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MAURO ALVES CORRÊA

REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO:


GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO

Monografia apresentada à Banca


examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para obtenção
do grau de bacharelado em Direito.

Orientador: Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer.

BRASÍLIA
2004
MAURO ALVES CORRÊA

REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO:


GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO

Monografia apresentada à Banca


examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em Direito
sob a orientação do Professor M. Sc. Marcos
Bemquerer.

Aprovada, com louvor, pelos membros da banca examinadora em 19 de novembro de


2004, com menção 10,0 (dez).

Presidente
Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer
Universidade Católica de Brasília

Integrante Integrante
Prof.ª Dr.ª Arinda Fernandes Prof. Dr. José Eduardo Sabo
Universidade Católica de Brasília Universidade Católica de Brasília
Dedico a presente obra à Virgem do Bom Sucesso,
de Quito, Equador....
Agradeço ao Procurador-Chefe do Estado de
Goiás em Brasília, Dr. Ronald Bicca, pelo apoio
nesta reta final;

ao Professor Dr. Luiz Fernando Witacker


Kitajima e Ricardo Dip pela revisão do texto;

e, pela orientação dispensada, ao Professor M.Sc.


Marcos Bemquerer e Mário Jorge Panno.
O erro capital na questão presente é crer que as
duas classes são inimigas natas uma da outra.
Como se a natureza tivesse armado ricos e pobres
para se combaterem mutuamente num duelo
obstinado (Leão XIII ).
RESUMO

CORRÊA, Mauro Alves. Revolução cultural no direito: Gramsci e o direito


alternativo. 2004. 91 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdade de
Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

Ao longo de dos últimos séculos, a sociedade ocidental foi corroída em seus


princípios, por uma congérie de doutrinas. Um processo deletério do qual, hoje, se nos
antolham conseqüências iniludíveis, tais como a dissolução moral e social, a luta de
classes, e a instrumentalização das instituições tradicionais por interesses políticos e
ideológicos. Antonio Gramsci concebeu novos métodos de ação revolucionária.
Propugnava uma ofensiva psicológica de larga escala, destinada a reformar as
mentalidades e eliminar o patrimônio cultural existente, para substituí-lo no imaginário
popular, por um senso comum socialista. Assim, acreditava estar preparando
remotamente o terreno para a tomada do poder. Essa estratégia fora acolhida pelas
esquerdas esperançosas de imprimirem um novo impulso ao avanço de suas aspirações
de domínio. O direito alternativo insere-se nessa girândola, incumbido de aplicar à
seara do direito as estratégias gramscianas e dessa forma converter a esfera jurídica em
um possante instrumento de revolução cultural, mais um meio de colaboração para
tomada do poder.

Palavras-chave: direito, direito alternativo, uso alternativo do direito, sociedade civil,


hegemonia, senso comum, tomada do poder, revolução, revolução cultural, processo
revolucionário, Gramsci.
ABSTRACT

CORRÊA, Mauro Alves. Revolução cultural no direito: Gramsci e o direito


alternativo. 2004. 91 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdade de
Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

Through the last centuries, the western society was corroded on its principles by a
series of doctrines. It is a destructive process that shows unmistakable consequences,
such as moral and social dissolution, the struggle among social classes and the
explotation of traditional institutions by political and ideological interests. Antonio
Gramsci conceived new methods of revoluctionary action. He proposed a large scale
psychological offensive, in order to reform mentalities and eliminate the existant
cultural heritage, and replace them in the popular thinking by a socialist common
sense. Thus he believed that he was preparing remotely the terrain for a political
power overtaking. This strategy was hosted by a left hopeful in imprint new impulse
on their advance for the power domination. The alternative law inserts itself in this
spinning wheel, with the incumbence of applying in the law field the Gramscian
strategies and convert the law spheres in a powerful tool for cultural revolution and
another way to seize the power.

Key words: law, alternative law, alternative usage of the law, civil society, hegemony,
common sense, power overtaking, revolution, cultural revolution, revolutionary
process, Gramsci.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 – DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO ..................................................................12


1.1 Das profundidades da Revolução ............................................................................................ 14
1.2 Do Humanismo e da Renascença........................................................................................... 15
1.3 Das Três Revoluções: Protestante, Francesa e Comunista. ............................................ 18
1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processo revolucionário....................... 26
1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil ................................................................................ 27

CAPITULO 2 – DA REVOLUÇÃO CULTURAL GRAMSCIANA ...................................................31


2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci.................................................................. 31
2.2 Da diferenciação entre sociedades ocidentais e orientais ................................................ 33
2.3 Sociedade civil: arena da revolução cultural ........................................................................ 35
2.4 Da hegemonia................................................................................................................................ 37
2.5 Da distinção entre direção e domínio .................................................................................... 39
2.6 Da reforma do senso comum ..................................................................................................... 41
2.7 Dos intelectuais orgânicos .........................................................................................................45
2.8 Liberdade e democracia em Gramsci .................................................................................... 47
2.8.1 Do conceito de liberdade ..................................................................................................... 48
2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do
intermezzo democratico..................................................................................................................49
2.9 Gramsci e Maquiavel .................................................................................................................. 51
2.10 Considerações gerais.................................................................................................................52
CAPÍTULO 3 – DA DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO INTEGRAL DO DIREITO .............. 53
3.1 A concepção do direito na Idade Média................................................................................ 54
3.2 A hipertrofia da vontade em Scot e Ockam.......................................................................... 56
3.3 Um novo personagem: o legista .............................................................................................. 57
3.4 A degenerescência representada por Maquiavel ................................................................ 57
3.5 O despotismo jurídico de Hobbes .......................................................................................... 58
3.6 Influências da Revolução Protestante.................................................................................... 59
3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo .......................................................................... 60
3.8 A Escola moderna do Direito Natural ................................................................................... 60
3.9 O contratualismo de Rousseau ................................................................................................ 61
3.10 O individualismo jurídico de Kant........................................................................................ 62
3.11 A desjurisdização do direito .................................................................................................... 63

CAPÍTULO 4 – DA REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO ................................................... 66


4.1 Um movimento de essência ideológica ................................................................................. 66
4.2 A razão do rótulo direito alternativo...................................................................................... 68
4.3 O direito: importante intrumento a serviço da revolução ................................................ 70
4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas................................................... 72
4.5 Sociedade civil: movimentos sociais e direito alternativo................................................ 72
4.6 Reforma do senso comum: alterar a noção do justo............................................................ 76

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 85


INTRODUÇÃO

O número dos adeptos conscientes e declarados do


gramscismo é pequeno, mas isto não impede que ele
seja dominante. O gramscismo não é um partido
político, que necessite de militantes inscritos e
eleitores fiéis. É um conjunto de atitudes mentais,
que pode estar presente em quem jamais ouviu
falar de Antonio Gramsci, e que coloca o
individuo numa posição tal perante o mundo que
ele passa a colaborar com a estratégia gramsciana
mesmo sem ter disto a menor consciência (Olavo
de Carvalho).

O jornalista e filósofo Olavo de Carvalho e o professor Carlos Nelson


Coutinho têm se notabilizado nos meios intelectuais como profundos conhecedores da
estratégia revolucionária de Antonio Gramsci. Mesmo embora divergentes em seus
pontos de vista, ambos concordam com o fato de que as teorias engendradas pelo
ideólogo sardo vêm sendo aplicadas de forma bem sucedida no Brasil.

Não obstante, há uma parcela considerável da população instruída que sequer


faça idéia do tipo de assunto tratado por Gramsci. Nos meios jurídicos, o quadro não
é muito diferente, mas conta com a ressalva de um grupo que tem estudado a fundo a
estratégia gramsciana: os adeptos do direito alternativo.

Ao longo da década de 90 o Movimento do direito alternativo foi alvo de


acalorados debates, polêmicas e discussões. Objeto de simpatia e rejeição. Ainda hoje
11

está cercado de inúmeras controvérsias, a respeito de sua essência, seus objetivos,


métodos. Adiciona-se agora a este mistifório mais um elemento: a aproximação de
Gramsci. Qual a justificativa dessa convergência?

No centro da teoria estratégica revolucionária proposta por Gramsci está a


idéia de realizar uma operação psicológica de grande envergadura. Que ao mesmo
tempo em que é sutil, também é dominadora, porque não deverá desprezar nenhuma
oportunidade, nenhuma aliança, nenhum canal de ação. Um recuo do debate aberto e
explícito, para a zona profunda da influência, em que as idéias são rebuçadas para
evitar possíveis reações. Gramsci afirma a necessidade de se amestrar o povo para o
socialismo antes mesmo da tomada do poder, por meio de uma revolução que seja
capaz suprimir o arcabouço cultural de uma sociedade e inserir em seu lugar um modo
de pensar, sentir e agir, que, além de não se opor, possa colaborar com o
estabelecimento do Estado socialista que se deseja implantar.

Por que os integrantes do direito alternativo se têm interessado tão vivamente


por essas idéias? Quereriam aplicá-las ao direito? Para descobri-lo, é que nos lançamos
à presente pesquisa. Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito. Mas este fato
não afasta a possibilidade de existência de um movimento jurídico de índole
gramsciana. A razão é simples: ele era enfático em apresentar sua tática como total, ou
seja, todos os meios possíveis devem ser utilizados.

Cremos na necessidade de um perfeito embasamento histórico e filosófico


para situar no tempo e no espaço o advento da estratégia gramsciana. Por esse motivo
foi redigido o primeiro capítulo, o qual constituirá praticamente uma segunda
introdução. Só então, analisar-se-á um pouco mais detidamente o fundo da estratégia
de Antonio Gramsci – objeto do segundo capítulo; as influências doutrinárias de que o
direito foi objeto, nos últimos séculos – terceiro capítulo. Finalmente, no quarto
capítulo, é que se poderá investigar a possível tentativa de inserção do gramscismo no
direito, pelos partidários do direito alternativo.

Realizando esta modesta empresa, acreditamos estar contribuindo para que se


melhor conheça as idéias que circulam nos bastidores e movem os personagens deste
nosso cenário jurídico.
Capítulo 1
DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

As muitas crises que abalam o mundo hodierno –


do Estado, da família, da economia, da cultura,
etc. – não constituem senão múltiplos aspectos de
uma só crise fundamental. Que tem como campo de
ação o próprio homem (Plinio Corrêa de
Oliveira).

SUMÁRIO: 1.1 Das profundidades da Revolução. 1.2 Do Humanismo e


da Renascença. 1.3 Das três revoluções: Protestante, Francesa e
Comunista. 1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processo
revolucionário. 1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil.

Vistos superficialmente, os acontecimentos dos nossos dias parecem um


emaranhado caótico e inextrincável, e de fato o são sob muitos aspectos. Algum
observador desatento pode ser levado a considerar que se trata de conturbações isoladas
e desconexas, de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente
em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos relevantes.

Entretanto, podem-se discernir resultantes, profundamente coerentes e


vigorosas, da conjunção de tantas forças desvairadas, desde que estas sejam analisadas
a partir da perspectiva ampla de um processo histórico. Por essa razão, configura um
equívoco tratar da revolução cultural e de seus efeitos no mundo jurídico, como um
fato isolado, perdido e desprovido de causas remotas.
13

Um traço essencial une o objeto da presente pesquisa a vários dos


acontecimentos históricos de grande relevância nos últimos séculos: a busca por uma
igualdade cada vez mais niveladora.

Essa tônica igualitária é que tem movido os grandes golpes que a civilização
ocidental sofreu nos últimos cinco séculos. Marcha igualitária de efeitos tão
avassaladores que, por exemplo, Aléxis de Tocqueville (1991), em várias de suas obras,
faz referência a esse processo igualitário, o qual ele considera inevitável.

Plinio Corrêa de Oliveira, professor catedrático de História Moderna e


Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em sua obra
Revolução e Contra-Revolução, descreve, com admirável capacidade de síntese, os
grandes acontecimentos históricos a partir do fim da Idade Média, evidencia o seu
nexo de continuidade e diagnostica as origens do conjunto de crises hodierno, o qual
ele denomina “Revolução”. Afirma na introdução de seu livro:

A sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que


inspirou – não seria certo dizer um sistema – mas toda uma cadeia
de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo
inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do
Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o
Comunismo.
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de
que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e
principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o
aspecto igualitário da Revolução.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não
aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja
divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da
Revolução.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter
metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se
conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma
humanidade, altamente evoluída e “emancipada” de qualquer
religião, vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em
uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer
desigualdade (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.13-14).
14

1.1 DAS PROFUNDIDADES DA REVOLUÇÃO

Esse processo é feito de etapas. Mas não deve ser visto como uma seqüência
toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Ele
não se compõe apenas de episódios sucessivos, atingindo o campo religioso, político,
social e econômico. Em sua marcha, o processo revolucionário apresenta
profundidades diversas, afetando as tendências, as idéias, e as instituições: Explica o
Prof. Corrêa de Oliveira (1998, p.39):

Podemos distinguir na Revolução três profundidades, que


cronologicamente até certo ponto se interpenetram. A primeira, isto
é, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essas
tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por
realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas
que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os
modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo
tocar de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas idéias.

Essa noção, de como a revolução nas tendências opera, será muito útil para
que se possa compreender especificamente a estratégia gramsciana. Com efeito,
Gramsci dedicou-se a disciplinar um método de ação que atuasse especialmente nessa
esfera. Bem consolidada a revolução tendencial, ter-se-ia pavimentado o caminho para
as etapas subseqüentes. Corrêa de Oliveira (Ibid.) explica como as realizações passarão
das tendências às idéias e aos fatos:

Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico.


Com efeito – como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre
obra le Démon du midi – “cumpre viver como se pensa, sob pena de
mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. Assim,
inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas
novas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi
com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um
simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper
em luta declarada.
Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno
dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a
transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na
esfera religiosa, quanto na sociedade temporal.
15

Essas três profundidades muitas vezes não se diferenciam nitidamente uma


das outras. Por isso, o autor afirma que em geral elas se interpenetram no tempo. Não
podendo, portanto, ser consideradas como uma escala cronológica do processo. Por
outro lado, a Revolução não é incoercível, ou seja, avançando em uma primeira etapa,
ela não alcançará a última necessariamente. Mas, inexistindo disposição de detê-la, por
parte de quem quer que seja, o processo tenderá a exasperar suas próprias causas:

Essas tendências desordenadas se desenvolvem como os pruridos e


os vícios, isto é, à medida mesmo que se satisfazem, crescem em
intensidade. As tendências produzem crises morais, doutrinas
errôneas, e depois revoluções. Umas e outras, por sua vez,
exacerbam as tendências. Estas últimas levam em seguida, e por um
movimento análogo, a novas crises, novos erros, novas revoluções.
É o que explica que nos encontremos hoje em tal paroxismo da
impiedade e da imoralidade, bem como em tal abismo de desordens
e discórdias. [...]
É que as paixões desordenadas, indo num crescendo análogo ao que
produz a aceleração na lei da gravidade, e alimentando-se de suas
próprias obras, acarretam conseqüências que, por sua vez, se
desenvolvem segundo intensidade proporcional. E na mesma
progressão os erros geram erros, e as revoluções abrem caminho
umas para as outras (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.44-45).

1.2 DO HUMANISMO E DA RENASCENÇA

O termo de início do processo revolucionário é a decadência da Cristandade


medieval. É no século XIV que já se começa a observar, na Europa cristã, uma
transformação de mentalidades que ao longo do século XV cresce cada vez mais em
nitidez. Daniel-Rops, pseudônimo do escritor Henry-Petiot, da Academia Francesa de
Letras, em sua obra A Igreja do Renascimento e da Reforma, aponta os sinais de
modificação progressiva da essência medieval:

As crises de autoridade e de unidade que a Cristandade conheceu


durante os anos de transição do século XIV para o século XV não
podem escapar a esta regra: é evidente que uma crise de espírito as
explica e as comanda, e é essa mesma crise que dá aos seus dramas a
16

sua verdadeira explicação.


Esta crise anunciava-se já desde há várias décadas. Mesmo no
mundo cristão tão vigoroso e tão sólido do século XIII podiam já
observar-se sinais precursores do declínio. E, a partir de 1350, tais
sinais vão multiplicar-se. A crise afetará simultaneamente, no
homem, a consciência, a inteligência e a sensibilidade. Aquela força
de gravidade que tantas vezes, no decorrer dos séculos, puxou os
batizados para baixo, de novo se exerce agora e arrasta as suas
naturais conseqüências. Mas o pior é que já não há um Gregório VII,
nem um São Bernardo, nem um São Domingos, nem um São
Francisco de Assis para lançarem mão da alma oprimida e a
forçarem a elevar-se de novo para o ideal. [...]
Estranha época é essa em que se realiza esta marcha para o abismo.
[...] Em todos os domínios, tudo se modifica e tudo se desmembra;
os sistemas opõem-se aos sistemas, os dogmatismos novos aos
dogmatismos antigos, e o rigor das fórmulas dificilmente esconde a
incerteza e a angústia. Tudo se torna, cada vez mais, presa duma
dolorosa fermentação. É no plano posterior destes obscuros dramas
dos espíritos e das almas que é preciso ver desenrolar-se as grandes
cenas que a história reteve. (DANIEL-ROPS, 1962, p.131).

Com efeito, não poucos historiadores vislumbram nessa época o prelúdio de


todo o paulatino processo de transformações que viria posteriormente. O
Renascimento gerou uma série de disposições íntimas, que proporcionou uma
transição muito mais tendencial que ideológica. “Este novo estado de alma continha
um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de
coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII”
(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

Em todos os campos da vida operou-se uma profunda transformação, na qual


se manifestaram os mais rudes contrastes, de modo que o político e o social, a
literatura e a arte, e os próprios assuntos eclesiásticos achavam-se em estado de
fermentação que pressagiava a aurora de um novo período (PASTOR, 1905, v.5, p.49).

Não há dimensão da existência humana que se veja desafetada desse clima.


Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo crescente por
uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas
manifestações de sensualidade e moleza. A procura e o culto da riqueza, o
nacionalismo, o amor ao luxo e à carne se estendem por todas as classes sociais
17

(FAURE, 1969, p.9-10, 107). Tudo o que se observa é um contínuo deperecimento da


seriedade e da austeridade dos antigos tempos.

A cavalaria, uma das mais altas expressões da austeridade cristã, se torna


amorosa e sentimental. A figura feminina, a dama, é agora a sua motivação numa
época pacificada em que a maior preocupação está nas exibições em torneios. O ideal
cavalheiresco, que era servir a Deus, à Igreja, e àqueles a quem a desgraça perseguir, se
não foi totalmente esquecido, já não está muito na moda. A “defesa da justiça e do
direito”, trecho da oração rezada no dia da investidura de armas, tornara-se letra morta
(CLINCHAMPS, 1965, p.88-91).

