Professional Documents
Culture Documents
BRASÍLIA
2004
MAURO ALVES CORRÊA
Presidente
Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer
Universidade Católica de Brasília
Integrante Integrante
Prof.ª Dr.ª Arinda Fernandes Prof. Dr. José Eduardo Sabo
Universidade Católica de Brasília Universidade Católica de Brasília
Dedico a presente obra à Virgem do Bom Sucesso,
de Quito, Equador....
Agradeço ao Procurador-Chefe do Estado de
Goiás em Brasília, Dr. Ronald Bicca, pelo apoio
nesta reta final;
Through the last centuries, the western society was corroded on its principles by a
series of doctrines. It is a destructive process that shows unmistakable consequences,
such as moral and social dissolution, the struggle among social classes and the
explotation of traditional institutions by political and ideological interests. Antonio
Gramsci conceived new methods of revoluctionary action. He proposed a large scale
psychological offensive, in order to reform mentalities and eliminate the existant
cultural heritage, and replace them in the popular thinking by a socialist common
sense. Thus he believed that he was preparing remotely the terrain for a political
power overtaking. This strategy was hosted by a left hopeful in imprint new impulse
on their advance for the power domination. The alternative law inserts itself in this
spinning wheel, with the incumbence of applying in the law field the Gramscian
strategies and convert the law spheres in a powerful tool for cultural revolution and
another way to seize the power.
Key words: law, alternative law, alternative usage of the law, civil society, hegemony,
common sense, power overtaking, revolution, cultural revolution, revolutionary
process, Gramsci.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................. 10
CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 82
Essa tônica igualitária é que tem movido os grandes golpes que a civilização
ocidental sofreu nos últimos cinco séculos. Marcha igualitária de efeitos tão
avassaladores que, por exemplo, Aléxis de Tocqueville (1991), em várias de suas obras,
faz referência a esse processo igualitário, o qual ele considera inevitável.
Esse processo é feito de etapas. Mas não deve ser visto como uma seqüência
toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Ele
não se compõe apenas de episódios sucessivos, atingindo o campo religioso, político,
social e econômico. Em sua marcha, o processo revolucionário apresenta
profundidades diversas, afetando as tendências, as idéias, e as instituições: Explica o
Prof. Corrêa de Oliveira (1998, p.39):
Essa noção, de como a revolução nas tendências opera, será muito útil para
que se possa compreender especificamente a estratégia gramsciana. Com efeito,
Gramsci dedicou-se a disciplinar um método de ação que atuasse especialmente nessa
esfera. Bem consolidada a revolução tendencial, ter-se-ia pavimentado o caminho para
as etapas subseqüentes. Corrêa de Oliveira (Ibid.) explica como as realizações passarão
das tendências às idéias e aos fatos:
“Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval,
o Humanismo e a Renascença tendera a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores
morais da Religião, a um segundo plano” (Ibid.). A admiração exarcebada pela
Antigüidade, que não raro beirava o ridículo, era apenas uma expressão do divórcio
entre a ordem medieval e as mentalidades e idéias agora imperantes. O escritor francês
Lucas-Dubreton (s.d., p.192-194) a esse respeito chegou a afirmar:
O historiador alemão Wilhelm Oncken (1929, v.21, p.343), explica que essas
transformações se deram de maneira quase imperceptível. Não quer dizer com isso
que as mudanças fossem pequenas. O homem renascentista já não podia compreender
os modos de viver e de sentir da civilização medieval.
Essa crise, mesmo em seu início, já demonstra forças suficientes para gerar os
desencadeamentos que se lhes seguiram. O tipo humano, inspirado nos moralistas
pagãos, que aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a
cultura e a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos
precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da
cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo (CORRÊA
DE OLIVEIRA, 1998, p.28).
A Revolta luterana, longe de ser meramente moral e religiosa, fez sentir seus
efeitos nos mais diversos campos. “No protestantismo nasceram algumas seitas, indo
mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas em todo o
sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas” (Ibid., p.30).
