética, dos objetos que penetram cada vez mais a vida moderna. Os Estados Unidos, em particular, redescobrem 0 género da natureza morta para dar valor 20s objetos do comércio e da industria, Mas encon- tramos, também, o romantismo da miqui- na em certas fotografias de Paul Strand representando maquinas-instrumentos com reflexos inquietantes ou 0 mecanismo maravilhosamente fabricado de sua cémera Akeley; na beleza escultural do berbequim de um automével fotografado por Paul Outerbridge (Vilebrequin Marmon, 1923) ou na orquestragao, 2 que se dedica Edward Steichen, de um espetacular cam- po luminoso 2 partir de. um novo mode- lode isqueiro. Na Eusopa, fot6grafos como Germaine Krull, com seus interiores das fébricas e suas “paisagens de metal"— ar- quitetura de ferro e ago — ov Albert Ren- ger-Patzsch, com seus espacos industriais seus alinhamentos de produtos manufa- turados, hipnotizantes de uniformidade, testemunham também 2 fascinacio dos anos vinte pela “beleza da maquina" Paradoxalmente, poucos artistas se ren- deram 20 desafio de constituir, nessa mes- 1a base de técnicas fotograficas, uma lin- ‘guagem visual critica, capaz de dar conta da grande cidade moderna. Entretanto, essa € a ambicio de um dos Albuns mais marcantes dos anos vinte, Amerika, no qual o arquiteto Erich Mendelsohn reuniu uma impressionante colecio de fotografias brilhantemente legendadas Sem divida, certos arquitetos modernistas jé tinham Jangado mao da fotografia, alguns mesmo com grande eficdcia: desde 1919, Le Courbusier introduziu fotografias nas paginas de L’esprit nouveau para que “mesmo os olhos que nao enxergam” aprendam a apreciar as formas novas. Assim, o album Amerika é a tentativa mais completa ¢ mais claborada de utilizacao da fotografia para destinchar a metsopole — no somente para Identificar a forcas que a constituem, mas, também, para tornar sensivel a nova selaga6 0 espaco que ela produ Amerika € frato de uma viagem que Mendelsohn fez aos Estados Unidos no ovtono de 1924, com objetivo de escrever uma série de artigos sobre arquitetura, € cultura urbanas da América. £ um volume em grande formato, ilustrado com magni ficas fotos de arquitetura feltas pelo pré- prio Mendelsohn ou por seus colegas, € ‘aves om Die fram a val 1 sigs 0M pI Inpesis prucice ‘ake bre peo ssw ty (oti ‘ome sue Uren acompanhadas de um comentirio incisi- vo. Publicado em 1926, ele tem um su- cesso extraordindrio tanto entre os espe- cialistas quanto junto aos profanos. Assim, a revista Werkbund Die From, congratula essa obra por ler sabido mostrar “a possi- bilidade de uma vida que nao esteja acor- sentada ao passado”. E escritores como Brecht se inspiraram bastante no retrato espetacular que ele traca da vide urbana nna América? O impacto dessa obra deve-se, em par- te, 20 fato de que Mendelsohn, distinguin- do-se do uso estabelecido na fotografia de arquitetura, s6 mostra iméveis modes- nos isolados. Ele apresenta, sobretudo, enormes conjuntos urbanos dominados por arranha-céus gigantescos. Amerika nao issimula o fato de s6 ofesecer uma visto parcial de seu sujeito, limitada principal- mente & Manhattan, ao centro de Chica- go, 2 Detroit de Henri Ford, a um conjun- to monumental de silos para cereais € 2 algumas realizagées de Frank Lloyd Wri- ght Para os leitores jé familiarizados com 2 arquitetura € com o urbanismo america- nos, nenhum desses temas foi uma reve- Jaco. Em contrapartida, Mendelsohn ino- va pela demonstragao de que um livro de imagens pode conter um discurso radical- mente critico em matéria de cultura ‘Ora, longe de fazer apologia da civill- zaglo americana da maquina, Mendelsohn € um dos criticos mais fervorosos © al- bum Amerika deve sua forga ao fato de que ele fixa, sem contornos, as duas ca- ras da cultura urbana da América Ao mes- mo tempo dinémica e deformadora, exal- tante ¢ extenuante, ela produz rapidamen- te aquilo que Mendelsohn chama, com ‘uma fascinago horripilante, de uma ver- dadeira “embriaguez visual” Ble sabe que sente um delicioso arrepio de vestigem € de excitagao no meio do tumulto de Ma- nhattan; ele se encanta com o aparecimen- to vulcinico de seus arranha-céus € 2 in- ventividade de suas méquinas, mas ele tam- bém denuncia as aberragdes € os absurdos ‘arquiteturais ¢ sociais que assustam o olhar em cada canto de rua 0 que sio esses materiais visuais de Amerika? Primeiro, Mendelsohn mostra Imagens da cidade contemporanea em todas as suas contradig6es como, por exemplo, vistas do conjunto de ruas de Manhattan justapondo os mais ecléticos estilos arqui- teturais passados e presentes. Dentre esse “crescimento selvagem’, ele assinala as Inovagdes fortuitas que parecem mais suscetiveis de serem exploradas no futuro Segundo, 20 propor as seqléncias de foiografias que retracam a evolucio no tempo de certo tipos de iméveis, Mendelsohn poe em destaque a logica interna do desenvolvimento da arquitetura americana. Por exemplo, ele mostra em paginas consecutivas, quase como num livro de imagens animadas, a maneira como o arranh-céu moderno— desde os primeiros ensaios de Louis Sullivan em Chicago até ‘o Larkin Building de Frank Lloyd Wright (4904), pasando pelo Monadnock Building de Burnham ¢ Root (1891) — progre- ssivamente se despojou de seus ornamen- tos para cheger a uma evidéncia puramen- te arquiteténica, ov sachlich (“objetiva") Enfim, para além das técnicas analiti- cas, Mendelsohn se serve da fotografia no para exprimir 2 idéia de gigantismo, mas sim a experiéncia do individuo posto no meio de forgas colossais ¢ anénimas que regem o espaco das cidades americanas Esta € a conquista menos esperada do li- yro. Renunciando as composigbes equili- bradas e as perspectivas minuclosamente enquadradas da fotografia de arquitetura tradicional, Mendelsohn escolhe angulos extremos, como contra-plongées feitos 20 nivel da rua, para mostrar essas torres sombrias que se langam em diregao ao céa como uma ameaca (Sempre atento as novacdes no dominio da “arquitetura do livro’, Lissitzky reage com entusiasmo: “para compreender algumas de svas fotografias & preciso levantar o livro acima de sua cabeca e girar. Este arquiteto nos mostra a América vista, nfo de longe, mas de seu interior. °"), Ou ainda, através da técnica da exposigao miltipla, Mendelsohn resti- tui, intensificando-o até a alucinacto, 0 ‘clicar’ dos postes elétricos que dluminam a Times Square 4 noite. Ov também, prolongando tempo de pose, ele meta- morfoseia os fardis dos automéveis ¢ dos bondes em puros tragos de luz cadente através da cidade. Amerika, no entanto, 6 explora esse tipo de procedimento com ‘muita reserva; na sua andlise do livro, Lis- sitzky mostra a vontade de ver estas ex- periéncias fotograficas levadas ainda mais Tonge, em nome de seu puro interesse vi- sual. Estas imagens continham ainda uma perspectiva documental e analitica adota- da por Mendelsohn sobre a América ur- bana; elas ihe permitiam evocar visceral- mente aquilo que chamava, numa mistura tipica de fascinagao ¢ desgosto, o “delirio da rua" Amerika nos oferece um dos melhores exemplos de fotografia utilizada, desde os ‘anos vinte, como instrumento de uma “eri tica operatéria", emprestando a expressto de Manfredo Tafuri". Em outros termos, Mendelsohn pretendia muito menos fazer ‘uma pesquisa objetiva sobre a cidade mo- derna mas, sobretudo, legitimar uma vi- sto modernista de sua evolugio futura No caos do presente, acreditava Mendel- sohn, podem ser desvendados os tragos anunciadores de uma nova ordem arqu- tetural, de um novo paradigma urbano. Amerika apresenta 0s pontos de cristali- zacio dessa nova ordem de tal modo que eles aparecem com o resultado fatal da evolugio da cidade. Mendelsohn da, tam- bém, uma resposta convincente a uma quesiao muito debatida durante os anos vinte: como manter um discurso critico por meio das imagens fotogrificas sem que ‘essas imagens se tornem um fim estético em si? Respondendo com imaginacio ¢ convicgito a essa questio, Amerika ofere- ce uma liglo magistral sobre como a ci- mera fotogrifica pode servir de instrumen- to critico para uma melhor compreensio do espaco urbano. a dy, “he dehy 1228 tadanoen ngs ‘rape Pp feos deo Rosoprphy ine et Ee tcpen Decent Chip, ae ow tk ep tia no aoe PP * sande fe: Soret ce 137 pce ease eee chins se “eameiapo ois ted ap Abstract The enthusiasm raised by the promises of an urban and technological culture was never so strong as in the twenties; and perhaps the modern city has never been exhibited in such fascinating and exciting ways as in films and photography of that time. Above all and thanks to photography 2 great number of artists, architects and photographers tied to point out the first elements of a new urban order Mainly in change of Lalo Moboly-Nagy, Alexander Rodichenko and El Lissitzty, photography (and the related techniques such as photo-mounting) proposes images which antic pate a new world that has just started to be shaped LAL LO Pesquisas boo RAASASYSEYE Explorando a Sociedade Fotograficamente* Explorando a Sociedade Fotografica- mente investiga alguns dos muitos esfor- 608 feltos por fot6grafos e cientistas soci- ais em combinar as duas disciplinas para, através do meio visual, compreender as atividades da vida social. Esta selaca0, no entanto, passou por inimeras dificulda- des desnecessirias. Neste trabalho, nosso objetivo € demonstrar, através da prética de iniimeros profissionais com diferentes tra- jet6rias e experiéncias pessoais, como as dificuldades podem ser superadas € quais sao as suas possibilidades. Estes textos servem, no minimo, como exem- plares, modelos ¢ ponto de partida para exploracées posteriores, que poderao ser realizadas por novas geracdes para as quais aquilo que hoje parece problema e contradicio, certamente tera desaparecido Normalmente distinguimos entre cién- cia (incluindo as ciéncias sociais) arte, en- tendendo a primeira como a descoberta da verdade sobre o mundo € a outra como a expressio estética de uma tnica visto pesso- al. Tudo estaria correto no tivessem os aistas tantas visbes sobre as verdades do mundo e as descobertas dos cientistas sobre as verdades nio contivessem tio fortes elementos decomentes de suas visdes pesso- ais As duas légicas estio aprisionadas em carinhos que nao podem se miswurar. Con- tudo, devernos traté-las mais como comple- mentares do que opostas Os elementos de sobreposicéo e conti- nuidade entre os objetivos das ciéncias sociais ¢ da arte sao, no caso da fotografia, particularmente Sbvios. Os fot6grafos, desde o inicio, tveram como tarefa fotogra- far o mundo social, tanto pelo interesse por lugares distantes e povos exéticos, quanto Por registrar eventos exéticos e pessoas Prximas. Os cientistas socials, de tempos em tempos, fotografaram as pessoas e os lugares envolvidos em suas pesquisas (poucas vezes como uma aividade de rotina, exceto no caso da antropologia). Os fotégrafos tém estudado antropologia Sociologia, ¢ os cientistas sociais estudado a fotografia Os dois grupos sentem-se pouco & vontade com essas sobreposicées e conti- rividades, jé que os dois objetivos - an Se social € expressdo estética - sao neces- sariamente contraditérias e j& que s6 & ossivel satisfazer uma 2s custas da outra Um abalho artistico, devido ao seu sta- tus de arte, deve se adequar @ certas con- vengoes caracteristicas do mondo das ar- tes visuais. Deve ser, por exemplo e em certo sentido, um trabalho original, um desenho ou uma pintura tnica, ou um exemplar de edicio limitada feito por melos reconhecidos de producao. A cién- cia exige outios tipos de obrigacées ¢ a aceitagao de certas convengées, tais como a explicita apresentaczo de hipdteses conclusdes € 0 acesso objetivo as evidén- se migoog nme ext fe tata revit operat pots ning cay nunca oF Beso Pen 190i adapt © saipata cet clas. A maneira pela qual os cientistas sociais distribuem seus trabalhos nos dé a impres- slo de que eles no querem torné-los objetos “inicos, ¢ a tendéncia estlistica em direco 2 aluséo ¢ &s afirmagdes subjacentes caracteristicas das artes fazem com que anilises explicitas parecam descabidas. Os profissionals do género documentirio vivem ‘estas contradicbes como dilemas pessoais Tomando, como um simples exemplo, a questto do formato, pode-se dizer que 0 formato “natural” para 2 fotografia das cién- cias sociais parece sero livro, reproduzido ‘em grande quantidade e nunca objeto inico, no qual o trabalho aparece como uma gran- de colegio de fotografias acompanhada por texto analitico substancial. Do mesmo modo, 6 formato “natural” da fotografia de arte parece ser a parede da galeria, pendurada como uma colegio emoldurada de cexemplares originals, cada uma tratada como tum produto acabado, e sem necessidade de explicagées verbais. O exemplo classico deve ser a colaboragio Mead-Bateson em Balinese Character, que faria pouco sentido se nio fosse um livro, 2 nfo ser pela beleza de algumas das fotografias,e 0 trabalho de Paul Strand The Mexican Portfolio, cuja in- tegridade seria violada se alguma infor- maco etnografica fosse acrescentada, ain- da que cuidadosamente No entanto, os formatos classicos so desnecessarlamente constrangidos. Os ci- entistas sociais que fazem fotografia no precisam ser descuidados com seu senso artistico como foram Margaret Mead e Gre- gory Bateson. Mead tinha receio que a ne- cessidade de fazer arte interferisse na ob- jetividade cientifica necesséria (embora Bateson tenha entendido que 2 nulidade estilistica que consttui a objetividade que Mead tinha em mente ndo era possivel nem desejavel). Muitos cientistas tentam levar ‘arte em consideraczo, mas acabam sen- do convencionais em seu modo de apre- sentago. Alguns chegam a perceber, con- tudo, que existe mais que uma maneira para atingir os dados e arrazoados que levam o cientista soctal aos seus resulta- dos. Reconhecem que o fato de rotular uma idéia como “hipdtese’ nfo a trans- forma numa idéia melhor, € que modos de apresentacio no convencionais que uusam recursos tipicamente associados com a arte podem também se adequar 20s ob- jetivos da ciéncia Da mesma forma, os fot6grafos de arte (€ 08 cientistas sociais que, ultrapassando a necessidade de serem cientistas, imitam formatos fotogréficos cléssicos), podem usar os recursos que 2 arte contempori- nea, direcionada para a idéia de informa- Gio, deixa disponivel. A arte conceitual, particularmente, deixou os fot6grafos It vwres dos requisites classicos de fotografia delicadamente realizada, de imagem Gnk ca, como um fim em si préprio, Como re- sultado, os artistas comegaram 2 explo- rar novas formas de apresentar a informa- fo. No caso da arte, com o objetivo de entender a sociedade, as informagdes de- vem ser sociolégicas. Esses novos forma- tos sto bem adaptados & apresentacao de idéias e resultados cientificos, mesmo nio sendo a manelra clissica, Os artistas, in- teressados em maximizar a quatidade de informacées apresentadas, podem usaf méltiples imagens, grande quantidade de informacdes primérias como o texto, a lin- guagem da ciéncia altamente objetiva, a manipulaco da cor caracteristica da arte Sects anaes ea expressionista ou a combinagao no conven- cional de varios desses planos Assim sendo, podem (e provavelmente o fardo) tentar ofender tanto os cientistas quanto os fot6grafos puristas. Neste ponto, recordo-me do trabalho grafico, mals que fotogréfico, de Hans Haacke que fundiv os requisites da arte eos estudos cientificos das estruturas de po- der de tal maneira que, para os purisias, violou 0s c&nones tanto da arte quanto da ciéncia, conseguindo assim aquisicoes admiréveis em ambos os departamentes? Apublicagio por mim organizada Explo- ring Society Photographicall, reine varios fot6grafos ¢ cobre um conjunto completo de possibilidades. Alguns estZo mais preocupados com a apresentacao das evidéncias que outros. Alguns usam as formas convencionais de apresentacao artistica; outros escolheram violar a inte- gridade de uma c6pia Gnica. Alguns usam texto em maior quantidade que outros. No entanto, 2 partir de seus trabalhos, fica- mos conhecendo melhor certos aspectos da sociedade em que vivemos. Nos dei- xam a impresssto de estarmos comparti- Ihando uma visto nova. Desta maneira, satisfazem nossa demanda sobre o que tanto arte quanto cléncia podem dar e sugeris Dicotomia e contradi¢ao nao so mais que Abstract Exploring Society Photographically by H Becker (1981) It understand the workings of the social world ode Sc upaanee convencionais ¢ nfo podem deter o interesse de quem quer que seja em compreender a sociedade ¢ fazer arte ao mesmo tempo. Os trabalhos reunidos na coletanea citada compartilham, e essa é uma de suas forgas, um profundo e ntimo conhecimen- to entre os que realizam as imagens com os lugares e pessoas folografadas. Com a permanéncia por longos periodos entre as pessoas das diversas sociedades estuda- das, estes fot6grafos aprenderam o que € importante ser estudado, como identifica a dramaticidade dos eventos € traduzi-la em uma linguagem especifica. Isto no se pode aprender em uma ou duas semanas, @ essa é a diferenca essencial entre 0 jor- nalismo e as exploragées da sociedade aqui apresentadas. A sociedade se revela para aqueles que 2 observam atentamen- te por um longo periodo, no para aque- Jes que a olham de relance. Embora os fot6grafos tenham escolhido maneiras di- ferenciadas para dar forma 20s seus co- nhecimentos adquiridos, todos investiram seu tempo € muito se dedicaram para atin- Bilos. the introdutory article of the publication organized westigates some of the many efforts made by photographers and social scientiss to combine.the two disciplines and perspectives, to use visual means to We costomarily distinguish between science and art, but we need to treat them as comple- mentary rather than opposed. The elemenis of overiap and continuity between the aims of social science and art are, in the case of photography, particulary obvious Feaniog id ng {7075 Hb resol er et Colege of at nd Desig 197 dot Naren fe are une Sipealemte ph Tro ining ast Veersecr wz AAREYYEYYF Dois rituais do Xingu Fiz estas fotografias entre agosto & novembro de 1976 e em julho de 1977, no Parque Indigena do Xingu (Mato Grosso) durante um trabalho de campo antropol6gico entre os Yawalapft, um grupo ‘Arawak de 120 pessoas. Esta foi minha primeira experiéncia ‘como antrop6logo (estava trabalhando para minha dissertacio de mestrado) e uma das primeiras como fot6grafo Fiz estas fotografias para capturar aspectos da vida Yawalapiti que ndo podia traduzir em linguagem escrita ¢ para comunicar o prazer propriamente estético despertado por minha percepsio deles, meu prazer em olfé-los, dificil de ser incluido em ‘um trabalho académico. As monografias antropol6gicas deixam pouco espago para ‘0s aspectos “nfo-estruturais’ da experiéncia perceptiva do investigador, Pelo contrério, deseja-se estruturar esta perceprao: impressoes difusas, prazer estético ou desespero existencial sto normalmente comunicados aos amigos e colegas, ou transformado em “literatura” na introdugao as monografias Prefiro realizar estas sensacdes de forma piblica através das fotogratias Os Yawalapiti eram um dos grupos €inicos - cada um com sua lingva e identidade especifica - que habitavam o sul do Parque Xingu, reserva indigena cri- ada pelo governo brasileiso em 1961. Des- de entio, as fronteiras do Parque passa- ram por diversas demarcagOes € sua area foi diminuida, seu tersrit6rio cortado por estradas e invadido por grandes empresas agricolas Essas tribos - 0s grapos do Alto Xingu - tm um perfil cultural comum formam uma sociedade articulada interna- mente através dos casamentos, dos rituais € das trocas econémicas inter-aldeas. A diversidade lingiiistica (algumas aldeias falam Tupi, outras Caribe, outras Arawak) em meio 2 uniformidade cultural constitui um fendmeno socio-lingiifstico curioso, cuje anilise esta ainda por ser feita. A maioria dos grupos do Alto Xingu devem ter chegado 2 regiao pelo norte, ha varios séculos A geografia transformou o Alto Xingu num refiigio para os grupos desto- cados de sev terrrit6rio original por tri- bos hostis ou pela colonizacéo brasi- leira © Alto Xingu € uma regio plana ¢ relativamente fértil, seus muitos rios ¢ I goas sao plenos de peixes. Sua vegetacao é intermedidrla entre o cerrado do planal- to central, ao sul, € as florestas tropicais do norte, garantindo assim uma situagao ecolégica diversificada, favoravel & vida humana. Os indios do Alto Xingu vivem do plantio da mandioca e da pesca; a car- ne dos animais terrestres € considerada impr6pria para 0 consumo humano. ee aio e- esin pies Elev alo es ‘a te Sage akaiyaaticl, Sate pr edt Teta ‘isp ope fbr por Portes Slemette © pat ‘econ 2 ps Howbane edooe (rnd ele Seog! i090 Sues aldeias sto circulares, com grandes casas multifamiliares dispostas em torno da praca central onde sao realiza- das importantes ceriménias e onde os homens se reiinem. A praca central € um espaco masculino: all se localiza @ casa ‘que abriga as flautas sagradas, proibida as mulheres ‘A sociedade xinguana engloba nove ‘grupos locais (aldeias) ligados por uma extensa rede