Como não poderia deixar de ser, a intelectualidade não permanecera imune a


essa mentalidade nova:

Tal clima, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras


manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e
vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de erudição,
e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a
Escolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da
Fé, renasciam em aspectos novos (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

“Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval,
o Humanismo e a Renascença tendera a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores
morais da Religião, a um segundo plano” (Ibid.). A admiração exarcebada pela
Antigüidade, que não raro beirava o ridículo, era apenas uma expressão do divórcio
entre a ordem medieval e as mentalidades e idéias agora imperantes. O escritor francês
Lucas-Dubreton (s.d., p.192-194) a esse respeito chegou a afirmar:

O que é verdade, é que, entre os humanistas e a Igreja, existe, se não


oposição aberta, pelo menos aversão tácita. Os florentinos,
defensores da Antigüidade, imaginam ter renovado a face do mundo,
arrancado a filosofia às divagações dos escolásticos, mas na
realidade, apenas andam à roda noutro círculo; enfiam palavras,
multiplicam as apóstrofes, as citações, incham os períodos, só se
preocupam com a forma e não contam com o fundo para nada; tudo
é bom desde que cheire a grego ou latim. Tornaram-se escravos dos
antigos, sujeitaram tão bem a liberdade da sua inteligência, que não
somente não querem afirmar nada que seja contrário aos pontos de
vista dos antigos, como ainda não ousam avançar seja o que for que
não tenha sido dito por eles.
18

A longa cadeia de pequenos degraus que compunham a trama harmoniosa do


tecido social começa a ser suprimida. A pluralidade de sistemas, a rica variedade das
relações políticas e sociais fundadas em altos valores filosóficos e religiosos, como o
senso hierárquico, as noções de hora e fidelidade, o respeito mútuo – tudo isso foi
dando lugar ao recrudescimento do poder real. Os legistas ressuscitam o direito
romano e difundem o ideal do príncipe legislador:

O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com um


conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes
ambiciosos um eco favorável. E pari passu foi-se extinguindo nos
grandes e nos pequenos a fibra de outrora para conter o poder real
nos legítimos limites vigentes nos dias de São Luís de França e de
São Fernando de Castela.(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27)

O historiador alemão Wilhelm Oncken (1929, v.21, p.343), explica que essas
transformações se deram de maneira quase imperceptível. Não quer dizer com isso
que as mudanças fossem pequenas. O homem renascentista já não podia compreender
os modos de viver e de sentir da civilização medieval.

Essa crise, mesmo em seu início, já demonstra forças suficientes para gerar os
desencadeamentos que se lhes seguiram. O tipo humano, inspirado nos moralistas
pagãos, que aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a
cultura e a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos
precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da
cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo (CORRÊA
DE OLIVEIRA, 1998, p.28).

1.3 DAS TRÊS REVOLUÇÕES: PROTESTANTE, FRANCESA E COMUNISTA.

O quadro histórico já não estava longe de um rompimento formal e declarado


com a tradição cristã. O movimento humanista, ao transpor os Alpes e espalhar-se
pela Alemanha, encontrou aí condições especiais que lhe deram um rumo diverso do
19

verificado em outros lugares. Ali fermentavam desde muito tempo elementos de


revolta religiosa. Isso fez com que a ruptura do Humanismo e do Renascimento com a
tradição medieval, nos povos germânicos, derivasse em rompimento com a Igreja e o
Papado (ONCKEN, 1929, v.19, p.111).

Enquanto grassavam o paganismo e a amoralidade, estava ausente uma dessas


grandes personalidades capazes de interromper o colapso e retomar os rumos
originais. O resultado imediato foi a eclosão da Revolução Protestante.

Os esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar em


seu germe os fatores de que resultou o triunfo paulatino do
neopaganismo.
Em algumas partes da Europa, este se desenvolveu sem levar à
apostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. E
mesmo quando ele se instalava nas almas, não lhes ousava pedir – de
início pelo menos – uma formal ruptura com a Fé.
Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. O
orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida
pagã, suscitaram o protestantismo.
O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à
interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição
contra a autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela
negação do caráter monárquico da Igreja Universal, isto é, pela
revolta contra o Papado. Algumas, mais radicais, negaram também o
que se poderia chamar a alta aristocracia da Igreja, ou seja, os
Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio sacerdócio
hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor
verdadeiro do poder sacerdotal.
No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo se
afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução do
divórcio (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27-28).

A Revolta luterana, longe de ser meramente moral e religiosa, fez sentir seus
efeitos nos mais diversos campos. “No protestantismo nasceram algumas seitas, indo
mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas em todo o
sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas” (Ibid., p.30).

O insuspeito historiador protestante Franz Funk-Brentano (1943, p.175) relata


a revolta luterana na Turíngia: liderado pelo Frade Thomaz Münzer, um bando de
mais de 300.000 homens armados começaram a tomar os bens dos conventos. A
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pilhagem se estendeu depois às propriedades leigas. 295 castelos e mosteiros foram


saqueados sob a ordem de se degolar todos os que se opusessem à partilha forçada.
“Que o alfanje, tinto de sangue, não tenha tempo de esfriar. Batei na bigorna: pink!
Ponk! Matai tudo!” (FUNK-BRENTANO, 1943, p.176 et seq.) – era um dos brados da
revolta. Mais tarde Lutero, “esse reformador, que continuamente tem o evangelho nos
lábios, não fala senão em degolar, torturar, incendiar, matar esses mesmos que sua
obra precipitou na rebelião. Vozes autorizadas atiravam-lhe rudemente em face que ele
era o causador da rebelião” (Ibid.). O mesmo Funk-Brentano (Ibid.) narra o desfecho
das perturbações:

Os historiadores calcularam aproximadamente em 100.000 o número


de infelizes, que foram condenados à morte. Os fidalgotes
vencedores achavam engraçado, pelo testemunho de um deles,
divertir-se em jogar bola com cabeças de suas vítimas.
Lutero escrevia: “porque razão, pergunta-se, esmagar os camponeses
com tal violência? – Que sejam todos mortos! Deus reconhecerá os
inocentes, se os há entre eles” (Carta a Amsdorf, 30 de maio de
1525). “também em circunstâncias semelhantes não é o próprio
Deus que, por nossas mãos, enforca, tortura, fulmina e decapita?”

A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre os católicos não


cessou de se dilatar numa crescente cadeia de conseqüências, em toda a França.

Favorecida pelo enfraquecimento da piedade dos fiéis – ocasionado


pelo jansenismo e pelos outros fermentos que o protestantismo do
século XVI desgraçadamente deixara no Reino Cristianíssimo – tal
ação teve por efeito no século XVIII uma dissolução quase geral dos
costumes, um modo frívolo e brilhante de considerar as coisas, um
endeusamento da vida terrena, que preparou o campo para a vitória
gradual da irreligião. Dúvidas em relação à Igreja, negação da
divindade de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as etapas
dessa apostasia.
Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e do
neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma
obra de todo em todo simétrica à Pseudo-Reforma. A Igreja
Constitucional que ela, antes de naufragar no deísmo e no ateísmo,
tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da França ao espírito do
protestantismo. E a obra política da Revolução Francesa não foi
senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma” que as
seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização
eclesiástica:
21

Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;


Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da “plebe”
eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a “aristocracia” da Igreja, isto é,
o Clero;
Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de certas
seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis (CORRÊA DE
OLIVEIRA ,1998, p.29).

Igualdade, Liberdade, Fraternidade. “Sob influência destas idéias, os Estados-


gerais se abriram em 5 de maio de 1789. Não fizeram mais do que decretar uma
revolução que já estava completa. Desde este momento, começa uma história
aflitiva”[...] (CANTÚ, 1964, v.27, p.520).

Nem Ceres nem Marte, nem a economia nem a guerra, explicam o


frenesi da guilhotina sob o Terror. Na Frase imortal do amigo de
Danton, o jornalista Camille Desmoullin: os deuses tinham sede. [...]
Com toda a sua retórica democrática, o fastígio do Terror se
desenrola em pleno refluxo do povão, na hora cinzenta das
“pequenas oligarquias do ativismo”. Quanto mais se vociferava em
termos de “vontade geral”, mais o clube se substituía ao querer
popular. [...]
A racionalização do Terror, nas mãos de Robespierre ou Saint-Just,
tinha duas faces principais, a puritana e a messiânica. “A virtude sem
a qual o terror é funesto, o terror sem o qual a virtude é inerme”
(Robespierre). A premissa puritana do Terror jacobino era nada
menos que a regeneração da humanidade pela virtude violenta. A
hipertrofia do discurso da vontade: os obstáculos eram interpretados
como uma conspiração do vício, nunca como algo radicado na
natureza das coisas (MERQUIOR, 1989, p.21).

A pergunta de Robespierre “voulez-vous une Révolution sans revolution? ” nada


tinha de retórica. “Convertido em projeto sacralizado pela História, o processo
revolucionário prometia desde o início glorificar ou, no mínimo, justificar a violência
‘purificadora’. O expurgo e o massacre tornaram-se figuras revolucionárias
inexoráveis, para não dizer imprescindíveis” [grifo do autor] (Ibid.).

A Revolução Francesa, nos últimos esgares da sua fase mais cruenta


– depois de ter quebrado as imagens e os altares, fechado as Igrejas,
perseguido os ministros de Deus, destronado e executado o Rei e a
Rainha, declarado abolida a nobreza, sujeitado à pena capital
incontáveis membros desta, e atingido a sua meta de implantar um
22

mundo novo em “tudo, já e para sempre” – estava a ponto de


realizar o que muito caracteristicamente, escrevera um dos seus mais
destacados precursores, Diderot: “As suas mãos, tecendo as
entranhas do padre, fariam delas uma corda para [enforcar] o último
dos reis” (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1993, p.229).

Um dos ardis mais bem sucedidos da Revolução Francesa consistiu


precisamente em lançar na confusão muitos espíritos simples e desprevenidos,
rotulando com palavras honestas e até louváveis uma congérie monstruosa de erros
doutrinários e de acontecimentos criminosos.

Dessa forma, muitos desses espíritos “eram levados a admitir que as doutrinas
da Revolução Francesa eram boas na sua raiz, se bem que, na maior parte, os fatos
revolucionários hajam sido duramente reprováveis” (Ibid., p.228). Outros, entendiam
“que as doutrinas geradoras de tais fatos não podiam ser menos reprováveis do que
estes, deduzindo daí que a trilogia inculcada como síntese dessas doutrinas perversas
era, ela também, digna da mesma repulsa”. Corrêa de Oliveira (Ibid., p.228-229)
continua sua explanação:

O modo de considerar a Revolução distinguindo diversos matizes


pressupõe, implícita ou explicitamente, que esta distinção só seja
válida na apreciação do fenômeno revolucionário desde que se tome
em conta que na mente até dos mais dulçorosos analistas deste, ao
mesmo tempo em que havia reais desígnios de moderação, havia
contraditoriamente indulgências inexplicáveis e por vezes até nítidas
simpatias para com os crimes e os criminosos da Revolução.
Esta presença simultânea de pendores de moderação e de
conivências revolucionárias na mentalidade do “moderados” e ao
longo das diversas etapas da Revolução levou um dos mais fogosos
apologistas do fenômeno revolucionário – Clemenceau – a esquivar
as acusações de contraditória que daí lhe advinham afirmando
sumariamente que “la Revolution est um bloc”, no qual fissuras e
contradições não passariam de aparências.
Ou seja, a Revolução – fruto de uma miscelânea de propensões,
doutrinas e programas – não pode ser louvada nem censurada se for
identificada tão-só com um dos seus matizes ou etapas, em vez de
considerá-la sob este aspecto de miscelânea que salta aos olhos.

Em 1845, é o próprio Marx que encontra um predecessor em Babeuf, nas


clássicas linhas da obra intitulada Sagrada Família:
23

O movimento revolucionário que teve início em 1789 no Círculo


Social, em que figuraram como representantes principais, em meio à
sua evolução, Leclerc e Roux, e terminou sucumbindo logo com a
conspiração de Babeuf, fizera florescer a ideologia comunista que
Buonarroti, o amigo de Babeuf, reintroduziu na França depois da
revolução de 1830. Tal idéia, desenvolvida em todas as suas
conseqüências, constituiu o princípio do mundo moderno (apud
FURET , 1989, p.191).

Assim, “da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de Babeuf. E


mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam as escolas do
comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de Marx” (CORRÊA
DE OLIVEIRA, 1998, p.30):

Com a entrada em cena de Karl Marx, auxiliado por Engels, as


correntes revolucionárias encontraram nas teorias de ambos uma
sistematização filosófica e um método de análise para iniciar um
processo que levasse a utopia à prática. Foi o chamado socialismo
científico ou comunismo. Daí nasceu o movimento internacional
para realizar a revolução socialista. De seu seio saíram os líderes do
partido bolchevique russo que, com Lenine à cabeça, fizeram a
revolução que transformaria a Rússia, a partir de 1917, na Meca do
socialismo mundial. Em 1919 este movimento marxista teve sua
primeira grande divisão. Aglutinara-se na Internacional Comunista,
fundada pouco antes por Lenine, aqueles que aderiram à tese de
tomada do poder pela violência, proposta pelo líder russo. Quem
considerava impossível tomar o poder no Ocidente e derrubar a
ordem capitalista vigente com a rapidez e a violência da revolução
bolchevique, passaram a chamar-se simplesmente socialistas. Estava
definida assim a Internacional Socialista, distinta da Internacional
Comunista dirigida por Lenine. Anos mais tarde, o dirigente
soviético Trotsky daria origem a uma terceira facção dentro do
marxismo: foi a corrente anarco-bolchevique, que acusava Stálin de
caminhar muito lentamente para a meta comunista, isto é, a utopia
revolucionária. Meta que também é o objetivo das correntes
anarquistas propriamente ditas, ou libertárias. Deste modo,
socialistas, comunistas e anarquistas, compartindo uma origem
doutrinária comum, mas se diferenciando nos métodos de ação,
mantiveram-se unidos na aspiração de uma mesma meta final,
radicalmente igualitária e libertária [grifo do autor] (SEDTFP –
COVADONGA , 1988, p.143).

A Revolução vitoriosa na Rússia em 1917, ultrapassou todas as suas


predecessoras em perversidade. De lá ela se irradiou para um sem-número de nações
24

em todos os cantos do planeta, alcançando uma cifra extraordinária de 100 milhões de


vítimas nos países em que se instalou. Número, aliás, minimizado, uma vez que tem
por base unicamente os registros oficiais de Moscou. O pesquisador Luis Dufaur
(2000, p.27), ao comentar o lançamento no Brasil do Livro Negro do Comunismo tece a
seguinte observação:

A erudição é esmagadora, e a realidade retratada, estarrecedora.


Segundo os cálculos, o comunismo é responsável por cerca de 100
milhões de mortos. Só na China somam 63 milhões, e na Rússia 20
milhões. E isso apesar de os autores minimizarem as cifras.
Exemplos: a Comissão sobre Repressão do governo russo concluiu
que os bolchevistas mataram pelo menos 43 milhões de pessoas
entre 1917 e 1953. Na Coréia do Norte, segundo a agência católica
Zenit, o comunismo matou de fome 3,5 milhões, sete vezes mais do
que os autores informam.

Courtois (apud DUFAUR, 2000, p.28), coordenador da equipe de antigos


militantes socialistas, responsáveis pelo levantamento histórico do Livro Negro do
Comunismo, explica que a emulação com a Revolução de 1789 é que moveu os
revolucionários vermelhos. Robespierre abriu o caminho, Lenine e Stálin lançaram-se
nele, os Khmers Vermelhos do Camboja bateram recordes genocidas. Para todos eles,
a utopia igualitária e libertária tudo justificava. Exterminar milhões não importava, em
sua opinião, porque assim nasceria um mundo novo, fraternal, para um homem novo
liberto da canga da hierarquia e da lei.

No Camboja, por exemplo, “os guerrilheiros vermelhos exterminaram mais de


um quarto da população nacional. Logo após a conquista da capital, Phnom Penh,
metade dos habitantes do país foi impelida para as estradas” (Ibid., p.30). Ninguém era
poupado:

Doentes, anciãos, feridos, ex-funcionários, militares, comerciantes,


intelectuais, jornalistas eram chacinados no local. 41,9% dos
habitantes da capital foram eliminados nessa ocasião. Para poupar
bala ou por sadismo, matava-se com instrumentos contundentes
(Ibid.).

Lindenberg (1999, p.54), explica que o fundamento essencial do movimento


socialista é a crença de que o conceito de igualdade em si mesmo é metafisicamente
25

superior ao conceito de desigualdade. O autor mostra ainda que, “entre liberdade e


igualdade há uma contradição ‘in terminis ’ ”, porque subjacente ao conceito de
liberdade “está a manifestação de todas as diversidades inerentes à natureza humana
[...]. Na medida em que tal conceito de igualdade é coercivo, sugere-nos
implicitamente uma ação destinada a anular, à partida, todas as desigualdades entre
os homens.” (LINDENBERG, 1999, p.54). E assim, vêm à memória, a série de atos
perpetrados sob os totalitarismos tendentes a eliminar essas desigualdades. O próprio
Lindenberg (Ibid., p.55) comenta:

Consideramos oportuno relembrar por exemplo as imagens trágicas


da ocupação do Cambodja pelos comunistas de Pol Pot, ou os
excessos cometidos durante a Revolução Cultural Chinesa. São
exemplos impressionantes do radicalismo marxista que revelam a
face horrenda, mas no fundo verdadeira, da ideologia socialista,
caracterizada pela aversão a tudo quanto é elevado, nobre, desigual.
A humilhação trocista – a expressão não podia ser mais adequada –
dos proprietários de terras, comerciantes, professores e profissionais
na China, veio mostrar a um mundo atônito e horrorizado que o
objetivo último da fúria revolucionária, não era o mero nivelamento
social e econômico, mas sim uma total inversão de valores. Alguém
com uma situação econômica superior era humilhado e aviltado com
um castigo quid pro quo em função da sua condição social anterior.

Em toda essa lógica, o que estaria pela frente? Corrêa de Oliveira (1998, p.30)
arrisca vaticinar o panorama vindouro:

E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o ateísmo.


A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio,
tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda
superioridade, haveria de investir contra a última desigualdade, isto é,
a de fortunas. E assim, ébrio de sonhos de República Universal, de
supressão de toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição de
qualquer Igreja e, depois de uma ditadura operária de transição,
também do próprio Estado, aí está o neobárbaro do século XX,
produto mais recente e mais extremado do processo revolucionário.
26

1.4 DO FENECIMENTO E DAS MUDANÇAS DE RUMO DO PROCESSO


REVOLUCIONÁRIO

Apesar de seu apogeu internacional, – tanto na extensão de seu domínio como


na expansão de sua doutrina – o comunismo começa a dar mostras de declínio no seu
poder persuasório e de proselitismo. Largos setores da opinião pública em todo o
Ocidente se tornam infensos à sua doutrinação explícita e categórica. Especialmente a
partir da segunda metade do século XX, vai tornando-se mais patente o decrescimento
do poder persuasivo da dialética e da propaganda comunista – integral e ostensiva
(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.163-166).

A violência – método direto e fulminante, do qual os mentores do comunismo


esperavam obter, com o mínimo de riscos de fracasso, o máximo de resultados, no
mínimo de tempo – foi dando aos revolucionários vantagens cada vez menores.
Malogros sucessivos começavam a se acumular, como, por exemplo, o das guerrilhas
disseminadas por Cuba na América Latina (ROLLEMBERG, 2001.).

Tornava-se necessária uma mudança de estratégia. Começa então um


movimento de câmbio: mesmo embora nascido necessariamente da luta de classes, e
voltado por sua própria lógica interna para o uso da violência exercida por meio de
guerras e revoluções, o socialismo recua, dissimula seu rancor, utiliza-se do sorriso.
Não extingue a violência, mas a transfere do campo de operações do físico e palpável,
para o das atuações psicológicas impalpáveis. Seu objetivo: “alcançar, no interior das
almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavam
impedindo conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos”
(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p. 163).