Dessa forma, muitos desses espíritos “eram levados a admitir que as doutrinas
da Revolução Francesa eram boas na sua raiz, se bem que, na maior parte, os fatos
revolucionários hajam sido duramente reprováveis” (Ibid., p.228). Outros, entendiam
“que as doutrinas geradoras de tais fatos não podiam ser menos reprováveis do que
estes, deduzindo daí que a trilogia inculcada como síntese dessas doutrinas perversas
era, ela também, digna da mesma repulsa”. Corrêa de Oliveira (Ibid., p.228-229)
continua sua explanação:
Em toda essa lógica, o que estaria pela frente? Corrêa de Oliveira (1998, p.30)
arrisca vaticinar o panorama vindouro:
Corrêa de Oliveira (1998, p.164) mostra os traços essenciais desse novo modo de agir:
Essa obra foi muito lida, mas, numa atmosfera em que dominava a obsessão
pela tomada violenta do poder, não exerceu influência prática imediata (CARVALHO,
28
O., 1994, p.44). Seu potencial ficou retido até a derrota da luta armada, que provocou,
como não poderia deixar de ser, um impulso generalizado às teses do combate pacífico
e aliancista.
Em busca de uma estratégia pela qual se orientar, não sendo capaz de criar
uma nova e não encontrando no repertório mundial uma outra à sua disposição,
restou àqueles desejosos de realizar uma revolução, aderir a Gramsci. Fizeram-no
“quase que por automatismo, sonambulicamente, levados pela carência de opções”
(CARVALHO, O., 1994, p.44).
Apesar do rigor da Casa Penal de Turim, para onde finalmente fora mandado
para cumprimento de pena, o prisioneiro veio a conseguir cela individual (tendo em
vista a sua frágil saúde) e recebeu permissão para escrever e fazer leitura regularmente.
A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começa a redigir suas primeiras notas e
apontamentos que vieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três cadernos
do tipo escolar. Escreveu até 1935, enquanto sua saúde o permitiu.
Poderia parecer à primeira vista, que sociedade civil seria a soma dos cidadãos
em um determinado país. Não se trata disso. Na concepção gramsciana, ela é
composta por todos “os organismos de participação política aos quais se adere
36
voluntariamente (e, por isso, são ‘privados’)” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.125).
Gramsci entende que todas essas instituições têm um nexo qualquer com a elaboração
e a difusão da cultura (BOBBIO, 1999, p. 68). Dito de outra forma:
Por outro, incluiu sob a designação de burguesia uma mixórdia bem variada de
setores da sociedade designados por ele como classe média. Entram nessa classificação
“ ‘camadas intelectuais, os profissionais liberais empregados’ (pequena e média
burguesia). A classe média alta corresponde à burguesia capitalista e aos executivos
empresariais, não-empregados. A classe média é o ‘não-povo’ ” [grifo do autor]
(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.29).
2.4 DA HEGEMONIA
Segundo Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.154), “um grupo social pode e
mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (é essa uma
das condições principais para a própria conquista do poder)”.
38
Há uma distinção que se não pode desconsiderar: a que Gramsci faz entre
dominar e dirigir. Os detentores da hegemonia exercem o poder de direção. Este último
difere substancialmente do poder de domínio ou controle. Avellar Coutinho (2002, p.23)
explica que classe dominante é aquela que detém o poder, exercendo o domínio e a
coerção por intermédio da sociedade política. Ao passo que, grupo dirigente ou
hegemônico é aquele que tem a hegemonia, ou seja que tem capacidade de influir e de
orientar a ação política, sem uso da coerção.
a razão pela qual a estratégia gramsciana não fica limitada aos embates ideológicos e
doutrinários:
Trata-se de elaborar uma filosofia que torne o senso comum renovado, coerente
com a filosofia popular e com os fins buscados no processo político-ideológico no
qual tudo deve estar inserido. Para isso, será necessário estabelecer um amplo sistema
de difusão do senso comum (GRAMSCI, 2000, v.2, p.205):
Quando uma pessoa supera criticamente o senso comum e aceita novos valores e
conceitos culturais e sociais, terá aceitado a filosofia nova e estará em condições de
compreender a nova concepção do mundo e contribuir para a sua concretização
(COUTINHO, 1999, p.172). Uma expressão bastante didática para designar essa
mudança do senso comum é “inversão de valores”. Olavo de Carvalho (1994, p.39)
explica a adequação do termo:
Aos intelectuais incumbirá a tarefa de reformar o senso comum. Por esse motivo,
lhes cabe uma posição de destaque para a consecução da estratégia definida por
Gramsci: são o elemento dinâmico do sistema de difusão, como educadores,
transformadores da cultura e elaboradores de uma consciência coletiva homogênea
(GRAMSCI, 2000, v.2, p.52-53).
