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BELO HORIZONTE, DOMINGO, 5/4/2009 HOJE EM DIA - minas@hojeemdia.com.

br

Minas 25.
FOTOS CRISTIANO COUTO/ENVIADO ESPECIAL

todo o dinheiro, o traficante não per-


de a venda nem o comprador: parte a
pedra em duas e passa cada pedaço
por R$ 5. Adolescentes e trabalhado-
res adultos do corte da cana e da apa-
nha de café, estão na mira dos trafi-

o
cantes que, com motocicletas, trafe-
gam pelas estradas rurais e por tri-
lhas para vender drogas e conquistar
novos usuários.
Os agentes ouvidos pelo HOJE
EM DIA contaram que as drogas sedu-
zem as pessoas na zona rural de Mi-
nas, porque faltam opções de lazer e
o desemprego é grande. Essas mes-

or
mas pessoas estariam usando a Inter-
net e mantendo contatos com trafi-
cantes de BH, de São Paulo, do Rio e
de outros grandes centros, que le-
vam para as pequenas comunidades
as pedras de crack e as trouxinhas de
maconha. O comércio serve para sus-
tentar o próprio vício e, como o lucro
é grande e fácil, esses traficantes asse-
diam quem já é viciado e convencem
outros a entrar para o mundo das dro-
gas. Os contatos desses traficantes co-
meçam pelos amigos e alcançam ou-
A., 61 anos beirão das Neves, Sete Lagoas, entre Traficantes
tros conhecidos. “É assim que a rede
do tráfico no interior espalha as dro-
usam
Seu filho, viciado, sumiu no mundo outras, para escaparem da polícia”,
revela o agente da Polícia Civil. “Mas motocicletas
esses laboratórios não ficam mais para passar
gas na roça”, aponta um dos agentes.