Essa mudança de método tem um marco simbólico: a rebelião estudantil da


Sorbone, em maio de 1968. É a partir de então que numerosos autores socialistas e
marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução
prévia às transformações políticas e sócio-econômicas, que operasse na vida cotidiana,
nos modos de ser, de sentir e de viver (LOPES; URETA, 2002, passim). O Prof. Plinio
27

Corrêa de Oliveira (1998, p.164) mostra os traços essenciais desse novo modo de agir:

Esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é uma


etapa indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que
tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois, sem tal
preparação, a transformação revolucionária e as conseqüentes
“mudanças de estrutura” tornar-se-iam efêmeras.

As esquerdas começam a perceber em Gramsci um potencial renovador de


sua estratégia. Suas idéias, em princípio limitadas a restritos círculos locais italianos, só
alcançam difusão na própria Itália, mais de dez anos após a seu falecimento, quando
Palmiro Togliati terminou o projeto de organização temática dos Cadernos do Cárcere,
em seis volumes que foram publicados sucessivamente entre 1948 e 1950 (AVELLAR
COUTINHO, 2002, p.15).

Entretanto, as novas proposições não repercutiram largamente desde logo.


Grande parte dos meios revolucionários ainda estava inebriada do desejo de uma
revolução armada ao estilo da de Outubro de 1917. Empecilhos de ordem prática
proporcionaram que, nas mais variadas partes do ocidente, a idéia de uma revolução
gradual fosse adotada em substituição aos artifícios até então utilizados (os quais não
foram inteiramente abandonados; veja-se, nesse sentido, o exemplo colombiano).

1.5 O GRAMSCISMO E AS ESQUERDAS NO BRASIL

No Brasil, as primeiras iniciativas para a publicação de uma tradução dos


Cadernos do Cárcere têm início em 1962, mas só em 1966 e 1968 foram publicados
quatro dos seis volumes da edição temática italiana. “Reeditados no final da década de
1970, foi esta publicação que introduziu Gramsci à intelectualidade do país, ‘uma
contribuição muito importante para a formação de um novo espírito revolucionário da
esquerda brasileira ’ ” [grifo do autor] (Ibid.).

Essa obra foi muito lida, mas, numa atmosfera em que dominava a obsessão
pela tomada violenta do poder, não exerceu influência prática imediata (CARVALHO,
28

O., 1994, p.44). Seu potencial ficou retido até a derrota da luta armada, que provocou,
como não poderia deixar de ser, um impulso generalizado às teses do combate pacífico
e aliancista.

Em busca de uma estratégia pela qual se orientar, não sendo capaz de criar
uma nova e não encontrando no repertório mundial uma outra à sua disposição,
restou àqueles desejosos de realizar uma revolução, aderir a Gramsci. Fizeram-no
“quase que por automatismo, sonambulicamente, levados pela carência de opções”
(CARVALHO, O., 1994, p.44).

Um dos acontecimentos mais significativos no cenário político e da história


nacional nos últimos tempos foi “a conversão formal ou informal, consciente ou
inconsciente da intelectualidade de esquerda à estratégia de Antonio Gramsci” (Ibid.,
p.18). O filósofo e articulista Olavo de Carvalho (Ibid., p.17) relata, em que
circunstâncias ocorreu essa guinada:

A geração, derrotada pela ditadura militar, abandonou os sonhos de


chegar ao poder pela luta armada e se dedicou, em silêncio, a uma
revisão de sua estratégia, à luz dos ensinamentos de Antonio
Gramsci. O que Gramsci lhe ensinou foi abdicar do radicalismo
ostensivo para ampliar a margem de alianças; foi renunciar à pureza
dos esquemas ideológicos aparentes para ganhar eficiência na arte de
aliciar e comprometer; foi recuar do combate político direto para a
zona mais profunda da sabotagem psicológica. Com Gramsci ela
aprendeu que uma revolução da mente deve preceder uma revolução
política; que é mais importante solapar as bases morais e culturais do
adversário do que ganhar votos; que um colaborador inconsciente e
sem compromisso, de cujas ações o partido jamais possa ser
responsabilizado, vale mais que mil militantes inscritos. Com
Gramsci ela aprendeu uma estratégia tão vasta em sua abrangência,
tão sutil em seus meios, tão complexa e quase contraditória em sua
pluralidade simultânea de canais de ação, que é praticamente
impossível o adversário mesmo não acabar colaborando com ela de
algum modo, tecendo, como profetizou Lênin, a corda com que será
enforcado.

É possível de se afirmar que o marco da adoção oficial e definitiva de Gramsci


pelas esquerdas no Brasil foi a desmoronamento da Cortina de Ferro. Entretanto, não
nos interessa a discussão a respeito do momento em que a aceitação de Gramsci
torna-se generalizada. O fato é que os mais diversos autores estudiosos do tema,
29

adeptos ou não do pensamento gramsciano, são praticamente unânimes em


reconhecer, na atualidade brasileira, a adesão das esquerdas às idéias do ideólogo
italiano. Carlos Nelson Coutinho, professor titular de Teoria Política na Universidade
Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da International Gramsci Society (IGS) por
exemplo, afirma:

Começa a emergir também no Brasil uma esquerda moderna,


disseminada em diferentes partidos e organizações, mas que tem em
comum o fato de ter assimilado uma lição essencial da estratégia
gramsciana: o objetivo das forças populares é a conquista da
hegemonia, no curso de uma difícil e prolongada “guerra de
posições”. Ora, no caso brasileiro, isso significa que a consolidação
da democracia pluralista [...], deve ser considerado ponto de partida
e, ao mesmo tempo, condição permanente de nosso caminho para
um socialismo democrático [ver item 2.7.2, infra] [grifo do autor]
(COUTINHO, 1999, p.218).

Gramsci está atualíssimo no cenário nacional. Presume-se de que, para cada


três teses acadêmico-educacionais, uma faz referência ao pensador sardo (TAVARES DE
JESUS, 1989, p.14). “Mas Gramsci está na moda também fora da academia, sendo
reivindicado intensamente no espaço político partidário” (ARRUDA JÚNIOR, 1995b,
p.29). A esse respeito, diz bastante a declaração abaixo, recolhida da página principal
do site Gramsci e o Brasil dedicado ao pensamento gramsciano e organizado por
nomes como o do Prof. Carlos Nelson Coutinho:

Depois da queda de todos os muros, descobrimos que Gramsci está


vivo. Ficamos ainda mais convencidos de que o Brasil é um enorme
laboratório político, no qual as categorias gramscianas – e da
esquerda em geral – devem voltar a mostrar sua força analítica e seu
poder de convencimento (COUTINHO; HERIQUES; NOGUEIRA, 2004).

A afirmação não é de pouca relevância. Indica um rumo, uma direção já


adotada de forma assaz ampla nos cenários intelectual e político pátrios. Digna de
passagem é a opinião de Carvalho (1994, p.18-19) concernente a esse fato:

[...] O Brasil, de fato, tem um descompasso crônico em relação ao


tempo da História universal. O reconhecimento mundial da débâcle
do comunismo ecoou neste país – paradoxalmente, segundo a lógica
humana, mas coerente, segundo a linha constante da História
nacional – como um toque de esperança: chegou a nossa vez de
30

conquistar aquilo que já ninguém mais quer.


[...] A geração que atingiu a idade adulta no momento em que a
ditadura fechava as portas de acesso à vida política está agora com
cinqüenta anos. Ao longo dos últimos trinta ela esperou, planejou,
[...] e, sobretudo, leu muito Antônio Gramsci. Que a Revolução
socialista já tenha mostrado ao mundo sua verdadeira face, que ela já
tenha provado cabalmente que não vale a pena, isto pouco interessa.
A geração dos guerrilheiros fará o que longamente se preparou para
fazer. Pouco importa que, pelo relógio do mundo, tenha passado a
hora [grifo do autor].

Edmundo Lima de Arruda Júnior (1995c, p.8), um dos corifeus do


alternativismo jurídico, na apresentação da obra que leva o sugestivo título Gramsci:
Estado, direito e sociedade, afirma estar convencido “de que o marxismo deve ser
revisto, não substituído. Deve ser atualizado, não abolido”. Adiante, esclarece que isso
significa ter o marxismo “como fonte de inspiração e horizonte para ações práticas, e
[para alcançar tal escopo] nada mais vigoroso que o aporte da filosofia da praxis de
Antonio Gramsci” [grifo do autor]. Por fim, confiante na eficácia da estratégia
gramsciana, o autor propõe uma difusão mais acelerada do pensamento de Gramsci
junto ao público jurídico. A essa aplicação do gramscismo no direito, nos dedicaremos
mais adiante.
Capítulo 2
DA REVOLUÇÃO CULTURAL
GRAMSCIANA

O gramscismo propõe uma revolução cultural que


subverta todos os critérios admitidos do
conhecimento, instaurando em seu lugar um
“historicismo absoluto”, no qual a função da
inteligência e da cultura já não seja captar a
verdade objetiva, mas “expressar” a crença
coletiva, colocada assim fora e acima da distinção
entre verdadeiro e falso (Olavo de Carvalho).

SUMÁRIO: 2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci. 2.2 Da


diferenciação entre sociedades ocidentais e orientais. 2.3 Sociedade civil:
arena da revolução cultural. 2.4 Da hegemonia. 2.5 Da distinção entre
direção e domínio. 2.6 Da reforma do senso comum. 2.7 Dos intelectuais
orgânicos. 2.8 Liberdade e democracia em Gramsci. 2.8.1 Do conceito
de liberdade. 2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do
intermezzo democratico. 2.9 Gramsci e Maquiavel. 2.10 Considerações gerais.

2.1 LINHAS GERAIS SOBRE A VIDA DE ANTONIO GRAMSCI

De acordo com dados colhidos do prólogo da obra de Avellar Coutinho


(2002, p.13-16) A Revolução Gramscista no Ocidente, Antonio Gramsci (1891-1937),
marxista e intelectual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário e membro
do Partido Socialista Italiano, no seio do qual fez sua iniciação ideológica. Fez-se
32

imediato simpatizante da revolução bolchevista de 1917. Em dezembro de 1920


participou do congresso que constituiu a fração comunista do Partido Socialista
Italiano e já em janeiro de 1921, os delegados dessa facção decidiram fundar o Partido
Comunista Italiano. Gramsci, um dos fundadores, vem a fazer parte do Comitê
Central do recém criado partido.

Em outubro de 1922, o PCI entra na ilegalidade, ocorrendo a prisão de vários


dirigentes do partido. Gramsci se encontrava então em Moscou, escapando de ser
detido. Entre 1923 e 1926, apesar das condições adversas na Itália, Gramsci
desenvolveu intensa atividade política no país e na Europa até quando, em novembro
de 1926, os fascistas endureceram o regime a pretexto de um alegado atentado contra
a vida de Mussolini. Na execução de “Medidas Excepcionais”, Gramsci é preso e
processado do que resultou sua condenação, em junho de 1928, a mais de 20 anos de
reclusão.

Apesar do rigor da Casa Penal de Turim, para onde finalmente fora mandado
para cumprimento de pena, o prisioneiro veio a conseguir cela individual (tendo em
vista a sua frágil saúde) e recebeu permissão para escrever e fazer leitura regularmente.
A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começa a redigir suas primeiras notas e
apontamentos que vieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três cadernos
do tipo escolar. Escreveu até 1935, enquanto sua saúde o permitiu.

Não se tratava de um diário, mas de anotações que abrangiam os mais


variados assuntos: exercícios de tradução, Filosofia, Sociologia, Política, Pedagogia,
Geopolítica, crítica literária e comentários de diversificados temas. O trabalho não
segue um esquema prévio, ao contrário, os temas são apresentados fragmentariamente
e sem seqüência lógica, algumas vezes reescritos ou retomados de forma melhorada e
ampliada. Apesar disso, há enorme coerência ao longo dos escritos.

A redação dos cadernos foi interrompida em 1935, quando o precário estado


de saúde de Gramsci se agravou, do que resultou a sua transferência para clínicas
médicas onde pôde tratar-se em liberdade condicional. Em abril de 1937, já em fase
final de vida, lhe é concedida a plena liberdade, recurso de que se vale o regime fascista
para que o líder comunista não viesse a morrer na prisão, tornando-se um mártir.
33

Após sua morte, Tatiana Schucht, sua cunhada e destinatária de


correspondência no período de prisão, remeteu os Cadernos para Moscou, onde
chegaram às mãos de Palmiro Togliati, líder comunista italiano que se tornou o
responsável pela primeira edição dos Cadernos.

2.2 DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SOCIEDADES OCIDENTAIS E ORIENTAIS

A formulação gramsciana nasce da constatação do fato de que a estratégia


marxista-leninista de tomada do poder, vitoriosa na Rússia, “não obteve êxito nos
países europeus (entre 1921 e 1923 na Alemanha, Polônia, Hungria, Estônia e
Bulgária) de economia capitalista e sociedade democrática” (AVELLAR COUTINHO,
2002, p.19; GRAMSCI, 2000, v.3, p.24). As próprias dificuldades de êxito da Revolução
Russa também serviriam de inspiração para Gramsci:

Gramsci estava particularmente impressionado com a violência das


guerras que o governo revolucionário da Rússia tivera de empreen-
der para submeter ao comunismo as massas recalcitrantes, apegadas
aos valores e praxes de uma velha cultura. A resistência de um povo
arraigadamente religioso e conservador a um regime que se afirmava
destinado a beneficiá-lo colocou em risco a estabilidade do governo
soviético durante quase uma década [...] (CARVALHO, O., 1994, p.36).

Isso o levou a criar uma distinção entre sociedades orientais e ocidentais.


Denominação que não têm propriamente significado geográfico, mas relação com o
estágio de avanço político, econômico e social em que se encontram os países. Essa
diferenciação permitiu lhe responder à questão do malogro da revolução nos países
ocidentais:

Esse fracasso ocorreu, supõe Gramsci, porque não se levou na


devida conta a diferença estrutural que existe entre, por um lado, as
formações sociais do “Oriente” (entre as quais se inclui a da Rússia
czarista), caracterizadas pela debilidade da sociedade civil em
contraste com o predomínio quase absoluto do Estado-coerção; e,
por outro, as formações sociais do “Ocidente”, onde se dá uma
relação mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, ou
34

seja, onde se realizou concretamente a “ampliação” do Estado


(COUTINHO, 1999, p.147).

Tendo em vista essas diferenças, Gramsci (2000, v.3, p.255-256) identifica


como guerra de posição, o conjunto de estratégias a serem seguidas em um processo
revolucionário eficaz nas sociedades ocidentais. Diferente da guerra de movimento
termo utilizado para designar o método clássico de assalto ao poder, adequado às
sociedades orientais:

O ataque frontal ao Estado para a tomada imediata do poder, com o


emprego da violência revolucionária, foi comparada por Gramsci à
“guerra de movimento”. É a concepção estratégica leninista que teve
êxito na Rússia em 1917 e que se tornou o modelo revolucionário
universal da Internacional Comunista Soviética. Esta estratégia teve
êxito em países de tipo oriental (Rússia em 1917) e fracassou em
outros de tipo Ocidental (Alemanha em 1923).
Para as sociedades do tipo ocidental, mais complexas e protegidas por
forte sistema de “trincheiras” e de “defesas políticas e ideológicas”, a
“guerra de movimento” não se mostrara adequada. Nestas sociedades,
a luta teria que ser semelhante à “guerra de posição”, longa e
obstinada, conduzida no seio da sociedade civil para conquistar cada
“trincheira” e cada defesa da classe dominante burguesa. [...]
Esta visualização estratégico-militar transposta para a política,
Gramsci foi buscar na experiência da Primeira Guerra Mundial de
recente e marcante lembrança, em que as operações, diante do
equilíbrio de forças, evoluíram para a desgastante guerra de
trincheiras que só seria decidida pela exaustão física e moral de um
dos contendores [grifo nosso] (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.34).

A grande invenção contida na concepção revolucionária da guerra de posições,


está na mudança da direção estratégica da tomada do poder. O eixo do plano de ação
consiste em preparar remotamente as mentalidades para a aceitação das mudanças
futuras, ou nas palavras de Olavo de Carvalho (1994, p.37):

Amestrar o povo para o socialismo antes de fazer a revolução. Fazer


com que todos pensassem, sentissem e agissem como membros de
um Estado comunista enquanto ainda vivendo num quadro externo
capitalista. Assim, quando viesse o comunismo, as resistências
possíveis já estariam neutralizadas de antemão e todo mundo
aceitaria o novo regime com a maior naturalidade.
35

Há nesse processo idealizado pelo italiano um significativo distanciamento de


qualquer método de implantação do socialismo que existisse até então:

A estratégia de Gramsci virava de cabeça para baixo a fórmula


leninista, na qual uma vanguarda organizadíssima e armada tomava o
poder pela força, autonomeando-se representante do proletariado e
somente depois tratando de persuadir os [...] proletários de que eles,
sem ter disto a menor suspeita, haviam sido os autores da
revolução.(CARVALHO, O., 1994, p.37).
Em vez de realizar o assalto direto ao Estado e tomar imediatamente o
poder como na concepção de Lenine, “guerra de movimento”, a sua
manobra é de envolvimento, designando a sociedade civil como
primeiro objetivo a conquistar, ou melhor, a dominar. Isto será feito
predominantemente pela guerra psicológica ou penetração cultural para
minar e neutralizar as “trincheiras” e defesas da sociedade e do Estado
“burgueses”.
Nesta longa luta de desgaste se incluem a neutralização do aparelho de
hegemonia da burguesia e do aparelho de coerção estatal e a superação
psicológica, intelectual e moral das classes subalternas e das classes
burguesas, fazendo-as aceitar (ou se conformar) a transição para o
socialismo como coisa natural, evolutiva e democrática [grifo nosso]
(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.38)

2.3 SOCIEDADE CIVIL: ARENA DA REVOLUÇÃO CULTURAL

Ao definir seu método revolucionário, Gramsci põe no centro da análise a idéia


de “transição como processo” (COUTINHO, 1999, p.135; GRAMSCI, 2000, v.3, p.354). O
palco de realização desse processo é o que autor italiano classificou de sociedade civil.

Avellar Coutinho (2002, p.20) explica que “o entendimento gramsciano de


sociedade civil não deve ser confundido com a concepção jurídica comum de
associação ou entidade que não tem por objeto atos de comércio, em oposição à
sociedade comercial”.

Poderia parecer à primeira vista, que sociedade civil seria a soma dos cidadãos
em um determinado país. Não se trata disso. Na concepção gramsciana, ela é
composta por todos “os organismos de participação política aos quais se adere
36

voluntariamente (e, por isso, são ‘privados’)” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.125).
Gramsci entende que todas essas instituições têm um nexo qualquer com a elaboração
e a difusão da cultura (BOBBIO, 1999, p. 68). Dito de outra forma:

São os organismos sociais coletivos voluntários, relativamente


autônomos ante a sociedade política (Estado) como, por exemplo
clubes, sindicatos, corporações, partidos, Igrejas, órgãos de
comunicação de massa, editora, expressões artísticas, movimentos
populares, sociais etc (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.22).

O grupo social que exerce a hegemonia no âmbito da sociedade civil (classe


dirigente) pode ser a burguesia dominante na fase histórica econômico-corporativa do
país (para Marx, sociedade burguesa), ou as classes subalternas que se tornaram
sujeitos ativos e organizados e que conquistaram a hegemonia sobre a inteira sociedade,
subtraindo-se da influência da burguesia (Ibid., p.20).