de certas expressões utilizadas pelo autor sardo: transição pacífica para o socialismo,
pluralismo socialista, via democrático-consensual, socialismo democrático, democracia radical
etc. Avellar Coutinho (2002, p.29) explica que um dos pontos mais obscuros e de mais
difícil tradução do pensamento político de Gramsci é o que se refere aos conceitos de
liberdade e de democracia:
Vale a pena ainda ressaltar que o fenômeno que se observa no direito não
constitui a totalidade de um projeto gramsciano de tomada do poder. Conclui-lo seria
mais que um equívoco, um erro. É, antes disso, a tentativa de inserir mais um campo
da atividade humana nesse vastíssimo plano engendrado pelo pensador sardo: nada
deve ser descartado (CARVALHO, O., 1994, p.17). E se bem que seja verdade que
Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito, por outro, dava-lhe muita
importância. Por essa razão, seus seguidores não têm sido negligentes na tentativa de
inserir o direito em sua estratégia.
Capítulo 3
DA DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO
INTEGRAL DO DIREITO
Duns Scot foi o primeiro a sustentar, contra Santo Tomás, uma doutrina que
ia ser fonte de todo o relativismo jurídico. É o que podemos chamar o voluntarismo
legal (LIMA, 2001, p.126). Mais tarde surgiria o nominalismo ou “terminismo”, de
Marcílio de Pádua e Guilherme de Ockham, que apesar de ter nascido em parte
como reação contra a filosofia de Scot “não fez mais nesse ponto do que acentuar o
voluntarismo scotista” [grifo do autor] (Ibid., p.127).
Ao lado do rei justo e bom que julga segundo a Lei, mas não julga a
Lei, os juristas que invadiram os órgãos governamentais na segunda
metade do século XIII impõem a todo o ocidente, da Itália à
Escandinávia, o ideal abstrato e frio do príncipe legislador, do “rex
lex animata” (GUENÉE, 1971, p.140).
Para Lima (2001, p.134), Maquiavel não opõe, mas separa, a política do direito
e o direito da ética. E em vez de ser a ética “a regra e a medida das ciências e
atividades sociais, passa a política, no seu campo, a ser independente e reguladora de
todas as demais”. Mais adiante, o mesmo autor afirma a importância de se aproximar
Maquiavel de outro escritor de significativa influência “que embora tendo vivido
mais de um século mais tarde e revelando uma influência profunda da Reforma, em
seu ramo puritano, também se distingue pelo impulso que deu à secularização do
direito: Thomas Hobbes” (Ibid., p.139).
um poder, ou pior que isso, um poder arbitrário do indivíduo. A lei já não é fonte do
direito, mas o seu oposto:
Ao passo que o direito é uma ação, a lei é uma coação. Ao passo que
o direito faculta a liberdade, a lei a impede. Hobbes como se vê, le-
vanta o seu edifício jurídico sobre uma oposição artificial entre direi-
to e lei que ia ser o germe de toda a dissociação jurídica moderna e
representava uma desagregação radical da concepção geral de direito,
baseado na lex aeterna, que o mundo moderno ia esquecer (LIMA,
2001, p.142).