de caminhos. As regras de residéncia sio fluidas ¢ instiveis, deixan- do espago para a manipulacao politica © célcula individual. © parentesco é bila- teral, a transmissto da propriedade nao parece ser um aspecto relevante do siste- ma social € 08 dizeitos coletivos das al- deias sobre os territ6rios que exploram de- vem levar em conta a continua mudanga na composicao de seus membros. Contu- do, parentesco e identidade lingtistica sio atributos fundamentais da identidade so- cial, e cada grupo local tem aspectos eco- némicos singulares, especializacdes ceri moniais. A relagao entre 2s tribos/aldeias (hoje cada tribo esté reduzida a menos que uma aldeia, algumas desapareceram e seus remanescentes foram incorporados a outras aldeias) sao geralmente pacificas, embora uma hostilidade latente aparega nos esteredtipos negativos sobre 0s outros grupos; nas acusagbes de bruxaria ena competiao ritual. Os grupos do Xingu tém uma identidade coletiva comum, que os distingue dos outros indios que vivem mais 20 norte; a dlassificagao dos seres humanos, na maioria das linguas faladas na regito, distingue radicalmente ene “Indios do Xingu’, indios selvagens” e “brancos". S40 varios os elementos que caracterizam 0s indios do Xingu: alimentagio, decoragao do corpo, um ethos que eles definem como pacifico € reservado, conhecimento cultural dos riuais, de formas de etiqueta e de mitos O sistema mitol6gico-cerimonial do Xingu 6 o mais importante elemento para a compreensio desta sociedade, aparen- temente tao fluida e desestruturada, sem regras rigidas para o casamento ¢ a resi- déncia e com sistema politico bascado em parentelas bilaterais que funcionam como matrizes de facgdes. Os rituais podem ser intra ov inter-tribais, ¢ os mais elabosa- dos sto @ iniciagio na puberdade, as fes- tas dos espiritos que causam doencas, ¢ as cerlménias funerdrias para pessoas importantes. A organizago ritual ope os patocinadores e o sesto da comunidade (nos rituals intertibais, as aldetas que recebem 0s convidados); aos primeiros cabe alimentar 0s outros participantes. “Possuir’ um ritual confere prestigio ¢ significe poder; os anftriGes dos rituais mais importantes sto homens de status elevado. Nas ceriménias do ciclo da vida, como iniciac20 e morte, somente os adolescentes e mortos de grupos importantes de parentes sto objeto de atengio ritual elaborada, envolvendo a produgo de alimentos em larga escala & presentes caros para os e&pecialistas rituais (imésicos), A mitologia do Xingu tem como tema central, 0 pagamento de criagio dos seres humanos por um demiurgo, que fez as primeiras mulheres 2 partir de toras de madeira, Uma dessas primeiras mulheres casou-se com um jaguar, dando a luz fi hos gémeos — o sol ¢ # lua — que sdo os ctiadores da humanidade de hoje os responsivels pela separacio entre os ho- mens € os animais, 20 matarem seu pai jaguar, simbolo da ferocidade natural. Este Ciclo mitol6gico esté na base do mais im- portante ritual do Xingu: © Quarup, a fes- 12 dos mortos © Quarup retine, na estacio seca, a maior parte das aldeias do Xingu, comemorando os mortos recentes de cada aldeia. Durante a sua celebracao, os adolescentes em reclusio pubertiria so apresentados 4 comunidade, as jovens recém-saidas da reclusao se casam, € uma luta espostiva intertribal tem Iv- gar. O Quarup tem algumas caracte- ristices de um sito de segundas exé- qvias; seu simbolismo € baseado no mito da criacao: os gémeos Sol e Lua fizeram o primeiro Quarup para come- morar a morte de sua mie, morta por jaguares. Esta ceriménia da morte, na qual os adolescentes sto integrados 2 vide adulta e as mocas se casam, é também uma afirmacio de vida As duas outras ceriménias significativas da sociedade xinguana expressam a separagio entre 0s sexos e seu antagonismo latente. O ritual das flautas sagradas - 0 Jakuf - une e simboliza a comunidade masculina da aldeia (ou da sociedade xinguana inteira), e as mulheres So estritamente proibidas de vé-lo. As flautas atuais slo réplicas de flavtas miticas arquetipicas, identificadas a espiritos aquatica © complexo da flavta sagrada do ‘Xingu tem algo em comum com ceriménias do noroesie amaz6nico que exprimem uma ideologia de fertlidade simbélica masculina, garantida pelo poder dos homens sobre as mulheres. ins aye As mulheres, por sua vez, apresen- tam ¢ representam a si prOprias através do Yamurikuma, a festa das “mulheres- monstro”, criaturas mitolégicas que aban- donaram 2 aldela de seus maridos e for- maram uma sociedade exclusivamente fe- minina. Durante o Yamurikuma (nome tan- to da ceriménia quanto do espirito colet vo feminino que pode provocar doengas nos homens ¢ nas mulheres), as mulheres temporariamente “tomam © poder", ocu- pando 0 centro da aldefa e atacando os homens que se aproximarem. Assim como ritual das flautas Jakut tem um tom sole- ne e sagrado, € suas marcas simbélicas basicas sao proibico ¢ reserva, o Yamu- rikuma se desenvolve ao estilo de um car- naval, festivamente, € seus simbolos so a licenciosidade e a agressividade femini- nas. Fazendo um paralelo com as cerimé- nias da sociedade brasileira, poderiamos dizer que o Quarup é uma cerim@nia civi- ca (afirmando a identidade pan-xinguana), © Jakui um ritual sagrado ¢ Yamurikum’, © carnaval A relagao ene os grupos do Alto Xingu e a sociedade nacional foi um tanto diferente daquela de outros grupos indigenas brasileizos. Por vasias raz0es - @ ago politica de certos indigenistas, a dificuldade de acesso 4 regido, 2 falta de produtos que ~ interessassem aos brancos - a sociedade xinguana conseguiu, por certo tempo, evitar © destino comum & maior parte dos gru- pos Indigenas atingidos pelas frentes de expansio: morte por epidemias ou mas- sacres e pilhagem de suas terras. (aoe Jovem Yawalaptiproparendo-se para e fasta dos mor. tos aldeia Waurd’ Os bale colarides foram ofeecides por um vistante or Yawalapt usaran-nos, de mansira tun tenloirdnic, coro ornamaiesexstices 0 cinto do raps, flo por contas de vldra sobre weide tras una f- (gira bumana exilzada, um pod com e importante ro Xings LDecoragéo para a clebrazdo do jaoars os yaualapt se preparam para nar na alia Waurd Cerrgan os dardos 0 arremesador em suas mao A cdlebragde dofavart, na elds Waurd (s homens Yawalepi! ¢ seus convidados ‘pinuaram se ao amanbecer nur campo per- to dz aldeia Waurd 0 eva € celebrado para comemorara morte de ue wxbo cam: pedo da competigdo, que conse no are ‘mes de dardes de pontarombuda, a cur- ta ditincia, contra um oponente A cale- ‘ragdo do favor sempre enelve dues al- elas ese decenrola num cima densa ex- pectatva; & um ritual parecio com 0 da (guerra, diz 0 povo do Xingu Os oponents ‘So concabideseratados como pelos cru szadas, ist como parceites de elas co ‘naano tempo focotase agressioas A deco ragho do corpo ne javari par os padrbes inguanes,“desordenada"ecarnavalesca ada urs tent sa sobrepr 2 ono em ot Ainalidade ebrilbo Ts homens Youslapi {se pinta para a fsa dos mores, na al deia Wouré A pintura pia nor olbos {a com corvio)repecrnia aves de rap a pintura etilizada no peta e nes bragos representa cobras pets eines tn do Ke Un grag de dongarinas na aldea Youslapit. As meninas pequenas lamb foma parte na cern. Como todas as crimes do Xingu, a Yamurdkumd’ndo ters un inicio nem um fm definides, compondo-se de ume sine de momenios mais ou menos importants Eta ceriménia fl orgenizada quando uma importante mulber de alte, que baviafcado deente por conta do expr de Yamuurthumd,decdiu ealzara ceimnia para ee cur. Mersin Ward obsereando os wistants Yewolapit {zo Abstract I made these photographs in the Parque Indigena do Xingu (Mato Grosto, Brazil), while doing anthropological field work among the Yawalapiti, an Aruak group of 120 people It was my frst experience as an anthropologist and one of my first 25 a photographer 1 took these pictures to capture aspects of Yawalapit life | could not reproduce in written language, and to show the aesthetic side of my perception of them, my pleasure in seeing them, difficult to include in an academic work ‘The ceremonial-mythological system of the Xingu is the most important element for understanding this society. Kuarup is the most important ritual of the Xingu, the festival of the dead. The two other significant ceremonies are: the ritual of the sacred flutes - the Jab, and Yamurieuma, the festival of the “women-mosnters” esis eed an ad sa RAESEEYE Mentira e verdade do album de fotos de Samilia* *O mundo das fotos de férias € seme- Thante aquele que recompée a meméria com um otimismo seletivo. £ um mundo ‘onde no chove nunca, onde 0 céu no € jamais coberto, um mundo do sol perpé- tuo.” (Roy, 1987) Este artigo € fruto de uma pesquisa exploratéria sobre as representacoes simbélicas que 2 familia constr6i e espera ‘eansmitr através do seu album de fotos. Este projeto nha, desde o inicio, duas intengoes: de um lado, dar conta da raridade dos estudos sociolégicos sobre o imaginario familiar que, hi mais de duas décadas, atravessa importantes transformagies e, de outro, centrar a observaclo numa pritica pouco estudada depois do trabalho realizado por Plerre Bourdieu (1955): a fotografia familias Concebo os Albuns de fotos de familia como uma verdadeira expressio da lembranga social Bles evocam e transmitem alembranca de elementos que merecem ser conservitdos, respeitados e incorporados 2 ‘meméria familiar. Rito do culto doméstico, a fotografia familiar € uma técnica privada que fabrica as imagens privadas da vida privada (id.). Ela soleniza os momentos fortes da vida das familias, os instantes onde © grupo reafirma o sentimento que tem de si mesmo. Se a selecao de certas imagens € a construgao de uma mise-en-scéne que o Album memoriza permitem que se reapren- da a hist6ria ficclonal ov real de tal ou tal familia, elas permitem, igualmente, muito ‘mais a se ver. Coleco de imagens significativas, uma vez que compostas de fotografias que registram 2 crGnica familiar e marcam wm sistema de vida numa €poca determinada, 0 lbum permite, igualmente, 2 leitura de um tipo de sepresentaglo do mundo de seus autores. Ele revela de modo privilegiado a anticulacio entre as inclinagdes subjetivo- criadoras dos individuos e a reprodugéo de modelos sociais, tanto no seu contesdo quanto na sua forma fotografica No cruzamento de muitas L6gicas, soci- ais, estéticas ¢ familiares 0 album de fotos de familia constitui um testemunho visual sobre a mancira como as familias se zepresentam simbolicamente. Uma diversidade dos esquemas familiares AE os anos 70, com poucas variagées, um mesmo modeto familiar era admitido compartilhado pelo conjunto dos grupos sociais: a instituicao era regra. Se pudésse- ‘mos com elas ter algumas liberdades, 0 resiot o- lmaoo Cnt fo fe 912 Felines sob is Toseasonge eV fb Peo do ‘stor de fle Sade de Coce 103} L196 casamento ainda seria uma condigao obri- gatéria da vida comum e da fecundidade Nesse contexto nada podia ser fotografado fora daquilo que deveria ser fotografado, como os grandes momentos institucionali- zados (ceriménias) ou socialmente reconhe- cidos (fesias, férias) da vida familiar Era o ritmo da vida social que servia de quadro ao album de fotografias. As- sim, mesmo se 0 conjunto das lembrangas diferia de uma familia para outra, os al- buns estavam centrados nas principais eta- pas comuns de toda a vida familiar, con- tando histérlas singulares de um mesmo modelo familiar Como assinala Louis Roussel (1989), a familia mudou e o modelo dos anos 50 deixou de ser dominante, “as normas em curso deixaram freqientemente de ser seguidas, aquilo que estava prescrito € algumas vezes ridicularizado, 0 que era interditado €, pelo menos, tolerado, 0 ‘excepcional de ontem caiu na banalidade (..) Digamos em poucas palavras: de segura, a farnilia tornou-se incerta” ‘Ao ciclo de vida programado, sucede no somente a possibilidade de levar, fora da instituigo matrimonial, duravel ou provisoria- ‘mente, uma vida deliberadamerte fecunda ov estéril, mas, igualmente, 2 eventualidade de passar por diferentes modelos a longo de sua vida. Esta diversidade de esquemas familiares esta abundancia de situagdes novas e moveis tém reflexo nos esteredtipos que regem as imagens da familia Tentar descobrir como as familias atu- ais afirmam o signo de sua unidade e de sua integracao, quando as ceriménias jf nao acontecem enire muitas delas, € ten- tar desvendar os valores que o album esti ‘encarregado de transmitir no momento em que o ciclo familiar parece se inscrever cada vez mais nos moldes da ruptura e da re composigao, constituem as bases dessa pesquisa ara além das conseqiiéncias imediatas da diversidade de esquemas familiares, que dao uma aparente singularidade a cada Album (casamento para uns, festa da cremalheira para outros), parece, entretanto, que existem constincias, Fora do uso quase sistemitico da cor, ela - a fotografie - se recupera, por exemplo, no quase desapa- recimento da pose dando lugar ao instan- ‘neo, no aumento importante dos clichés de criangas fotografadas s6s e enfim no registro recente de novas situagoes mais intimas como o parto € o aleitamento, Do sorriso obrigatério ao sorriso esponténeo AAs fotografias de familia em estédio foram, na maioria das vezes, realizadas por um fot6grafo profissional. Elas fixa- vam para sempre, segundo um mesmo modelo, bebé deitado, sobre a pele do urso, a jovem em primeira comunh’o ou os recémi-casados. No infcio dos anos 1900, logo que apareceram os aparethos fotograficos mais simples para uso de amadores, comeca a primeira producto importante de clichés realizados pelos préprios membros da familia (Hassner, 1986). Se essa pritica da fotografia fami- liar permite ampliar os temas de prise de ue (a familia em férias), ela continua, entretanto, a coexistir com a fotografia profissional e, sobsetudo, conserva os mesmos cédigos: pose, postura cerimoni- al ou atitude cooperativa vis-a-vis a0 ato fotogréfico Hoje, parece que “sorria, olha o passari- no!” deu lugar & espontaneidade do ato fotografico. Os novos principios implicitos dia fotografia familiar procuram evitar que 0 comportamento do sujeito esteja voltado somente para o fato de se fazer fotografas, para ser pego “ao vivo", numa atividade independente da prise de owe. Exige-se dele que fique “natural” ¢ nao participe de uma ago na qual se torna mais 0 objeto que © sujeito A pose, 20 face a face, ao sorriso obri- gat6rlo, que sacrificavam o natural para dar & imagem de si um aspecto mais ho- notifico, mais digno e, sobretudo, mais convencional, sucede hoje o instanténeo Surpreender o sorriso espontineo, foto- grafar sem ser visto e ser fotografado sem se dar conta, sdo as novas regras do jogo familiar. Se esta evolugio deve muito, é claro, 20 progresso das técnicas fotografi- cas, isto nao nos parece constituir uma explicagéo satisfat6ria das mudangas que constatamos No curso do ato fotogrifico, o memibro da familia que realiza a prise de vue obe- dece &s suas inclinagées subjetivas e inti- mas. Ainda que percebidas por ele como pessoais, elas resultam, de fato, de uma interagao entre sua individualidade, os meios técnicos que dispée, a expectativa daqueles que verio as fotos ¢ os valores inscritos no objeto de sua imagem. Ato individoal, mas ato social ou, mais preci- samente, ato de comunicag2o social (Rov- ase at bum ei i ill, 1983: 120-137), a forma fotografica toma posigao em relaglo a realidade que representa Como assinala Susan Sontag (1977: 120), 0 objetivo do retrato cléssico era 0 de confirmar 0 modo como © modelo se via idealmente. Se através da pose ele obtinha um status social e embelezava sua aparéncia pessoal, era porque o que esta- va sendo fotografado no eram, na verda- de, individuos em sua particularidade sin- gular, mas papéis sociais No momento em que 2 qualidade relacional (fos6grafo/fo- tografado) torna-se a principal exigéncia que a alegria da criance esta no centro das preocupagiies, a pose é vivida como uum dispositive que pode dar 20s préxi- ‘mos uma idéia falsa daquilo que se vive nos relacionamentos. A vontade de fixar “o vivo" se inscreve num contexto famili- ar onde doravante se atribul uma enorme importincia aos sentimentos. Nao se trata de pretender que a homogamia nao exis- ta mais € que a pressio social nao conti- nue a impor o modo como cada um esco- Ihe seu semelhante, mas de mostrar que certas diferengas perderam seu significa- do social (casamento entre catdlico e pro- testante...), € que todos os célculos para a escolha do companheiro sto, a partir de agora, vergonhosos. $6 vale o sentimento amoroso Logo que a fotografia deixou de teste- mvnhar a boa saide moral da fami passando a atestar 2 boa saide afetiva, foi necessario adotar uma nova forma fo-~ togrdfica que desse conta dessa intencao. ‘Um sorriso sem pose testemunha uma von- tade natural de sorrir e, portanto, de bem estar. Assim foi dada partida a0 jogo. Como 107) um termémetro, @ fotografia instantanea mede regularmente 2 temperatura da tro- ca afetiva e, indubitavelmente, a confere uma vez que nenhuma mise-en-scéne pode travesti a realidade. O sorriso do amante confirma a permanéncia do sentimento amoroso e a risada de uma crianga as- segura aos seus pais 2 qualidade de seu amor. “Meus medos de ser uma mae mé desaparecem quando os vejo sorrindo nas {fotos do album.” A crianga no dlbum de familia Durante muito tempo fotografamos, principalmente, os adultos, secundaria- mente os grupos sociais e excepcional- mente as criangas $63. Essa hierarquia se inverteu, € @ representagio da crianga ccupa agora a maior superficie da ima- gem em detrimento do contexto no qual se encontra (Leconte, 1987: 105-11) “Meus pais, eram fotos com todos os irmdos e irmds, 0 sorriso de Gibbs, ‘em broches dos mais pequenines aos maiores diante da casa de férias, 0 que me interessa, 60 crescimento dos ‘meus filbos, a mudanga de suas expressoes". Sea avalanche de retratos de crianga foi possivel gracas 20 aparecimento dos zooms dos flashes integrados, parece que é nas modificagBes do estatuto familiar da cri- anga, de sua significagto ¢ do lugar ima- ginario que ela tem no projeto fundador a familia, que teremos que buscar os ele- mentos de compreensio deste fenémeno Em primeiro lugar herdeira de uma li ‘nhagem para a qual devia se mostrar dig- na, depois encarregada de realizar as ambi- ‘goes de seus pais, a crianga de hoje € a ex- pressao viva do amor do casal, o que s6 tem sentido face & graificagho afetiva que ele he confere (Bourguignon, 1987: 93- 119). Se as fotos tiradas de adultos e cri- angas simbolizam a imagem da linhagem, ‘a massa de clichés nos mostra, hoje, a cri- anga como um ser singular, insubstituivel € rar0 No momento em que a moral, as obri gatoriedades e as sangdes passam a dar lugar a uma educagio preocupada em fa- vorecer 0 “eu" tinico e maravilhoso da cri- anga, a fotografia 6 centralizada somente nela, nas etapas de seu desenvolvimento e se esforca para mostrar ao “vivo" a eclo- Sto de seu comportamento, Primeiros pas- 308, primeiros sorrisos, primeiro dente, constituem os muitos instantes a fixar com urgencia Nesta corrida para registrar cada uma dessas evolugbes, a crianca esta fe- chada no narcisismo de ume imagem cujo foco é regulado sobre a Gnica expresso de sev encantamento individual Da foto “tradicional @ foto afetiva Era uma vez a foto “tradicional”. Quer tena sido feita por um fot6grafo profissio- nal ou um amador, ela era orientada para uma reproducio das ceriménias, dos even- tos € das condutas aprovadas de um tipo de vida e para a transmissio de um patri- ‘m@nio simbélico de geracao em geraca0 No momento em que, depois de duas décadas, as relagbes no seio do casal pa- recem se apoiar muito mais na escolha afetiva das pessoas do que na obrigacio juridica, moral ow religiosa, esta foto tra- dicional tende nao somente a desapare- cer em prol de um outro tipo de imagem, mas, igualmente, a ser percebida como ul- trapassada. Em descompasso com os fun- cionamentos reais da familia, ela parece inapta a dar conta do “vivido" “Quando nos casamos, ja fa2ia quatro anos que viviamos juntos e tinhamos um fi- tho. Queria que 0 fot6grafo fizesse fotos es- pontneas do menino, mas ele queria fazer fotos idiotas do tipo ‘o marido e 2 mulher se olhando ternamente’, umas coisas fixas que nao corespondiam aquilo que viviamos”. Para escapar do que consideram como “no auténtico”, as familias privilegiam 0 que Ihes parece verdadeiro e representative daquilo que vivem: a intimidade Assim, nos Albuns, o parto substitui o batismo, a festa da cremalheira toma o lugar ou emparelha com a do casamento, a festa de casamento ga- aha mais importancia que a cerimé- nia em sie 0 tinico cliché do apagar das velas de aniversdrio fica perdi- do no meio da série sobre as crian- ¢as brincando na festa Buscando evocar um ambiente emocio- nal ou a intensidade de uma troca afetiva, a “foto afetiva™torna-se uma imagem que foge 2 todo sinal social ov temporal para ser simplesmente pessoal. Ela fixa um instante ccujos lugar, ago, periodo e pessoa impor- tam menos que a lembranga “Gosto muito dessa foto, foi depois de um periodo bastante