É no interior da sociedade civil – e através dela – que o grupo revolucionário


promoverá uma longa batalha pela conquista da hegemonia (Ibid., p.135). E sua
importância está no fato de que ela é a arena mesma da luta de classes:

A luta de classes se desenvolve na sociedade civil e com ela se busca


a eliminação da burguesia e do estado liberal-democrático (ou da
ditadura totalitária) porque este sistema representa a sociedade
fundada na divisão de classes.
Em última instância, o objetivo será o fim do estado e da própria
classe na sociedade comunista.
A luta de classes para Gramsci tem dois momentos importantes:
– A conquista da hegemonia das classes subalternas sobre a inteira
sociedade civil;
– A destruição ou absorção da burguesia eliminando-a como classe
[...] (Ibid., p.28).

As classes em confronto, a burguesia e proletariado, receberam novas bases de


composição. Fala-se em um proletariado ampliado, do qual, por exemplo, um
homossexual milionário, ativista de seus direitos, poderá ser representante, com muito
mais legitimidade inclusive, que um operário avesso a agitações.

Gramsci, por um lado, assumiu as lutas do que ele denominou de classes


37

subalternas, em cuja composição entram muitos outros elementos além do proletariado


a que Marx se dirigia. Ofensivas antipatriarcais do feminismo, a defesa de pseudo-
direitos das minorias sexuais, a promoção de estilos de vida alternativos, a liberalização
da droga, a defesa da legitimidade do banditismo como protesto social; enfim, as causas
de todos os chamados excluídos, aos quais Marx denominava de lumpen proletariat e
desaconselhava veementemente a aproximação com tais elementos (CARVALHO, O.,
1994, p.44.; AVELLAR COUTINHO, 2002, p.29; LOPES; URETA, 2002 p.39).

Por outro, incluiu sob a designação de burguesia uma mixórdia bem variada de
setores da sociedade designados por ele como classe média. Entram nessa classificação
“ ‘camadas intelectuais, os profissionais liberais empregados’ (pequena e média
burguesia). A classe média alta corresponde à burguesia capitalista e aos executivos
empresariais, não-empregados. A classe média é o ‘não-povo’ ” [grifo do autor]
(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.29).

2.4 DA HEGEMONIA

É interessante observar que os termos hegemonia e sociedade civil aparecem


sempre juntos. Este é mais um dos pontos em que cabe uma reflexão mais detida.
Resta então esclarecer: em que consiste essa hegemonia a ser conquistada? De antemão,
podemos dizer que se trata de um dos conceitos fundamentais explicitados por
Gramsci (BOBBIO, 1999, p.65).

A luta pela hegemonia é a visão atualizada que Gramsci tem de um


momento da luta de classes. Mas é importante reconhecer que não
se trata de um processo reformista, mas de um processo trans-
formador, revolucionário, conduzido numa longa e original transição
para o socialismo [grifo nosso] (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.28).

Segundo Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.154), “um grupo social pode e
mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (é essa uma
das condições principais para a própria conquista do poder)”.
38

Avellar Coutinho (2002, p.22) resume o entendimento gramsciano de


hegemonia como “condição ou capacidade de influência e de direção política e cultural
que, por intermédio de organismos sociais voluntários, um grupo social exerce sobre
[o restante da] sociedade civil [...]”. A vanguarda empenhada em fazer a revolução
deverá adquirir paulatinamente essa supremacia. Ou, em outras palavras, “conquistar
progressivamente para si a hegemonia” (COUTINHO,1999, p. 155).

Avellar Coutinho (2002, p.22) explica que essa conquista progressiva do


exercício da hegemonia ocorre em três planos distintos:

A hegemonia é exercida em três esferas diferentes, simultaneamente,


embora em graus diferentes em cada etapa da luta pela hegemonia.
Primeiramente, a de um grupo social sobre a inteira sociedade civil,
disputando-a com o grupo dominante.
Depois, a da sociedade civil, “já conquistada” sobre a sociedade
política, influindo sobre ela pela direção política e cultural.
Finalmente, a do partido sobre todo o processo revolucionário,
inclusive sobre outros partidos e organizações políticas e privadas de
hegemonia.

A hegemonia é portanto uma etapa necessária e preparatória para a obtenção


do poder. A sua conquista pelas classes subalternas (retirando-a das mãos da classe
dominante no seio da sociedade civil) e a formação do consenso (livre da coerção) são o
centro da concepção estratégica gramscista de transição para o socialismo, significando
construir as bases do socialismo, mesmo antes de tomar o poder.

Na construção da hegemonia não se desprezará as alianças e colaborações


com elementos centristas. Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.56-57) afirma:

Para vencer nosso inimigo de classe, que é poderoso, que tem


muitos meios e reservas à sua disposição, devemos aproveitar
qualquer rusga em seu seio e devemos utilizar todo aliado possível,
ainda que incerto, vacilante e provisório.
[...] Na guerra dos exércitos, não se pode atingir o fim estratégico,
que é a destruição do inimigo e a ocupação de seu território, sem ter
atingido antes uma série de objetivos táticos tendentes a desagregar
o inimigo antes de enfrentá-lo em campo aberto.
39

2.5 DA DISTINÇÃO ENTRE DIREÇÃO E DOMÍNIO

Há uma distinção que se não pode desconsiderar: a que Gramsci faz entre
dominar e dirigir. Os detentores da hegemonia exercem o poder de direção. Este último
difere substancialmente do poder de domínio ou controle. Avellar Coutinho (2002, p.23)
explica que classe dominante é aquela que detém o poder, exercendo o domínio e a
coerção por intermédio da sociedade política. Ao passo que, grupo dirigente ou
hegemônico é aquele que tem a hegemonia, ou seja que tem capacidade de influir e de
orientar a ação política, sem uso da coerção.

Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.130) em seus Cadernos esclarece que a


supremacia de um grupo social manifesta-se de dois modos:

Como “domínio” [coerção] e como “direção intelectual e moral”


[hegemonia]. Um grupo social é dominante dos grupos adversários
que tende a “liquidar” ou submeter também mediante a força
armada; e é dirigente dos grupos afins ou aliados.

Em circunstâncias históricas estáveis, o grupo dominante é também dirigente. O


aparelho de coerção estatal (sociedade política) é o instrumento legal do grupo
dominante que assegura a conformidade social e política daqueles que dissentem e
que, por ação ou omissão, podem gerar uma crise de comando ou de direção
(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.23).

Daí decorre a idéia de Estado para Gramsci: como articulação da sociedade


política (Estado em sentido estrito) com a sociedade civil (organizada) exercendo
concomitantemente as funções de dominação (poder pela força) e direção (poder
consentido). Este é o fundamento do Estado ampliado.

Olavo de Carvalho (1994, p.37) também reconhece a importância da distinção


gramsciana entre as duas espécies de poder. Acredita que não se trata apenas de uma
conceituação abstrata, mas de um dos fundamentos da estratégia de tomada do poder:

[O domínio é o poder] sobre o aparelho de Estado, sobre a


administração, o exército e a polícia. A hegemonia é o domínio
psicológico sobre a multidão. A revolução leninista tomava o poder
40

para estabelecer a hegemonia. O gramscismo conquista a hegemonia


para ser levado ao poder suavemente, imperceptivelmente.Não é
preciso dizer que o poder, fundado numa hegemonia prévia, é poder
absoluto e incontestável: domina ao mesmo tempo pela força bruta e
pelo consentimento popular – aquela forma profunda e irrevogável
de consentimento que se assenta na força do hábito, principalmente
dos automatismos mentais adquiridos que uma longa repetição torna
inconscientes e coloca fora do alcance da discussão e da crítica. O
governo revolucionário leninista reprime pela violência as idéias
adversas. O gramscismo espera chegar ao poder quando já não
houver mais idéias adversas no repertório mental do povo.

O Prof. Carlos Nelson Coutinho (1999, p.155) afirma, coincidindo em larga


medida com a afirmação de Carvalho, que essa conquista da hegemonia, a
transformação da classe dominada em classe dirigente antes da tomada do poder, é o
elemento central da estratégia gramsciana de transição ao socialismo; uma estratégia
que além de imposta pela maior complexidade das sociedades ocidentais, tem ainda a
vantagem de oferecer resultados mais estáveis e seguros, “pois – segundo Gramsci – ‘a
guerra de posição, uma vez vencida, é decidida definitivamente’ ” [grifo do autor].

No fundo da distinção entre essas duas “categorias” (dirigir e dominar), está a


idéia de uma nova mentalidade:

O socialismo é também a criação de uma nova cultura, sem o que não


poderá realizar plenamente suas potencialidades: e essa é uma idéia
que Gramsci jamais abandonará, como podemos ver em suas
reflexões carcerárias sobre a importância de uma “reforma intelectual
e moral”, da luta pela hegemonia (COUTINHO, 1999, p.20).

Há entretanto que se evitar equívocos com o uso gramsciano da palavra


reforma. Com efeito, Bobbio (1999, p.67) explica que o pensador sardo não atribui a
esse termo o sentido “fraco”, de uso corrente em nossos dias:

Gramsci entende a introdução de uma “reforma” no sentido forte


que esse termo possui quando se refere a uma transformação dos
costumes e da cultura, em antítese ao sentido fraco que ele adquiriu
na linguagem política.

Hegemonia compreende assim em toda a amplitude o momento decisivo do


processo gramsciano. A sua conquista pressupõe um longo percurso já percorrido,
41

durante o qual se logrou êxito em reformar o senso comum e alcançar o consenso. A


conseqüência direta e última é o domínio político baseado duplamente, na força e no
assentimento, que dirige ao mesmo tempo em que domina.

2.6 DA REFORMA DO SENSO COMUM

O senso comum é o conjunto de valores, história, tradições, hábitos e costumes,


conceitos e expectativas (culturais, religiosas, cívicas, sociais, filosóficas etc.) aceito
consciente ou inconscientemente e praticado pelos membros de uma sociedade em
geral. Constitui uma “cultura” ou “filosofia” generalizada que se enraíza na consciência
coletiva e que se expressa numa concepção de vida, de homem e do mundo (GRAMSCI,
2000, v.2, p.209). Gramsci, entretanto, constatava que o senso comum não coincidia
com a ideologia de classe. Considerava esse fato como um complicado obstáculo para
sua estratégia:

É precisamente aí que está o problema. Na maior parte das pessoas,


o senso comum se compõe de uma sopa de elementos heteróclitos
colhidos nas ideologias de várias classes. É por isto que, movido
pelo senso comum, um homem pode agir de maneiras que,
objetivamente, contrariam o seu interesse de classe, como por
exemplo quando um proletário vai à missa.
Nesta simples rotina dominical oculta-se uma mistura das mais
surpreendentes, onde um valor típico da cultura feudal-aristocrática,
reelaborado e posto a serviço da ideologia burguesa, aparece
transfundido em hábito proletário, graças ao qual um pobre coitado,
acreditando salvar a alma, comete, na realidade, [uma “traição”]
contra seus companheiros de classe e contra si mesmo (CARVALHO,
O., 1994, p.38).

A sua reforma consiste em apagar certos valores tradicionais e uma parte


significativa da herança cultural (intelectual e moral) da sociedade dita burguesa.
Concomitantemente, substituí-las por conceitos novos e pragmáticos, capazes de criar
no imaginário coletivo a idéia de inevitabilidade e modernidade da futura sociedade
sem classes (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.53; MACCIOCCHI, 1977, p. 198-199). É essa
42

a razão pela qual a estratégia gramsciana não fica limitada aos embates ideológicos e
doutrinários:

A luta pela hegemonia não se resume apenas ao confronto formal


das ideologias, mas penetra num terreno mais profundo, que é o
daquilo que Gramsci denomina — dando ao termo uma acepção
peculiar — “senso comum”. O senso comum é um aglomerado de
hábitos e expectativas, inconscientes ou semiconscientes na maior
parte, que governam o dia-a-dia das pessoas. Ele se expressa, por
exemplo, em frases feitas, em giros verbais típicos, em gestos
automáticos, em modos mais ou menos padronizados de reagir às
situações. O conjunto dos conteúdos do senso comum identifica-se,
para o seu portador humano, com a realidade mesma, embora não
constitua de fato senão um recorte bastante parcial e freqüentemente
imaginoso. O senso comum não “apreende” a realidade, mas opera
nela ao mesmo tempo uma filtragem e uma montagem, segundo
padrões que, herdados de culturas ancestrais, permanecem ocultos e
inconscientes (CARVALHO, O., 1994, p.38).

A superação do senso comum é um empreendimento de profunda e demorada


transformação cultural e psicológica da sociedade civil como um todo e das classes
subalternas em particular. No novo senso comum, “podem ser preservados alguns velhos
conceitos que possam ser ‘instrumentais’, bastando aprimorá-los para também
contribuírem para a formação da nova mentalidade” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.53).

Trata-se de elaborar uma filosofia que torne o senso comum renovado, coerente
com a filosofia popular e com os fins buscados no processo político-ideológico no
qual tudo deve estar inserido. Para isso, será necessário estabelecer um amplo sistema
de difusão do senso comum (GRAMSCI, 2000, v.2, p.205):

É preciso ainda estabelecer um amplo sistema orgânico e também


“espontâneo” no interior da sociedade civil, abrangendo variados
canais informais, desligados das organizações políticas (partidos e
estado), por meio do qual se fará a penetração dos novos sentimentos,
conceitos e expectativas. Dentre os canais de difusão do novo senso
comum, em primeiro lugar estão os meios de comunicação social
(imprensa, rádio e televisão), mas não excluindo, como igualmente
importantes, o setor editorial, a cátedra, o magistério, a expressão
artística e o meio intelectual tradicional (AVELLAR COUTINHO, id.).

Essa renovação deve conter ares de espontaneidade, decorrência natural da


“evolução das consciências”. Por isso mesmo, “são indispensáveis os multiplicadores,
43

‘ampliando’ e ‘orquestrando’ os novos conceitos sociais, ‘universalizando’ a sua


difusão e construindo a aparência de espontâneo desenvolvimento intelectual e moral
da sociedade moderna” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.54; GRAMSCI, 2000, v.2, p.21).

As alterações que se pretende não se circunscrevem ao campo das convicções


políticas, mas tem em vista especialmente as reações espontâneas, os sentimentos de
base, às cadeias de reflexos que determinam inconscientemente a conduta. Condutas
sedimentadas no inconsciente humano há séculos ou milênios devem ser
desarraigadas, para ceder lugar a uma nova constelação de reações (CARVALHO,
O.,1994, p.40). A Igreja, por seu considerável poder de influência sobre o pensar,
sentir e agir da sociedade, não poderia de forma alguma ser negligenciada. A sua
participação nessa reforma é imprescindível:

[Gramsci] considerava o cristianismo o principal inimigo do


socialismo. Sonhava com um mundo em que toda transcendência
fosse abolida em favor de uma “terrestrialização absoluta”, na qual a
simples idéia de Deus e de eternidade se tornasse inacessível.
Mas não queria destruir a igreja como instituição, e sim usá-la como
fachada. Para isso, propunha que os comunistas se infiltrassem nela,
substituindo a antiga fé por idéias marxistas enfeitadas de linguagem
teológica. Assim, a pregação comunista chegaria às massas sob outro
nome, envolta numa aura de santidade (Id., 2003).

Por essa razão, o pensador sardo, a exemplo de August Comte, propõe a


criação de um novo calendário dos santos, que pudesse desbancar, na imaginação
popular, o prestígio do hagiológio católico – já que a Igreja, na visão dele, era o maior
obstáculo ao avanço do comunismo. A idéia é varrer do imaginário popular figuras
tradicionais de heróis e de santos que expressem determinados ideais, pois esses
personagens estão imantados de uma força motivadora que dirige a conduta dos
homens num sentido hostil à proposta gramsciana.

O novo panteão seria inteiramente constituído de líderes comunistas


célebres, e baseado no critério segundo o qual ‘Rosa Luxemburgo e
Karl Liebknecht são maiores do que os maiores santos de Cristo’ –
palavras textuais de Gramsci (Id., 1994, p.36).

A reforma cultural não se dirige apenas às classes subalternas mas também à


classe dominante, à burguesia, com a finalidade de assimilá-la ou, pelo menos, de levá-la
44

a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte dessa natural e moderna


evolução da sociedade, explorando sua passividade, indiferença e permissividade
(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.52).

Quando uma pessoa supera criticamente o senso comum e aceita novos valores e
conceitos culturais e sociais, terá aceitado a filosofia nova e estará em condições de
compreender a nova concepção do mundo e contribuir para a sua concretização
(COUTINHO, 1999, p.172). Uma expressão bastante didática para designar essa
mudança do senso comum é “inversão de valores”. Olavo de Carvalho (1994, p.39)
explica a adequação do termo:

É quase impossível que, a esta altura, a expressão “inversão de


valores” não ocorra ao leitor. Essa inversão é, de fato, um dos
objetivos prioritários da revolução gramsciana, na fase da luta pela
hegemonia. Mas Gramsci é, neste ponto, bastante exigente: não
basta derrotar a ideologia expressa da burguesia; é preciso extirpar,
junto com ela, todos os valores e princípios herdados de civilizações
anteriores, que ela de algum modo incorporou e que se encontram
hoje no fundo do senso comum. Trata-se enfim de uma gigantesca
operação de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade
popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda a
herança moral e cultural da humanidade, para substituí-la por
princípios radicalmente novos, fundados no primado da revolução e
no que Gramsci denomina “historicismo absoluto”.
Como o que interessa não é tanto a convicção política expressa, mas
o fundo inconsciente do “senso comum”, Gramsci está menos
interessado em persuasão racional do que em influência psicológica,
em agir sobre a imaginação e o sentimento. Daí sua ênfase na
educação primária. Seja para formar os futuros “intelectuais
orgânicos”, seja simplesmente para predispor o povo aos
sentimentos desejados, é muito importante que a influência
comunista atinja sua clientela quando seus cérebros ainda estão
tenros e incapazes de resistência crítica.
Uma operação dessa envergadura transcende infinitamente o plano
da mera pregação revolucionária, e abrange mutações psicológicas de
imensa profundidade, que não poderiam ser realizadas de improviso
nem à plena luz do dia. O combate pela hegemonia requer uma
pluralidade de canais de atuação informais e aparentemente
desligados de toda política, através dos quais se possa ir injetando
imperceptivelmente na mentalidade popular toda uma gama de
novos sentimentos, de novas reações, de novas palavras, de novos
hábitos, que aos poucos vá mudando de direção o eixo da conduta.
45

Daí que Gramsci dê relativamente pouca importância à pregação


revolucionária aberta, mas enfatize muito o valor da penetração
camuflada e sutil. Para a revolução gramsciana vale menos um
orador, um agitador notório, do que um jornalista discreto que, sem
tomar posição explícita, vá delicadamente mudando o teor do
noticiário, ou do que um cineasta cujos filmes, sem qualquer
mensagem política ostensiva, afeiçoem o público a um novo
imaginário, gerador de um novo senso comum. Jornalistas, cineastas,
músicos, psicólogos, pedagogos infantis e conselheiros familiares
representam uma tropa de elite do exército gramsciano. Sua atuação
informal penetra fundo nas consciências, sem nenhum intuito
político declarado, e deixa nelas as marcas de novos sentimentos, de
novas reações, de novas atitudes morais que, no momento propício,
se integrarão harmoniosamente na hegemonia comunista.
Milhões de pequenas alterações vão assim sendo introduzidas no
senso comum, até que o efeito cumulativo se condense numa
repentina mutação global (uma aplicação da teoria marxista do “salto
qualitativo” que sobrevem ao fim de uma acumulação de mudanças
quantitativas).
Ao esforço sistemático de produzir esse efeito cumulativo Gramsci
denomina, significativamente, “agressão molecular”: a ideologia
burguesa não deve ser combatida no campo aberto dos confrontos
ideológicos, mas no terreno discreto do senso comum; não pelo
avanço maciço, mas pela penetração sutil, milímetro a milímetro,
cérebro por cérebro, idéia por idéia, hábito por hábito, reflexo por
reflexo.