FAMÍLIAS DESTRUÍDAS E
que três meses em uma mesma casa. entre a VIDAS SEM PERSPECTIVA
Os traficantes estão sempre mudan- lavoura de
“Eu dava um do de lugar, para fugir da curiosidade café e levar
O senhor A., 61 anos, é um ex-tra-
balhador rural do Sul de Minas que se
de vizinhos, que podem denunciá- drogas aos
pouco de los, como sempre acontece. Assim, lavradores
mudou para Belo Horizonte, onde es-
perava encontrar melhores oportuni-
eles produzem a cocaína e o crack pa-
dinheiro para ra o abastecimento do tráfico na capi-
dades de trabalho. Mas, depois de al-
guns anos na capital, ele se desiludiu,
tal, na RMBH e no interior”.
ele, quando Geralmente, os traficantes que
porque não conseguiu o que almeja-
va. E, pior, viu o filho R., então com
atuam em cidades maiores, como Go-
trabalhava e vernador Valadares, Juiz de Fora e
11 anos, começar a usar drogas. O la-
vrador acreditou que encontraria a
Uberlândia, dividem a droga com cri-
me ajudava. minosos do “segundo plano”, respon-
solução voltando para a zona rural,
onde, com alguns recursos, conse-
sáveis pela distribuição nas áreas ru-
Mas não era rais, conforme contou o agente.
guiu comprar um sítio de dois alquei-
res de terra entre Varginha e Para-
Os três agentes foram unânimes
muito. Se em revelar que grande parte do Sul
guaçu. Mas nem ali o filho ficou livre
do assédio dos traficantes, e da maco-
de Minas - entorno de Poços de Cal-
conseguia das, Passos e Pouso Alegre, principal-
nha passou a usar crack.
Com um filho usando drogas e
mente -, seria abastecida por trafican-
HOJE - Como seu filho começou a usar drogas aos 11 anos? mais que isso, tes de São Paulo e de Ribeirão Preto.
outro excepcional, A. denuncia a pre-
sença constante de traficantes nos ca-
A longa BR-116, a Rio-Bahia, seria a
A. - Eu morava em BH e trabalhava muito. Minha mulher não tinha
como acompanhá-lo, saber o que fazia na escola e na rua, porque não sei dizer porta de entrada para o tráfico abas-
fezais e canaviais onde, segundo afir-
ma, não existe polícia para conter o
tecer o entorno de Juiz de Fora e a
tinha que ficar perto do outro filho, que é excepcional.
A cidade grande não foi o que o senhor esperava? como, e fico maior parte da Zona da Mata. O Triân-
crime. Em seu drama, A. revela uma
realidade cada dia mais preocupan-
gulo Mineiro seria abastecido por tra-
De jeito nenhum. Por isso, voltei para o interior. Mas nada mudou.
Meu filho, então com 15 anos, continuou se drogando e um dia até preocupado ficantes de São Paulo, Goiás e Mato
te.
A jovem T. completou 18 anos no
Grosso do Sul. Traficantes da Bahia,
matou um homem a facadas, por causa de drogas. Passou uns três
anos recolhido, depois foi solto. em pensar tendo como entrada a mesma rodo-
final do ano passado. Ela é a mais ve-
lha de seis irmãos. Desempregada,
O senhor fez de tudo para ajudar seu filho? via, estariam investindo nas regiões
A gente tem poucos recursos, e não encontrei um lugar para nisso” dos vales do Jequitinhonha e do Rio
morando em uma pequena cidade
do interior, na Região Central do Esta-
interná-lo. Aí, comprei esse sítio, com muita dificuldade, e tentei Doce, conforme levantamento dos do, com cerca de 6 mil habitantes, T.
fazer com que ele trabalhasse comigo. Mas não deu certo. policiais. “Mas não se pode esquecer não vê muitas perspectivas de um no-
Ele conseguia comprar drogas aqui, na zona rural?
Isso virou um câncer que não tem cura. Aqui, a situação está terrível.
que grande parte da droga que vai pa-
ra o interior também sai de crimino-
G
Casos de
vo emprego.
Ela viu sua situação piorar quan-
Não tem polícia e os estranhos vendem drogas livremente, nas sos que mantêm suas bases em aglo- do sua mãe, A., de 36 anos, que estava
lavouras, nos distritos e nas vilas. merados de BH”, relata um dos poli- crianças e cumprindo liberdade condicional
Onde está seu filho agora? ciais. adolescentes por tráfico, foi presa pela segunda
Foi embora para São Paulo, há uns três meses. Nunca mais tive “Todo mundo que trabalha nessa que usam vez, com pedras de crack prontas pa-
notícias dele e não sei o que está fazendo. A mãe dele vive área sabe que traficantes do interior maconha ou ra serem vendidas. A partir daí, os cin-
preocupada, dia e noite, e não tem conseguido dormir direito. recebem drogas que saem da Pedrei- crack na co irmãos de T. passaram a viver em
ra Prado Lopes (Noroeste da capital), zona rural casas de famílias conhecidas ou de
do Sumaré (Noroeste), do Cafezal são parentes. E ela, ex-doméstica desem-
(Centro-Sul), do Morro das Pedras crescentes pregada, não sabe como serão os pró-
(Oeste) e de outras favelas da Região Promotor Vanderson ximos meses de sua vida.
essa devastação provocada pelo cra- viço de inteligência da Polícia Civil Metropolitana”, acrescenta outro Vasconcelos, de O avanço do crack no interior de
ck significa uma tragédia social. Por- de Minas Gerais, com longa experiên- agente. Areado Minas representa também um au-
que todo mundo sabe da tradição de cia no combate ao tráfico de drogas. mento nos índices de violência. A
trabalho e respeito, onde os filhos Eles pediram para que não fossem FALTA DE LAZER E EMPREGO Central de Operações da Polícia Mili-
são bem criados. O crack está chegan- identificados e concordaram a dar ESTIMULA USO DA DROGA tar (Copom), na capital, divulga, to-
do lá, e isso significa a possibilidade depoimentos, na condição de não re- De acordo com levantamentos dos os dias, ocorrências de apreen-
de uma ruptura institucional muito velarem informações de casos sob in- das polícias Civil e Militar e da Justi- sões de drogas e prisões de trafican-
grande”, afirma a deputada. vestigação. ça, o crack está rompendo sua última tes nas mais variadas regiões do Esta-
Segundo Marina Maggessi, algu- Um dos policiais afirma que o cra- fronteira, dominando adolescentes e do.
mas regiões de Minas são apontadas ck, subproduto da cocaína, é conse- adultos nas pequenas cidades, distri- Furtos de objetos familiares e ce-
como áreas de tráfico intenso, como guido depois que a pasta-base, proce- tos, vilas e comunidades rurais do Es- lulares para vender são comuns, para
Montes Claros, por exemplo, que é dente da Colômbia, do Peru ou até tado, chegando antes da maconha. A a compra de pedras de crack. Mas o
considerada centro de expansão do mesmo de estados do Centro-Oeste cocaína ainda está restrita aos cen- que chama a atenção é o aumento
tráfico de cocaína. Mas, conforme do Brasil, chega aos laboratórios de tros urbanos com mais de 20 mil habi- das ocorrências de assassinatos moti-
alerta, o avanço do crack nas regiões refino dos traficantes mais abonados tantes, mas com registros crescentes vados pelo envolvimento com a dro-
rurais tem que ser combatido e evita- de Belo Horizonte. Ali, são produzi- de apreensões dessa droga também ga.
do. “Eu previ, há anos, que no futuro dos cocaína e crack, que depois são na roça. Mas o crack é preferido, por A Revista Brasileira de Psiquia-
o tráfico do crack iria aumentar dra- destinados aos distribuidores da capi- causa de seu baixo preço. As pedras tria informa que o homicídio é a prin-
maticamente. Fiz alertas às autorida- tal e ao interior. com poucas gramas são vendidas a cipal causa de morte entre usuários
des. Infelizmente, aconteceu”, diz. “Esses criminosos mantêm labo- R$ 10 ou R$ 15. Se o usuário não tem de crack no Brasil. Em um grupo de
ratórios nas periferias de cidades da 131 usuários acompanhados pelo es-
TRAFICANTES FOGEM DO Região Metropolitana de Belo Hori- tudo da revista, nada menos que 18%
RISCO DE SEREM PEGOS zonte ou próximas, como Juatuba, Ri- foram mortos em um espaço de cin-
Muitos traficantes não querem co anos.i
atuar nos centros urbanos, onde o ris-
co de serem descobertos e presos é
maior. Ao contrário das comunida-
Leia amanhã:
des rurais, onde esse perigo é menor.
A constatação é de três agentes do ser-
lavradores evitam
denunciar traficantes

40%
da cocaína apreendida
no Brasil pela polícia são
sob a forma de crack

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