dificil com meu com- panheiro e este passeio aconteceu logo que as coisas comegaram 2 melhorar”. Esta orlentagao nao é geral nem é de- senvolvida do mesmo modo em todos os meios sociais, mas quando 2 foto tradicio- nal esti ainda em vigor, parece que ela s6 representa, na maioria das vezes, uma “for- ‘malidade” para “dae prazer 3 familia". Assim, a diferenca no residiria tanto entre os ‘grupos familiares que continuam a fazer as fotos tradicionais e aqueles que, de modo voluntarista, privilegiam a foto afetiva, mas se enconira entre aqueles para os quais as fotos tradicionais e 2s cerimOnias que elas fixam tém um valor intrinseco e aqueles para quem elas sfo tradss do mesmo modo, em qualquer momento ordinatio. “Para nés nigo havia realmente diferenga entre casamento € no casamento, mas foi somente porque queriamos guardar lembrancas desse mo- mento, por isso existem algumas fotos”. Assim, mesmo se as fotos tradicionais continuam a existir em maior ou menor niimero nos tbuns, elas no tém a mesma significac2o para todos. Para alguns, seu sentido esti ligado ao simbolismo do even- tosocial que elas fixam; para outros, elas s sto reconhecidas como significativas & medida que podem ser lidas de um modo andlogo aquele das fotos afetivas O album das fotos: uma meméria normativa A fotografia familiar sempre teve por objeto “registrar 0s bons momentos" para atestar sua existéncia, tendo como fungio 109} le evocar e perpetuar a lembranca Para além de suas virtudes evocadoras e probatéri- 4s, 0 album de fotografias de familia asse- gura uma meméria da identidade ¢ do valor do grupo. A este titulo, sua caracte- ristica essencial € sua normatividade As fotos arrumadas, selecionadas classificadas do Album sto as imagens que guardam a mem6ria coletiva familiar. Nes- se sentido, elas sto, igualmente, exemplos € modelos que proclamavam a natureza profunda do grupo. Lembrar da familia € lembrar da familia como um ideal a ser reproduzido e perpetuado (Namer, 1987) Enquanto a instituigao conciliava 2 vontade geral € 2 realizagao do desejo individual, constituindo, simultaneamen- te, uma passagem obrigatéria para a for- ‘macio da familia e um guia infalivel para a felicidade, a atividade fotografica se or- ganizava em torno dos momentos institu- {dos da vida familiar Desde entéo, 0 l- bum, depurado dos desvios € aventusas singulares dos membros desviantes, no somente dava uma imagem segura, decen- te, normal da vida familiar tal como ela devia ser vivida e ser reproduzida, mas também induzia ao ensinamento dos cos- tumes que fixavam o lugar da familia Hoje, que a vida privada tende a se desvincular das regras institucionais e sur- gem varios esquemas familiares, as for- mas € 05 contetidos fotogréficos nao se referem mais as mesmas normas. Se, por uum lado, no album resta ainda uma mise- enscéne que atesta que “tudo vai bem", exdluindo as fotografias indignas de sé- rem apresentadas; por outro, as fotos es- condidas nao sto mals aquelas da “mae solteira” ou do “primo que seguiu o mal caminho", mas aquelas do bebé que cho- 1, das férias que deram errado ov de um momento de depressio. “Eu nto guardei nenhuma foto dessas férias. Estava muito deprimida, 2 menina chorava o tempo todo. eu rasguei tudo quando voltamos... mesmo aquelas que eram simpiticas, me lembravam ‘um momento que vivi muito mal", [As fotos rejeitadas do éllbum tém grande importancia, pois afirmam o valor profundo daquelas que foram preservadas. Tanto no que concerne @ sua forma (o instantaneo) quanto a0 seu conteddo (as fotos de criancas, as cenas intimas...) e a selecio re- alizada, as diregBes tomadas pela fotografia de familia vo no mesmo sentido: dar conta dos sentimentos e emogdes. Assim, para além da diversificagao dos esquemas familiares, uma nova normatividade se desenharia nos albuns de fotoprafies de familia: 0 medo de transgredir a lei sucederia a inquietude de uma auténtica intimidade e de urna nocmalidade afetiva. A regra universal, que privilegiava 0 que era correto em detrimento do que era margi- nal ou desviante, se desfaz em favor de uma regra universal cujos fundamentos sto da ordem da normalidade psiquica ‘Tal € 0 paradoxo de uma fotografia que se quer “natural” e “zuténtica” tanto na escolha das situagées quanto na maneira de realizé-las e que, se ela rejeitou os en- quadramentos tadicionals, também nao foi menos regida por novas convengoes. ia edd han at a O bebé fotografado ao longo dos anos... 1960 mi 1930 ln 3} 1985 2 1928 eo 1964 tantan ins: : Da pose ao [wis Referéncias Bibliogrdficas: — SOURDIEU Five, et al, 1955, Un art moyen, Parig, de Meu, 360p — FOURGUIGNON Odile, 1987, “Le question de Fenfan*, année sociologique, vol 37, PUF, gp 93-119 — HASSNER Rune, 1986, “La photographie amateur, Histoire dela photographie, E¢ Bordes, 2869 = LECONTE Bernard, 1987, “Fragments d'un photo oman familial réceéalt, Pour la photographie, 1.2, Paris, GERMS = NAMER Gérard, 1967, Mémoire et societ Pais, ‘Méridiens Klincksiek, 2429, ~ ROUILLE Ande, 1963, “Determinations sociales des formes photogaphiques", Les cahiers de la photographie, a & — ROUSSEL Lou's, 1989, L familie ncertane, Pars, fd Odile Jacob, 2839 ~ ROY Claude, 1987, am! loinain, Paris, WRF Gallimard, 1749, ~ SONTAG Susan, 1977, La photographie, Pats, Sel, 216p Abstract ‘An authentic expression of social memory, the family photo album perpetuates the events and figure of family life deemed to deserve conservation It results from a double selection process: the photos the photographer “chose” to take the prints “decided on* for including in the family memory. It isa visual testimony tothe ways families represent themselves symbolically The changes in family structure over the last two decades have not been without consequence for the stereotypes wich organize the images of the family, both formally and in terms of contents. es am leita ape AAEYEYEYE Olhares Fixos na Imensiddo do Tempo: Fotografia e Lembranga Wma Maria Let Este trabalho faz parte de vm estudo etnografico realizado com idosas residen- tes em um espaco de coabitaco, o Pensio- ato S2o Jodo, e um grupo de idosos viven- do no espaco domiciliar, ambos na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul. Nesse es- tudo busquei explorar a relacdo entre me- méria e identidade social no universo da velhice, utilizando como referencial de anilise a Jembranga, sua evocaao € os sentidos que assume o fato recordado no presente, um tempo fortemente marcado por descontinuidades e rupturas. A expe- riéncia etnogréfica revelou, como dado re- corrente entre os idosos pesquisados, a presenga da fotografia nos espacos ocu- pados. Seja qual for o nivel de exposic2o 20 olhar em que se encontra a foto, seja diretamente referenciada ou no pelo in- dividuo em seus relatos, sua existéncia pode ser considerada como uma media- Gio simbélica através da qual o significa- do & construido © teabalho com material fotogréfco fol, mais do que uma opgio metedolégica, uma imposigzo, pois negligenciar 2 presenga da Jmagem no vniverso da velhice pode significar a perda de toda uma dimensio, nao verbalmente manifesta, de representagdes cados. No interior dos espagos habitados slo intimeros os rastros deixados por um acer- vo fotogréfico nem sempre sistematiza- do € nem sempre publicamente expos- lo. A constante que une todos esses acervos é, no entanto, a foto familiar. Marca expressa de um passado vivido dentro dos contornos da familia, esse modelo fotoprafi- co possibilta, através de sua leitura, o aces- so 4 um universo de sepresentagdes sobre papéis sociais, sobre valores fundamentais, que estruturam esse grupo. © cenfrio sobre o qual desenvolvo a primeira parte de minha andlise - 0 Pensionato Sao Jodo ~ foi concebido, ja em sua origem na década de 30, como ‘uma opdo para as idosas vitivas € sol- teiras sem condigées familiares favord- a fim de que pudessem manter uma certa autonomia (a analogia a um hotel € sempre exaltada pelo atual diretor do Conselho Administrativo que rege pen- sionato) e compartilhar a solide das inumeras auséncias. Nesse sentido, percebe-se como a nogao de uma fa- milia artificial esta presente tanto no discurso do corpo administrative da casa quanto no das proprias residen- tes. Essa idéia de lar fica demonstrada tanto pelas atitudes de cuidados e aien- es dis-pensadas pelas religiosas (& frente da direcao do pensionato est a Inmandade So Francisco) como pela propria planificagao do espaco coleti- vo que prevé semelhancas com uma grande casa, resguardando-se areas de maior privacidade: os quartos iu Nichos de individualidade, os quartos do ‘Sao Jo%o apresentam uma area que gira em torno de doze metros quadrados na qual aparece disposta, encostada nas paredes, aquela que pode ser considerada a mobilia padrio: cama, crisdo-mudo, roupeiro de solteiro, cémoda, mesa pequena estilo cozinha , na maioria, um mével para o televisor € um frigobar. Nesse espago, adornando paredes ou sobre moves, estio as fotografias, imagens recentes compondo com cenas de passado, fotos coloridas com papel ja em tons sépia Nesse universo de velhice comparti- Ihada e também de afzstamento continuo @ irrefredvel de um tempo familiar, um dado que se repetiv foi o isolamento, em um recorte proposital, da fotografia do casamento O retrato de casamento aparece em geral deslocado do conjunto das demais forografias, em posigdes mais destacadas tais como a parede contigua 4 cama ou 2 seu lado, sobre o criado-mudo. Registro de um ritual de passagem, as fotografias de bodas estio em geral agrupadas. Em alguns dos casos observados, essa tendéncia [oi marcante. £ 0 que verifiquei com Céndida, uma dona-de-casa de 83 anos, cuja vinda para o Sao Joo vincula-se ao fato de, apés © casamento dos filhos e 2 morte do mari- do, ter ido morar com a filha mais velha, Marilds, com 65 anos, também viva. A inseguranga crescente 2 que ambas fica vain submetidas levou-as a procurar um local em que pudessem continuar viven- do juntas e, 20 mesmo tempo, protegidas das ameagas que rondam uma casa. Mo- rando em quartos contiguos, essas duas mulheres demonstram, na configuragao de seus dormit6rios, 2 necessidade de man- terem uma ambiéncia doméstica. O quar- ode Cindida poderia ser identificado com um local mais péblico, espécie de saleva, onde sio recepcionadas as freqiientes vi- sitas que ambas recebem Com janela ador- nada por cortinas floreadas, balcao de co- Zinha, mesa de copa com quatro cadeiras uma geladeira, a primeira impressio que se tem & a de uma pequena casa, tanto pela forma de arranjo interna quanto por alguns detalhes ausentes nos demais quar- tos que visitei: 2 mesa centralizando a pega, a fruteira sobre ela, a geladeira em tamanho normal, os baledes de cozinh Mas ha outros elementos que ajudam a conferir a esse quarto (ou a essas resi- dentes) um carter excepcional, ¢ que consistem no fato dessa pequena peca es- ‘ar geralmemte ocupada por familiares que as visitam quase diasiamente. Dessa for- ma, nas ocasides em que ali estive, havia sempre um café sendo servido, bolo ou biscoitos sobre mesa e pessoas ocupan- do.as cadeiras 20 redor da mesa ou a cama de Candida. E na parede ao lado da cama que esté, em moldura de formato arredon- dada, 2 fotografia de seu casamento Além dessa imagem e de um cracifixo, nada ‘mais, nenhum quadzo, nenhum retrato O contato sistematico que mantive com as duas possibilitow algumas consideragbes ‘que parecem justificar ésse aparente isola iia distingo, com a qual se apresenta a foto de népcias. Considero fundamental observar 0 quanto 2 familia apresenta-se, para ambas, como categoria totalizante no interior da qual svas identi- dades sto estruturadas e através da qual a vida adquire sentido A continuidade do contato com o grupo familiar, fondamen- talmente o de lacos consanguineos, é de- monstrativo de que, mesmo na auséacia do espago, continua existindo 2 familia © retrato na parede principal evoce o par original, reforca o sentimento de perten- cimento 20 grupo, definidor da pessoa so- cial de Candida. Essa cena repete-se, em sua esséncia, na forma como Sofia, 82 anos, organizou seus retratos por sobre a cémoda antiga, remanescente da casa e que hoje faz parte do mobiliario de seu quarto no Pensionato S80 Joao. Sofia foi uma das molheres de quem mais escutei o lamento pelas perdas que a velhice traz. Sempre me recebendo disposta ¢ animada, ela fazia das lembrancas domésticas o eixo central de seus relatos, revivendo aquilo que considerava funda- mental em sua existéncia: os cuidados com a casa, expressdes de afeto e zelo manifes- tadas aos dois filhos € ao marido. A cozi- tha € 0 local onde mais dispende o tem- po diétio no preparo dos pratos de ori- gem portuguesa aprendidos com 2 mite ‘Ao anunclar 0 dominio das prendas culi- narias, Sofia evoca 2 figura exemplar € marcante de mae cuja morte foi.o motivo de sua ida para o pensionato. No quarto, sobre uma grande cémoda de madeira, esto, de um lado, a pose matrimonial na foto dos pais e, de oviro, o porta-retrato com a foto do marido falecido. Tal como no cago anteriormente citado, a familia de corigem é fundamental, seja quando recor- ta sua identidade a partir do viés étnico, “sou portuguesa puro-sangue’, seja a par- tir de uma heranga de valores formativos A proximidade com a fotografia do mari- do morto parece, ao mesmo tempo, de- limitar um espago de auséncias evoca- das pelas figuras impressas no papel € (hes Fa nei imortalizar, através desse tom imanen- le & fixaglo da imagem fotografica, a representacio da familia, fixando-a para a eternidade. Nao existem outros retra- os, embora Sofia mantenha relagdes es- treitas com o filho os netos. © pre- sente é para ela como um tempo nutri- do pelas lembrancas que mantém e pela impossibilidade de revivé-las Essa poderosa forga de evocacio e representacio atribuida & fotografia e, no universo pesquisado, 2 fotografia familiar, remete 3 ideia de que, sendo a foto o congelamento de uma fragao de tempo, 0 sujeito organiza 2 meméria que vem aciona- da por esse registro num encadeamento de fragmentos de tempo onde estio dispostas essas vivencias anteriores e de ancestralidade (Lins de Barros, 1989) ‘A imagem é, portanto, uma das formas de eternizar a memG6ria familiar destina- da ao esvaecimento quando desapareci do 0 tiltimo representante. Assim sendo, a fotografia constitui-se num documento que desafia essa Logica da finitude, com- pondo verdadeiros memoriais. Em se tratando de sujeitos distanciados de seus locais do passado, da casa fami- liar, dos trajetos cotidianos, a imagem fotografica parece 20 mesmo tempo potencializar as auséncias ¢ disruptu- ras e presemificar essas lembrancas, preenchendo os vazios marcando seu portador com os elementos que resguardam suas identidades num meio desintegrador. A presenga da fotografia familiar nuin ambiente de coabitacio da velhice fortemente desper- sonalizador € a salvaguarda simbélica da vida pregressa em seus melhores momen- wa ue tos (note-se que as cenas imortalizadas pelo nitrato sao as de rituais associados & alegria), e, em muitos dos casos observa- dos, é a propria razto de existéncia Essa imensa capacidade evacadora da fotografia faz com que ela seja a guardla de tempos vividos, de imagens cosporais preservadas, das memérias, tudo isso pa: recendo conferir a0 papel atravessado pelo facho de luz a fungio de encerrar consigo a alma do fotografado Este trabalho, enquanto elemento aci- onador de lembrangas, me permitiy ob- servar, em alguns dos idosos pesquisados, a implementacio de ages no sentido de manter algumas fotografias ~ as mais car- regadas de emotividade ~ fora do domt- nio do olhar A forma como esses idosos acondicionam esse material no seu espa- ¢0, ou fora dele, parece langar o registro fotogrifico do pasado no campo da evi- tacio. fato de transportar as imagens para © dominio do olhar esté associado & pro- priedade que a fotografia tem, enquanto representacio do referente e elo simbéli- co de duas temporalidades, de evocar uma meméria de sentimentos e emogoes ¢ de exacerbar as imagens do presente em con- traposicéo com aquelas do pasado Dentre 0s idosos, alguns demonstra- ram claramente esse movimento de reti- rar do dominio cotidiano as imagens mais fortemente carregadas de emoglo £0 caso de Aurea, 83 anos, vivendo hé oito no pen- sionato Professora municipal aposentada, solteira, sempre morou com a familia, ‘numa primeira fase com os pais ¢ irmaos, posteriormente com 2 imi, o cunhado € © sobrinho, a quem sempre tratou como filho. Ja nas primeiras entrevistas, Aurea mapeia sua trajetéria como uma historia cadenciada por um inicio (as vivéncias familiares e de infancia), a mocidade (épo- ca das mais intensas vivencias de sociabi- lidade) 0 casamento da ima, do qual nasce 0 sobrinho com quem passa a pre- encher o tempo despendendo cuidados e casinho. O tempo de felicidade est sub- sumido no tempo familiar: tempo da luta por melhores condigdes, de sacrificos e de abnegacoes, mas de intensa unio A Morte da irm’, com quem vivia nos tlti- mos anos apés o casamento do sobrinho, inaugurou o presente de velhice para Au- rea, € a solidao extrema a que ficou sub- metida, associada ao temor de vir a ser um encargo para seu Gnico familiar mais préximo, fez com que buscasse no pensi- ‘onato uma alternativa para esses grandes problemas. Essa mulher de aparéncia bas- tante franzina, olhos azvis num rosto fra- camente marcado por rugas, marcou, des- de 0 primeiro encontro, 0 passado como contraponto & solidao de agora. O nome de familia, a figura paterna, a convivén- cia com os irmaos sao apenas o pream- bulo de um periodo de realizagao ex- trema: 0 nascimento ea inféncia do so- brinho, com 0 qual ela orgulha-se de ter contribuido para trilhar a carreira de médico No quarto de Aurea, cujos méveis de- lineiam um ambiente quase juvenil, bas- tante limpo e arrumado, € na cémoda em estilo art nouveau que se espalham os emblemas que ajudam a defini-la como ot sujeito social. Ali estio, entre porta-jélas e perfumes, uma pequena salvia de prata recebida como distingao pelo trabalho no magistério, uma pequena estatveta de San- ta Rita de Cassia, de quem € devota, ¢ dois porta-retratos, sendo um com 2 foto- grafia da formatura do sobrinho e o ov- tro com a foto do filho deste. Além des- sas, nenhuma outra imagem, 0 que conti gura um silencio eivado de presengas obli- teradas, escondidas, afastadas do dominio do olhar A idéia da visualidade humana como fator determinante na organizagio da vida pode ser depreendida dessa atitu- de de evitagio que ela mantém em re- lagao 2 essas imagens do passado, Man- {las afastadas do olhar significa mini mizar a saudade, num contexto de soli ao cotidiana e rupturas bruscas como ritmo anterior. Ao se referir as fotos de fa- milia, Aurea diz que elas esto guardadas ina gaveta da cOmoda e que ela nao gosta de véas porque se entrisiece. Considera-se, a0 mesmo tempo, wma guardia dessas imagens jé que, apés sua morte, elas ficarao com o tnico herdel- ro: o Sobrinho. Determinar a linha su- cesséria dessa heranga de objetos da lembranga serve para proteger, da des- truigio ¢ do desaparecimento, as mar- cas visiveis, comprobatrias desses su- jeitos no mundo, salvaguardando assim © passado © que se depreende € que, mesmo nao estando visivelmente exposta, a fo- tograflia aparece como representagzo do ausenie, sendo portanto uma presen- ga silenciosa. Nessa relagao intima en- tha nei ge tre © objeto fotogrifico € seu possui- dor, a foto se confunde com a propria esstncia da vida do fotografado. A se- Jegao que alguns informantes operam sobre sev acervo, catalogando fotos que podem ou no ficar expostas parece es- ter relacionada ao poder do qual é in- vestido o objeto fotogrifico para ope- rar e acionar emogdes e sentimentos, muitas vezes mantidos em suspensio como artificio de maior tolerabilidade ao presente. Mantidas as diferencas sociais de cada um, esse dado apareceu com freqiiéncia e somente a observacao mais detalhada, associada aos relatos obti- dos, pdde configurar essa atitude de evitagio A foto € um corte na temporalidade. A imagem fotografica isola o tempo, deixando-o continuo, encadeado num proceso de antes € depois. Conforme afirma Keim (1971), 0 tempo cristaliza- do pela maquina assume uma importan- cia que no tinha em si mesmo, tornan- do visivel o que desapareceria Conforme afirma Dubois (1994), a fotografia €, provavelmente, aquela-arte em que a representacao est4 20 mesmo lempo, por sva origem, como a emana- glo fisica direta do objeto (a impressio luminosa) € como sua distancia absolu- ta, colocando-0 como um objeto sepa rado, Assim, 2 imagem é 0 elemento qve aciona tod um processo de rememo- raco nem sempre possivel de ser vie venciado no presente. Os casos obser- vados exemplificam essas estratégias de evitar 0 contato com o material foto- grafico, « foto enquanto duplo do foto- grafado Dessa forma, a observagao da foto- grafia disposta no espaco da subjetivi- dade possibilitou ampliar a reflexio so- bre a utlizagio do material imagético como elemento organizador de narrativas (@ foto acaba acionando relatos biogréficos) e, fun- damentalmente, observar representacoes que esto ligadas ao registro fotogréfico. Mais do que mera descri¢ao de um tem- po fixado numa fracio infima entre a in- cidéncia do raio tuminoso eo fechamen- to do obturador, a foto cria um texto pré- prio, englobando elementos valorativos ‘que organizam o universo de significagdes e tempo fixados pela emulsio. O préprio ato da revelagio, ou seja, a imagem vindo a0 mundo do visivel pelo mergulho na gua, guarda em sia dualidade vida-mor- te da fotografia (Michelon,1991), Desvitalizar essa imagem (os esconde- rijos, 2 eliminagio) € t2o significativo quanto sua vitalizagao, quanto investi-la de alma. Sentimental por natureza (Kou- 1.1995), a imagem fotogrifica atua entio como elo entre 0 passado € 0 futuro. O passado, constituido agora somente por imagens silenciosas, era formado por fi- guras vivas de um universo de afetos. 