2.7 DOS INTELECTUAIS ORGÂNICOS

Aos intelectuais incumbirá a tarefa de reformar o senso comum. Por esse motivo,
lhes cabe uma posição de destaque para a consecução da estratégia definida por
Gramsci: são o elemento dinâmico do sistema de difusão, como educadores,
transformadores da cultura e elaboradores de uma consciência coletiva homogênea
(GRAMSCI, 2000, v.2, p.52-53).

Existem – segundo o pensador sardo – dois tipos de intelectuais: os orgânicos e


inorgânicos. Estes últimos seriam elementos deslocados, baseados em critérios e valores
oriundos de outras épocas; sem uma ideologia de classe; ignorados pela massa e cujas
46

idéias não exercem qualquer influência no processo histórico (AVELLAR COUTINHO,


2002, p.49; CARVALHO, O., 1994, p.37-38; COUTINHO, 1999, p.175).

Os orgânicos seriam aqueles conscientes de sua posição de classe. Podem ou não


estar vinculados formalmente a movimentos políticos. Não gastam uma palavra sequer
que não seja para elaborar, esclarecer e defender sua ideologia de classe (CARVALHO, O.,
1994, p.38). “A missão do intelectual orgânico é compreender e realizar a reforma
intelectual e moral que leva toda a massa a ascender ao status de intelectual, rompendo
com a antiga subordinação do povo à cultura tradicional” (MALISKA, 1995, p.86).

O conceito gramsciano de intelectual é bastante amplo. Para ele todos os


homens são intelectuais, mas nem todos desempenham a função de intelectuais. Isso
se dá por uma razão: em Gramsci há uma identificação funcional do termo. Qualquer
diferença entre um filósofo e um homem do povo seria meramente quantitativa e
acidental, e não qualitativa e essencial (ADAMS, 1995, p.52; ARRUDA JÚNIOR, 1995b,
p.33; GRAMSCI, 1989, p.34; Id., 2000, v.2, p.18).

O conceito gramsciano de intelectual funda-se exclusivamente na


sociologia das profissões e, por isto, é bem elástico: há lugar nele
para os contadores, os meirinhos, os funcionários dos Correios, os
locutores esportivos e o pessoal do show business. Toda essa gente
ajuda a elaborar e difundir a ideologia de classe, e, como elaborar e
difundir a ideologia de classe é a única tarefa intelectual que existe,
uma vedette [...] num espetáculo de protesto pode ser bem mais
intelectual do que um filósofo, caso se trate de um inorgânico [grifo
do autor] (CARVALHO, O., 1994, p.38).

Nesse sentido amplo, os intelectuais são o verdadeiro exército da revolução


gramsciana. Encarregado de realizar a primeira e mais decisiva etapa da estratégia:
reformar o senso comum, para conquistar a hegemonia – um processo longo, complexo e
sutil de mutações psicológicas graduais e crescentes, no qual a tomada do poder é
apenas conseqüência e corolário (BOBBIO, 1999, p.68; CARVALHO, O., 1994., 39).

O resultado prático desse entendimento de Gramsci a respeito da atividade


intelectual é sua redução a mera propaganda ideológica. Nas origens dessa concepção
está a idéia de que a verdade não corresponde a um estado objetivo, mas àquilo que
contribui para realização de um fim desejado:
47

Uma lavagem cerebral de tão vasta escala não poderia, certamente,


limitar-se a extirpar da cabeça humana crenças religiosas, imagens,
mitos e sentimentos tradicionais: ela deveria também estender-se às
grandes concepções filosóficas e científicas. [...] Para Gramsci, as
tradições filosóficas devem ser todas varridas de uma vez, e junto
com elas a distinção entre “verdade” e “falsidade”.
Através de seu mestre Antonio Labriola, ele recebeu uma poderosa
influência do pragmatismo, escola para a qual o conceito tradicional
da verdade como uma correspondência entre o conteúdo do
pensamento e um estado de coisas deve ser abandonado em proveito
de uma noção utilitária e meramente operacional. Nesta, “verdade”
não é o que corresponde a um estado objetivo, mas o que pode ter
aplicação útil e eficaz numa situação dada. Enxertando o
pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que se
jogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovisão, toda
atividade intelectual não deveria buscar mais o conhecimento
objetivo, mas sim a mera “adequação” das idéias a um determinado
estado da luta social. A isto Gramsci denominava “historicismo
absoluto”. Nesta nova cosmovisão, não haveria lugar para a
distinção — burguesa, segundo Gramsci — entre verdade e mentira.
Uma teoria, por exemplo, não se aceitaria por ser verdadeira, nem se
rejeitaria por falsa, mas dela só se exigiria uma única e decisiva coisa:
que fosse “expressiva” do seu momento histórico, e principalmente
das aspirações da massa revolucionária. Dito de modo mais claro:
Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à
mera propaganda política, mais ou menos disfarçada. A “filosofia”
de Gramsci resolve-se assim num ceticismo teorético que completa a
negação da inteligência pela sua submissão integral a um apelo de
ação prática; ação que, realizada, resultará em varrer a inteligência da
face da Terra, por supressão das condições que possibilitam o seu
exercício: a autonomia da inteligência individual e a fé na busca da
verdade. Substituída a primeira pela arregimentação de “intelectuais
orgânicos”, e a segunda pela concentração de todas as energias
intelectuais no nobre mister da propaganda revolucionária, quê
sobrará da aptidão humana para discernir entre verdade e mentira?
(CARVALHO, O., 1994, p.40).

2.8 LIBERDADE E DEMOCRACIA EM GRAMSCI

É fato não muito raro, falar-se em um “Gramsci democrático”. Tal equívoco


muito provavelmente é resultado de leituras superficiais e de entendimento enganoso
48

de certas expressões utilizadas pelo autor sardo: transição pacífica para o socialismo,
pluralismo socialista, via democrático-consensual, socialismo democrático, democracia radical
etc. Avellar Coutinho (2002, p.29) explica que um dos pontos mais obscuros e de mais
difícil tradução do pensamento político de Gramsci é o que se refere aos conceitos de
liberdade e de democracia:

O assunto é delicado, pois os conceitos gramscianos não


correspondem àqueles do senso comum na sociedade civil ocidental.
Não correspondem ao entendimento generalizado de liberdade
como “prerrogativa individual de ser, agir e pensar segundo o
próprio arbítrio” [...] [grifo nosso].

2.8.1 Do conceito de liberdade

“Na leitura de Gramsci, o conceito de liberdade vai sendo formado aos


poucos, quase sempre adjetivado ou cercado de muitos condicionamentos particulares.
Assim: a liberdade individual é um aspecto da liberdade coletiva” (AVELLAR
COUTINHO, 2002., p.29) aquela do grupo social que se libertou da opressão do “grupo
dominante burguês”. Esse conceito de liberdade está intimamente ligado ao consenso
obtido pela reforma do senso comum:

A liberdade como expressão do arbítrio pessoal, especificamente a


liberdade política e civil, é posta em termos restritos. Mas é exercida
sim nas “opções livres” no âmbito da organização coletiva, em
sucessivos momentos. As expressões desta liberdade são o consenso
e a vontade coletiva.
A liberdade também é aceitação voluntária, por convicção (opção
livre) de certos princípios que se propõem com vista a certos fins
desejados. No grupo social, os arbítrios são múltiplos mas a parte
homogênea (coletiva) prevalece. Em cada momento do processo
ativo, é feita pelo indivíduo uma escolha nova e livre, de acordo com
a direção dada ao conjunto de pessoas, tornando homogêneas as
opções de todos, num clima ético-político [grifo nosso] (Ibid., p.30).

Essa idéia particular de liberdade está em oposição à acepção corrente entre


nós. E só pode ser entendido, se colocada em termos de adesão aos fins almejados e
49

ao processo para alcançá-los. Pois em Gramsci, os conceitos de ética e de moral têm


conotação com os “fins a alcançar” ou com a aceitação “espontânea e livre” do
protagonista. Assim os empreendimentos, atos, ações e criações intelectuais são éticos
pelos fins que a sociedade julga necessário alcançar ou pela adesão voluntária dos seus
realizadores. Sem esta “relação ética”, a liberdade não será um “valor”, mas uma “falácia”
(AVELLAR COUTINHO, 2002., p.30). Tal instrumentalização proposta pelo ideólogo sardo
ao uso da liberdade, parece soar como aplicação da fórmula “os fins justificam os meios”.

2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do intermezzo


democratico

O conceito de democracia em Gramsci passa pelo seu entendimento do que


seja a sociedade civil. Esta última (cf. item 2.3, supra) não compreende a nação como um
todo, mas os organismos sociais coletivos voluntários, independentes da sociedade
política: clubes, sindicatos, corporações, partidos, Igrejas, órgãos de comunicação de
massa, editoras, expressões artísticas, movimentos populares, sociais... Por outro lado, a
classe média é na acepção gramsciana, não-povo. Avellar Coutinho (2002, p.30-31)
esclarece:

Etimologicamente, democracia é “governo do povo”. Ora, no


pensamento gramsciano, a burguesia é “não-povo”. Portanto, numa
dedução simplista, a democracia é o governo do proletariado, dos
camponeses e dos marginais da sociedade, excluindo os burgueses.
“Democracia Radical” ou “Radicalismo Democrático” como é
comumente mencionado na atual promoção política. O pensamento
de Gramsci não é tão elementar assim, embora a afirmação acima
não esteja afastada da verdade.
Entendimento comum de democracia é o de sistema político que se
funda nos princípios de soberania popular e na distribuição
eqüitativa do poder. Bem diferente da acepção gramsciana, cujo
“conceito de democracia pode ser assim sintetizado e antecipado:
sistema político que se funda nos princípios de hegemonia das
classes subalternas e de integração da sociedade civil e política”.
O sistema político, assim definido e projetado para a fase que se
50

segue à tomada do poder na transição para o socialismo, não é


necessariamente representativo nem propriamente participativo.
A manifestação política das massas é feita no âmbito e por meio dos
organismos privados, voluntários e homogêneos. (algo como foram
os sovietes, mas de natureza diversificada), não como referendo, mas
como expressão do consenso e da vontade coletiva. Além do mais, o
partido orgânico da classe exerce também sua hegemonia na
sociedade civil e na sociedade política (Estado), cumprindo sua
função dirigente e educadora.
Esta concepção de “socialismo democrático” (não confundir com
social-democracia) entende que não está em contradição com a
concepção de estado altamente centralizado para conduzir as
transformações necessárias para a edificação do socialismo após a
tomada do poder [grifo do autor].

A democracia em sua acepção moderna, Gramsci também a admite,


entretanto, não a considera como um bem em si mesmo, mas como meio necessário à
passagem para o socialismo. A esse período democrático em que se realizará a luta pela
hegemonia, o pensador deu o nome de “intermezzo democratico” (COUTINHO, 1999,
p.59).

Até a tomada do poder, a vanguarda revolucionária se submeterá às regras


institucionais vigentes, realizará alianças, em suma, apresentar-se-á como mais um dos
elementos integrantes do jogo democrático, sem maiores pretensões:

Antes da tomada do poder, há fases do processo político de


transição que se desenvolvem ainda no seio da sociedade burguesa.
As iniciativas conduzidas nestes momentos exploram ou se valem
das franquias do regime democrático vigente na sociedade burguesa
e, por isto, assumem feições democráticas. Esta realidade em certas
ações ou aparência em outras são freqüentemente formas
dissimuladas que induzem convenientemente à impressão geral de
que o processo político tem caráter “consensual-democrático”.
Principalmente, garante o respaldo de legalidade evitando e
afastando eventuais resistências e reações da sociedade e do aparelho
coercivo do estado.
Ainda nas fases que antecedem à tomada do poder, as relações
políticas do partido das classes subalternas com os outros partidos,
particularmente com os de linha socialista, sugerem a aceitação do
pluralismo partidário e, em especial, o “pluralismo das esquerdas”,
como modernamente tem sido sugerido pela intelectualidade
política. Realmente, Gramsci admite as alianças dos partidos e das
51

organizações de massa, principalmente na luta pela hegemonia e para


o enfraquecimento e neutralização das “trincheiras” da sociedade e
do Estado burgueses. Admite até as alianças com partidos
adversários em certas circunstâncias que contribuam para o êxito do
movimento (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.31-32).

Parece-nos, portanto, que qualquer pretensão de um Gramsci plural e


democrático não se sustenta. O quadro conceitual de um chamado socialismo-
democrático poderia “fazer crer em um processo ‘consensual-democrático’, algo com
feições liberais e implicações positivas nos planos individual e institucional, o que é um
equívoco” (Ibid., p.32). Colleti (apud ARRUDA JÚNIOR, 1995a, p.17-18), nesse sentido,
é incisivo:

O pluralismo, o pluripartidarismo, a alternância de maioria e


minoria, o governo parlamentar e tudo mais não estão presentes em
Gramsci. O tema da “hegemonia” em Gramsci não significa nada
disso. E significa ainda menos a superação do abandono da ditadura
do proletariado de Lênin.

2.9 GRAMSCI E MAQUIAVEL

Da leitura dessas rápidas linhas a propósito do pensamento estratégico de


Gramsci, é bem possível de que seja suscitada uma indagação: não há algo de
maquiavélico na doutrina proposta por Gramsci? Carvalho (1994. p.37) acredita que
sim, e chega a ressaltar algumas analogias existentes entre os dois estrategistas
políticos. Para ele a distinção reside apenas em uma “coletivização do príncipe”:

[Que sua estratégia era maquiavélica], o próprio Gramsci o


reconhecia, mas fazendo disto um título de glória, já que Maquiavel
era um dos seus gurus. Apenas, ele adaptou Maquiavel às demandas
da ideologia socialista, coletivizando o “Príncipe”. Em lugar do
condottiere individual que para chegar ao poder utiliza os expedientes
mais repugnantes com a consciência tranqüila de quem está salvando
a pátria, Gramsci coloca uma entidade coletiva: a vanguarda
revolucionária. O Partido, em suma, é o novo Príncipe. [...]
O Novo Príncipe tem uma consciência ainda mais tranqüila que a do
antigo. O condottiere da Renascença não tinha apoio senão de si
52

mesmo, e nas noites frias do palácio tinha de suportar sozinho os


conflitos entre consciência moral e ambição política, encontrando
no patriotismo uma solução de compromisso. No Novo Príncipe, a
produção de analgésicos da consciência é trabalho de equipe, e nas
fileiras de militantes há sempre uma imensa reserva de talentos
teóricos que podem ser convocados para produzir justificações do
que quer que seja.

2.10 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Não pretendemos nessas escassas linhas fazer um apanhado minucioso da


estratégia proposta por Antonio Gramsci. Quiséramos tão somente ressaltar suas
etapas mais gerais assim como seu modo de operar, afim de que se entenda mais
facilmente – como tentaremos demonstrar no último capítulo – que está em plena
operação uma tentativa – pequena, diga-se de passagem – de se utilizar o direito como
mais um tentáculo a serviço do gramcismo.

Vale a pena ainda ressaltar que o fenômeno que se observa no direito não
constitui a totalidade de um projeto gramsciano de tomada do poder. Conclui-lo seria
mais que um equívoco, um erro. É, antes disso, a tentativa de inserir mais um campo
da atividade humana nesse vastíssimo plano engendrado pelo pensador sardo: nada
deve ser descartado (CARVALHO, O., 1994, p.17). E se bem que seja verdade que
Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito, por outro, dava-lhe muita
importância. Por essa razão, seus seguidores não têm sido negligentes na tentativa de
inserir o direito em sua estratégia.
Capítulo 3
DA DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO
INTEGRAL DO DIREITO

Na Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos;


porém o código moral para toda a Europa era uniforme.
Ora a partir do século XIV, operou-se uma inversão de
todas as condições (Lewis Mumford).

SUMÁRIO: 3.1 A concepção do direito na Idade Média. 3.2 A


hipertrofia da vontade em Scot e Ockam. 3.3 Um novo personagem: o
legista. 3.4 A degenerescência representada por Maquiavel. 3.5 O
despotismo jurídico de Hobbes. 3.6 Influências da Revolução
Protestante. 3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo. 3.8 A
Escola moderna do Direito Natural. 3.9 O contratualismo de Rousseau.
3.10 O individualismo jurídico de Kant. 3.11 A desjurisdização do
direito.

O processo revolucionário, em sua marcha, produziu uma série de doutrinas


e filosofias que, ante as quais, o Direito não permanecera incólume. Afinal, a
Revolução é “um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa
duração [que] não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade
do homem, como por exemplo, a cultura, a arte, as leis, os costumes e as
instituições” (CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002, p.15).

Gilberto Callado de Oliveira (2002, p.41-42) constata esse fato, distinguindo


como principal conseqüência desses influxos no Direito, a perda da noção do justo:
54

Claro está que a Revolução também atinge o mundo do direito, onde


se apresenta como revolução jurídica, pois vem fomentando através
dos erros doutrinários disseminados pelos séculos precedentes a
perda do sentido do justo e do injusto. E principalmente no terreno
das idéias, em que ela atua como agente destrutor das instituições
jurídicas tradicionais [grifo do autor].

3.1 A CONCEPÇÃO DO DIREITO NA IDADE MÉDIA

Alceu Amoroso Lima – mais conhecido pelo pseudônimo de Tristão de


Athayde – em sua Introdução ao Direito Moderno faz um apanhado da história da
Filosofia do Direito. Explica que ao analisar a desagregação da concepção integral do
direito, “convém partir do momento histórico em que o direito se nos apresenta em
toda a sua plenitude” (LIMA, 2001, p.79). Segundo o autor, “esse momento, com as
devidas reservas históricas e intelectuais, é em síntese: a Idade Média do século IX ao
século XIII” (Ibid.). E justifica a afirmação:

Durante esses quatro séculos, integrou-se numa concepção geral e


harmoniosa da vida todo o corpo jurídico elaborado pelos Romanos
e pelos Padres da Igreja, marcando o direito, por assim dizer, os
limites mais remotos de seu âmbito de alcance, tanto na sociedade
como na doutrina (Ibid., p.80).

Lagarde (1926, p.14) corrobora a explicação de Lima ao afirmar que “de


todas as épocas é a Idade Média aquela que mais amplitude deu à teoria do Direito”.
Com efeito, – é Maurice de Wulf (1924, v.1, p.5-7) quem o afirma – “o descrédito da
Idade Média data dos humanistas do século XV [...]. Hoje, o descrédito que por tanto
tempo pesou sobre a Idade Média está dissipado”. Lima prossegue em seus
comentários desse “direito integral”:

O princípio que, na sociedade medieval, forma a sua unidade política


é justamente: a supremacia da Lei. A vida social estava minuciosa-
mente sujeita a toda sorte de regras e preceitos, que a presidiam em
seus mínimos detalhes. Vida política, vida social, vida literária, vida
econômica – tudo era objeto da mais estrita subordinação a
55

preceitos legais, a tradições, a costumes. O direito, a organização


jurídica da sociedade, penetrava-lhe todos os recantos. O direito era
a coordenação da sociedade [...]. A ordem medieval era o direito
inserindo-se em todas as modalidades da vida. Era a limitação, a
regra, por toda a parte, em vez da licença e do arbítrio. [...]
Por toda parte, o princípio da supremacia jurídica é o que dá
unidade ao corpo social. E se a economia medieval era tudo menos
arbitrária e competitiva, o mesmo se dava com a vida política. Nada
mais estranho a esses séculos de plenitude medieval do que a
autoridade arbitrária. Se abusos houve – pois não pretendemos de
forma alguma apresentar da Idade Média um quadro ideal e
romântico – a discordância entre a realidade e a legalidade ocorria
então como hoje ocorre [...]. A Lei era superior ao Estado. Este
devia obediência à lei, porque o direito era nascido e não feito [...].
Se a supremacia do direito era o princípio de unidade da vida social,
hierarquia do direito era o princípio de unidade da doutrina jurídica
de então. E a soma de um e de outra é que dá, a esse momento
supremo do direito na história, o caráter de integralidade que lhe
comunica uma força vital, um equilíbrio e uma solidez de base, que
devem servir de modelo a todas as sociedades desejosas de evitar os
males do unilateralismo jurídico [grifo do autor] (LIMA, 2001, p.89).