Para ele, o direito “tem sua fonte em si mesmo [sic!] e é imutável como a
natureza e a razão” (apud LIMA, 2001, p.157). Oliveira (2002, p.48) explica que já
“não é mais o justo como entendia a escolástica – o direito das pessoas no
significado de res justa, rigorosamente ininteligível sem o Criador – mas um direito
imanente dos indivíduos e entregue nas mãos do Estado” [grifo do autor].
do direito natural. “Em vez de dar ao direito natural uma preeminência absoluta,
parecerá subordiná-lo aos interesses políticos e às condições locais, acentuando que
o direito natural dos Estados é outro que não o dos indivíduos” (LIMA, 2001, p.184-
185).
direito uma origem apenas consensual e sim racional. Essa racionalização do direito
representa uma forma de individualismo voluntarista porque para ele “o fundamento
de toda legislação prática é a idéia de vontade de cada ser racional como vontade
legisladora universal” (BOUTROUX, 1926, p.301). A conseqüência será uma
exteriorização do direito. Sua redução a um simples corpo de regras, capaz de conter
as liberdades individuais em choque, na sociedade.
Lima (2001, p.195) afirma que o próprio Kant reconhecera que “esse
formalismo jurídico perdia toda ligação profunda com a inclinação natural da alma
humana e convertia o direito em um caso de mero policiamento social”. Com efeito,
o que se observa é um deperecimento da noção do justo natural.
Concomitantemente, o Estado paulatinamente é erigido em única fonte do direito.
Oliveira (2002, p.49), assim sintetiza essa nova rotura:
sobrará ao direito? Lima (2001, p.23) acredita que, a continuar nesta marcha,
estaremos à mercê de um incerto relativismo jurídico, negador de toda juridicidade,
corolário do materialismo filosófico que pervadiu todas instâncias da atividade
humana:
Esse aspecto ideológico não é acessório, mas faz parte da essência mesma do
Movimento do direito alternativo. Rodrigues (1992, v.2, p.184) dá prova disso ao
afirmar que “o movimento defende a construção de uma sociedade democrática [Cf.
item 2.8.2, supra] e socialista. Assume-se como dialético e parte da constatação de
uma luta de classes que não pode ser negada” [grifo nosso].
O direito fica assim reduzido a mero uso por parte daqueles juristas
empenhados em construir o socialismo, convertendo-se em uma prática
revolucionária processual – a qual Gramsci denominou guerra de posições (ANDRADE,
1996, p. 127):
Por essa razão, o ordenamento jurídico vigente é rejeitado não por seus
defeitos e vicissitudes – afinal de contas, isso não lhe implicaria a perda da
legitimidade, visto no seu conjunto. “Consideram-no injusto em si mesmo porque
está a serviço da classe dominante, contrário à emancipação igualitária” (OLIVEIRA,
2002, p.126).
Nesse sentido, tem muito valor a explicação de Tarso Genro (1991, v.1,
p.26) ao se referir ao direito alternativo: “uma ordem dominante não está isenta nem
descontaminada de uma outra ordem, potencialmente existente, que concorre com
ela e ao mesmo tempo a integra”. Andrade (1992b, v.2, p.92) define muito
claramente como isso se dará em termos práticos:
70
luta, para conseguir a hegemonia socialista em outras esferas da sociedade civil. Ou seja,
o direito é meio e não fim. A razão, segundo o autor, é que não se pode ter certeza
de que o direito novo nascerá após o último estampido revolucionário. Deve-se
então começar a construir esse direito emancipado “no seio da sociedade que se quer
negar, transformando-a numa processualidade que envolve vários campos de lutas
institucionais”, dentre eles, o direito [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1992a, p.173).
Termos como, por exemplo, sociedade civil, transição pacífica para o socialismo,
democracia, via democrático-consensual, socialismo democrático, pluralismo socialista, estado
ampliado, democracia radical, emancipação das classes subalternas devem ser entendidos
em sua acepção gramsciana. Não se pode, portanto, tomá-los em seu significado
corrente, sob pena de lhes retirar seu sentido autêntico e original.
Como já se afirmou antes [Cf. item 2.3, supra], o conceito de sociedade civil
não coincide com o de povo, nação ou sociedade nacional, mas compreende –
tomando as palavras de Roberto Lyra Filho, um dos pioneiros do alternativismo
jurídico – aquele conjunto de grupos que “adotam posições vanguardeiras, como
determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, de associações profissionais e
culturais e outros veículos de engajamento progressista” (LYRA FILHO, 1996, p.10).