0 futuro, quando o proprio observador, po- deroso, dono dos reflexos aprisionados, ser, ele mesmo, mais uma lembranga Imagens e Lembrangas Particularmente me interessa aqui dis ccutir 2 fotografia enquanto forma de pre- sentificagio do motto, isto é, o grande potencial simbélico da imagem fotografi- ca como evocadora de alguém jé nao mais visivel em sua corporalidade. Dito de ou- ‘ea forma, tomarei como objeto de anidlise essa relagao individual e densa de signifi cados entre 0 morto (sua representacio) € 0 sujeito. Como base de observagio es- to as idosas residentes no pensionato ¢ um grupo composto por sujeitos que ain- da se mantém em suas unidades domésti- cas ‘A imagem fotografica, por sua fixi- dez, pode ser considerada como sus- pensio da temporalidade uma vez que ‘© que esté sendo mostrado € uma re- presentacao de algo ou alguém. Deste modo, estanca-se o tempo e a imagem reflete 0 que se busca ver nela. Como afirma Keim (1971), os vivos querem conservar os tragos fisicos do desapa- recido e os procuram nos dlbuns de fa- milia, ov ampliam fotos para que a pes- so2 morla se torne presente e reanime 2 lembranga daqueles com quem con- viveu. Citando uma expressio de Fritz Kempe, Keim fala de um ‘signo da pre- senga imagindria de um ausenie defi- nitivo". Assim, a fotografia pode ser compreendida como o testemunho de uma existéncia, como um suporte ma- terial para a lembranca Remeto-me aqui aos casos de duas entrevistadas, Luzia e Catarina No que se refere 2 Luzia, essa mulher de 83 anos ‘mora sozinha, numa pequena casa empres- tada, desde 2 morte da irmi hi vinte anos Vivendo com a aposentadoria de seu tra- balho em uma fébrica, o que Luzia man- tém no interior dessa casa é parte do que ela mesmo define como tendo sido toda sua vida. Em seu discurso a idéia de luta aparece marcando todas suas vivéncias Alguns objetos, como a maquina de cos- tura € 0 sofé de vulcoro, aparecem na mes- ma escala de importincia de objetos bio- grificos como as fotografias. Ha somente trés imagens expostas. Na pequena sala fica a maquina de costura, simbolo de sua ‘autonomia econdmica jé que costurava 2 noite para obter um maior rendimento € poder ter alguns confortos como 0 con- junto de estofado em vulcoro azul. Na pa- rede de madeira uma imagem esté suspen- sa em moldura dourada: € um bebé, o fi- Iho de Luaia falecido aos olto meses de idade. Em seu testamento, essas pecas bi- cograficas foram alocadas para alguns pa- rentes mais préximos e, como iltime von- tade, solicita que o quadro com a imagem do menino seja colocado junto a ela no esquife A idéia de imagem corporificada, imagem-altar, depositéria da alma do re- presentado, vincula-se um outro sentido que & o de sua participagao no mundo dos ausentes. Observei essa mesma atitu- de em Catarina, falecida aos 91 anos du- rante 0 transcorrer da pesquisa Desde que enviuvara, na década de 60, Catarina vivia com Laura € seu ma- rido, Aposentada, sem descendentes di- relos, passou a ser uma preocupacao para os familiares mais prOximos quan- do, vitimada por uma surdez galopan- te, j@ nfo conseguia gerenciar sozinha © dia-adia da casa Tendo ido morar com a sobrinha Laura, guardava como espaco privado seu quarto, cujo ar aus- tero era conferido pelos mévels escu- 108, € um recanto na sala de estar, onde, sentada em uma cadeira de balango, preenchia a maior parte do seu tempo (ten ne ee Ten lendo ou assistindo televisao. Nos co- nhecemes por intermédio de uma so- brinha-neta de Catarina e logo fui in- troduzida no grupo como uma amiga das duas idosas. Catarina faleceu subi- tamente durante o inverno e, logo ap6s sua morte, encontraram, junto a seus pertences pessoais, uma carta-lestamen- to pedindo que fosse depositada, junto 20 sev corpo, 2 fotografia do marido morto que ela mantinha no criado-mudo 20 lado da cama. Para ambas as entrevistadas, os re- tratos fotograficos do filho € do marido aparecem como elementos inerentes 3 prépria pessoa social de cada uma. Car- regar a0 mundo dos mortos a virtual presenca daqueles sujeitos elementares em suas proprias identidades parece expressar ainda mais essa metafrica aproximagio da fotografia com 0s pro- cessos de morte. Além de serem obje- tos da lembranga, sao também objetos ritualisticos € nao se dissociam do su- jelto, seu possuidor! Os dados obtidos na convivéncia com os idosos pesquisados permitem observar, como um dos sentidos atri- buidos 2 fotografia, uma intensa rela- gio dialégica entre mortos € vivos Como, em geral, 0s idosos guardam as fotografias dos pais, esposos e/ou fi- Ihos j falecidos, a imagem fotografica passa 2 atuar como interlocutora entre 0 sujelto e seu ente querido. & a essa ima- gem-representacio que condutas emo- cionais e rituais sto dirigidas, servin- do como um pequeno altar depositirio de coragbes, velas € flores, como simbolizando a protegio oferecida ao vivo pelo morto. apni beer fo to ona poe oc san loser sea vie, sor dor rao et aaa «noe si roar po. Gores ai ns ‘clara sap. Seas eines. rons orspitade si at ‘spade ners rover biter de tm ence ft Breen pes © peabrasrants ‘onpais eas ‘eet denote (zz Os casos de Maura e Naira, ambas pen- sionistas do S20 Joo, exemplificam bem esse pressuposto O quarto de Maura, como ela mesma diz, "é 0 que a gente é" Mais amplo que os demais, combina, atra- vés dos moveis e adornos, um cenério de quarto-salz_O mobiliério, em madeira ra balhada, veio de sua casa. Poltronas for- radas em cetim, lustres de pingente azul pendendo do teto, esses objetos mobili rios atvam propositadamente como indi- cadores de uma vida pregressa relativa- ‘mente abastada, a que Maura freqiente- mente se refere como a sua “verdadeira vida’. Aos 80 anos, insiste em afirmar que ‘© pensionato foi a op¢ao que Ihe pareceu ser menos traumética quando, frente ao falecimento do esposo, as outras eram per- manecer sozinha em vm apartamento bas- tante grande ou ir morar com a filha, op- Glo que ela mesma define como 2 que fatalmente lhe imporia um cerceamento de sua liberdade Os papéis de esposa e mae emoldu- ram a lajet6ria social de Maura € com- péem seus relatos, na tentativa de mini- mizar o distanciamento a que se vé sub- metida agora, como octogeniria, por um ambiente contrastante com o familiar Atra- vés desses remanescentes do lar e dos retratos hierarquicamente distcibuidos pelo quarto, revive 0 seu passado Assim, na cémoda esto varios porta-retratos e trés deles esto colocados numa posicio dife- rente dos outros. Voltados para 2 cama esto os retratos do marido e dos dois fi- thos, todos jé falecidos. Maura menciona varias vezes seus nomes ¢ diz que se eles estivessem vivos ela certamente no esta- ria ali, No conjunto de seu relato € posst- vel inferir 2 importincia que tais pessoas tiveram em sua vida, Ao marido ela vin- cula vivencias de felicidade e de insergio social em um meio aristocratico do qual ela lamenta o total afastamento no pre- sente. Aos dois filhos ela associa a idéia de amizade e companheirismo, além da representacko de todos os valores mais es- {ruturantes como o sucesso econdmico, a honra familiar ¢ 2 beleza fisica Manter em local tao destacado as imagens desses familiares parece conferir a eles essa pos- sibilidade de contato e, 20 mesmo tempo, esclacece, a quem observa, suas destaca- das posices na vida dessa mulher. No caso de Naira, esta veio para o pensionato apés a morte do marido, com quem viveu 40 dos seus atuais 75 anos. Refere-se a0 esposo como aquele com quem viveu os melhores anos de sua vida: tempos de cuidados esmerados para man- ter uma rotina doméstica que em tudo atendesse as necessidades do marido, homem tbalhador e carinhoso, como ela mesma define A viuvez trouxe para Naira a dor da separacdo perpétua e, a0 mesmo tempo, © problema de como sobreviver sozinha em um mundo de perigos ¢ ame- acas. Auxiliada pela familia, ela decidiv vender a casa na qual morava e 2 maior parte dos pertences para morar no pensi- onto. No quarto do pensionato, os m6- veis em estilo moderno e alguns objetos com 2 colche colorida que cobre a cama de solteiro, dois grandes leques borda- dos em lantejoulas fixados na parede e uma colegio de fitas e cartOes expostas na porta de entrada deixam o ambiente bastante alegre Sobre a cémoda, obje- tos de uso pessoal, adornos, e nenhum porta-retrato. Naira conta que, logo apés o falecimento do esposo, ela jun- tou seus pertences pessoais e fotografi- as.¢ jogou-os no mar. Justifica a atitude dizendo que “eu nao queria mais sofrer a falta dele, entéo botei tudo o que era dele no mar’ Resguardou, no entanto, duas nicas fotos, uma em que aparece aos 30 anos e outra do marido com a mesma idade A do matido, num quadsi- nho preso na parede, esta sempre ador- nada por uma flor ou um ramo Algumas consideragbes acerca do papel da imagem fotografica na velhice parecem confirmar-se na atitude inten- cional de eliminagao efetivada por Nai- ra, pois se o descarte de objetos bio- grificos do marido morto configura, por um lado, a necessidade de afastar-se da dor materializada ali, evitando que os sentidos a traiam ¢ o sofrimento perdu- re, resguardar uma tinica imagem da acho destrutiva parece salvaguardar também o seu sentido de representar 0 referente, necesséria convivéncla quan- do todos os demais elementos distin vos nio mais estao dispostos na vida cotidiana. ‘A imagem fotogréfica encerra consi- go essa relagao dialética instavrada en- tre vida e morte. O olhar relaciona-se com a vida 2 medida que possibilita, justamente, colocar essas imagens apre- endidas em sintonia com os significa- dos praticos e simbélicos. Parece coe- rente, entio, afirmar que a visdo é olhar enquanto significacao de possibilidade de escolha, discernimento, subjetivida- de € organizacio, ao passo que 0 seu opesto, a ceguelra, aparece no plano social vinculada a uma idéia de perda de vida Oh ii ape que se percebe em relagao as in- formantes citadas € que as pessoas re- tratadas, ou melhor dizendo, as pesso- as representadas pela imagem, sto, na verdade, elementos articuladores de Idemtidades e afetividades para o sujei- to. Acionando priticas ritualisticas, es- sas imagens, mais do que tudo, tornam- se objetos cultuais. Est@o vinculadas a uma dimensio de maior individualida- de, o que pode ser percebido pela dis- posicao das mesmas num espago mais préximo da intimidade, mesmo que em local onde os dominios piblico e pri- vado estejam indissociados, como € 0 caso de um quarto de pensionato, que também se transforma, como a sala de visitas, em um espaco para receber pes- soas Por seu carater mimético, a fotogra- fia confunde a imagem e o fotografado, atvando funcionalmente como mediado- 1a entre o impossivel contato e um pos- sivel devir, neutralizando distancias temporais € fazendo com que, ao zerar tempo ¢ espago, permaneca 2 eterna expressio de um corpo que niio cedeu a decrepitude A fotografia guarda em si esse pa- radoxo de ser, ao mesmo tempo, 2 representagao da morte, por sua fi- xagao e imobilidade, e de potenci- alizar a lembranga & medida que vi vifica 0 morto. De igual forma, ela testemunha uma realidade que sé passa a existir na meméria indivi- dual dos sujeitos. Nesse sentido, ela se identifica com eles, atestando suas traje- \6rias biogrdficas. Como um dado bastan- te recorente em campo, tal como relata- uz do por Naira, esté 2 deliberada destruicao do acervo pessoal ou de algumas foto- grafias recortadas do conjunto Se essa atitude, tal como foi exposto acima, pode ser lida como uma ruptura simbélica com © passado, para amenizar o presente, pode também ser precedida por uma ruptura, O casal Maria (89 anos) ¢ Jean (94 anos) & exemplar nesse senti- do, pois mantinha uma atividade social in- tensa que marcou suas vidas anteriores 4 velhice. Jean, um francés naturalizado bra- sileiro, tcabalhov durante toda sua juven- tude na fabrica de tecidos de sua fami Mesmo depois de aposentado tinha o “dia ‘ocupado’, como ele mesmo fala. Fazia parte da diretoria de uma instituigho be- nemerente, acompanhava politica partidé- ria, freqiientava, junto com a esposa, as reunides sociais Quando ambos comeca- ram a ter problemas de visio (0 que cul- minou com 2 perda irreversivel) © Maria comegou a ter dificuldades de locomoso, resolveram deixar a cidade na qual resi- diam e vie morar em Pelotas Tal decisio parece estar associada ao fato de ainda manterem familiares em Pelotas, mas vis- tw em profundidade significa um corte pro- fundo, demarcado pelas restricdes fisicas impostas a ambos, 0 que tornava dificil a convivéncia no meio social no qual esta- vam inseridos. No dia anteriot 2 mudan- ca, Jean juntou todas as Fotografias que linham, fez uma cova no jardim da casa € quelmou-as ‘Atitudes semelhantes foram as de Ca- tarina e Branca. Caterina, durante uma entrevista, vai até o quarto e de Ié traz um porta-retrato, dizendo ser a fotografia de suas bodas de prata Apés ligeiso comen- tarlo sobre a figura do marido, ela diz “esta 8 uma das tltimas, daqui a alguns dias ja queimo também" Justificava tal atitude pelo fato de nao ter descendentes dire- tos Para ela, as fotos *ficariam rolando, por isso melhor acabar logo" Da mesma forma, Branca, enfermeira aposentada, 83 anos, vivendo sozinha num apartamento antigo no centro da cidade, 20 mostrar as fotos que guarda em sua casa, explica que sio fotos da familia de corigem, com quem nio mantém mais con- tato desde que morreram os pais. Ela tam- bém aponta a queima, em breve, das fo- tografias pois, “quem iria se interessar por elas?" Ha um dado recorrente em todos os relatos: 2 previsio da morte iminente ov amorte social que a anterioriza, Nesse sen- tido, desvencithar-se de elos que, por forga de sua capacidade imagética, representam © passado € o proprio sujeito é, na verda- de, prenunciar 0 prdprio fim A medida que esses registros 36 podem ser decodi- ficados pelo proprio sujeito, eles perderi- am seu significado em um outro contexto ‘Ou seja, 0 que pode ser percebido como tum vetor que atravessa todos esses rela- tos € a visto em si, enquanto resultado de ‘um processo orginico e énguanto capaci- dade de ler 0 pr6prio mundo e decodifi- clo, ‘Assim, se a vida pode ser associada a capacidade de visio, sua antipoda esta li- gada & sua privagio Os dados etnografi- cos so, portanto, altamente reveladores dessa relagao de opostos. No caso do ca- sal, cuja privacio fisica leva 2 um distan- ciamento do mundo social, ha operante ‘uma representagio de encerramento de cielo, de estado liminar, onde os registros mais poderosos e significativos so, no sentido literal, incinerados. No que se re- fere & Branca e & Catarina, essa perda da visto esta relacionada com a idéia de av- s8ncia de significados (os que elas atribu- em) aos sinais que thes pertencem (ou seja, a propria morte) {A preservagio ritual das fotografias (as flores, velas, a disposigao como objetos protetores de quem fica) alrela-se a essa possibilidade de captar a expressio viva, de conporificar o ausente na imagem re- velada, 0 paradoxo de, ao mesmo tempo que aprisiona a alma, torné-la imortal Considerando que as imagens fotogr’- ficas nos remetem, simultaneamente, a dois niveis de realidade que trazem ele- mentos interpretativos capazes de parti- cularizar sua significagio - 0 do denota- do o de nossa propria experiéncia sub- jetiva -, percebe-se o quanto a fotografia, como duplo, trés em si o poder da enga- nacio, sendo, num mesmo movimento, presenca e auséncia, o representado e seys reflexos pilidos. Elo imagindrio entre os dois mundos, 2 foto devolve 20 homem, 0 mesmo tempo, o amenizar da saudade ea cruel constatagio da ilusio. A relacao que se estabelece entre 0 retrato fotogré- fico, signo do passado, ¢ © sujeito pre- sente é sempre de profunda intera¢io onde delineta-se, pelo que € mostrado, 0 que é dado ao reconhecimento. Julgo im- portante salientar, levando em considera- Glo os dois grupos pesquisados, a vital fungao de que ficam investidos tais obje- tos quando todos os demais elementos dis- Lintivos € personalizantes do sujeito se encontram relativizados em um espago onde o discurso veiculado é 2 neutraliza- Go das diferengas em favor da integra Glo homogeneizante no corpo da comu- nidade. Refiro-me aqui a um modelo alter- nativo de habitagao para a velhice que é, genericamente, definido como Lares Gerii- ticos, categoria na qual encontra-se © pen- sionato. Mesmo considerando o aspecto ge- neralizante nesse tripé velhice- fotografi lembranga, essa fungi de elemento de iden- tidade acentua-se nesse modelo de convi- véncia fora do territ6rio familiar € domésti- co Ciente das auséncias evocadas pela ima- gem fixada, parece, no entanto, que 2 pos- sibilidade de estancar tempo € sua maior virtude. Nao sendo imagem espethada, o que fica sto impressdes de alguém entregue a ser eternizado em sua beleza e juvenilidade € esses olhares fixados no tempo. [226 Referencias Bibliograficas: DUBOIS, #1994 A imagem fotogrificae outros ensaios ‘io Paul: Papius, sd FABRIS, Av 1986, A pote pausads Comunicagdese Artes. 3:70.74 GUIBERT, H: 1981, Vimage fantOme Paris, Editions de ‘iil KEIM, |: 1971, La photographie et homme. Pers, Caster KOURY, M GP : 1995, Cultura esubjetvidade: questoes ste a telco Tuto esocedade VI Encontro de Cienei- 1 Sachs do Norte / Nordeste UNS DE BARROS, M : 1989, Meméria © Familie Estudos Hisércos, LNICHELON, FF: 199%, Um estado da metfora visual Dis- sertagia de Mestrado em Artes Visuais, UFRGS Abstract ‘Analysis based upon two different groups of senior citizens from Pelotas, state of Rio Grande do Sul, allows a reflection about the connection between memory and soctal identity within the universe of old age Personal photographic collection is seen as an element on ‘which these old aged people state their social identities in the present In the spaces where they live they keep 2 generally serial collection of images which, either exhibited or kept ‘awray from public regard, evoke memories and representations of their past, Different aspects are related to this, such as: photographie family memory; images of marriage and children; ernizing® and "immolation® of portraits according to a logic of missing and nostalgia A fotografia nas Sestas populares” quel Ene 16 de novembro de 1995 ¢ 31 de janeiro de 1996, o Museu Nacional de Artes e Tradig6es Populares (MNATP) apresentou uma exposicio inédita: Pho- tos Foraines, 1900-19607. Uma grande oportunidade para que voltassemos o olhar para a fotografia das festas popula- res, uma prética contemporainea do nasci- mento da fotografia. De fato, desde sew nascimento, a foto- erafia esté presente nas festas populares, atraindo fot6grafos € artistas. Como nao reconhecer 0 Barlo Humbert de Motard, ‘num retrato de grupo feito por Dubois de Nehaut em negativos sobre vidro, na Fes- ta de Bruxelas em 1850? Thedphile Gav- tier também se fez fotografar numa dessas {festas, em 1860, em companhia de sua mulher, Madame Grissi, uma célebre atriz da época. Henri de Toulouse-Lautrere, por sua vez, mostrava grande interesse por estes retratos de qualidade discutivel, re- alizados pelos fot6grafos das festas popu- lares. Nestes locais, o cinematdgrafo' ri- valizava com o diorama’ para grande ja- bilo do pablico Desde meados do século XIX, 0 este- reascépio permitia a0 piblico ver, em re- levo, as mais belas imagens de paisagens, de monumentos ov obras de arte. O apa- relho, apresentado na exposigio de Lon- dees, em 1851, pelo escocés David Brews- ter, era equipado com lentes bioculares. © processo consistia em fazer duas prises de vue ligeiramente distanciadas, estando cada imagem justaposta uma 4 outra. A fotografia obtida, nao permitia que se re- parasse, de imediato, a imagem em rele- vo. Para criar esse efeito, ela deverla, pri- meizo, ser inserida em outro aparelho, tam- bém equipado com lupas bioculares. Em 1858, surgia um novo procedimento para a realizagao das imagens estereoscopicas em placas de vidro que se tornou rapida- mente uma das atragoes fetiches das fes- tas populares Durante muito tempo o procedimento estereoscépico foi considerado como um instramento de conhecimento, pois per- mitia a0 piblico que ficava em pé atras de uma espécie de tapume, realizar, vir- tualmente, 2 volta ao mundo, vendo as grandes obras, visitando os mais