Longe de ser verdade que o medieval concebia a autoridade como qualquer


coisa de arbitrário e caprichoso, concebiam-na como coisa muito agudamente
definida e muito severamente limitada (CARLYLE, 1928, v.3, p.31). O rei ou legislador
era concebido não como senhor, mas como servo da lei; a noção de um rei absoluto
não era medieval, e só se desenvolveu durante o período de declínio da civilização
política da Idade Média (Ibid.). Lima (2001, p.125) relata como os fatos se
desencadearam nesse sentido:

Se a Idade Média, sempre dentro da sua relatividade histórica,


representou, doutrinariamente ao menos, a integralização do Direito
– assistimos com a Reforma e o Renascimento à desagregação desse
grandioso edifício de idéias. Aparecem então os primeiros elementos
daquilo que, em nosso tempo, viria a constituir o racionalismo e
depois o materialismo jurídico. Como sempre, porém, os germes de
movimentos como esses se encontram nos períodos anteriores. E
como a Idade Média não é qualquer coisa de maciço e de único, mas
uma era de intensa vibração intelectual, em que conviveram as mais
variadas tendências, é no seio dela que vamos encontrar os primeiros
sinais das fendas que mais tarde iriam destruir o harmonioso edifício
do direito integral.
56

3.2 A HIPERTROFIA DA VONTADE EM SCOT E OCKAM

Duns Scot foi o primeiro a sustentar, contra Santo Tomás, uma doutrina que
ia ser fonte de todo o relativismo jurídico. É o que podemos chamar o voluntarismo
legal (LIMA, 2001, p.126). Mais tarde surgiria o nominalismo ou “terminismo”, de
Marcílio de Pádua e Guilherme de Ockham, que apesar de ter nascido em parte
como reação contra a filosofia de Scot “não fez mais nesse ponto do que acentuar o
voluntarismo scotista” [grifo do autor] (Ibid., p.127).

Oliveira (2002, p.44) explica que os nominalistas é que introduziram o poder


absoluto da vontade contra a realidade objetiva e substancial do direito. Uma
perspectiva na qual se suprimem as relações de dependência da vontade à razão. O
justo não encontra qualquer necessidade racional, e “depende inteiramente da
vontade ou do arbítrio do jurista (e, antes dele, do próprio legislador)”.

O nominalismo “transforma a vida moral e portanto jurídica em domínio do


acaso” (LIMA, 2001, p.128). Isto porque equipara a necessidade e a contingência,
“converte o bem e o mal em palavras, tornando-os dependentes apenas da vontade,
divina ou humana, e não mais da razão” (Ibid.). Uma vez assumida como legítima
essa hipertrofia da vontade, seria ingenuidade imaginar inócuas as suas
conseqüências. Oliveira (2002, p.45) esclarece:

A justiça – enquanto ato de virtude de dar a cada um o seu –


transforma-se naquilo que agrada o jurista; o justo e o injusto não
existem em si, residindo a diferença entre um e outro sobre um
decreto do legislador, que poderia determinar o oposto. Estava
assinalado o ponto de ruptura com a tradição escolástica anterior e
instaurado o gérmen do positivismo e do materialismo posteriores.

Lewis Mumford, professor de Humanidades na Universidade de Stanford,


Estados Unidos, assinala o termo em que essas idéias começam a ter aplicação: “na
Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos; porém o código moral para toda a
Europa era uniforme. Ora, a partir do século XIV, operou-se uma inversão de todas
as condições” (MUMFORD, 1956, p.192).
57

3.3 UM NOVO PERSONAGEM: O LEGISTA

Coincidentemente, trata-se do mesmo momento histórico em que aparece a


figura do legista:

Ao lado do rei justo e bom que julga segundo a Lei, mas não julga a
Lei, os juristas que invadiram os órgãos governamentais na segunda
metade do século XIII impõem a todo o ocidente, da Itália à
Escandinávia, o ideal abstrato e frio do príncipe legislador, do “rex
lex animata” (GUENÉE, 1971, p.140).

A historiadora francesa Régine Pernoud, renomada medievalista francesa, há


pouco falecida, indigita o perfil desse personagem novo: “todos esses legistas
defendem com ardor, até com paixão, o interesse do Estado. São os seus zelosos
servidores, e todos os meios lhes parecem bons quando está em causa defender o
Estado” (PERNOUD, 1926, p.33). Continua sua explanação, tratando dos métodos,
nem sempre ortodoxos, utilizados por esses especialistas:

Surpreende mesmo a ausência de escrúpulos com que, em caso de


necessidade, praticam fraudes. A questão de Bonifácio VIII, a dos
templários, dão ocasião a uma verdadeira avalanche de falsificações
[...]. Mentiras, injúrias, ameaças, falsos testemunhos, a tudo se
recorre, quando a razão de Estado – por eles inventada muito antes
de Maquiavel aparecer – parecia estar em jogo. Este estado, tal como
eles o concebem nada tem a ver com o Estado feudal, com sua
hierarquia e com a repartição do poder que o caracteriza [...] (Ibid.,
p.36-37).

3.4 A DEGENERESCÊNCIA REPRESENTADA POR MAQUIAVEL

“O Renascimento representou, com o Humanismo, o início da secularização e


da nacionalização do direito. E uma figura primordial poderíamos apontar como típica
desse movimento nos seus primórdios: Maquiavel” (LIMA, 2001, p.133). Pastor (1905,
v.3, p.50) descreve a amplitude da degenerescência naquele momento histórico:
58

Na segunda metade do século XV, aparece cabalmente, ao


observador atento, uma terrível corrupção nas relações políticas da
Itália. De mão em mão, a arte de governar tinha degenerado num
sistema de perjúrios e traições, segundo o qual não se dava
importância ao cumprimento dos contratos; por toda parte temia-se
a astúcia e a violência; a suspeita e a desconfiança envenenavam o
trato entre os príncipes e os Estados.
Com assombroso cinismo, Maquiavel recomendou esta ciência de
governo, esta política de força, a qual, sem a menor consideração e
como se não existisse nenhuma sanção coercitiva, calcava
brutalmente as leis da justiça e da moral, e admitia como lícita toda
espécie de meios desde que servissem à consecução do fim desejado.

Para Lima (2001, p.134), Maquiavel não opõe, mas separa, a política do direito
e o direito da ética. E em vez de ser a ética “a regra e a medida das ciências e
atividades sociais, passa a política, no seu campo, a ser independente e reguladora de
todas as demais”. Mais adiante, o mesmo autor afirma a importância de se aproximar
Maquiavel de outro escritor de significativa influência “que embora tendo vivido
mais de um século mais tarde e revelando uma influência profunda da Reforma, em
seu ramo puritano, também se distingue pelo impulso que deu à secularização do
direito: Thomas Hobbes” (Ibid., p.139).

3.5 O DESPOTISMO JURÍDICO DE HOBBES

“Só um nome convém para designar o sistema de Hobbes: o de despotismo


jurídico. Foi o que lhe deu a História” (Ibid.). Hobbes altera radicalmente o estatuto
ontológico da pessoa humana deixando-a à mercê de suas paixões mais desregradas,
num estado natural de guerra, de todos contra todos, em que não existe a noção de
justiça ou de injustiça, mas apenas a noção de força. Direito e poder se confundem
(OLIVEIRA, 2002, p.47; LIMA, 2001, p.140).

Sobre a concepção de direito natural em Hobbes, Lima (2001, p.142) define-


a como individualismo jurídico. Isto porque o direito passa a ser considerado como
59

um poder, ou pior que isso, um poder arbitrário do indivíduo. A lei já não é fonte do
direito, mas o seu oposto:

Ao passo que o direito é uma ação, a lei é uma coação. Ao passo que
o direito faculta a liberdade, a lei a impede. Hobbes como se vê, le-
vanta o seu edifício jurídico sobre uma oposição artificial entre direi-
to e lei que ia ser o germe de toda a dissociação jurídica moderna e
representava uma desagregação radical da concepção geral de direito,
baseado na lex aeterna, que o mundo moderno ia esquecer (LIMA,
2001, p.142).

3.6 INFLUÊNCIAS DA REVOLUÇÃO PROTESTANTE

A eclosão da Revolução Protestante (denominada também de Reforma) traz


em seu bojo uma série de elementos que também influenciariam o direito. Nessa
concepção, há “uma perfeita heteronomia entre o direito humano e o direito divino e
nossas obras como nossos sistemas são perfeitamente inúteis para alcançar a Deus”
(Ibid., p.149).

Só a fé justifica, a fé sem obras, a fé sem sistema filosófico ou


jurídico. O cristão verdadeiro desdenha a lei e refugia-se
passivamente na justiça de Deus. A lei humana é obra do pecado, é
obra da vontade serva, da natureza humana viciada
irremediavelmente pelo mal, pois o homem é “nada”, com diz
Calvino (Ibid., p.149).

A Reforma arranca ao direito toda a sua base racional. Suprime a liberdade


da razão humana na obra jurídica e vê na lei natural somente uma réplica do
decálogo. Oliveira (2002, p.47) aponta também a influência de Ockam:

Lutero é seguidor de Ockam, sua tese de natura corrupta, em que o


pecado destruiu completamente a integridade natural do homem,
trouxe evidentes reflexos na filosofia jurídica, dentro da qual se
concebe o direito pela vias racionalista e individualista. ‘com o
protestantismo – escreve José Mendive – se foi desfigurando a
verdadeira idéia de Direito; o direito começou a separar-se da moral e
tanto esta como aquele foram arrancados de seu próprio fundamento
60

que é Deus, fonte primeira de toda moralidade e de todo direito, para


ser colocados sobre a frágil e movediça vontade do homem,
reaparecendo assim a ominosa estatolatria e o estado onipotente,
fonte e origem de todos os direitos, entre os antigos romanos. Quatro
escolas engendradas pela idéia racionalista do protestantismo
pretendem explicar a origem do direito, a saber: a utilitária, de
Hobbes, de Bentham e dos materialistas em geral; a individualista, de
Rousseau, de Kant e dos liberais, a panteísta, de Schelling, Hegel e
Krause e a histórica, de Savigny e Stahl, e todas elas por distintos
caminhos vieram a dar na mesma conclusão de que o Estado é a única
fonte de Direito’ [grifo do autor] (OLIVEIRA, 2002, p.47).

3.7 GROTIUS: O DIREITO COMO FONTE DE SI MESMO

Grotius libertou-se do pensamento escolástico e marcou, definitivamente, o


fim da Idade Média, e o início do mundo moderno, para a ciência do direito. Elaborou
esta em bases novas, inteiramente livres e autônomas. Muito embora Hobbes tenha
sido o precursor de uma nova concepção do direito natural e da sua autonomia
naturalista, a obra De jure belli ac pacis de Grotius é apontada como o primeiro tratado
de direito natural digno do pensamento moderno (LIMA, 2001, p.157-158).

Para ele, o direito “tem sua fonte em si mesmo [sic!] e é imutável como a
natureza e a razão” (apud LIMA, 2001, p.157). Oliveira (2002, p.48) explica que já
“não é mais o justo como entendia a escolástica – o direito das pessoas no
significado de res justa, rigorosamente ininteligível sem o Criador – mas um direito
imanente dos indivíduos e entregue nas mãos do Estado” [grifo do autor].

3.8 A ESCOLA MODERNA DO DIREITO NATURAL

Grotius exerceria grande influência no conjunto de pensadores formado por


Puffendorf, Thomasio, Wolff e Vattel, os quais formariam depois a Escola Moderna
61

do direito natural. “Em vez de dar ao direito natural uma preeminência absoluta,
parecerá subordiná-lo aos interesses políticos e às condições locais, acentuando que
o direito natural dos Estados é outro que não o dos indivíduos” (LIMA, 2001, p.184-
185).

Prepararam assim francamente o individualismo jurídico de Rousseau (1712-


1778), e o racionalismo de Kant (1724-1804). Rousseau e Kant representam os
primeiros e grandes precursores imediatos das concepções niilistas, materialistas e
negativistas presentes nas mais diversas escolas jurídicas contemporâneas.

3.9 O CONTRATUALISMO DE ROUSSEAU

O amoralismo de Spinoza e de Hobbes começa a dar frutos e manifesta-se


em Rousseau pelo predomínio da vontade soberana e arbitrária na confecção do
direito. “Spinoza não fez senão acentuar a amoralidade da idéia jurídica de Hobbes e
a eficácia obrigatória da vontade soberana, que prega o filósofo britânico. O que
Rousseau acresce a essa concepção de origem do direito é a exaltação do elemento
individual e o estabelecimento da lei da maioria” (ARAMBURO, 1924, v.1, p.61). Lima
(2001. p.188-191) completa a explicação:

Em Rousseau atinge sua repercussão mais pura e adquire a sua


repercussão mais ampla a teoria do consensualismo, que Grotius
lançara [...]. Em Rousseau a idéia de contrato Social se torna
fundamental. O estado de liberdade natural, em que o homem era
feliz, desconhecia as regras de justiça. [...]
Rousseau baseia o direito no consenso das vontades e dá o grande
impulso, teórico e prático, ao individualismo jurídico que estava
latente [até então] [...]. Mas que só ele deu expressão iniludível.
O “direito natural” que explodiu na Revolução Francesa a partir da
“declaração dos direitos do homem” [...] não é direito natural
objetivo, que fomos encontrar na antigüidade greco-romana e na
Idade Média [...]. O direito natural de Rousseau é um direito
subjetivo, baseado na vontade individual e a que o Estado empresta
apenas a força para sua defesa.
62

Rousseau representa uma encruzilhada jurídica no início do mundo


moderno, da qual se originam os caminhos mais contraditórios do terreno do direito.
É aí em que irão abeberar-se tanto os partidários do individualismo, como aqueles
desejosos de uma ciência jurídica penetrada de princípios socialistas. Trata-se apenas
de adaptar essa “ascendência absoluta da vontade popular” aos gostos
revolucionários mais em voga (LIMA, 2001, p.192).

3.10 O INDIVIDUALISMO JURÍDICO DE KANT

Esse predomínio do indivíduo manifestar-se-á também, de modo patente, no


racionalismo de Kant. Este representará na história do direito um papel muito mais
importante que Rousseau. Foi ele o verdadeiro sistematizador de todas as idéias
novas, sobre a matéria, que andavam esparsas desde a Reforma e o Renascimento.
Henri Ahrens (1852, p.30), em seu Curso de Direito Natural, o confirma:

Em toda a doutrina filosófica de Kant, o espírito novo, nascido da


Reforma religiosa e desenvolvido durante três séculos, é pela
primeira vez elevado à altura de um princípio metafísico. É o
espírito de exame, de crítica, partindo da liberdade pessoal e
chegando no fim à consagração da personalidade e da liberdade
individuais.

Para Kant, direito e moral se dividem, conforme regulam a liberdade interna


ou externa. Legalidade e moralidade dirigem respectivamente os atos exteriores e
interiores do homem. E só a moral implica para o homem a idéia de dever. O direito,
já então radicalmente separado da moral, é apenas um “princípio de restrição”. O
direito não leva à ação. Limita-se a proteção exterior, à tarefa coercitiva, pois o
direito e a faculdade de coagir são duas coisas idênticas (LIMA, 2001, 191-195).

Kant também aceita a origem consensual da sociedade, e o estado pré-


jurídico, como Rousseau e a escola moderna do direito natural, mas não atribui ao
63

direito uma origem apenas consensual e sim racional. Essa racionalização do direito
representa uma forma de individualismo voluntarista porque para ele “o fundamento
de toda legislação prática é a idéia de vontade de cada ser racional como vontade
legisladora universal” (BOUTROUX, 1926, p.301). A conseqüência será uma
exteriorização do direito. Sua redução a um simples corpo de regras, capaz de conter
as liberdades individuais em choque, na sociedade.

Lima (2001, p.195) afirma que o próprio Kant reconhecera que “esse
formalismo jurídico perdia toda ligação profunda com a inclinação natural da alma
humana e convertia o direito em um caso de mero policiamento social”. Com efeito,
o que se observa é um deperecimento da noção do justo natural.
Concomitantemente, o Estado paulatinamente é erigido em única fonte do direito.
Oliveira (2002, p.49), assim sintetiza essa nova rotura:

Rousseau e Kant, nos fins do século XVIII, representam uma nova


ruptura: aquele com a teoria do consensualismo jurídico; este com o
predomínio absoluto da razão subjetiva. Ambas as idéias – o
contrato e a razão individual – conduzem à concentração de poderes
de criação do justo nas mãos do Estado, este mesmo Estado
divinizado por Hegel, para quem os direitos individuais são apenas
um reflexo dos direitos do Estado. Para Hegel a liberdade do
indivíduo é o fundamento do direito, cujo conceito só tem realidade
efetiva na sociedade estatal.

Kant foi quem submeteria o direito natural a uma última transformação,


ainda mais profunda que a de Rousseau: declararia o direito imanente ao homem e
não mais transcendente, o que o tornaria conseqüentemente mera criação humana, e
não algo superior que se lhe impõe (LE FUR, 1928, p.332).

3.11 A DESJURISDIZAÇÃO DO DIREITO

As grandes teorias do século subseqüente partiriam – todas elas – do marco


estabelecido por Kant e Rousseau. Algumas acentuando a ação do espírito impessoal
64

na formação do direito, como o idealismo jurídico de Hegel. Outras reduzindo a


história do direito à história do espírito nacional dos povos, como a escola histórica
de Savigny. Haveria ainda aquelas que, negando toda a metafísica do direito, o
reduziriam a um produto da evolução social da humanidade, como no positivismo
jurídico de Spencer e Ihering. Finalmente, apareceriam as que iriam combater a
própria idéia do direito, ora em nome do socialismo, como Fourier ou Louis Blanc,
ora em nome da sociologia, como Augusto Comte (LIMA, 2001, p.187 et seq.).
As idéias desintegradoras do direito situam-se no contexto de uma
Revolução filosófica global – do homem, da cultura, da civilização e
do próprio universo. A reforma diluiu a base metafísica do justo
desligando-o da lei eterna. E na busca de uma nova ordem jurídica
fundada na Razão, a Revolução Francesa transportou para o Estado
a tarefa de plasmar em códigos um direito pré-concebido
cerebrinamente em laboratórios (OLIVEIRA, 2002, p.49).

A Revolução Francesa é sem dúvida o momento, a partir do qual, o Estado


torna-se adminículo e fonte de todo direito. Cambacérès em um discurso sobre a
ciência social afirmará que “todo direito há de emanar da autoridade pública” (apud
JOUVENEL, 1978, p.151). Posicionamentos assim se sucederam, de requinte em
requinte. Assim já se admitia que o indivíduo só vale através do Estado; que os
direitos individuais são apenas um reflexo do direito do Estado, afinal de contas, os
deveres que o Estado impõe devem necessariamente confundir-se com os direitos
dos seus membros (HEGEL, 1928, p. 82, 196, 251).