73
Diego Duquelsky Gomez (2001, p.52) diz que essa “lista poderia ampliar-se
ainda mais com a incorporação de movimentos como o zapatismo de Chiapas ou o
sandinismo na Nicarágua”.
Não se pode olvidar que sociedade civil é o termo técnico com que Antonio
Gramsci designa a rede de entidades extrapartidárias a serviço do Partido. Não é
correto, entretanto, afirmar que o Partido as controla. Elas fazem parte da essência
do que Gramsci chamava de Partido ampliado ou Estado ampliado.
A palavra “diálogo” seria inadequada para descrever esse processo, uma vez que
estaria pressuposta a existência de dois indivíduos distintos. O que se tem é um
monólogo, porque seus personagens (sociedade civil e sociedade política) são etapas ou
instâncias de um mesmo ente: o estado ampliado. Quando a rede formadora do estado
ampliado já abrange os principais canais de expressão da sociedade, não há mais opinião
pública, Olavo de Carvalho (2004), citando Gramsci no final do parágrafo, esclarece:
todas elas, um meio perfeitamente distinto dos fins. Por isto mesmo
a atuação do leninismo, ou do maoismo, é sempre delineada e
visível, mesmo quando na clandestinidade. No gramscismo, ao
contrário, a propaganda não é um meio de realizar uma política: ela é
a política mesma, a essência da política, e, mais ainda, a essência de
toda atividade mental humana. O gramscismo transforma em
propaganda tudo o que toca, contamina de objetivos
propagandísticos todas as atividades culturais, inclusive as mais
inócuas em aparência.
Há quem afirme que essas duas visões a respeito dos limites de interpretação
constituem duas correntes do movimento, sendo uma radical, por defender as
decisões contra legem, e outra moderada, por contentar-se apenas em praticar
guerrilha interpretativa. Entretanto, ambas pressupõem logicamente o mesmo
fundamento: o direito vigente careceria de plena legitimidade, da qual seria detentor
o Direito achado na rua, insurgente e alternativo.
Esse modo de agir está muito mais adequado à estratégia gramsciana, por sua
capacidade de influenciar, sem levantar oposições. Mas, não quer dizer que os
radicais não tenham o seu papel: a aparente divisão entre moderados e radicais é um
dos elementos daquela miscelânea de propensões [Cf. item 1.3, p.23] ínsita a
qualquer processo revolucionário:
Os homens precisamos saber em que nos fiar, a que nos ater, quais
são as regras do jogo, as regras da vida jurídica em concreto. Isto é
81
Apesar de tudo isso, difícil era conceber que viria o dia em que se defenderia
o uso do direito como elemento desagregador do tecido social. A instrumentalização
do direito proposta pelos alternativistas jurídicos ultrapassa em grande medida todo
tipo de desvirtuação que essa ciência sofrera até então. O direito alternativo ao
mesmo tempo em que defende uma espécie de negativismo jurídico, não reconhecendo
83
A sua idéia de justiça já não passa pelo suum cuique, mas adquire legitimidade
em vista dos fins almejados. O que se tem em vista é a realização de uma estratégia
revolucionária, a qual não se desenvolve unicamente na seara do direito: a estratégia
gramsciana. O interesse pelo direito, reside simplesmente na sua importância para a
realização utópica. Tudo o mais se desenvolve em torno dessa idéia principal –
inclusive a noção do justo.
A confrontação com a ordem estabelecida repousa na escusa de que o
ordenamento jurídico vigente não passaria da vontade, feita Lei, da classe dominante.
Quem detém o poder faz as leis. Estas por sua vez refletem a vontade de seus
autores. Nisso não há qualquer descoberta. Ocorre que pela glosa alternativista
acredita-se que as Leis são feitas exclusivamente de acordo com os interesses
econômicos da classe que prepondera na sociedade.
Não se nega aqui a possibilidade de haver abuso de poder, por parte de
quem o detém. Lamentavelmente, pode ocorrer que a elite responsável, por exemplo,
pela criação das leis, faça-o em favor próprio. O que não é possível de se admitir é a
inevitabilidade determinista de que isto se dê, como querem os alternativistas. Da
mesma forma, não se pode acolher nem a legitimidade de um projeto que passe pela
eliminação de uma classe social – por meio de uma longa guerra de posições – nem
tampouco o direito dos adeptos do direito alternativo em coadjuvar esta guerra.