belos mu- seus sem sair do lugar e com os olhos fixados nas lentes. Alguns desses comer- ciantes das festas populares compreende- ram rapidamente que essa intimidade em que mergulhava © espectador poderia ser ‘uma boa ocaside para mostrar coisas “que nao se mostram? (foto 1). Nesse sentido, eles foram bastante ousados. Até 1950, pela médica quantia de um franco ov vin- te e cinco centavos (o mesmo valor das méquinas de ganhar dinheiro), o especta- dor podia, com toda serenidade, fazer des- filar diamte de seus olhos algumas ima- gens audaciosas, mesmo pornogrificas: “exposigao de seios. Cenas dramticas de adultério. Vinganga dramética do marido "eae gat pbk ce cnigialmeie Kage sao lntptepepie deni te Refer oe fos pope fe fe) es Gh cae ona Sets pa {eror eavenpon (orem gorges eprnurtat ‘ei pues ‘stan coo fir ace fea) Comets ce, olin tate Saas eae wits ones og, ‘ooo squirt tana sas ‘amc toe ie sopgtede See ice * thoes feraoes, ‘pnd ba. tefl Scqetne ‘hope Here tg! > raga do et to fotepréiea to “Aseria en des nl sc sae 9 ene NA wrist pees Ieee 9 derace pnt gee dethin sheee seas Scalers Secs ons deve (cot Seine) 1 poder bln ‘are mae fo -bwaespe ‘estima mene fr thos ton 22 dene 95 rae Us taees be dead 9 ees! 2B caemapia| © asd Suncor tardy eo fists) vers ave tesco ete opmipe ae tepssie ste pe ed Ee pe rote Sbieee Neca! de hang. O85 + team vine tinea aa fete de estyem 055 Ct Fometiehy Les Le we METTES 55 Remermre ast Pasa Ein a Henie traido. Cenas humoristicas de vicios € virtu- des’ “Somente para homens’, Prolbido para cxlancas". (C Py, C. Ferenczi, p. 147), (oto 2). Ofotégrafo da festa Paralelamente ao uso da fotografia so- brea festa, se desenvolve 2 fotografia na festa, Os fot6grafos ambulantes esto pre- sentes nas festas populares desde 1855? Denegridos pelos criticos de fotografia e retratists de estidio, estes fotdgrafos no tinham boa reputago. Sua maneira pro- vocante, vestides com roupas espalha- fatosas, chamava a atengZo do péblico ¢ irritava os comerciantes da festa Cansados das dificeis condigdes para realizar suas fotos, esses fot6grafos no he- sitaram em instalar seus estiidios num canto de rua e eram frequientemente censurados pelo agressvo aliciamento do pablico. Em 1888, 0 sindicato dos ambulantes das festas do popu- ares entrou com processo na justiga contra esse alicamento abusivo, o quelevou a uma redu- ‘Go signifcativa do némero de fotSgrafos nes- sas festas. Entretanto, a clientela continuava a aaumentar, todas queriam uma réplica de sua Smgem" Até 1920, 0 equipamento do fot6grafo de festa era um grande estorvo, pois como “fot6grafo ambulante’, ele era obrigado a carregar um tripé de madeira para apoiar camera escura, esse conjunto de instrumen- tos, limitava seus movimentos (foto 3) Para assegurar sua clientela ¢ ser con- fundido com 0 cenario da festa, alguns dente eles montavam barracas semelhan- tes Aquelas dos comesciantes. E mesmo aqueles que operavam na porta ov den- tro do seu estidio tinham para seu uso uma multiplicidade de acess6rios e de te- las de fundo, Felizmente, pouco tempo depois, esse material ficou mais leve ¢ 0 fotdgrafo pdde entao sair de seu esti- dio, se instalar nas pracas € nos lugares de passagem. Logo apés o final da wlti- ma guerra ainda era possivel_ver esses fotdgrafos transportando, sobre tripé, uma caixa de madeira de pequena mensio (que bloqueava completamen- te a luminosidade), utilizada tanto como aparelho de prise de vue quan- to como “laboratério”. Numerosas as- wGcias técnicas permitiam, assim, for- necer ao cliente 2 imagem mais fiel possivel. Um pedago de papel foto- grafico era colocado no lugar do filme negativo cléssico para se obter uma ima- gem negativa A fotografia positiva apa- recia_no papel, tudo estando ao abrigo da luminosidade. Um ato de magia? i Uma identidade para todos: o ferrotipo Na segunda metade do século XIX, as fes- tas populares constituiram o espago ideal & elaboragio e difusio de um novo processo fotogrélico: o ferrolipo. Este procedimento, inventado em 1852, fol utlizado nas festas, populares até os anos 20 © ferrotipo, como © daguerreotipo ou 0 ambrotipo, € um proceso direto de obtengao do positive que produz uma imagem énica, nto permitindo sua molt- plicagao. A camada de colodium (superft- cle sensivel) no € aplicada sobre uma placa de vidro como normalmente se fa- ia, mas sobre uma fina placa de ferro Este suporte passa a desempenhar um pa- pel fundamental na leitura da imagem, uma vez que 2 placa de vidro cléssica sé ofe- recia a imagem negativa e necessitava de ‘uma tiragem positiva imediata. Com o fer- rotipo, a imagem fica mais legivel e quase no se percebe que este procedimento fixa ‘uma imagem invertida do real. O modelo {oj forografado & esquerda do stand? Mas na placa de metal ele est 2 direlta E se para 08 fot6grafos profissionais o inconventente aa gates fee ane fede 08 tice we ferpts sers tide tan oe No Ne al ees lagtrst tan ‘tebe ie? use era grande, para os fot6grafos ambulantes esse procedimento era apenas operatério. © ferrotipo pode ser considerado o ancesiral da polaréide. Apesar de seu custo elevado, ganhou, rapidamente, o reconhe~ cimento do piblico Ele seduzia os visi- tantes, embora tenha sido descriminado pelos critics: esse material “pobre” era uma ofensa ao tabslho do fotdgrafo. De fato, 0 fot6grafo ambulante era, em geral, um amador pouco afeito 8s convengées do métier, tanto 20 nivel técnico quanto antistico. Hensi-Gaultier Villars escrevew em 1891, que a ferrotipia, praticada na maior parte do tempo nas quermesses, ain- da nao forneceu belas provas |. | Aque- las que sao obtidas em condigdes defeituo- sas @ por maos poucos hibeis nao podem dar, mesmo aproximadamente, uma idéia da perfeigdo a que podem chegar essas imagens "(In: catélogo ferrotipo, 1994:14) Diferente da prética classica das fotogra- fias de Nadar ov Disderi, os fotdgrafos mais vistos na época, os ambulantes, ti- ham amplo reconhecimento do péblico © antigo militar em sua postura ar- rogante, exibindo seu uniforme diante do canhéo (cano) do ferrotipo, o olhar do cliente retratado em roupa de domingo espreita, petrficado, essa misteriosa méqui- na Qual era 2 atitude do fotgrafo? A sessio da pose no era somente embara- cosa, era também a ocasifio de se distrair, de usar novas roupas, de se divertir Essa € “Minba fotograia com um amigo na festa de Belleville, no dia 25 de feerciro, quinta,feira & tarde Mediz se fiquei bem.” Ficar bes? E verdade que a imagem era, mui- tas vezes, pouco legivel. Ao passar ver- niz, alguns tragos dos dedos ficavam marcados, dando uma imagem sombria que nao permitia 2 leitura de certos detalhes. © rosto, a0 contrario, ficava bem claro. Para melhorar a imagem, o fotégrafo utilizava um colorante, reto- cando as macs do rosto € os labios. Uma vez colocada no suporte de pape- lio rosa, 2 imagem se tornava luxuosa Do fundo e da condigéo social A partir de 1860, nos estidios dos fot6- arafos profissionais, o muro branco e a cor- tina deram lugar, muitas vezes, a uma de- coracio humvosa e enganosa: uma arquitety- 1a dissice ov um cenéio de natureza, Mas 05 cenéirlos dos fol6grafos ambulantes con- tinvavam figis ao lengol branco ov @ uma simples parede em madeira (foto 7). No inicio do século, apareceram no- vos fundos de estidio, especificos para as festas populares: belos carros, vides, cenas de fantasia (foto 8). O cendrio era fixo Colocava-se a cabeca numa abertura oval tendo um tipo pintado que poderia ser um boxeador, um alterofilista, uma noiva Trocava-se somente de pele “Tirar um retrato” No ano de 1930, 0 tiro fotogrifico tor- nou-se a nova arma do fordgrafo das festas populares Nos stands, um homem da um tiro com o fuzil, enquanto os amigos vigi- am o impacto do chumbo na mira. © cchumbo atinge o alvo? Instantaneamente, © obturador do aparelho fotografico dispara e obtem-se o retrato cujo enqua- dramento é incerto: a fotografia validava a performance! E cada um procurava tirar o seu retrato, Madame Chéri, proprietiia de um stand de tiro na Festa de Loges, ainda possuia, em 1990, um dos dltimos “tiro fotogréfi- co”. Ele tinha sido fabricado por seu pai, em 1937, que utilizou dois aparelhos "Zeiss" para construi-lo. O processo era Idéntico aquele descrito acima. O impac- to do chumbo no centro da mira ativava uma bola de merctirio (colocada atris do papelio) que, com auxilio de dois fios de ferro, disparava o obturador do aparelho fotogréfico eo flash. 0 iro forografico teve grande sucesso. Em geral, ficava quase quatorze horas seguidas no laborat6rio para que o atirador obtivesse o retrato num "curlo" espaco de tempo, cuja condiczo bisica era que o atirador nao tomasse a objetiva do aparetho como mira Imagens e exibigoes: corpos visuais, corpos reais Captando ¢ fixando a imagem do curioso paspalhio ou do fregués aplica- do, « fotografia, na festa, beincava com as aparéncias, com os corpos. Ela, ao mes- mo tempo, travestia ¢ desvendava a ima- gem de si, paticipando plenamente des- '* pedgopie de hor is vino eel de sabe i380 * ocope “een de oot do ee loa méSco © (Cape tsa ine fia po ta grande maquinagio que é a festa da cidade Num jogo de exibicao e voyeuris- ‘me, ela contibuia para deformar 05 corpos que nas outras barracas garantiam a entrada de festa: lutadores, herdis, dancarinos, contorcionistas, fendmenos... misturando o real eo itreal, o verdadeiro € o falso. Nas festas populares as céras anatémi- cas revelavam também o corpo sob ov- ros aspectos, valorizando tudo que per- tencla ao dominio da deformidade. O mu- seu Dupvyteen, fabvlosa colegio de céra que pertenceu a0 Dr. Dupuytren € 20 Dr Spitzner, stave freqiientemente presente nas {estas populares do século XIX. Com um objetivo pretensamente peda- g6gico, mostrava-se 2o piiblico essas “es- culturas fotogrificas’. A surpresa era ga- rantida Até mesmo {talo Calvino se en- cantava: “o resultado me faz pensar numa foto instantanea ou flash, sé que aqui a objetivagio € absoluta e sem residuos"” (Calvino, 1986: 45). Atavés desses “es- pelhos deformadores” da realidade, nada mais se podia ocultar. Nas festas popula- res 0 piiblico estabelecia uma relagao di- rela com seu préprio corpo vendo aspec- tos que sto habitualmente dissimulados Se deixava embalar nessas esculturas mér- bidas, num mal estar delicioso e controla- do. A festa da cidadeé o lugar dos exces- sos Mas era preciso ver os efeitos magi cos. Nessas barracas, o piblico buscava descobrir na penumbra esses monstros bem reais. Essa magia permitia, também, descobrir outros fendmenos que necessi- tavam de todo tipo de artficio, de téeni- case de engenhosidade para maravilhar 0 espectador Nos anos 80, atragdes como “Miss Gorila” ainda utilizavam a fotogra- fia. Através de um sutil jogo de. projecio fotogrifica e de espelhios, se chegava a processar uma metamorfose da mulher em gorila A fotografia era também um meio de difundir a imagem de pessoas estra- has, chamadas pelo corpo médico de “fe- ndmenos” € qualificadas de “monstros” gigantes, andes, siamesas, albinos, mulhe- res barbudas, homens-troncos. Também ‘lo era raro encontrar casos médicos nos estiidios dos retratistas parisienses Esses fenémenos pendiam de um excesso 2 ou- tro, do campo da festa a0 campo médico, do riso & seriedade A fotografia estava presente em todo canto, pronta para apre- sentar 0 fenémeno ao olfar" = Nesta relaco com 0 corpo mortifica- do, 0 fot6grafo era confrontado a duas atitudes diferentes: a primeira tendendo a uma representaco sem voyeurisme, onde a deformacao aparente ocupava o centro da imagem; a segunda preparava a cena através de uma composigio e de acess6ri- 5 que procuravam humanizar e poetizar © “horror” Com a ajuda de sutis efeitos de iluminacZo, ou utilizando um cenério em papelio ou, ainda, através da presen- g2 de um ser “normal”, o fendmeno nao ficava isolado na imagem, Os retratos desses fendmenos conju- gavam voyeurisme, gozacio € izonia, mostrando discretamente a mé formagio e des-dramatizando o horror por meio de dois antfcios: de um Jado, a aparigio de um personagem que servia de referéncia ou de auniliar ¢, de outro, a utilizagao de um fundo pintado ou de um cendrio pré- prio que sugeria 0 exotismo do pais de origem desses estranhos fendmenos Os acessérios, plantas topicais, colunas de templos, tapetes ¢ roupas reforcavam, as- sim, 0 aspecto teatral em que eram apresen: tados no campo da festa (foto). Tudo nas festas populares rompe com as fronteiras morais € fisicas, com os ta- bus, conduzindo o olhar para aquilo que nao € visto, levando-o a ver 0 que nao é para ser visto, © que no pode ser visto A fotografia participava ativamente desta folia da festa e do piblico, tornando-se atragao para o visitante, integrando-se per- feitamente no ambiente popular. A foto- grafia encontra If suas especificidades Com o desenvolvimento do ferrotipo, © retrato torna-se "privilégio” de todos. A multiplicagio das asticias contribuia, de certa maneira, com uma exposi¢20 do cor po, com uma identificagio fisica € moral mesmo se esta Gltima permanecesse sub- jetiva. A fotografia estava completamente inserida nas festas populares. Ver e fazer ver eram seu papel Os espelhos defor madores eram uma das atragées em que o corpo se animava com uma nova identi dade, num questionamento divertido. Esta atracao suscitava a curiosidade de certos fot6grafos como Léon Gimpel e André Ker- lesz, a quem devemos uma admirével sé- tie de retratos de Carlo Rim” Observa-se, entZo, que, desde sua in- vencio, a fotografia e os fot6grafos esta- vam presentes nas festas populares. Para muitos artistas como May Ray, Brassai, ese e en do 998 use Doisneau, Bovis, Kollar, a festa era um Iu- gar privilegiado de criagio. Mas nfo po- demos negligenciar a produgo de outros foi6grafos que, com seu espirito documen- tarista, nos fizeram descobrir as méltiplas facetas da festa popular Atger, Seeberger, Soulier), nem tampouco subestimar a pri- tica amadora que continua, ainda hoje, @ se desenvolver. Referéncias Bibliogrdaficas CAWINO, Halo Colecon de sable, Fai, Sel, 1985, CCAULTIER-VILLARS, Hem Manvel de frog, Pass, 1ST Les ferrvypes,colegso do muses Nitpce, 1994 MONESTIER, Matin - Les Monsies, Pais, Tehou, 1978 ROULLE, Ande «La photographie en France, Fis, Macc, 1989 Py, Chetan, FERENCZ!, Cécile - La festa do ‘paioero dranteois Les zanées 1900, Paris La anofactre, 1987 PELLERIN, Deis, MAREOT, Berard. La Photographie stréescopique 5005 le Second pre, Pars, Ubliseca Nacional da Frarga, 1995 SAGNE, Jean - L'atelier du Potographe 1840-154, ais, Passes dela Renaissance, 1984 Abstract Photography appeared at an early date in the history of fun fairs The variety of techni- ques and uses of the medium made photography a faiyground attraction in its own right. The members of the fair-going public were enthusiastic, sometimes seduced by the dream Images made available by steroscopy, sometimes seeking an image of themselves later brought out to confort and identity LAL BS Ensaios Bibliogrdficos use ~ ‘she Chante an sete epee BRAAIEI SHY Balinese Character: uma andlise fotogrdfica de Gregory Bateson e Margaret Mead* Coa Gregory Bateson e Margaret Mead fizeram seu trabalho de campo em Bali, em varios periods entre 1936 € 1939. Estavam ambos preocupadios com os estudos da cultura como ‘umsistema de conhecimento € comportamento ¢, simultaneamente, como uma expressio de cexperiéncla pessoal ede personalidade Bsavarn preocupades em lidar coma relagio entre esas ‘questOes nos seus primeiros trabalhos, mas tam- bbém instisfetos com os resultados obtidos Buscando novos caminhos, decidiram utlizar-se de fotografias ¢ imagens em movi mento para estudar a cultura como elemento incorporado nos mais intimos detalhes do comporlamento. Apresentaram seus resolta- dos daquilo que é, ainda hoje, considerado © mais ambicioso tabalho de fotografia an- icopolégica jf publicado: Balinese Character. Eles tinham objetivos claros: “Este nto 6 ‘um livro sobre os costumes balineses, mas sobre os balineses - sobre a maneira pela qual, como pessoas que vivern, se movimen- tam, levantamse, comem, dormem, dangam entram em transe, incorporam esta abstra- clo & qual (depois de abstratla) chamamos Gecultura” Fizecam mais de 25 mil forosemn35 rnilimetsos filmaram em torno de 22 mil pés de pelicula. Bateson fez as fotografias e Mead co acompanhou, fazendo volumosas anotagdes para cada uma das imagens, indicando os sujeltos, o que faziame falavam Surgiu entio ‘uma pergunta: como poderiam apreseniar tal quantidade de material visual? A parte mais convencional do livro, pu blicado em 1942 por The Newr York Acade- my of Sciences, tornando-se logo esgotado, € 0 ensaio escrito por Margaret Mead, de 48 paginas, sobre antropologia psicol6gica. Ela apresenta padrOes de criagZo infant balings relacionando-os a caracteristcas de estados emocionais, com énfase na cultura. O que fica do livro 6, como eles dizem, “uma ino vacho experimental’ “Neste livro estamos atentos a um novo: ‘método para formular os relacionamentos no palpiveis entre os diferentes tipos de com portamento culturalmente padronizados, colocando lado a lado fotografias motwamente relevantes. Partes de comportamento, espa- cialmente e contextvalmente separadas. podem ser todas relevantes para uma dinica discussio...Através do uso da fotografia, totalidade de cada parte do comportamento ode ser preservada, enquanto a referencia cruzada desejada pode ser obtida com a dis- posigdo de uma série de fotografias numa mesma pagina” O livro contém 759 fotografias orga- nizadas em 100 “pranchas’, cada uma contendo de 6 211 imagens. Cada pran- cha contém, na primeira pagina, peque- + eae te piled peg Soe 17 Pipi po eck: Ute eee de lass nas observagbes analiticas de Bateson e€ citagées retiradas das anotagdes deta- Ihadas de Mead Muitas das fotografias sio imagens memoraveis. Considere a fotografia de "A Superficie do Corpo’, descrita como "Mu- Iher desprezivel no casamento". As ima- gens poderiam ter sido feitas por Henri Cartier-Bresson. Se assim fossem, apare- ceriam como as imagens tipicas de Carti- er-Bresson, de forma discreta, talvez como tuma seqiiéncia sobre Bali ou 0 sudeste asidtico, ou mesmo como uma colegio de seus melhores trabalhos. A fotografia de Bateson tem a forga visual e a complexi- dade que associamos aos melhores traba- Ihos em fotografia de arte: a composicao percorre as faces, o trabalho visual com plementa o trabalho dos dedos das mu- Iheres envolvidos nos cabelos umas das outras Mas a fotografia, devido 2 seqiiéncia na qual se insere € 0 lugar que ocupa na sequ@ncia maior, que é 0 proprio livro, tem um significado maior do que uma imagem isolada Torna-se parte da cons- tatagao e ilustragao de uma teoria compli- cada sobre as formas de estimulo procu- radas pelos balineses e suas respostas @ elas. Esta teoria tem um apelo estético por si propria, uma elegante e satisfatéria per- feiczio que, por sua vez, aprofunda o sig- nificado da imagem individual ¢ nos ofe- rece uma experiéncia intelectual e estéti- cca mais rica © formato do livre , no inicio, perigo- samente “cientifico". No entanto, ao se tor nar mais familiar, 0 formato tornou-se um meio, para a criacao de forma sistematica, do contexto que Bateson e Mead acredi- lavam ser necessirio para o entendimen- to das paites individuais do comportamen- to Dé Aquelas partes um interesse que elas, de outro modo, nao teriam e confe- re as melhores imagens significados mil- liplos que as aprimoram 0 livro incorpora o dilema tratado no inicio. Se um conjunto de fotografias re- almente requer o formato de um livro © textos substanciais, poderi atinglr seu efeito completo nas paredes de uma galeria ou na reprodugo de uma pagina de uma ‘nica imagem? Por outro lado, quando a maior parte clas imagens tem todas as qualidades das fotografias que normalmente admira- ‘mos quando sao apresentadas e ainda tém 2 riqueza propiciade pelo contexto com- pleto de um livro, porque nao olhé-les como olhamos objetos de arte? Os negati- vos € as fotos originais feitas por Bateson @ Mead em Bali no esto hoje disponi- veis; se estivessem, a tentacio de selecio- nar as imagens mais impactantes ¢ apre- senté-las de forma convencional seria enorme. Como nao esto disponiveis, € melhor trata-las como um importante pre- cursor histérico do ‘timo trabalho, cujos problemas e possibilidades ele claramen- te esconde. [As paginas da obra Balinese Character mostram um pouco das admiréveis ima- gens que ela contém, e mostram ainda a sinergia por elas suscitada. ole chose om ae lia Infancia Seminina Durante o perfado entre a mais tenra idade e a adolescéncia, as meninas desempenbam um papel muito importante na aldeia. Além do cuidado com os bebés, a ilustrado, as meninas fazem parte considerdvel da tarefa de preparar as oferendas para as festas no templo e as cerimSnias no grupo doméstico. lewam as oferendas para o templo e ld permanecem como uma parle importante da congregagio De fato, o trabalbo dos rituaisé liderado pelos mais velbos e pelas meninas, en- quanto os jovens casais e os rapazes participam de forma marginal, excelo quando esldo especial- ‘mente envolvides em alguma