Os desdobramentos mais extremados desse legalismo (comumente


denominado por nossos juristas de positivismo jurídico, ou legalismo positivo –
expressões ao nosso ver bastante vagas) consubstanciaram-se nos ordenamentos
jurídicos elaborados pelos Estados totalitários do século XX, notadamente, os de
orientação nacional-socialista e comunista.

Entretanto, em nações de normalidade democrática, tal positivismo jurídico


foi capaz de assegurar por muito tempo, a segurança jurídica, a paz interna, e a
mantença das instituições. Ocorre que no decorrer de mais de dois séculos,
transcorridos desde a Revolução Francesa, o organismo jurídico continuara a ser
buído em sua integridade. Já desprovido de seus fundamentos metafísicos, o que
65

sobrará ao direito? Lima (2001, p.23) acredita que, a continuar nesta marcha,
estaremos à mercê de um incerto relativismo jurídico, negador de toda juridicidade,
corolário do materialismo filosófico que pervadiu todas instâncias da atividade
humana:

Chegamos, finalmente, com o relativismo e o materialismo jurídicos,


à supressão final de toda independência e de toda dignidade do
direito e sua subordinação servil a outros valores históricos, de
caráter político, econômico ou técnico. Em suma: o absolutismo
jurídico do Renascimento levou-nos ao negativismo jurídico dos tempos
modernos [grifo do autor].

Adiante, veremos como o alternativismo jurídico encaixa-se perfeitamente


como um dos agentes desta desvirtuação extremada que sofre o direito. Para
descrever a essência do direito alternativo é que se burilou o capítulo seguinte,
derradeiro da presente pesquisa.
Capítulo 4
DA REVOLUÇÃO CULTURAL
NO DIREITO

Criar um sistema jurídico proletário; trazer à


superfície aquilo que Marx e Lenine escreveram
acerca da sobrevivência do direito burguês e sobre o
desenvolvimento da sociedade comunista no seio da
sociedade capitalista; renunciar à compreensão
objetiva do direito e afirmar o ponto de vista
normativo ou da vontade subjetiva (Paschukanis).

SUMÁRIO: 4.1 Um movimento de essência ideológica. 4.2 A razão do


rótulo direito alternativo. 4.3 O direito: importante intrumento a serviço
da revolução. 4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas.
4.5 Sociedade civil: movimentos sociais e direito alternativo. 4.6 Reforma
do senso comum: alterar a noção do justo.

4.1 UM MOVIMENTO DE ESSÊNCIA IDEOLÓGICA

Quando o primeiro grupo de magistrados se reuniu na sede da Associação de


Juízes do Rio Grande do sul, para “pensar o direito comprometido com o novo
modelo de sociedade” (CARVALHO, A., 1993, p.30), foram convidados apenas juízes
socialistas. Era uma exigência ideológica ser juiz socialista.
67

Esse aspecto ideológico não é acessório, mas faz parte da essência mesma do
Movimento do direito alternativo. Rodrigues (1992, v.2, p.184) dá prova disso ao
afirmar que “o movimento defende a construção de uma sociedade democrática [Cf.
item 2.8.2, supra] e socialista. Assume-se como dialético e parte da constatação de
uma luta de classes que não pode ser negada” [grifo nosso].

Arruda Júnior (1991, v.1, p.86) complementa esse entendimento


reconhecendo que os alternativos “assumem em grande medida, o referencial
marxista como ponto de partida para a compreensão do fenômeno jurídico”, ou
como afirma em outro de seus escritos:

O marxismo continua sendo um referencial importantíssimo para a


análise do direito e, mais do que isso, da sociedade que pretendemos
transformar, transformando a superestrutura jurídico-política (Id.,
1993, p.91).

“O Direito é a vontade, feita Lei, da classe dominante”, ou seja, o Direito é


um instrumento de dominação. Após o exame de extensa bibliografia, pôde-se
verificar que essa informação básica é nela fornecida com bastante clareza, e até com
certa insistência, com as mesmas palavras ou com semelhantes.

É, realmente, o ponto de máxima insistência. Tomada assim, como se lê nos


autores alternativos, a frase parece um truísmo (em nenhuma das obras, havia a
referência bibliográfica, citando sua fonte). A conseqüência imediata desse
pressuposto é que a estrutura jurídica vigente careceria de plena legitimidade. Pois, se
o direito é mero instrumento de dominação “que defende os intentos de grupos
privilegiados e de minorias elitistas” (WOLKMER, 1991, v.1, p.138), não pode ter
legitimidade plena. Junqueira (1992, v.2, p.105-106) confirma a idéia ao fixar um dos
traços centrais do pensamento alternativo:

[No alternativismo jurídico] em qualquer de suas vertentes, o


modelo de transformação da ordem estatal constrói-se a partir de
um movimento de subversão do ordenamento jurídico existente –
percebido, a partir de uma leitura marcadamente marxista, como um
instrumento de dominação e de proteção dos interesses da classe
detentora do poder econômico e político.
68

Nessa lógica, seria preciso refazer a realidade histórica, satisfazer às


exigências de emancipação de uma classe social: “o proletariado portador da
consciência da transformação social, na concepção marxista clássica” (SOUZA
JÚNIOR, 1991, v.1, p.133). Trata-se de uma concepção, segundo a qual, o direito já
não é aceito como objeto da Justiça (CATHREIN, 1958, p.51 et seq.). O que se tem é
uma “proposta tanto de caráter prático, quanto teórico, de utilizar e consolidar o
direito e os instrumentos jurídicos numa direção emancipadora [...] como fator de
mudança social” (GOMEZ, 2001, p. 82).

O direito fica assim reduzido a mero uso por parte daqueles juristas
empenhados em construir o socialismo, convertendo-se em uma prática
revolucionária processual – a qual Gramsci denominou guerra de posições (ANDRADE,
1996, p. 127):

À dominação deve preceder um conjunto de direções culturais em


instituições (na sociedade civil mas também no Estado), que possam
dar consistência ao novo, desconstruindo o velho e apontando os
sinais de perda da hegemonia global. Por conseqüência, a crise orgânica
e a crise do bloco histórico que lhe acompanha, ao expressarem um
novo rearranjo de forças no Estado, redefinem também o direito
positivo [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1997c, p.104).

Por essa razão, o ordenamento jurídico vigente é rejeitado não por seus
defeitos e vicissitudes – afinal de contas, isso não lhe implicaria a perda da
legitimidade, visto no seu conjunto. “Consideram-no injusto em si mesmo porque
está a serviço da classe dominante, contrário à emancipação igualitária” (OLIVEIRA,
2002, p.126).

4.2 A RAZÃO DO RÓTULO DIREITO ALTERNATIVO

Essas posições adotadas pelos membros do alternativismo jurídico são


suficientemente diáfanas para esclarecer uma questão que já foi posta por vários
69

autores: qual o sentido do termo “alternativo” adotado como auriflama? Tratar-se-ia


de uma alternativa à ordem jurídica vigente? Em que sentido? Deseja-se outra ordem
jurídica? As duas ordens – a odiada e a desejada – se alternariam como se alternam as
estações do ano? Ou coexistiriam pacífica e simultaneamente, no sentido em que se
pode dizer, que o peixe e a carne bovina são duas alternativas de que dispõe o
freguês? Ou haveria incompatibilidade entre ambas, sendo sua alternatividade a
mesma que existe, por exemplo, entre a vida e a morte, a saúde e a doença, o
trabalho e o roubo?

Eis aí vários tipos de alternatividade bem diversos: sucessão,


complementação, oposição. Não nos parece tarefa custosa concluir qual delas
convém ao termo direito alternativo. Adeodato (1992, p.164) explica que a palavra
“alternativo” “reclama um complemento nominal: alter(outro)nativo a que? A
resposta é simples [...]: ao direito dominante, oficial, dogmático”. O que se “exige é a
criação de um direito paralelo, este sim – pretendem – com plena legitimidade, em
função do qual sempre se julgariam os feitos, aproveitando-se ou não os preceitos do
direito posto, conforme certas conveniências” (DANIELE, 1995, p.318). Entende-se
portanto que, “na sociedade dividida existem dois direitos, o Direito da Dominação e
o direito alternativo da Libertação” (BOLETIM..., 1992, p.3).

O direito alternativo concorrerá com o direito vigente, ao mesmo tempo em


que se integrará a ele. Nisto consiste a alternatividade:

A simultaneidade de duas ordens jurídicas, de dois poderes, sendo


um o “insurgente”. Dá-se a corrosão de um em benefício do outro,
como se pode imaginar que acontecesse com dois irmãos siameses.
Um (o Poder paralelo) iria crescendo e se nutrindo do outro (o
Poder oficial), até lhe exaurir toda a seiva vital (DANIELE, 1995,
p.324).

Nesse sentido, tem muito valor a explicação de Tarso Genro (1991, v.1,
p.26) ao se referir ao direito alternativo: “uma ordem dominante não está isenta nem
descontaminada de uma outra ordem, potencialmente existente, que concorre com
ela e ao mesmo tempo a integra”. Andrade (1992b, v.2, p.92) define muito
claramente como isso se dará em termos práticos:
70

O Direito Alternativo será construído junto com uma nova


sociedade. Sua origem está no uso alternativo do direito, pois,
quando hegemônico, deixará de ser uso, para transformar-se no
próprio direito. A reiterada interpretação alternativa do direito
dogmático poderá levar a seu desmoronamento e transformação,
mesmo de forma paulatina, em algo novo, o próprio Direito
Alternativo [grifo nosso].

Todas essas idéias são desenvolvidas na tentativa de “encontrar uma teoria


que justifique esta praxis” (CARVALHO, A., 1993, p.32). Elas formam um quadro de
conjunto nitidamente revolucionário, composto de doutrina e de ação (OLIVEIRA,
2002, p.60).

4.3 O DIREITO: IMPORTANTE INTRUMENTO A SERVIÇO DA REVOLUÇÃO

“Combate-se com o Direito ante o fracasso das revoluções” (CARVALHO, A.,


1991, p.57). O Movimento do direito alternativo é dessa forma um braço dentro do
meio jurídico. Não é um processo revolucionário em si mesmo; nem tampouco uma
proposta em curso de revolução a partir do direito; mas sim a transposição de uma
praxis revolucionária também para a esfera jurídica – uma seara que não pode ser
negligenciada em um projeto eficiente de tomada do poder. “O direito está
teorizado, assim, como elemento dialético do processo revolucionário” (OLIVEIRA,
2002, p.65):

Sem embargo, devemos deixar claro que nenhum dos defensores do


uso alternativo do direito crê que a revolução proletária há de se
fazer prioritária ou fundamentalmente através do direito. O que
destacam estes autores é a importância relativa do nível jurídico nas
sociedades capitalistas avançadas. Seu abandono ou marginalização
dentro da luta de classes poderia significar [...] uma falência de suas
estratégias (GOMEZ, 2001, p.82).

Arruda Júnior (1992b, p.57-64) acredita ser difícil alcançar a hegemonia


alternativa entre os juristas. Mas deixa claro que o objetivo é ampliar os espaços de
71

luta, para conseguir a hegemonia socialista em outras esferas da sociedade civil. Ou seja,
o direito é meio e não fim. A razão, segundo o autor, é que não se pode ter certeza
de que o direito novo nascerá após o último estampido revolucionário. Deve-se
então começar a construir esse direito emancipado “no seio da sociedade que se quer
negar, transformando-a numa processualidade que envolve vários campos de lutas
institucionais”, dentre eles, o direito [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1992a, p.173).

Gilberto Callado de Oliveira (2002, p.65) também conclui nesse sentido:


pode-se seguramente afirmar que o proselitismo alternativo é o mesmo
proselitismo comunista metamorfoseado ante o declínio de seu poder persuasório,
constituindo uma mera adaptação da Revolução ao âmbito da justiça. Mais a frente
prossegue o pensamento:

Assumindo inteiramente os seus princípios [da Revolução


comunista], os alternativos não podem deixar de admitir aquela
metamorfose, justificando-a como uma etapa dialeticamente
experiencial, progressiva, rumo ao socialismo pleno (Ibid., p.66-67).

Na raiz dessa metamorfose comunista está acesa a idéia de que “o marxismo


não morreu, nem os ideais socialistas, sendo ambos necessários e úteis” (ARRUDA
JÚNIOR, 1995a, p.12). Arruda Júnior (1997a, p.17) acredita que uma forma de
retomar o pensamento de Marx é levar em consideração algumas pistas deixadas por
Gramsci, dentre elas, a estratégia de luta institucional democrática. Assim, como
“reside no marxismo historicista o terreno mais fértil para a projeção da tradição
marxista para o século XXI, sendo Gramsci o representante de maior impacto teórico
e prático” (Id., 1995a, p.13).

Perceba-se que começam a surgir traços de afinidades entre os anseios e o


discurso alternativo, e a doutrina de revolução cultural proposta por Antonio Gramsci.
Em um “trabalho que tem como objetivo levantar algumas questões pertinentes ao
direito contemporâneo a partir do Pensamento de Antonio Gramsci”, José de Lima
Soares (2000, p.160) procura enfatizar que, “na atual conjuntura – para os que buscam
uma alternatividade do direito e a constituição de uma nova sociabilidade humana – o
pensamento gramsciano poderá se constituir em um verdadeiro ponto de referência”.
72

4.4 A LINGUAGEM ALTERNATIVISTA E AS CATEGORIAS GRAMSCIANAS

O pensamento alternativo é expresso em uma “linguagem recheada de


neologismos, quase impenetrável para quem não se acostume com ela” (OLIVEIRA,
2000, p.63). Por outro lado, é quase impossível de se decifrar, o verdadeiro sentido
dos textos alternativos sem um conhecimento prévio das categorias Gramscianas.

Termos como, por exemplo, sociedade civil, transição pacífica para o socialismo,
democracia, via democrático-consensual, socialismo democrático, pluralismo socialista, estado
ampliado, democracia radical, emancipação das classes subalternas devem ser entendidos
em sua acepção gramsciana. Não se pode, portanto, tomá-los em seu significado
corrente, sob pena de lhes retirar seu sentido autêntico e original.

4.5 SOCIEDADE CIVIL: MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITO ALTERNATIVO

Um dos aportes essenciais da estratégia gramsciana é a luta pela conquista da


hegemonia no seio da sociedade civil como condição para a tomada do poder.
Resulta desse pressuposto a necessidade de uma perfeita sincronia entre sociedade civil
e direito alternativo – entre as entidades privadas responsáveis pela conquista da
hegemonia e seus coadjutores nos meios jurídicos. Isso se explica porque “o processo
social de mudança é um movimento que tem na sociedade civil uma fonte originária e
redefinidora da esfera estatal” [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 2001, p.45).

Como já se afirmou antes [Cf. item 2.3, supra], o conceito de sociedade civil
não coincide com o de povo, nação ou sociedade nacional, mas compreende –
tomando as palavras de Roberto Lyra Filho, um dos pioneiros do alternativismo
jurídico – aquele conjunto de grupos que “adotam posições vanguardeiras, como
determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, de associações profissionais e
culturais e outros veículos de engajamento progressista” (LYRA FILHO, 1996, p.10).
73

Diego Duquelsky Gomez (2001, p.52) diz que essa “lista poderia ampliar-se
ainda mais com a incorporação de movimentos como o zapatismo de Chiapas ou o
sandinismo na Nicarágua”.

Pode-se afirmar que direito alternativo e sociedade civil é um binômio


irrevogável. Sendo parte de um processo autenticamente gramsciano, o direito
alternativo, emerge “em meio a uma cultura instituinte dos movimentos sociais”
(WOLKMER, 1992, v.2, p.17). A explicação reside no fato de que, para os
alternativistas, este direito, por ter origem na sociedade civil, é mais justo e legítimo em
relação ao Direito Estatal, motivo pelo qual serve de base para o novo paradigma
jurídico (ANDRADE, 1996, p.312).

Não se pode olvidar que sociedade civil é o termo técnico com que Antonio
Gramsci designa a rede de entidades extrapartidárias a serviço do Partido. Não é
correto, entretanto, afirmar que o Partido as controla. Elas fazem parte da essência
do que Gramsci chamava de Partido ampliado ou Estado ampliado.

É impossível não reconhecer a genialidade do conceito de Estado ampliado


como interação entre sociedade política e sociedade civil organizada. Com isso Gramsci
criou uma forma de poder irresistível e disfarçada. A sociedade civil, então convertida
em legítima procuradora da totalidade dos cidadãos, fará suas reivindicações à
sociedade política. Esta última atenderá aos “anseios do povo” – representado pela
sociedade civil organizada.

A palavra “diálogo” seria inadequada para descrever esse processo, uma vez que
estaria pressuposta a existência de dois indivíduos distintos. O que se tem é um
monólogo, porque seus personagens (sociedade civil e sociedade política) são etapas ou
instâncias de um mesmo ente: o estado ampliado. Quando a rede formadora do estado
ampliado já abrange os principais canais de expressão da sociedade, não há mais opinião
pública, Olavo de Carvalho (2004), citando Gramsci no final do parágrafo, esclarece:

Há apenas a voz do Partido, ecoada em muitos tons e oitavas que


simulam variedade espontânea. É a materialização da “hegemonia
cultural” que monopoliza as idéias em circulação e forja até o
vocabulário dos debates públicos, adquirindo sobre a mentalidade
74

geral “o poder onipresente e invisível de uma lei natural, de um


imperativo categórico, de um mandamento divino” [grifo nosso].

A difusão da estratégia de Antonio Gramsci nos meios alternativos foi um


forte elemento orientador de rumos e objetivos. Da análise das posições do
movimento ao longo do tempo, pôde-se observar, gradativamente, um movimento
migratório para as “categorias” gramscianas, ainda que nem todos os autores façam
referência expressa a Gramsci. A linguagem marxista clássica foi em larguíssima
medida substituída. Até mesmo as expressões “direito alternativo” e “uso alternativo
do direito”, passaram a ser utilizadas mais escassamente. No último Congresso
Internacional de Direito Alternativo, elas não apareciam em nenhuma das teses
aprovadas (OLIVEIRA, 2002, p.11). Tudo isso representa um aparente recuo
estratégico, que permite a continuidade da marcha do processo revolucionário, com
mais força inclusive.

A gradualidade defendida por Gramsci não descarta o uso da violência em


um momento decisivo. Quer dizer que para os alternativistas, “aceitar a tese da
revolução processual não significa abandonar, por considerar fora de questão, o
‘momento explosivo’ que não deve ser descartado, afinal, difícil crer que a burguesia
recuará [...]” (ARRUDA JÚNIOR., 1991, p.97).

A relação de simbiose com movimentos organizados não chega a ser uma


postura caritativa ou humanitária por parte dos adeptos do direito alternativo, como
poderia parecer, à primeira vista (Cf. ANDRADE, 1992b, p.82). Interessam-se por
esses grupos porque a base desse direito são “os novos movimentos sociais enquanto
sujeitos coletivos capazes de produzir Direito” [grifo nosso] (Id., 1996, p.312).
Quando essas “coletividades” mostram-se avessas à luta de classes ou não estão
“conscientizadas” tornam-se incapazes de “produzir direito”. Isso cria um problema
para a teoria do direito alternativo, na medida em que, sua fonte é justamente a
sociedade civil.