É preocupante observar como os alternativistas voltam o mais completo
desprezo a quem não concorde com seus pontos de vista. Isso se deve à condição de
intelectuais orgânicos ocupada pelos juristas partidários do direito alternativo dentro da
estratégia proposta por Antonio Gramsci. Aos outros juristas, intelectuais tradicionais,
que não aceitem a tábua do “direito novo”, restará duas opções: aderir aos intelectuais
orgânicos, ou se conformar a perder o bonde da história (GRAMSCI, 2000, v.2, p.16, 20).
AHRENS, Henri. Cours de droit naturel. 4.ª ed. Paris: s.e., 1852.
ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. São Paulo:
Acadêmica, 1992.
ARAMBURO, Mariano. Filosofia del derecho. New York: Instituto de las Españas
en los Estados Unidos, 1924.
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de. Direito alternativo: notas sobre as condições
de possibilidade. In: ________ (org.). Lições de direito alternativo. São Paulo:
Acadêmica: 1991, v.1.
________. Filosofia da práxis: notas para uma sociologia jurídica crítica do direito. In:
________. Direito moderno e mudança social: ensaios de sociologia jurídica.
Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
CANTÚ, Césare. História Universal. São Paulo: das Américas, 1964, v.21.
CARLYLE, R. W. A history of midaeval political theory in the west. 2.ª ed. s.l.:
W. Blackwood, 1928.
87
CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei 8.009/90 e o direito alternativo. In: ARRUDA
JÚNIOR, Edmundo Lima de (org.). Lições de direito alternativo. São Paulo:
Acadêmica, 1991. v.1.
________. Nossa mídia e seu guru. Folha de São Paulo. São Paulo, p. A2, 7 jan.
2003.
CATHREIN, Víctor. Filosofía del derecho: el derecho natural y el positivo. 7.ª ed.
Traduzido para o castelhano por Alberto Jardon e César Barja. Madrid: Reus, 1958.
CLÉVE, Clèmerson Merlim. Uso alternativo do direito e saber jurídico alternativo. In:
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de (org.). Lições de direito alternativo. São
Paulo: Acadêmica, 1991, v.1.
DANIELE, Leo. Dois vizinhos, dois quintais e dois juízes. Catolicismo. São Paulo,
ano 43, n. 514, p.6-10, out. 1993
88
DIP, Ricardo Henry. Sobre la crisis contemporánea de la seguridad jurídica. In: XVII
Encontro do Comité Latino-Americano de Consulta Registral. Ciudad Morelia –
México, mar. 2003.
FAURE, Paul. La Renaissence. 5.ª ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1969.
GENRO, Tarso Fernando. Os juízes contra a lei. In: ARRUDA JÚNIOR, Edmundo
Lima de (org.). Lições de direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1991, v.1.
GUENÉE, Bernard. L’Occident au XIV et XVème siècles – Les Etats. Paris: Presses
Universitaires de France, 1971.
JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias
políticas no século XIX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
89
LE FUR, Loui. La théorie du droit naturel depuis lê XVIIe. siècle et doctrine moderne.
In: Recueil dês Cours de l’Académie de Droit International. Paris: Hachette,
1928, v.18.
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução ao direito moderno. 4.ª ed. Rio de Janeiro:
Loyola, 2001.
MUMFORD, Lewis. A condição de homem. 2.ª ed. Rio de janeiro: Globo, 1956.
OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 2.ª ed.,
3.ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2002.
PINTO, João Batista Moreira. Direito e novos movimentos sociais. São Paulo:
Acadêmica, 1992
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes,
1977.
RODRIGUES, Horácio Wanderley. Direito com que direito? In: ARRUDA JÚNIOR,
Edmundo Lima de (org.). Lições de direito alternativo. São Paulo: Acadêmica: 1992,
v.2.
.
91
WULF, Maurice de. Histoire de la philosophie Medievale. 5.ª ed. Louvan: Inst. Sup.
De Philosophie, 1924, v.1.