ceriménia particular. Normalmente,o trabalbo de um grupo preparando um ritual consiste em agrupar algumas ‘mulberes mais velbas e mais meninas do que 0 necessdrto para o trabalho. Em tais grupos, qual- quer menina pode estar trabalbando, observando, brincando tanto com um bebé quanto com ou- {ras meninas ou com menines pequenos ‘As meninas tém igualmente iniimeras formas de jogos. Aqui também: 0 grupo tipica consiste ‘em meninas mais velbas e menines jovens, enquanto os meninos da mesma idade que elas estado Tonge, com seu gado , ou brincando em grupos separados liso 1 Meninas«gareospequenos em buracos de lama ses ‘buracos sdo fotos pelos homens para conseguir lama para ax pareder que corcam 0 quintal das casas O trabalbo de fazer a massa com a lama é feito pelos homens, maz a: criangas também participa Mesias: ‘castes, detzart os bebés nas bancos onde estavam ‘enierionmenteO jogo consista em persgui,ridicular ar, dar oftadas, ui cambalear na Borda até lesper deren equiiro « pularom no foo Fasiam tudo iso estdos, com o sarong bet apertado Bojpeng Gede 11 de maio de 1937 2 eninas mime ceriménie de cesamonto No inerato “de preparagdo da fet, fizeram logos cabels para si mes ‘nas com as felbes das polmeiras, wsadas no prepare das oferendas Bojoeng Gede 14 de abril de 1937 43 Moninas & margem da congregagdo, numa criménia Trowsxerar oferendas para a eeriménia cestdoo ainds ° usando 0: tocidos na cabega coma se estivestom carrepando almofedas Bajoong, 18 de agoso de 1937 4 Meninas num grupo trabalbando com as oferendas Usaram um pouco da axgile preparada pars as ferendas para pintar a face dos menines poquenss Batoean, 27 de setembro de 1937 5 Outra pare do grupo exibido na figura 4 0 homem ° 3 esqueniaexté azendo a bate pars uma oferendo, en (quanto wna das menénes 2 auc As outras duas men nas brincam com 0 bb Batoaan, 27 de setombre de 1937 6 Meninar de uma catia slevada, jogando Esta ° {olografia mezra parte de uma longa fla de meninas ‘comrendo, cade wna segurando a ouira @ sua frente A lider tenta apanbar @ menina que esid no fis da Batoean, 21 de feversiro de 1939 = ateee Char ate ain Infancia Masculina A independéncia aleangada pelos meninos ao final da infancia é mais completa que a das ! meninas Os meninos integram os grupos de outros meninas de sua idade, cuyjas ocupagoes se distanciam de suas casas. Tomar: conta do gado. Cada menino se incumbe de um animal, cuida de sua linpeza, aimentaglo e acomodagbes para a noite Enguanto o gado est pasiando, os me- rinos vagueam pelos campos, espantam os macacos do milbo e roukam bananas da plantagiio mais préxima. Os meninos nio desenpenbam qualquer aiidade na vida ritual da aldeia, para © além de serem expectadores nos shows teatrais Em Bajoeng Gade, enquanto as meninase os mais velbos fazem suas oferendas aos deuses, existe frequentemente um grupo de meninos perseguindo os ‘outros em torno do templo, e, antes que a ceriménia se inicie, esies meninos jé esto no meio do 5 templo, fazendo jogos e brincadeiras. Existe, na verdade, pouca violéncia nesses jogos. Os poucos {ferimenios ocorides foram resullado de acidenes, ndo bavendo quase neburn atentado agresivo ‘para ferir um ao outro. Os jogos de pontapé sio tipicos dessas brincadeiras mio agressivas, e 0s cules dirigidos aos oponentes, na maior pate da vezes, no os aleanga 1 Meninos poquenesfogondo na rua. Ese é um Jogo de tmpusrar e puar no qual, asim cone o de pontapé, © Corpo do menino raramienie entre em contacto mito ‘ojoong Gade 5 de abril de 1957 2m garota num dia de esa Ete menino ainda no ‘lcangou a sua independéncia Bstd vesido em tajes de adil ind acompanbar suo mde ou ama ao templo 1 pais algumar vert loam seus flor arrumados rt Irajes preprios s fesiar do emplo. Estes trajes Cerimoniats so comune nas elangas até sous tis 04 Guatro ancs de dade, dat em diante ser deizado so @ mal culdado Bajoeng Gade. 25 de novembre de 1987 13. Mentiosjgando contra ure sronco de drvare Os dois Ieninot matoreselfo fogando um ogo de abragar, no qual se inseriu o monino pequeno Ese fipo de jogo & ‘Scompantado por grt e berros ‘ajoong Gade 13 de mato de 1937 4 Um monino com seus bragos om torno do pescogo de fulre menino Contact fisieo no qual um menino dd Ss sues costas para @ oro, & mullo comum Aqui o fmening maior ten suas made sobrepasias no peito do benine menor, enquando 4 ndo esquerda do menine Inenor segura 0 dedo indicador de sua prépria mie ‘Bejoeng Gede 18 de Maio de 1937 [5 Um pequeno manino quando cometa a stornar mem= tro dem grupo, 0 menino dexquerda, nsafoografta € Karka, que etd na figure 1 Agu’, 25 meses mais tarde, = tdeestdcomeyando a fazer pare do grupo de ours ment ‘hos am poued mais elbos gue ale Ed ainda emu ei pouco sense, e somente quando pasar, snd propria Imenie wm membre do grupo Bajoong Gade 12 de feeriro de 1938, 6 um grap de meninos brincendo Esta cena ocorex di ronte 0 aniversiro ceimonal, quando os meninos eta tam em torna do pao, sem tortor pare no carindnia A {ara rade wm pou an qs meine Bajoeng Gee 4 de funbo de 1937 27 Uma meld de aenino num funeral Agu, nooamen- {eo meninoeso pare de una malign ques junio no ‘ilo ante de lvaro cor para ocamitino mas na de- ompenbars nenbum papel no erimonial Hesse coloa ram eponianeamente neta posipde para acompanbar a Dreporagdo. Empurravam ure pouco na file eas outras for > fografas mesram que @ order des monins se mediicava ‘ontinuamente. Ao seram empurade,eltavam cuir ve= paraofinal ‘Bojong Gedo 17 de fancire de 1937 {8 Um grupo andloge de meninos en Batozon Esta fotgra~ ‘fa mesira que, mesro enire casas levadas nat aldeas ‘mais ices, be menines from da mesma sua desc de Ki so 0 efarrapadas como os meninas da figura 7, passa e maler part do fpo em aiidades como dest tho, intra, prendendo alee, masosmeninas de cas: {as elvadas de Baloean tambem contastam con seu pais ‘asim como os meninas de Bajeng Gedo Batoon 21 de feortro de 1939 Abstract Gregory Bateson and Margaret Mead did field work in Bali at various times between 1936 and 1939. They were both concerned with the study of culture as @ system of understandings and behavior and, simultaneously, as an expression of personal experience and character ‘They decided to use sill photographs and moving pictures to study culture 2s embodied in the intimate details of behavior They presented their results in whet is sill the most ambitious work of anthropological photography ever published, Balinese Character. *By the use of pho- tographs, the woleness of each piece of behavior can be preserved, while the special cross- referencings desired can be obtained by placing the series of photographs on the same page” as RAIA EYY IF Negros e Fotografia CU ec A maioria dos alfabetizados, historiadores ou no, carece de treino para enxergar 0 passado como os contem- poraneos. A recuperacao da expressto escrita e a sensibilidade para as transfor- magées dos estilos de retorica constituem © seu forte. A partir da década de 89, 0 estudo sistematico de fotografias histéri- cas vem sendo desenvolvido & medida que outras fontes no verbais comegaram 2 apoiar, a complementar, mas nunca a subs- tituir as fontes escritas ‘As fotografias desenvolvem a capacidade de imaginar 0 passado, colocando-o em maior contato com o que era visto, tocado, sentido ¢ até ouvido, se bem que é sempre bom lembrar que esse contato pode ser cenganador, pols a percepe2o € culturalmente determinada. De inicio, as fotografias pareceram um melo prético de registrar a complexidade da vida A crenga no realismo da fotografia acompanhou 2 sua adogio e seu desen- volvimento em diferentes areas — nas ci- @ncias naturais, na historia interna da medicina, nas mudangas rapidas no co- mércio, na industria ¢ na arquitetura. Foi muito mais lenta a compreensio de que a leitura da fotografia nao se limitava 2 uma descrigao suméria de um conteido ou de ‘mest de imagem. Mais lenta ainda a idéia de que exige uma andlise comparative, que inclui compreensio, avaliacao, decifragao e colocagéo no contexto de uma combina- Go do assunto, fotdgrafo e colecionador. Aanilise iconogréfica desenvolvida pela Hist6ria da Arte, 2 partir dos principios de Heinrich Wolfflin 20s trabalhos de EH Gombrich e Keneth Clark e por analisias, de fotografias como John Szarkowski, vem favorecendo a leltura da fotografia historica, comerando pelos diferentes componentes, tanto da imagem quanto da hist6ria da imagem. Mesmo no caso da aplicacao téc- nica da fotografia, jf se verificava, no sé- culo XIX, que as fotografias de campos microscépicos ou de feridas isoladas permitiam um conhecimento mais nitido e aprofundado que o exame 2 olho nu ou a descrigao verbal Ainda que, inicialmente, a andlise ico nogrifica pareea muito complicade diante da aparente captaco imediata da imagem visual, ela oferece sugestbes ricas para a aproximagio de outras imagens. Enquan- to as fotos devem ser tratadas, num pri- meiro momento, como textos autosufici- entes, onde se procuraré verificar se & rara, ou freqiente, se capta detalhes especiais ou comuns, tirados deliberada ou inad- vertidamente, suas anélises devem passar, num segundo momento, para sequéncias, que fornecem, além dos dados relativos a cada uma, as semelhancas e diferengas que estipulam os momentos passados e futu- 10s dos contetidos presentes em cada uma 183 phy adi fet ines iy Sicane 1401920 premdore VE forthe Minny of Ndi, san, way 12 1977 * avsl, Emer en) he ae fiers tgs. tives ire So Par eee eetrect 988 Ls ‘A observagio dos detalhes revela da- dos inacessiveis a olho nu que se agre- gam 2 outros mobilizados pela meméria de situagdes andlogas. Procura-se local zar 0 momento de captagio ¢ a conscién- cia ov inconsciéneta dos retratados. Essa observacao inclui apreciagdes técnicas sobre o tipo de iluminaglo, a qualidade da revelagao, sinais de retoque e limita- bes do equipamento usado. A posigio central ou periférica, a focalizagto de cima para baixo ou de baixo para cima refle- tem 0 ponto de vista do fotdgrafo com relacdo aos fotografados. Dos dados so- bre 0 fotdgrafo, suas intengdes e treina- mento, passa-se 20 péblico potenctal — se foram feitas por razdes pessoais, se servitdo para publicidade ov para ilustra- Glo de livro ov revista, Quando o fot6- grafo € andnimo ¢ o piiblico indefinido, © que se prope € perguntar se a foto foi guardada e para quem, como parte do passado de quem ou de que instituicao Convém cruzar as informagdes de seu con- tesdo com outras fontes. Eram dados no- vos? Outras fontes trazem suas informa. bes? Fol tirada de maneira convencional ‘ou de um novo Angulo capaz de revelar uma situaglo diferente da conhecida? Na cocasito do registro, provocou diividas sobre a imager? ou reflete alguma situa- jo ou sentido de mudanca rapida? Como © processo analitico deriva de tensées dicotémicas na foto, convém recorrer @ compara¢ao de qualidades em escala, dentro das quais busca-se situar a foto examinada - & um esforgo attistico ou tem um objetive técnico-cientifico? ~ uma imagem composta ov um quadro in- génuo? Foi planejada ou acidental? Trans- mite o sentido do fot6grafo ov tem senti- dos latentes miltiplos? Os detalhes per- item inferéncias sobre aspectos do tex- to, do contexto € dos atores? Os objetos parecem reais ov parecem abstracdes? Focaliza 0 conteiido ou vé 0 padréo bi dimensional Examinar entao a qualidade como técnica © que predomina: textura? sevelagao? focalizacio? luz ov velocidade? Este roteiro de fotoanilise apresenta- do em 1977, foi o mais completo que en- contrei para o trabalho com fotografias hist6ricas. O Centenfrio da Abolicto da Escravaivra, em 1988, teve o mérito de estimular o resgate € a organizacao de fontes primérias e secundarias sobre populacio negra, sobre 2 escravidio € sobre 2 abolicéo além da publicacto de obras de rediscussio desses problemas.A invisibilidade do negro e do indio ja tem sido tratada de diversas formas, na litera tura e nas ciéncias sociais No caso da fotografia, a raridade ou auséncia de re- gistros acabavam fazendo com que as existentes ganhassem foros de realidades Gnicas. ‘Em 1988, Emanuel Aravjo* orgenizou, além da preciosa Exposicao, uma equipe que registrou sisteméticamente as contri- buigdes culturais afro-brasileiras, reunin- do pesquisas sobre aries plésticas, misi- a, literatura, usos € costumes. Existe até ‘uma tentativa de Nominata, como primei- ro passo para um diclonério biogrifico, para chegar a uma enciclopédia sobre 0 negro. Nesse livro no ocorre a habitual confusio entre negro € escravo, que se prolongou até muito depois do século XIX. Essa confusto anula os efeitos da visibili- dade possivel dos negros 1a iconografia na fotografia £ também de 1988 a Exposigao de Kossoy € Tucci Carneiro’, que saiu em 1994 como livro. Nesta, o que se faz € a secuperacio de aspectos da vida e do tra- balho escravo, da violéncia e do medo que grassavam, das dancas e de formas de re- sisténcta 20 cotidiano do regime escravis- ta, através de uma relagao de cenas e re- tratos sugestivos, que os autores analisam. Sto imagens de artistas ¢ fot6grafos eu- ropeus, que fornecem material para a com- preensto mais clara de situagGes indes- critiveis por escrito. Uma certa homoge- neidade paira no estilo dos desenhos pintoras, pois era pritica habitual 2 c6pia e empréstimo de figuras e modelos entre viajantes e litégrafos. Destacam-se, entre clas, as de Peul Harro-Haring, cujo taco caricaturesco acentua 0 grotesco € 0 am bigiio das situagbes do depésito e da com- pra de escravos Os Autores fixaram a comercializacio do exético, feita por fot6grafos europeus com imagens de negros € negras que re- velam aspectos mal conhecidos da explo- racio capitalista da populacao pobre 0s fot6grafos eram os proprievirios da imagem da populacio pobre (branca negra) ¢ estabeleciam 0 padrao de repre- sentacio: — as poses de corpo inteiro, apresentando ov escondendo os pés descal- 05, enquanto as cabecas exam escolhidas para dar visibilidade as marcas de identificagao de origem e da condigao de tabalho nas fisionomias deprimidas. Os autores acrescentaram. aos retratos a listas de passageiros nos navios negreiros, rect- bos de compra e venda de escravos e anén- cios de jornal procurando negros fugidos op ereepae Fo} Mas os sinais “invisiveis’ do sistema escravista ficam ocultos por trés das nu- ances da identificagao relacional dos ne- gros, alforriados ou escravos. Havia pes- “foun. suse ne soas de pele negra que nao eram consi- fm atu fe derados negros e mulatos classificados ora ssnstiitiae como brancos, ora como negros, de acor- ‘slo a. do com a camada da populagioaquees) tavam ligados + Aone Pade ss ap © livro de Azevedo € Lissovsky' gira tan alton to ‘em torno do acervo de um tnico fol6gra- guts ce tein fo, Christiano Jr,num periodo limitado, belgtiey to oferecido & anilise de trés estudiosos con- tun ne sagrados do negro da escravidio. Apre- ful tinfaio senta a cole¢ao, como a maior colegio de Pella fotos conhecida, antes de 1870, através de um “reclame"da Galeria do fot6grafo por- tugués, fornecendo pela imagem em se- guida os aperleicoamentos técnicos € so- ciais da fotografia de entio, Muniz Sodré no capitulo A Sombra do Retrato, fala da plasticidade das instituigées religiosas, ca- racterizadas pela reordenaco de ritos, valores € mitos convertidos em simbolos Iivirgicos. As fotografias se converteriam, assim, na teatralizagao da meméria 2 par- tir de uma cosmovisio que coloca a forca do Cosmos ao aleance do poder de reali- zacao ¢ de transformacio de seus mem- bros. ‘A antropéloga Manuela Carneiro da Cunha, com seu amplo conhecimento dos negros do Brasil e da Nigéria, escreveu 0 penetrante capitulo Olbar Escravo, Ser Olbado. Fornece lentes e fitvos para tal empreendimento, Caracteriza as fotografias de Christiano jr como “fotos de estrangeiro, para ser serem vistas por estrangeiros’, e penetra meticulosamente nos t12¢0s fisio- némicos dos retratados, pela testa enru- * often Fis Sots 4 agata © mo ene oe Talal Stace Gah « Fandasio ral otras aha 198 Ip (ua gada, pelos cantos da boca, pelos sulcos afundados das faces © historiador do Escravismo Colonial, Jacob Gorender, analisa com distancizmen- to caracieristico A Face Escrava da Corte Imperial Brasileira Refere-se 8 exclusivi- dade de pretos, entre os retratados de Christiano Jr, indicando ai uma clara busca do exbtico, pols os escravos mulatos € claros nilo teriam o mesmo efeito na foto- grafia. Revela, entao, a existéncia pouco conhecida de escravos brancos, pela ati- vidade, por serem miserdveis e por se apresentarem vendendo e carregando ta- buleiros. Embora a fotografia s6 transmite os aspecios amenos e "clvilizados* da escra- vidao, nunca revelando as crueldades ¢ ‘05 castigos, somente elas (e raramente tex- tos) captam as diferencas de nuances de cor, 08 aspectos visiveis do trabalho € as diferentes utlizagdes do corpo Da leitura das fotos realizada pelos iferentes autores, dos escravos brasileizos retratados por Christiano Jr, afluem inimeros focos € aproximagbes tanto do processo a leitura da imagem quanto da camada social retratada, capazes de diferenciar tragos de escravos € de negros livres, que imitam a indumentaria do branco. O livro de Sofia Olszewski Filba’, que 36 saiu publicado em 1989, € um ovtro tipo de livso. A decodificagao da imagem é proposta como inteleccao da mensagem completa, a interferéncia da emocio e da caltura. A analise de textos e de imagens Jevaria 2 um conhecimento mais amplo. 0 século XIX no foi uma época de gran- de nimero de fotdgrafos amadores, pois a tGcnica exigia, além de capital inicial, ‘um grande conhecimento cientifico e tec- nol6gico. Condlui, portanto, que néo ha- via fotdgrafos negros. A maioria dos que existiam eam fot6grafos itinerantes € es- teangeiros No livro de Emanuel Araujo, todavia, aparece um fotdgrafo negro: LIBANIO DO AMARAL, de Pernambuco, que teve esti- dio em Manaus (1890 € 1900) € no Rio de Janeiro. A historiadora experimenta uma decifragdio da imagem pessoal de um acervo encontrado no Museu Histérico de Salvador, reunindo 2 obra de diversos fot6grafos Verifica que nao se tratava de fotos solici- tadas pelos fotografados, mas por comer- ciantes € curiosos, desejosos de utilizé- las como cartées-postais, lembrancas da Bahia, ou seja, como mercadoria Quando querem ou podem, fisica, econémica € sockalmente calgam sapatos, utilizam 0 guardacchuva como cetro de ascencao social e se apresentam nas fotografias como “brancos novos", numa referéncia 20s cristios novos Ao consi- derar que a leitura da fotografia é sempre histérica e que o tempo dilui a compreen- Sto clara e direta, refere-se a essa leitura como um somatério do conhecimento da técnica fotogréfica e do conhecimento do periodo hist6rico e acrescenta que a ané- og Fonts lise da colegio de fotos do Museu englo- ba o conhecimento € © pensamento do periodo, Refere-ve nominalmente ao fot6- grafo Lindeman que buscava o exotismo, reproduzindo negatives para carl6es pos- tajs, Sublinha esses dados com as repre- sentag6es ideais implicitas nas identifica ‘be genéricas das fotos — no sko fotos de pessoas, mas de categorias: carrega- dor, tribo de origem, crioul2, negra. S20 sinteses simbélicas dos retratados, que se encontram ai, € nao representagoes indi- viduais por eles solicitadas, corresponden- tes 20 somatério do real, do social e do simbélico, constitufdo aqui pelos anseios e aspiracdes, Nao era mais como em 1879, quando se propusera que “a foto permite que 08 viajantes levem o reflexo das ma- ravilhas que viram" Nio sto mais os desenhos que se pode- ria achar exagerados, mas a exatidio com- pleta. Os quatro livros resenhados trazem contribuigdes substanciais 2 fotoandlise, por mais diversos que sejam pelo enfo- que, pelos objetivos, pela metodologia € 216 pelo objeto. Expdem atitudes e inten- bes, 0 atelié fotogréfico como um palco de ilusbes € 0 retrato como um registro de aparéncia. E subjacente a esses dados ¢ relagdes heterogéneas, a terrivel revela- ao de que até a visibilidade do negro que pareceria assegurada por seu estigma — a cor —acaba umbém sendo discutivel Abstract Photoanalysis is still researching its techniques for the analysis of photographic images As application in sociological studies has contributed to making research work more sistematic Four books refering to iconography and to the photography of Black people, published on the ‘occasion of the Centenary celebration of the Abolition of Slavery, are examples of the divese forms with which photoanalysis can be relited and of its varlous results. 