Henri Lefèbvre (1970, p.56), conceituado interprete da teoria da luta de


classes, na célebre obra O marxismo, elucida o fenômeno ao censurar com escárnio
àqueles que assumem posições humanistas e caritativas, classificando sua atitude
75

como “humanismo sentimental e choraminguento”. Ressalta que “o marxismo vê no


proletariado seu futuro e possibilidade” e por isso é preciso interessar-se por ele
“não enquanto é fraco, mas enquanto é forte”.

Gramsci soube ampliar imensamente a massa de manobra a serviço da


revolução. Quando cunhou a expressão classes subalternas tinha em mente uma
zurrapa bem heteróclita, a qual não se limitava meramente ao proletariado [Cf. item
2.3, supra]. Isso explica a aparente contradição de que a sociedade civil não seja
constituída unicamente de “explorados”, guardando em suas fileiras não pequeno
número de pessoas que ostentam uma cornucópia invejável.

Há uma relação umbilical entre o alternativismo jurídico e os chamados


movimentos sociais, porque, aqui no Brasil, tais grupos constituem o mais
preponderante elemento daquela lista de organizações privadas pertencentes à
sociedade civil. Por esse motivo, os partícipes do direito alternativo devotam tamanha
importância a esses movimentos.

Na realidade o alternativismo jurídico é um direito concorrente e antagônico


ao Direito vigente (DANIELE, 1995, p.319). Por isso seus partidários consideram o
MST e seus congêneres não só como fonte, mas também uma manifestação típica
desse direito na ordem dos fatos. As invasões, rurais e urbanas, consubstanciam um
momento impar: é quando o poder paralelo sai dos livros, e enfrenta o Estado
(Ibid.).

Com o respaldo que se confere a esses movimentos, se está a favorecer a


conquista da hegemonia através de “novas práticas de cunho emancipatório” (ARRUDA
JÚNIOR, 1997b, p.66). José Moreira Pinto não deixa dúvidas ao afirmar que os
alternativistas vinculam “a proposta de justiça nesses movimentos à utopia
comunista” (PINTO, 1992, p.53).

Importante também é destacar que em um detalhe os alternativistas


ultrapassaram a estratégia gramsciana. Gramsci concebera que a guerra de posições
seria travada unicamente no âmbito da sociedade civil. Os líderes do movimento
alternativo têm movido essa guerra na esfera da sociedade política (Estado em sentido
76

estrito), por meio de sua inserção e participação no Poder Judiciário.

Não acreditamos que tal fato constitua uma descaracterização do


gramscismo, mas, um incremento dessa estratégia. Afinal, a realização da guerra de
posição junto à sociedade política não é novidade. A sua prática fora antecipada e
sistematizada, já antes, pelo autor neo-gramscista Nicos Poulantzas (Cf.
POULANTZAS, 1977). Para Arruda Júnior (1997b, p.65), “trata-se de um
enriquecimento de Gramsci, ampliando o conceito de hegemonia” e – continua o
autor – “os operadores jurídicos, no seio do Estado, aproveitam essa tese” (Ibid.).

Por tudo isso, verifica-se dois pontos de originalidade no movimento do


direito alternativo brasileiro, se comparado com os de outros países: a adoção da
estratégia gramsciana e, por corolário, sua articulação com a sociedade civil. Lédio
Rosa de Andrade (1996, p.320) afirma que os magistrados brasileiros “uniram-se aos
demais partícipes da esfera jurídica e buscam uma aproximação com os movimentos
populares organizados, percorrendo, então, um caminho não seguido pelos juristas
italianos e espanhóis” [grifo nosso].

4.6 REFORMA DO SENSO COMUM: ALTERAR A NOÇÃO DO JUSTO

Gramsci não engendrou uma diretriz concreta de atuação no meio jurídico.


Não o fez por absoluta desnecessidade. A explicação é simples: uma vez que o
gramscismo atinge um certo grau de difusão, ele começa a pervadir – quase que por
automatismo – as manifestações culturais, idéias e instituições de uma determinada
sociedade. A justiça e o direito não poderiam fugir a essa regra. Olavo de Carvalho
(1994, p.46) explica o fenômeno:

Ninguém entenderá o gramscismo se não perceber que o seu nível


de atuação é muito mais profundo que o de qualquer estratégia
esquerdista concorrente. Nas demais estratégias, há objetivos
políticos determinados, a serviço dos quais se colocam vários
instrumentos, entre eles a propaganda. A propaganda permanece, em
77

todas elas, um meio perfeitamente distinto dos fins. Por isto mesmo
a atuação do leninismo, ou do maoismo, é sempre delineada e
visível, mesmo quando na clandestinidade. No gramscismo, ao
contrário, a propaganda não é um meio de realizar uma política: ela é
a política mesma, a essência da política, e, mais ainda, a essência de
toda atividade mental humana. O gramscismo transforma em
propaganda tudo o que toca, contamina de objetivos
propagandísticos todas as atividades culturais, inclusive as mais
inócuas em aparência.

O gramscismo é menos uma filosofia do que uma estratégia de ação


psicológica “destinada a predispor o fundo do ‘senso comum’ a aceitar a nova tábua de
critérios proposta pelos comunistas, abandonando, como ‘burgueses’, valores e
princípios milenares” [grifo nosso] (CARVALHO, O., 1994, p.45). Uma das funções
primordiais do direito alternativo será suprimir, do senso comum, a idéia tradicional de
justiça (OLIVEIRA, 2002, p. 69).

Gramsci enfatizava a importância de ter às mãos a educação primária. É que


seu plano de ação é extremamente “pedagógico”. É difícil delimitar a exata
concepção gramsciana do direito, mas há nela um traço fundamental: a função
pedagógica do direito. Arruda Júnior (1997b, p.65) explica que Gramsci ao mesmo
tempo em que “enfatizava o caráter negativo, admitia a função pedagógica do direito. Ao
mesmo tempo em que se referia aos técnicos do direito como zonas de indiferença, propõe
a construção de uma concepção do direito essencialmente inovadora” [grifo do autor].

Essa chamada “função pedagógica do direito” é a chave para se entender a


razão de existir um movimento jurídico revolucionário, fundado em métodos
gramscianos. Gramsci acredita que o direito desempenha função idêntica à da escola,
só que de maneira coativa. Os tribunais seriam instrumentos pelos quais se
processaria, de forma negativa, o exercício pedagógico da hegemonia [grifo nosso]
(GRAMSCI, 2000, v.3, p.284; SOARES, 2000, p.161). Dessa forma, ter-se-ia um
eficiente meio de educação e assimilação das massas:

[...] é um problema de educação das massas, de sua “conformação”


segundo as exigências do fim a alcançar. Esta é precisamente a função do
direito no Estado e na sociedade; através do “direito”, o Estado torna
“homogêneo” o grupo dominante e tende a criar um conformismo social
78

que seja útil à linha de desenvolvimento do grupo dirigente (GRAMSCI,


2000, v.3, p.240).

Há uma “preocupação de Gramsci com o novo senso comum. Ele acreditava


na possibilidade de transformação social construída a partir da ampliação de
expectativas morais indicadas em princípios jurídicos” (ARRUDA JÚNIOR, 1997a,
p.36). Conseqüentemente, alterando-se os princípios jurídicos, criando-se um “novo
direito” se estará dando mais um passo para a substituição do senso comum. E nos
meios jurídicos, “o direito alternativo é o projeto mais próximo da redefinição do
senso comum” [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1997c, p.103). Gomez (2001, p.11-16)
explica mais detalhadamente:

Nos encontramos frente à emergência de um novo “senso comum”


jurídico e político, a partir do qual é possível fundamentar uma nova
teoria da democracia e da emancipação. [...]
O ponto de chegada de nosso largo caminho será a conclusão da
imperiosa necessidade de entender o direito alternativo, seus limites
e possibilidades, no marco de uma redefinição do papel da
juridicidade, de mãos dadas com os “atores não-convencionais”, sem
os quais o novo “senso comum”, ao qual fazíamos referência
anteriormente, não poderia ser sequer imaginado [grifo nosso].

Os operadores do direito ficam investidos do status de intelectuais orgânicos.


Uma de suas tarefas mais essenciais será a de extirpar do senso comum a noção natural
de justiça. Para tanto, vêm realizando um árduo trabalho de “desconstrução”
(ARRUDA JÚNIOR, 1997b, p.66) do ordenamento jurídico existente, por meio de
diversos canais e práticas.

Não nos lançaremos à empresa de analisar, de forma pormenorizada, proble-


mas como segurança jurídica ou limites interpretativos do julgador sob pena de extra-
vasar os limites da pesquisa. Mas cabem algumas considerações em face das investidas
alternativistas contra o senso comum jurídico que – acreditam – deve ser substituído.

Os alternativistas adentram no terreno da aplicação da lei por entender que o


processo legal existente é uma “farsa” (ANDRADE, 1992a, p.102). Admitido esse
pressuposto, a lei atual poderá ser frontalmente desobedecida, já que “em
determinados casos há que se romper os limites da legalidade” (CARVALHO, A., 1991,
79

v.1, p.57); ou simplesmente manipulada, por meio de uma operação de “guerrilha


interpretativa” (Id., 1992, p.89).

Há quem afirme que essas duas visões a respeito dos limites de interpretação
constituem duas correntes do movimento, sendo uma radical, por defender as
decisões contra legem, e outra moderada, por contentar-se apenas em praticar
guerrilha interpretativa. Entretanto, ambas pressupõem logicamente o mesmo
fundamento: o direito vigente careceria de plena legitimidade, da qual seria detentor
o Direito achado na rua, insurgente e alternativo.

Essa diferenciação entre moderados e radicais não se sustenta, tendo em


vista o escopo revolucionário e utópico que rege o movimento. Interpretar ou
desobedecer à Lei de frente, não passam de dois matizes que dependem de tática ou
de paladar, dentro de um mesmo sistema. Nada mais que uma divisão interna,
quanto aos métodos.

Entretanto, é preciso ponderar que a corrente intitulada de “moderada” tem


suscitado menos reações e possibilitado, com muito mais eficiência, a difusão de suas
idéias, inclusive entre pessoas infensas aos “radicais”. Isso se deve não só à proposta
de manipular a lei em vez de afrontá-la, mas também à adoção de um discurso muito
mais sentimental do que contestatário, à escamoteação dos objetivos mais
extremados, além de outros tantos pequenos pontos que fazem muita diferença na
hora angariar simpatias e conquistar adeptos.

Esse modo de agir está muito mais adequado à estratégia gramsciana, por sua
capacidade de influenciar, sem levantar oposições. Mas, não quer dizer que os
radicais não tenham o seu papel: a aparente divisão entre moderados e radicais é um
dos elementos daquela miscelânea de propensões [Cf. item 1.3, p.23] ínsita a
qualquer processo revolucionário:

A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um


ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os
moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando.
Assim, o socialismo repudia o comunismo mas o admira em silêncio
e tende para ele. Mais remotamente o mesmo se poderia dizer do
comunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da
80

Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade


vai seguindo o caminho para onde eles a quiseram levar. O fracasso
dos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta,
mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para
a realização de seus culposos e exacerbados devaneios a multidão
incontável dos “prudentes”, dos “moderados” [grifo nosso]
(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.47).

A atitude de rejeição do direito alternativo não se limita ao direito positivo.


Inclui também uma série de princípios jurídicos admitidos como válidos desde as
primeiras fímbrias de civilização. É o caso da segurança jurídica. Amilton Bueno de
Carvalho está convicto de que é um instituto que deve ser abolido, chegando a afirmar
que “quem precisa de segurança jurídica é conservador” (apud DANIELE, 1993, p.8).

Por conseguinte, o próprio direito alternativo fica transformado em uma


“roda-viva”, permanentemente cambiante, uma vez que a segurança jurídica é conde-
nada in totum, e enquanto princípio. E a despeito de alguns autores afirmarem que o
direito alternativo seja também a construção de um “novo direito” já no seio da
sociedade burguesa (ANDRADE, 1992b, v.2, p.92; ARRUDA JÚNIOR, 1992a, p.173; Id.,
1997c, p.104; CARVALHO, A., 1993, p.30), a negação do princípio basilar da seguran-
ça jurídica o torna apenas um direito de “negação” ou “desconstrução” (GOMEZ,
2001, p. 82; JUNQUEIRA, 1992, v.2, p.105-106) do ordenamento jurídico vigente e da
sociedade atual. Não passa de um mero instrumento de revolução, que será
descartado no momento oportuno, quando já tiver cumprido o seu papel.

A segurança jurídica é um elemento indispensável para a subsistência e


manutenção de qualquer sociedade minimamente organizada. Ao admitir a hipótese
de uma “justiça insegura”, o direito alternativo mostra, mais uma vez, que tem em
vista apenas o esboroamento do direito instituído. Porque, se por um lado, a
hipótese de uma “segurança in-justa é inadmissível, não menos o será – e aqui até
inclusive, se supõe, como impossível de fato – uma justiça in-segura, uma justiça in-
certa” [grifo do autor] (DIP, 2003). O Prof. Ricardo Dip (2003) esclarece mais
detalhadamente:

Os homens precisamos saber em que nos fiar, a que nos ater, quais
são as regras do jogo, as regras da vida jurídica em concreto. Isto é
81

indispensável para que possamos exercitar o direito de observância


de nossos deveres de justiça e de exigir que, a nosso respeito, se
observem também os deveres jurídicos que lhes correspondam [grifo
do autor].

Na verdade, para o intelectual orgânico operador do direito, defensor do


direito alternativo, essa discussão não tem o menor interesse, já que esse tipo de pro-
cedimento desestabilizador objetiva criar um “caos criativo” (GOMEZ, 2001, p.57),
armando conflitos, para possibilitar que o próprio direito alternativo entre em cena
com suas “soluções” (Ibid.). Assim é que se considera que as invasões rurais e urbanas
constituem verdadeiro direito, válido contra a Lei que as proíbe (DANIELE, 1993, p.8).

Todo esse conjunto de disposições atesta o reduzido caráter jurídico


presente no direito alternativo. Mas isto não preocupa seus asseclas. Seguindo dessa
forma, o direito alternativo vai realizando sua missão de reformar o senso comum, por
meio de seus adeptos – os intelectuais orgânicos, operadores do direito.
CONCLUSÃO

Os Romanos, inspirados filosoficamente nos gregos,


criam o Direito como arte autônoma, relativamente
livre da álea fugaz da sorte política. E concebem-
no com parte natural e parte positiva.
Compreendendo que a aspiração humana à Justiça
nunca se deixará enclausurar no papel das leis.
Daí que o Direito Natural seja o grande
inspirador e o grande julgador do Direito positivo
(Paulo Ferreira da Cunha).

Uma das maiores realizações da civilização foi ter arrancado o direito ao


império dos caprichos pessoais, dos interesses políticos, da submissão servil a toda
ordem de interesses responsáveis por desviá-lo daquela razão única que é a de ser
objeto da justiça. Essa conquista, entretanto, não duraria para sempre. Por volta do
século XIV, o direito começaria a ser corroído lenta e sucessivamente. De ciência
independente e autônoma foi paulatinamente se submetendo à política, à economia,
e a um vazio tecnicismo.

Apesar de tudo isso, difícil era conceber que viria o dia em que se defenderia
o uso do direito como elemento desagregador do tecido social. A instrumentalização
do direito proposta pelos alternativistas jurídicos ultrapassa em grande medida todo
tipo de desvirtuação que essa ciência sofrera até então. O direito alternativo ao
mesmo tempo em que defende uma espécie de negativismo jurídico, não reconhecendo
83

a validade do sistema jurídico vigente, prega a utilização do direito para fins


declaradamente ideológicos.

A sua idéia de justiça já não passa pelo suum cuique, mas adquire legitimidade
em vista dos fins almejados. O que se tem em vista é a realização de uma estratégia
revolucionária, a qual não se desenvolve unicamente na seara do direito: a estratégia
gramsciana. O interesse pelo direito, reside simplesmente na sua importância para a
realização utópica. Tudo o mais se desenvolve em torno dessa idéia principal –
inclusive a noção do justo.
A confrontação com a ordem estabelecida repousa na escusa de que o
ordenamento jurídico vigente não passaria da vontade, feita Lei, da classe dominante.
Quem detém o poder faz as leis. Estas por sua vez refletem a vontade de seus
autores. Nisso não há qualquer descoberta. Ocorre que pela glosa alternativista
acredita-se que as Leis são feitas exclusivamente de acordo com os interesses
econômicos da classe que prepondera na sociedade.
Não se nega aqui a possibilidade de haver abuso de poder, por parte de
quem o detém. Lamentavelmente, pode ocorrer que a elite responsável, por exemplo,
pela criação das leis, faça-o em favor próprio. O que não é possível de se admitir é a
inevitabilidade determinista de que isto se dê, como querem os alternativistas. Da
mesma forma, não se pode acolher nem a legitimidade de um projeto que passe pela
eliminação de uma classe social – por meio de uma longa guerra de posições – nem
tampouco o direito dos adeptos do direito alternativo em coadjuvar esta guerra.
É preocupante observar como os alternativistas voltam o mais completo
desprezo a quem não concorde com seus pontos de vista. Isso se deve à condição de
intelectuais orgânicos ocupada pelos juristas partidários do direito alternativo dentro da
estratégia proposta por Antonio Gramsci. Aos outros juristas, intelectuais tradicionais,
que não aceitem a tábua do “direito novo”, restará duas opções: aderir aos intelectuais
orgânicos, ou se conformar a perder o bonde da história (GRAMSCI, 2000, v.2, p.16, 20).

Fazemos nossas as palavras de Avellar Coutinho (2003, p.42), para descrever


esse fenômeno intrigante: a convicção dos gramscistas de que são arautos da
modernidade, encobertos por um manto de legitimidade que tudo justifica:
84

[Os intelectuais orgânicos] assimilando ou tomando os intelectuais


tradicionais adesistas ou ingênuos por aliados, “inocentes úteis” ou
“companheiros de viagem”, constituem uma oligarquia autoritária
que, fazendo censura de fato e assumindo o monopólio do discurso,
exercem a direção cultural e política da sociedade civil e do próprio
Estado. O projeto gramsciano de superação do senso comum
burguês é um elemento desencadeador de um fenômeno em cadeia,
criando um clima de mudanças, naturalmente estimulador, que
elimina a estabilidade dos valores e conceitos da sociedade,
enfraquecendo suas convicções culturais e suas resistências morais e
cívicas.

Os adeptos do direito alternativo são pouco numerosos, para se falar em


censura de fato, como ocorre em outras áreas do saber. Mas já é de causar espécie a
massa de operadores do direito que, de forma incauta, faz coro a fragmentos do
pensamento alternativista, mesmo sem o saber. Em geral, simpatizam com aspectos
acessórios desse movimento, sem contudo ter noção da estratégia revolucionária aí
existente. Chega a ser estranho notar como é desconhecido esse aspecto essencial do
alternativismo jurídico, uma vez que não haveria razões para isso, já que seus autores
dizem-no abertamente.

A continuar ignota a verdadeira face do alternativismo jurídico, a penetração


sutil de suas doutrinas não cessará. A substituição do senso comum jurídico realizar-se-
á, sem que para isso o direito alternativo, enquanto movimento distinto do restante
dos juristas, seja preponderante, afinal, militância declarada não era a preocupação de
Gramsci, e os seguidores do direito alternativo sabem disso. Talvez quando nossos
juristas se derem conta de que o Movimento do direito alternativo não é
simplesmente um grupo de aventureiros, mas parte de uma matizada estratégia
revolucionária, possa ser tarde demais.
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