150 tA Resenhas de Filmes e Videos lis First Contact Diretores: Bob Connolly eRobin Anderson 1962, 54 mn, 16mm, cor Produtor: Arundel Production Austral Em 1930, tr89 exploradores de ouro australianos ~ Michael, Daniel e James Leahy - encontraram, no interior da Nova Guiné, nativos que ainda nao tinham tido contato com © mundo exterior e, particularmente, com os bbrances Os prospectores levaram consigo uma cimera cinematografica € outra fotogrética Meio século mais tarde, dois cineastas australianos encontram esses arquivos filmico € fotogréfico e se langam em busca dos eventuais sobreviventes desta aventura. Dois dos irmos Leahy ainda estavam vivos e alguns Papouas se lembravam de sua descoberta do mundo branco. As imagens se cruzam ¢ se contradizem Quem é este homem de biue- jeans que olha, rindo, para a foto de um geroto 1nj.no meio de homens nis, armados de arcos ¢ flechas? Sem divida, hi que se perguntar sobre 2 relagio memorizante que assim se estabeleceu € retornar & essa entonagio mortifera que canrega a fotografia, De fato, @ imagem capta um instante firado uma vez para sempre Ela designa e, assim, chama 2 atencio 20 mesmo tempo em que interrompe, definitivamente, 2 possivel mudanga dotempo para inscrever aquilo que esté ilustrado na imobilidade eterna do intemporal e, portanto, do ntowivo Esse homem encontra, ou melhor, reencontra sua infancia? Que sentido pode ter uma tal confrontagéo mio somente consigo mesmo enquanto alguém que vive numa continuidade que foi repentinamente recorlada, coisficada, mas, sobretudo, com uma época em que esta imagem indica precisamente o fim? Mede ele 0 tempo sem limite que o separa de um ser desaparecido que pode ainda sentir nele mesmo? Que sentido tem para ele uma confrontagio destinada, principalmente, a um espectador que observa esse movimento de designacio intencional: a imagem fixa, 2 fotografia esté no interior de um movimento também registrado e, zssim, pasta do tempo presente 2 uma continuidade tinica cuja duragio € reproduzivel’ Nesta perspectiva de realizagao, vemos nessas foios outre coisa além daquilo que designaria uma imagem cinematogréfice? Flas ~ as fotos ~ designam momentos ov intengoes particulates 20 longo do discurso flmico? A quem se enderecam essas intengdes € a que nivel este didlogo nos diz respeito? Eis algumas questbes que se colocariam 2 toda utilizagio da fotografia num filme onde no se operaria uma ‘cinematografizacao” da imagem fixa, ou seja, uma animagao cenarizada através de um trabalho de cémera realizado na truca. No contento dessa resenha nio cabe, evidentemente, tratar de todos esses aspectos. Assim, tentarei apenas indicar pitas para uma interpretagio da fotografia e sua relagio com a construgio do filme 1534 A primeira foto €, a0 mesmo tempo, a primeira imagem do filme na qual se 1é o titulo que indica, sem duivida, seu sentido: um close de um rosto negro, com 0 cabelo erigado, 2 boca muito aberta e uma dentigéo preciria E, certamente, uma imagem do *selvagem” ¢ 2 expressio First Contact, assim ilustrada, desvenda, de imediato, 0 sentido geral do filme Pouco depois, aparece 2 segunda foto que mostra os trés irmios Leahy em calgas € botas de hipismo, posando diante de um aviao Os principais protagonistes do filme, o selvagem, os exploradores € 0 aviio séo doravante identificados. Para que 10 haje vida e para que se personalizem os heréis brancos, trés outras fotos deles aparecem enquanto as vozes de dois sobreviventes comegam a contar o passado Um pouco mais tarde, agora que estamos no presente do filme, uum Papoua de hoje evoce um dos irmaos que certamente dirgia # expedicio Fle tem na mio uma foto deste homem diz: “mestre Mick, ele era um homem duro, * Foto-retrato depois das fotos de identidade, ertramos na natureza dos personagens ¢ as diferencas que os separam —permitem —_caracterizé-los reciprocamente Nas duas fotos seguintes, ainda que o comentirio de um dos irmios explique que eles nao eramn inimigos embora fossem completamente diferentes (para eles, (os papovas] nés [os brancos) éramos spirits), vemos @ imagem de um homem de aspecto bastante selvagem e, em seguide, uma imagem do encontro dos brancos e papouas. A contraposicto dos personagens fotografados, 0 contraste clissico do née do vestido, significam muito 0 encontro-choque daquilo que seria a selvageria natural com 2 pretensio civilizada, sento civilizadora A partir dai, as fotos servem pare anunciar as diferentes partes do filme como {foto:-designacao que inscrevern os eventos na ordem da histéria Os planos dos filmes realizados em 1930 pelos iemos Leahy € os planos elaborados em 1983 por Connolly € Anderson situam os comentérios hoje e sero (5 desenvolvimentos ilustrativos dos capitulos anunciados e nomeados de alguma forma peles fotografias ‘Temos, assim, o capitulo do fencontro com suas caraceristicas e depots uma série de seqiiéncias que poderiam ser Intituladas do seguinte modo: 2 surpresa, os estrangeitos s80 0s espiritos dos mortos, fim da ilusio, os selvagens abandonados 20 desejo, 3 instalagio do médo, as modalidades de troca, & necessidade das relagbes de forga, retrato de um her6i (Mick o matador, o homemt forte, o guerrero), & batatha Apés a batalha, as relagdes se estabilizem, marcadas pela chegada do avifo-pissaro e a descoberta do mundo dos brancos por uma erianga que conta sua maravithosa viagem A partir de entio, 2 palavra é essenciaimente dos papouas e,trata- se menos do encontro que do estabelecimento de relagées bem orientades: 05 “nativos" se apossam dos restos dos brancos, de seus lixos, mas, também, eles entregam suas mulheres ‘em troca de colares de conchas Por dltimo, a dominagao se estabelece © 0s papouas sto colocados no trabalhio de exploragio do ouro para 0s exploradores 0s exéditos do filme sac apresentados numa série de fotos-tipo, to mesmo espirito das primeiras imagens, mas os Papouas nio estio mais tao inquietos ¢ sua selvageria parece agora um poued fora de uso Essas imagens lembram os antigos cartdes-postais, europeus que inventariavam os “tipos caracteristicas” das diferentes sociedades camponesas no final do sécvlo passado © inicio do primeiro quarto do século XX. Sem divide, elas tem as mesmas fungdes de cestigmatizagao ¢ de exorcismo. As duas fotos que fecham essa recapitulagio situam, definitivamente, os eventos na histéria sen’o na nostalgia: uma retoma 2 surpresa dos *primitivos" diante do fot6grafo dos brancos, ‘que vamos encontrar na iiltima foto com sua cléssica eelegante aparéncia de her dos filmes de aventura dos anos 1930 Toda a articulagio do filme se faz, assim, gragas 3s fotos que eslabelecem, num tipo de eternidade fora do esperado, fora de julgamento, a aventura predatéria e colonial Este First Contact esté doravante muito mais voltado para o discurso de um tempo imaginirio, constitutive de mitologia do que portados de histérla, Marc-Henri Piault! liga de rete Brit, 155) uss Diretores: Produgi Australia Davide Judith MacDougall notabilizaram-se por suas tentativas sistemsticas fem romper os limites convencionais do filme etnogréfico Em finais da década de 60, contestando a autoridade do narrador prevalecente no “cinema de observacio", ccomecaram 2 focaizar pessoas desempenhiando atividades e a destacar sua prépria presenga 1nos filmes que realizaram Devido & opgio por métodos mais participativos e a énfase em estilos de representagZo, transformaram seus filmes etnogrificos em diflogos visuals introduziram legendas no género (Winberger 1994) A partir da observagio de conversas espontiineas ou provocadas, e de seus préprios didlogos com 05 sujeitos de seus filmes, conceberem o filme etnogréfico como processo de pesquisa e descobertas Dessa forme, visaram a restaurar nfo somente 2 reciprocidade existente entre cineastas € seus sujeitos, mas também entre esses sujeitos e 2 sua audiéncie Em conformidade com essas pers- pectivas, David MacDougall reterava, ainda em 1978, que ‘nenhum filme etnogrifico & Photo Wallahs David e Judith MacDougall 1991, 58 mn, 16mm/VHS, cor Fieldwork Films simplesmente um documento de outra sociedade; € sempre um documento de encontro entre o cineasta e aquela sociedade” (PITT) € insistie que, para romper suas limitagées, os filmes etnogrificos “precisam lidar com esse enconiro" Com Photo Wallabs, 20 invés de simplesmente documentar esse encontro € retratar 2 visio de seus sujeitos, 0 intuito & “desenvolver complexas redes de conexGes € relagdes ( ) enquanto estruturas capazes de produzir significados" a fim de “trazer ao espectador uma nova experiéncia e novas questOes sobre 2 fotografia, sem um comentirio didético* (MacDougall, 1992:11). &o mesmo tempo em ‘que utilizamy-se da linguagem cinematogréfica para problematizar a complexidade social da fotografia na india, David e Judith MacDougall exploram novas diregdes para 0 documentirio e filme etnogcifico Photo Wallabs foi realizado em Missoorie - uma cidade heterogénea, préxima 4 Delhi, em cujo cotidiano mesclam-se simbolos d2 modernidade globalizada e da tradigdo inds. Em Missoorie, os MacDougall localizaram, entrevisteram ¢ acompanharam uma vatiedade de fotdgrafos: de varias idades estratos sociais, trabalhando com diferentes tradigbes e fungGes, usando diferentes tipos de equipamentos fotograficos - dos mais antigos 0s mais modernos, desenvolvendo suas atividades em estidios ou na ruz e produzindo Fotografias artisticas ou comerciais As reflexes desses fotdgrafos acerca de suas fotografias fornecem o principal fio condutor do filme Ao acompanharem esses fot6grafos, descortinam um caleidoscépio de imagens que continuamente expde ao espectador os diferentes modes pelos quais fotografia media 4 Vida cotidiana na localidade - seus varios usos € significados, enquanto midia da imaginagio ou da evidéncia, Nas montanhas de Missoorie, filmam for6grafos comerciais preparando as poses de turistas indus que se fantasiam especialmente para as fotos como bandidos, como camponeses, personalidades polticas ou eatrelas do cinema ind. Um desses fot6grafos ‘observa a importincia de se obter o “sentimento certo no momento da foto. Outro, que trabalha fem estidio, comenta que 2 fotografia “é uma forma de despertar sentimentos" e exemplifica contando que um Primeiro Ministr ficou muito feliz em ser fotografado fantasiado de bandido, pois “( ) havia um bandido em seu coragao”. Mas se essas fantasia trazem 3 tona a fotografia como mfdia da imaginago, que permite a alguém assumir ume identidede zlheia, em outras situagGes hd necessidade de certa verossimilhanga Esse € 0 caso das trocas de fotos que funcionam como pré-equisito dos casamentos arranjados na classe média indi Assim, um fot6grafo, provavelmente para impressionar 2 familia do possivel pretendente, escolhe fotografar sua cliente junto 2 um aparelho de TV ¢ faz questo de colocar seu Pr6prio rel6gio no pulso da moga Mas procurando atingir melhor resultado possivel com seu trabalho, discorre sobre os limites entre a realidade € idealizagao nesse tipo de fotografia, 2o relembrar a decepsao de uma mulher quando conheceu pessoslmente um pretendente cuja aparéncia era muito aquém da foto que ele havia anteriormente Ihe enviado. Mesmo quando, em alguns casos, os entrevistados nio sio fotdgrafos, as conversas e imagens focalizam, invariavelmente, 2 produgio ¢ as fungdes a fotografia. Assim, uma mulher idosa jf bastante ocidentalizada planeja um livreto ilustrado que possa evidenciar a existéncia de cemitérios cristios na india, mesmo que io saiba quem poderd se interessar pelo assunto Outra mulher, uma aristocrata também jé idosa, folheando seus velhos Albuns de fotografias, detém-se a relembrar como foi fotografada, quando jovers, por um fotégrafo famoso Mas, Photo Wallahs nto se restringe as reflexdes dos sujeitos sobre 2s fotos que produzem ou nas quais sio retratados Incessantemente desenvolvendo conexées € interrelagdes, 05 realizadores também contrapem e justapem varias midias: foto- grafia, pintura, video e televisio E num desdobramento continuo das miiltiplas Fungbes da fotografia, o espectador é exposto as séries de fotos de pessoas desaparecidas que constantemente aparecem na TV local ‘A montagem desse caleidoscépio de imagens constantemente intercruza justapée a modernidade globalizada e a tradiggo local Essa diferenciago transparece, inclusive, nos diferentes tipos de fotografias, técnicas ¢ méquinas fotograficas, bem como nas reflexdes ¢ discussbes sobre fotografia arte e a fotografia comercial. Um diglogo entre dois velhos fotGgrafos sobre as aceleradas w) transformagées tecnolégicas € pragmitico: enquanto um deles, embora queixando-se de nao mais conseguir obter 2 eficiéncia e padiao de qualidade do passado, declara tirar atualmente *500 fotos coloridas por die”, porque precisa "pensar no futuro dos filhos*, 0 outro reage comentando "mas fazendo iss0, voce esté destruindo suas idéias! Voo8 perdeu seus ideais” Nao por acaso, apés esse didlogo e cenas subsequentes do velho que se manteve artista forografando a paisagem rural de Missoorie, 0 filme termina com ume seqléncia de auto- representagSes de uma variedade de pessoas diante da cimera cinematogréfica. Como David MacDougall (1992 ) nota, enquanto simplesmente posam para a maquina fotogrifica, as pessoas nem sempre sabem 0 que fazer € muitas vezes tentam representar para uma cémera em movimento Embora haja continuamente urna reocupagto em distinguir linguagem fotogréfica ¢ linguagem filmica, essa thtima sequénciz por sis6 traz 3 tona diferengas bisicas entre imagens fixas ¢ animadas, Concebido como “um recurso para uma série de observagbes, idéias e possibilidadest (MacDougall, 1992: 11), Photo Wallabs desenvolve quest6es € problematizagSes que transcendem a cidade de Missoorie e 2 india Para n6s, envolvidos em reflexdes sobre 0 uso da imagem na antropologia, Photo Wallabs ponte novos caminhos € novas possibilidades de pesquisa visual Indica a importincia de se justapor ¢ diferenciar linguagens fotogréficas, videogréficas, cinematogréficas e televisivas na sociedade contemporines. Sugere também novas possibilidades de pesquisa sobre essas diferentes midias e suas conexdes no conterto da interrelagao dinamica entre globalizagio € localismos Com toda certeza, muitas das revelagbes sobre a fotografia na india podem nos ajudar a pensar comparativamente sobre 2 compléxidade social da fotografia e sua intertelagio com as outras midias no Brasil Referéncias Bibliogrdficas: ecDoups Cri Seoud Obaratonal Choma’, in Hoekings, Paul ed aa ie ‘Mowten oo eee 1975, T0815 ‘MaeDeugall, Bavd, “Pho Walas: An Encouter wih holography’, Vil Antuopology Review, vel 8, n€ 2, 1982 Winerger li, “The Camera People’ in Taylored) Routledge, New York/tandon, 1994, £26 Bela Feldman-Bianco wit ant fed fon, ‘co Rio de Memérias, filme de José Inécio Parente e Patricia Monte-Mér, apresenta 4 soma de varias linguagens num entrosamento cuidadoso entre o cinema, a fotografie e a miisica ~ Outro encontro também se realiza: desde o titulo € feta 2 associaglo entre a fotografia ¢ a reconstrugio do passado. Em noses experiéncias cotidianas sabemnos que o ver erever fotos € ums forma de construir um hist6ria do passado e realimentartradigoes familiares. A meméria, esta que nos ver nas lembrangas 20 olhar 25 fotos, obedece 2 uma selegio E a atualidade quem dita os caminhos 2 percotrer no pasado. Nos nossos dlbuns temos 0 cuidado de escolher fotos que melhor exprimam a imagem que queremos construir de nés mesmos e de nossa familia, No proprio sto de fotografar ja esté presente uma intengao de deixar impressz uma determinada perspectiva da coisa fotografada: pessoas ou paisagens ‘A meméria, assim como as reliquias (as Fotografias sto delas um exernplo) e a histéria, uina forma de se falar do passado conforme ‘nos diz Lowental (Lowental, David. The Pastis 4a Foreign Country Cambridge University Press, 1990) Rio de Memérias consegue' realizar esta reconstrugio do passado relacionando as trés possibilidedes De inicio, temos um trabalho importante de pesquisa cujo resultado € visto Rio de Memérias Direcéo: José Inacio Parente 1987, 33 mi, 35mm/VHS, PB, Brasil Produgio: Interior Produces nas imagens de uma forma sutil. © filme nos fala da histGria da técnice fotogréfica e de sua introdugio no Rio de Janeiro com os aguerrectipos na década de 40 do século XIX. Ao longo dos 33 minutos de filme, 2 arte € a técnica da fotografia sto mostradas em cenas que cortam 2 narrativa de outa histéria, a da cidade do Rio de Janeiro, entéo capital politica e cultural do pais. Ao mesmo tempo que nos apresenta as imagens de um Rio antigo, os primérdios da profissio de fot6grafo sao relatados pelo narrador Pintores, relojoeiros, magicos e artestos sto 0s primeiros a dedicarem-se & técnica que, até hoje, guarda otom de magia. Os grandes mmestres desta arte no Rio - Marc Ferre2 e Malta - sio homenageados através das imagens da cidade € dos costumes de décadas atrés As fotografias também sto pensadas pelo seu uso social: agora, nos diz © narrador, a8 viagens cientificas, morais € de diversto podem ser documentadas pela -fidelidade da imagem fotografada. Trocam- se fotos pessoais como cartées postais de uma paisegem. As fotografia perpetuam os rosios © 2s posturas de nossos antepassados, £ com elas que podemos, hoje, recontar 0 passado A pesquisa histérica da técnica no € isolada da trajtéria da cidade A fotografia acompanha 2 mudanca da capital imperial & capital dz ordem 159) Leo € do progresso da repiblica. A prefeitura do inicio do século quis documentar em imagens 2 destruicio do Rio de Janeiro colonial e sua transformagio na Pars tropical Num movimento semelhante, o filme traz a histéria do mundo do trabalho. Os escraves tém suas imagens impresses, mostrando-os na lida Seus rostos, como em cartoes de identidade, apresentam homens e mulheres numa sociedade que ndo os reconhecia como pessoas. Os vendedores ambulantes do centro da capital da repiiblica os imigrantes italianos nas fabricas do inicio do século sto Jmagens que permitem falar das desigualdades sociais em uma cidade que se pretendia moderna. © lazer nao escapa ao relato desta hist6ria, como no poderia deixar de ser Os momentos de festa € de diversio sio caros & meméria € as reliquias que guardamos E assim que o carnaval, a praiae alguns locas da cidade aparecem Nesta selegio de fotos, Rio de Memérias parece tazer estas imagens como 2 construgao da representacio da cidade de hoje Como um tema a mais 2 ser tratado nesta histéria, surge a presenga do cinema na vida di cidade Os cinematégrafos s2o 2 novidade do mundo moderno Sua histéria € contada em fotos e em seqiéncia de um filme de época. A imbricagio entre 0 cinema e a fotografia, que se apresenta neste instante como um dado de uma pesquisa historiea, esté presente © tempo todo do filme As imagens fotografadas se movimentam pelo trabalho da cdmara cinematogréfica. Ao movimento se junta 0 som que traz 2 cada cena a impressio de um filme sonoro de poca. Criangas riem e curtem as brincadeiras ‘no mar, 0 trem passa darulhento pelos canteiros de obra da cidade © a miisica identifica os anos pelas modinhas de carnaval Sabemos que as reliquias fotogréfices sio escolhas entre outras possiveis, @ meméria & construida a partir das pistas deixadas por estas reliquias ¢ a historia, uma interpretacto do passado. O que vernos ¢ uma versio da historia do Rio de Janeiro a pantr des Fotografias e, 20 mesmo tempo, uma versio da hist6ria da fotografia 2 partir da vida de uma cidade As ccenas com © movimento € o som dio 2 estas historias um ar de verdade imefutivel. Se 2 fotografia pode ser vista como um simulacro da realidade, Rio de Memérias leva esta idéia as dhimas consequéncias filme brinca, assim, com a realidade Myriam Moraes Lins de Barros estas odo a6ria 2,20 ada 2 AS ostas Sea cro, déia aca, Off the veranda é um documentirio que Integra a série Strangers abroad e descreve 2 Vida e as principals idéias de alguns dos pesquisadores que construftam 2 antropologia moderna. Dentre estes, 0 objeto do filme em uestio, Bronislaw Malinowski & certamente ‘um dos que dificilmente poderiam faltar em um projeto dessa abrangéncia. Indepen- dentemente das diferentes avalisgdes que receberam seus estudos e teorlas, esse polonés radicado na Inglaterra gerantiv um lugar impar ‘no pantheon da disciplina 20 revolucionar definitivamente 0 método de pesquisa antropolégica Desse forma, o documentitio equilibra-se relativamente bem em meio aos riscos envolvidos no projeto de focalizar esse ersonagem tom geral é evidentemente © do reconhecimento da importincia da sua Contribuigio. No entanto, o espectador familiarizado com o debate mais con- temporineo sobre o lugar de Malinowski na hist6rie da discipline consegue reconhecer, ‘aqui ali, a influéncia de leituras mais criticas 4 seu respelto que, se nfo dominam a apresentagio de sua vida e obra, impedem a repetigio dos mitos herdicos que © proprio Malinowski contribuiu para que fossem teckdos em volt de sua fama Malinowski: Off the verandah Diregéo: André Singer Apresentagéo: Bruce Dakowski 1985, 52mn, Betacam, cor Produgio: Sendo esse um trabalho, como parece ser a tOnice da série que ele integra, de caréter basicamente didatico, nZo seria o caso de desenvolverem esse tipo de polémica Seu objeto € apresentado dentro de um estilo mais descritivo, no qual ressalta-se ‘continuamente a inegivel importancia dessa obra para a Antropologia. Mesmo assim, percebe-se no préprio titulo do documentirio. 4 influéncia (nao citada) da cvidadosa exegese do mito que Malinowski criou em torno da "Magia do etnégrafo" desenvolvida Por George Sticking em sev artigo para 0 primeiro niimero da série History of Antropology, que este proprio organiza desde 1983. © préprio Stocking jé usara em seu artigo recursos visuais - no caso fotogréficos « para exprimir 0 tema reapropriado pelo titulo do livto: o contraste entre 2 imagem do mestre de Malinowski, Charles Seligman, numa varanda cercado de nativos e a belissima foto produzida pelo polonés de dentro de sua tenda situada na aldela na qual, soba silhueta do pesquisedor trabalhando em frente 2 uma maquina de escrever, aparecem as maloces de Omarakana e os nativos que o observam No filme em questio, 0 seu apresentador 161) use roterista, Bruce Dakowski, aparece rapidamente depois de descrever os “anos de formago” de Malinowski, focalizado 3 distancia em uma varanda de uma ilha tropical, para passar o resto do filme percorrendo ¢ falando de dentro da mesma aldeta no arquipélago de Trobriand onde o antropélogo polonés estabeleceu sua base, crlando um novo € intenso padrio de inerago entre 0 sujeito € objeto da antropologia ao qual chamou de “observagio participante” Esse se revela - em particular 20 expectador que jf conhece a obra desse autor grande atrativo do filme. Ao mesmo tempo em que descreve os principais temas © preocupacées das monografias de Malinowski sobre os trobriandeses, o narrador vai apresentando imagens contemporéneas das aldetas do arquipélago na qual vemos vérios dos costumes descritos naqueles livros, como a confecyo de uma imponente canca para 0 comércio do hula ou a realizagao de encantamentos ligados & magia agricola Indo além do que era possivel ao pesquisador polonés, em seu esforco em trazer-nos 0 ponto de vista do nativo, sio coletados depoimentos dos préprios trobriandeses que nos relatam porque panicipam daqueles trocas ou acreditam naqueles encantamentos Relativizando esse paralelismo entre 0 pessado € 0 futuro, hd o tocante depoimento de um dos dois tinicos ancies até entéo vivos ‘que, tendo conhecido Malinowski, descreve seu impacto na vide da aldela e, em outro momento, reproduz velhos cantos gravados pelos antrop6logos em cilindros de cera H& também depoimentos de “nativos" da sociedade do pesquisador que comentam a importincia de sua obra, particularmente os dos dois antropblogos que reivindicaram com ‘mais forga a heranga malinowskiana: Raymond Firth e Edmond Leach Os detalhes mais pessoas da personalidade € do cotidiano do ‘amtrop6logo sto fornecidos pela ex-aluna Lucy Maire pela sua filha Helena Wayne. O prépric Malinowski também "fala" durante o filme, através da leitura de trechos marcantes de sus ‘obras principais com um curioso sotaque polonés, geralmente acompanhadas de filmes antigos em preto € branco, enquanto as explicages mais detalhadas sic dadas pelo apresentador Dakowski, por vezes in loco, mostrando cenas atuais ‘A consultoria antropolégica de Peter Riviere mostra seus principais efeitos benéficos na correta e didatica descrigao do significado do método funcional proposto por Malinowski, assim como nas detalhadas descrigdes do circuito do kula - momento importante, sob esse ponto de vista, do filme ~ € das crengas sobre 2 magia Porém, 0 momento mais fraco do documentério, do ponto de vista tefrico, € sem davida 2 tole busca de ancestrais tottmicos na caverna de onde os trobriandeses afirmamn ter emergido ‘a humanidade; busca que parece ignorar a conhecida descrigio da mitologie por aquele autor come uma ‘chart of social relations” A discussio sobre as descrigoes da "vida sexual dos selvagens’ também recebe um certa tom superficial, discrepante do conjunto docu- mentério Embora a versio editada do depoimento de Leach sobre esse érea inclua apenas uma referéncia en passant - € nto ‘explicada - 20 caréter matrlinear da sociedade trobriandesa, ela privilegla seus comentarios sobre a “ousadia" daquelas descrigées. Isso apesar de Dakowski ter inicialmente assinalado com acerto que o mais importante da contribuigio malinowskiana nessa érea fo sua preocupagio em colocar a "vida sexual” rum “contexto muito mais amplo" Um dos elementos bisicas do estilo de Malinowski, através do qual ele esperava transmitir 20 leitor uma descricéo vivida da realidade nativa, foi o uso sensivel de um estilo narrativo no qual o leitor se sentia transportado até o “campo”, como na famosa abertura de descrigao de suas pesquisas no inicio do Argonautas do Pacifico Ocidental "Imagine-se 0 leitor sozinho, rodeado apenas por seu equipamento, numa praia tropical proxima 2 uma aldeia nativa..” Seus realizadores conseguem, seja com suas coloridas imagens modernas da Melanésia ou com a utilizago dos registros deixados por Malinowski, consirvir uma narrativa marceda pela mesma preocupacio, revelando coeréncia entre sua forma ¢ seu objeto Assim, o filme se revela uma viagem fascinante para o novato na disciplina antropoldgica e, para o conhecedor da obra desse autor, um fonte de novas reflexdes sobre uma obra e uma vida que se mostram, quanto mais nelas nos debrugamos, fascinantes Luiz Rodolfo Vilbena 163) Fotocronografias ou Cronofotografias de Etienne-Jules Marey R Sud. 2 AAs origens do cinema remontem a milhares de anos, pois 2 lanterna magica jé cexistia na Pérsia desde o século XI e, nz Paris do século XVII, ela jé era apresentada a0 piiblico em sessdes continuas Aczbou trocendo de nome, passando 2 se chamar fantasmascope Diria que, na mesma época fem que a lanterna mégica invadia os saldes de pars jé se sonhava com a aniimagio dessas ‘imagens, com o movimento da vide Em 1829, Joseph Plateau, fisico belge, Pesquisava as reagdes da retina & luz direta do sol e, em pleno meio-dia,fixou seu olhae durante vinte e cinco segundos, numa Pequena perfuracao feita num disco de cartio, Perdew a visto por alguns dias , treze anos mais tarde, 2 perdew defintivamente Continuou realizando varias pésquisas no campo da ética e encontrou o que buscava: 4 persistencia das imagens sobre a retina. Sern essa invengo nao haveria cinema. Gragas a este ligeiro trago que deixa uma imagem sobre nossa retina, Plateau descobre, em 1833, um aparelho chamado phenakistiscope tum disco perfurado onde é desenhada uma mesma figura em vinte poses Experimente: desenhe num disco de papelao vinte movimentos de um bailarino, colaque © olho dor: Jean-Dominique Lajoux smn, P&B ‘inemateca Francesa e CNRS Images 1a altura do orifcioe gre 0 disco rapidamente A rapidez da rotagio transforma as vinte aberturas em uma 56 circular através da qual vé-se refletic sobre 0 espelho as vinte figuras, exercendo © mesmo movimento com uma precisio fantistica! Ou seja, cada figura se beneficia da precedente da mesma maneira ‘que cada fotograma de um filme se beneficis daquele que o precede e que 0 sucede ‘Ao longo do século XIX, o instrumento de Plateau passou por varias metamorfoses em 1834, 0 inglés Horner inventou 0 zootrope que substituia o disco de papelao por um carrossel; em 1876, Emile Reynaud criou 0 praxinescope, 2 partir do zootrope, s6 pare distrair 0 filho de sua faxineira Com duas caixas de biscoito, de tamanhos diferentes, colocou espelhos no centro“de uma delas ¢ colou imagens no interior da outra. Dois anos mais terde, ele epereigoou sev aparelho ciande © teatro praxinoscope: imagem Fixa no plano de fando e em movimento no primeiro pano. Hle aproveita 2 invengio do pedal da bicidet para car um sistema semelharte com uma roda dentada por ondé passa uma banda perfurada, # o primeito aparelho a realizar projegbesanimadas: paniominas Juminosas como poderfames chamar o prineivo “€esenho animado’: "Pauvre Pierre” Mas foi 0 fot6grafo inglés Edward Muybridge quem, entre 1873-76, obteve os primeiros clichés sucessivos de um mesmo movimento: registrando 0 galope do cavalo Occident, que pertencia 20 miliondrio americano Leland Stanford, ele observava a decomposigio do movimento. Essas imagens foram projetadas pela primeira vex em Paris, no apartamento do fisico Etienne-Jules Marey e, & claro, impressionaram os artistas, fotdgrafos € fisiologisas presentes Muybridge conhecia os trabalhos de Marey sobre 0 movimento do homem, do animal ou de objetos langados a0 ar. Desde 1875 Marey afirmava que o cavalo 2 galope ficava durante alguns segundos com as {quatro patas no ar. E af que entra em cena 0 milionério e apostador de turfe americano para financiar as experiéncias de Muybridge: utilizando placas de colodium imido, ele instala cinco, depois quinze e finalmente trinta cronofordgrafos de Marey e faz o cavalo desfilar diante das cémeras enfileiradas no intuito de obter instantineos sucessivos de um mesmo movimento Si0 os cavalos que se auto- fotografam: ao cortar a linha estendida no trajeto, eles acionam 0 disparador dz cimera Mas ainda sio fotografia e no filmes, embora possamos tranformé-las em filmes com a tecnologia de hoje, como fez Jean-Dominique Lajoux Nestas imagens vemos o desfile do cavalo, 0 crondmeito no plano de fundo marcando os centésimos de segundo entre um instantaneo € outro Aperfeigoando esse sistema, Marey cria, em 1882, o “fu2il fotogréfico" que Ihe permitin estudar 0 v0 dos passaros através de doze imagens fixes numa placa redonda. Este aparelho foi inspirado no fuzil criado, em 1878, pelo astrénomo Jaez Scene para observar a passagem de Venus sobre o disco solar. Ja se ‘Yio oito anos que Marey fixa em placa de vidro, ¢ depois em papel sensivel, os movimentos do homem ¢ dos animais Com o surgimento do filme celulSide, material mais sensivel, lexivel € tansparente, Marey constr6i_ 0 ‘cronofetégrafo que utiliza um filme de 90 millimetros de largura e um metro e dez de comprimento: © nimero de imagens varia de 30 2 120 e 0 aparelho pode registrar uma ‘média de 10 a 50 imagens por segundo. A pelicula sensivel se desenrolz entre duas bobinas, € esticada por um laminador € passe por uma placa perfurada que corresponde ao corpo da objetiva; uma pega giratéria com seis dentes aciona um compressor que imobilizs o file durante a tomada Logo que o compressor relaxa, uma pequena limina flexivel afrouxa e deixa desenrolar uma quantidade de pelicula, para passar ao pr6ximo cliché. Embora um pouco rudimentar, este instrumento ser aperfeigoado logo em seguida, mas seu principio continuaré o mesmo (Laurent Mannoni, Gabier du Ginéma, n especial, jan. 1995) Com suas diversas cimeras, Marey ¢ seu assistente Georges Demeny se langem na reslizagio de centenas de filmes. Embora estivessem mais interessados em provar que umm gato jogado de cabeca para baixo cai sempre Sob as quatro patas, que o ritmo das passadas de um porco, de um bode ov camneiro é diferente daquelas de um homem © que o péssaro dé X batidas de asa num vdo de ¥ metros, também procuraram apresentar 2 sintese dos movimentos do homem em certos aspectos de sua vida cotidiana: uma menina pulando cords, um casal dancando, um campeonato de langamento de dardo no parque. Assim, no plano cientifico, as imagens de Marey, registradas pelo cronofégrafo, respondem 2 muitas das indagagdes da época Entretanto, seus trabalhos cronofotogréficos no seriam tealizados sem 0 apoio do Estado e de inttuigdes cientificas, médicas e militares que ajudaram na criagdo de estidios fotogréficos, de estagdes cronofotogréfices ¢ no Ls fornecimento de fotogenico, ” material _humano E se Marey sempre recusou que seus instrumentos fossem usados para diversio ou mesmo para animar suas imagens - por isso se opunha & perfuracio da pelicula -, seu assistente Demenf sonhava em se langar na aventure industrial da sintese fotogréfica do ‘movimento, Uma de suas proezas foi o registro do movimento facial em 18 segundos, tempo necessério para pronunciar a frase “Je vous aime” ou “Vive la Francel”, Registrou, ento, seu auto-retrato animado, que percorteu 0 mundo € 0 tornou famoso Em dezembro de 1892, fundou 2 Sociedade Geral de Fonoscopia para explorar industrialmente os cronofotégrafos, sendo obrigado a se afastar de seu mestre € do College de France Sem muito sucesso, em 1901, cedeu seus direitos por uma soma miseravel a sociedade Gaumont Antes, porém, convence Btienne Marey a fazer seu retrato animado esse rosto ccom longa barba branca que vemos na tela & a propria imagem do cientista sério € circunspecto, ainda ligado aos valores siinbolos do século XIX Vemnos, entto, desflar na tela imagens de Muybridge, Marey, Demenj, Londe ¢ do médico Félix-Louis Regnault, membro da Société d'Anthropologie de Paris que, aliés, se diverte entrando em cena carregado por dois africanos e saudando 0 espectador Foi, muito provavelmente, com a ajuda de um de seus amigos, Charles Comte, assistente de Macey, que Regnault realizou uma série de cronofotografias étnicas que foram elaboradas no laboratério de Etienne Jules Marey Mes a cronofotografia de Marey ainda no € cinema, embora com ela metade do caminho téenico em diregto 20 cinematégrafo tenha sido percorrido. Foi preciso esperar a invengao dos irmios Lumitre para cinematografar as bandas de sew cronofot6grafo, tornando suas imagens rigicas aos noss0s olhos: "Barque suc lz mer” e “Le cheval Cob monté au pas" foram seus primeiros filmes realizados em 1891 Entretanto, riem Muybridge nem Marey ou Demenj conseguiram dar movimento as suas imagens Foi Thomas Edison, 0 bruxo dos tempos modernos, que num golpe de genialidade encontrou 4 formula magica, No inverno de 1890 terminou © primeiro modelo do kinetoscdpio Tanto Marey quanto Edison no podiam imaginar 2 imensa contribuigio que suas invengées trariam ao cinema € mesmo & televisio Clarice Eblers Peixoto Timothy Asch foi um antropélogo que, desde 0 inicio de sua carreira, associou 0 trabalho etnografico ao registro cinema- tografico. Aluno de Edward Weston, Ansel Adams € Minor White em fotografia, Timothy Asch resolveu percorrer os caminhos da antropologia, formando-se pela Universidade de Columbia Nos anos 60, ingressou na Universidade de Harvard para trabalhar com John Marshall € Robert Gardner, descobrindo no filme etnografico um novo instrumento a ser Integrado 2 pesquisa antropolégica Pioneiro neste oficio, dedicou-se especialmente 4 formaczo universitaria, realizando diversos filmes no contexto de suas pesquisas de campo numa constante reflexto sobre sua aplicagio ao ensino da antropologia. Em 1982, criou o CVA - Center for Visual Anthropology, na Universidade do Sul da California, com um programa de mestrado em Antropologia Visual, direcionado tanto para o ensino da teoria antropol6gia quanto para a produgio de filmes e videos, associado 20 USC School of Cinema-Television The Ax Fight 6 uma de svas produgbes cconsagradas, sendo considerado um cléssico do The Ax Fight Diretor: Timothy Asch 1975, 30 mn., cor Produgao: Documentary Educational Resources (DER) EUA, cinema etnogréfico. Filmado junto a0s indios. Yanomami do sul da Venezuela, no ano de 1971, faz parte de um conjunto de curta- Imetragens conhecidos como Série Yanomami, dirigido pelo mesmo autor. Realizou-se durante a segunds viagem de Asch a0 terrtério Yanomami, no contexto da pesquisa do antropélogo Napoleon Chagnon, que ali fi.se desenvolvia hd vés anos Com Chagnon, ‘Asch fez seus primeiros trabalhos em cinema como Arrows, Weeding the Garden, A Farber washes bis Children, Climbing the peach Palm, The Feast Uma briga acontece na aldetz Yanomami no segundo dia da vista de Chagnon e Asch 20 local. Indios - que ja haviam pertencido Aquela aldeia e ali guardavam lagos de parentesco e amizade - retornam a Mishimishimabowel-teri A volta deeses visitantes desagrada aos demais e evidencia a tensdo, jé existente na aldeie, entre os membros de varias linhagens Embora precisando de alimentos, os visitantes se recusam a trabalhar na rope local. © conflto se inicia quando um dos homens bate na mulher que the nega 0 produto de sua roga Corendo de volta a aldeia, 2 mulher chora e grita. Sua irma a conforta enquanto o marido © seus parentes iniciam uma disputa, a 17) 4 uss principio com paus ¢ depois com machados Quando um homem é atingido, a luta termina, as pessoas se colocam entre os dois grupos as mulheres trocam insultos entre si ‘The Ax Fight tomou-se o filme de maior sucesso de Timothy Asch Num evento com duragho de meia hora, Tim filmouw um plano- seqléncia de dex minutos, que ird compor os tiinta minutos do produto final 0 filme presenta uma montagem singular. E construido fem quatro partes, para ilustrar as vérias formas possiveis de um antropélogo interpreter um evento A primeira consiste numa versio nao editada daquilo que foi visto pela cémera, incluindo os comentérlos dos realizadores Na segunda parte, Chagnon explica 2 seqiéncia das agées na luta, apresenta uma andlise das imagens e se utiliza de cimera lenta e de still fotogrifico, explicando 2s relagdes entre os atores. Na terceira parte sto introduzidos os diagramas das relagdes de parentesco dos participantes, buscando estabelecer padres de conflitoe alianga na aldeia Ao final, é editada uma versio com narragao. Um aspecto singular de Ax Fight € 0 fato de propiciar exibiglo, para o pablico, de uma certa reagio informal de antropélogos em sua situacdo de pesquisa: na primeira parte hé um momento ‘em que as imagens desaparecem ¢ na tela escura ‘ouvemse as vores de Chagnon e Asch discutindo sobre o evento Ete dado passou a tr significado especial quando, anos mais tardes, 28 primeliras informagées de Chagnon sobre o ocorride foram consideradas equivocadas. Com este filme foi publicado também um guia de estudos anexo, com’ descrigdes detalhadas da genealogia dos protagonistas da Iuta, procedimento que Asch iré adotar para varios de seus trabalhos em filme ¢ video. ‘Uma das principals contsibuigSes trazidas & etnografia por Tim com este filme é 2 idéia de que, 2 partir de um Gnico evento, muitas abordagens sto possiveis Nesse sentido, The ‘Ax Fight € especialmente signficativo e aual, quando utilizado no seu conterto especifico: © ensino da antropologia Os filmes de Timothy Asch fazem parte do acervo da distribuidora americana Documentary Educational Resources (DER), instituiggo fundada por Asch e Marshall, com o intuito de centralizare distribuir a produgto de filmes documentérios especificamente voltada pare a aplicagio acedémica. Estes filmes fazem parte dos diversos catélogos existentes sobre filmes etntogréficos, em especial Films for Anthropological Teaching, corganizado por Karl Heider, uma publicagio especial da American Anthropological Association (16, 1983) Este filme encontra-se também resenhado por Patricia A Klein e John E Klein, no ‘American Anthropologist (79: 747), de 1977 Patricia Monte-Mér Cadernos le 7 Antropologia Imagem Cadernos de Antropologia ¢ Imagem & ura publicagao semesiral organizada pelo Micleo de Antropologia e Imagen, da Oficina de Ensino ¢ Petquisa em CiBncias Sociais, do Departamento de Ciéncias Socais/instituo de Filosofia e Cléucias Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - VER} Assinatura anual (duas edigées) Anaual subscription (two issues) «+ Brasil (individuaD RS 16,00 Other countries (individual) USS 25 + Brasil (institucional) R$ 25,00. Other countries (institutional) US$ 40 Cadernos de Antropologia € Imagem Nicleo de Antropologia © Imager - Oficina de Ciéncies Sovais /UER) Rua So Francisco Xavier, 524 - Bloco A - Sala $OOL - CEP: 20550-013 - Maracas Rio de Janeiro - RJ TeV/Fax: (021) 587-7590 NomeName Enderego/Address CepiZip Code. Cidade/City a Estado/Stte Pais/Country TelPhone Fan Fax ‘Assinatura/ Signature at DataDate, 159) uz Instrugoes aos colaboradores A Revista aceita as seguintes contribu 1.1 Antges inéditos (até 35 laudas de 50 linhas por 70 toques, inchindo releréncias bibligtiicas © notes); 1.2 Artigas mio publicados em portugués, dentro de temitica especiice da revista, consideradas pertinentes pela Comissio Editorial; 13 Enssioe bibliogrificos (até 15 laudas de 30 linkas por 70 toques); 14 Resenhas de fies ¢ videos (até 5 laudas de 30 lishas por 70 toques); 2 A pertinéncia da publicagio send avaliada pela Comissio Editorial (no que diz respeito 4 adequagio ¢ 20 peril editorial da Revista) © por parecerte ad hoc (no que diz respeito 20 conteido e ‘qualidade das contribuigbee). Serio sceitos orjinais em espanhol, francés ou inglés A publicagio estes trabulosficaré submetid & possibilidade de tradugio. 3. Deve ser enviada uma cépia do manuscrito (em espago duple) e 0 disquete com o texto igindo Pede-se 2 utllaagio de processador de terto Windows, com disquete de 3,5 polegadas 4, Os anigos devem estar acompanhados por resumo contende entre 100 4 150 palavras, em Portugués ov inglés, Os autores devem enviar também seus dados profisionsis (instiuicio, cargo, Utulagao, prneipss publicagdes), bem como enderego para conrespondéacia (iaclusive E-Mal). Estes dados devem aporecer 20 final do trabalho 5. As notas devem vir ao final do texto, seguides da blliografia conforme padres vigentes. 6. As imagens (fotos, gravurss, deseahos, grélicos) que scompanham o texto devem vir com 2s devides relerénciss,escaneadas em disqlete, com bos define grifica para a sua impressio ¢ com 3 devides autorizagées para 2 reproduio da imagem na publicaglo (especialmente no caso da fotografia) 7. Os autores devem enviar seus textos ov sugestdes pars: Cademnos de Antropologia e Imagem. 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