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ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
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Artigos ISSN: 1984 - 2848
ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 10-19, Set. 2009/Dez. 2009
Nildo Viana
Resumo: Abstract:
O termo cultura possui inúmeras definições, tal The term culture has many definitions, such as
como tradição e memória. Assim, o primeiro ponto tradition and memory. So the first point to
a destacar no presente texto é o seu objetivo: emphasize in this text is its goal: to clarify the
esclarecer os conceitos de cultura, tradição e concepts of culture, tradition and memory, and
memória e, após isto, relacioná-los com o processo after that, relate them to the process of stay and
de permanência e ruptura em sua conexão com a break its connection with youth.
juventude.
Palavras-chave: Key-words:
Os conceitos são termos complexos que exigem uma análise aprofundada para
expressar seu significado. Os termos possuem múltiplos significados, dependendo da época e
de que os usam. O termo cultura possui inúmeras definições, tal como tradição e memória.
Assim, o primeiro ponto a destacar no presente texto é o seu objetivo: esclarecer os conceitos
de cultura, tradição e memória e, após isto, relacioná-los com o processo de permanência e
ruptura em sua conexão com a juventude. Isto tudo será feito a partir de uma determinada
perspectiva, de determinado referencial teórico-metodológico, que julgamos mais adequado,
mas que alertamos que não é o único, alerta que os doutrinadores nunca fazem.
Entre as centenas de definições de cultura, preferimos a de que ela é o conjunto
das produções intelectuais da humanidade. Logo, ao contrário de outras definições, não
colocamos a ―cultura material‖ como parte do conceito, nem a idéia de que cultura é a ―alta
cultura‖, a cultura das elites. Todos os seres humanos produzem cultura, isto é, produzem
idéias, saberes, concepções, etc., e, por conseguinte, não é privilégio de ninguém. Por
conseguinte, não existe ninguém que não tenha cultura. Quando se diz isso, se quer dizer, na
melhor das hipóteses, de que determinada pessoa não possui cultura erudita ou escolar e, na
pior, que é ignorante, o que revela apenas uma visão preconceituosa, pois todos os seres
humanos ignoram milhares de fatos, idéias, etc. e se julga mal aqueles que não em acesso
aquilo que temos. A idéia de que os costumes, cultura material, etc., significam cultura, ao
lado das produções intelectuais, serve para esvaziar o conceito, pois se tudo é cultura, ela
perde a possibilidade de esclarecer os fenômenos sociais.
A partir de nossa definição de cultura, que delimita o conceito, tornando-o restrito
ao mundo das produções intelectuais, representações mentais, podemos ainda ver que possui
enorme abrangência. A religião, a moral, a filosofia, a ciência, as obras literárias, as
representações cotidianas (vulgo ―senso comum‖), etc., são manifestações culturais. No
entanto, a cultura não é algo estático, vive em constantes mudanças. Entender estas mudanças
requer compreender o seu processo histórico de formação, suas divisões, etc. A cultura é
constituída socialmente e ela mesma é um fenômeno social. Ela não é produzida a partir do
nada e sim a partir das relações sociais concretas. A cultura camponesa tem sua base no modo
de vida camponês, tal como a moderna cultura urbana tem sua base no modo de vida moderno
e assim sucessivamente.
Durante o desenvolvimento histórico da humanidade ocorreu inúmeras mudanças
culturais, que sempre acompanharam as mudanças sociais. As grandes mudanças sociais, a
passagem de uma forma de sociedade para outra (a passagem da sociedade feudal para a
capitalista, ou da escravista para a feudal, por exemplo) promoveram grandes mudanças
culturais. No entanto, no interior de uma mesma forma de sociedade (feudal, escravista,
tributária, etc.) também ocorrem mudanças culturais. Porém, nada se compara ao ritmo de
velocidade das mudanças culturais na sociedade moderna. Para se compreender a velocidade
das mudanças culturais na sociedade moderna é preciso compreender esta sociedade e suas
características próprias e essenciais.
A sociedade capitalista moderna é radicalmente diferente das sociedades que lhe
antecedeu. É por isso que muitos sociólogos e outros especialistas opuseram as chamadas
―sociedades tradicionais‖ à chamada ―sociedade moderna‖, tal como Durkheim, W. W.
Rostow, entre outros. A oposição entre tradição e modernidade foi se consolidando e assim
surgiram os adeptos da modernidade e os defensores da tradição. A época na qual esta
oposição entre tradição e modernidade ficou mais visível foi durante o período no qual se
desenvolveu o processo da Revolução Francesa. Os primeiros defensores do tradicionalismo
foram os representantes intelectuais e populares do regime feudal, defendendo a moral, a
religião, a família. Os chamados ―pensadores conservadores‖, como Burke, De Maistre, entre
outros, foram os seus principais porta-vozes. Do outro lado, os representantes intelectuais e
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anteriores. No entanto, existe uma relação entre memória social e tradição. Esta relação se
revela no caso da população rural (ou, em períodos históricos anteriores, no conjunto da
população das sociedades chamadas ―tradicionais‖) cuja memória social é fortemente
marcada pela tradição, que veicula valores, sentimentos, etc., presentes e reproduzidas por
esta população. A memória social da população urbana é marcada por outros valores,
sentimentos, etc., tal como a valoração da tecnologia, do novo, do que é sofisticado (e,
portanto, inovação), para colocar um exemplo contrário. A base disto está na própria dinâmica
do modo de produção capitalista e de sua necessidade de reprodução ampliada do mercado
consumidor, que faz com que exista um acelerado desenvolvimento de mercadorias culturais,
tecnológicas, etc., e cuja expressão mais conhecida é a moda, substituída sucessivamente e em
várias esferas da vida (roupa, produtos eletrônicos, ideologias acadêmicas, cinema, arte, etc.).
A partir do pós-segunda guerra mundial isto se aprofundou e depois dos anos 80 a
descartabilidade se torna uma características da atual fase do desenvolvimento capitalista.
No entanto, a memória social pode abarcar toda a população de uma determinada
sociedade ou classes ou grupos sociais no seu interior. Da mesma forma, a seleção das
lembranças no interior dela é diferente em grupos sociais diferentes, embora possa haver
elementos comuns na memória social da totalidade da população.
A relação da juventude com a cultura, a tradição e a memória social é bastante
complexa. O conceito de juventude (bem como o construto ―adolescência‖, de caráter
psicologista ou biologista) é expressão de um grupo social que surge na sociedade moderna.
A palavra juventude surgiu antes da sociedade moderna, mas com significado bem diferente.
Na sociedade capitalista, não apenas o conceito de juventude aparece, mas o próprio grupo
social que denominamos juventude surge nesta sociedade. Aliás, é exatamente devido ao
surgimento deste grupo social que possibilita o surgimento do conceito de juventude, um
grupo etário. Nas sociedades simples (―pré-históricas‖, ―indígenas‖) não existe idéia de
juventude, pois a criança, depois do rito de passagem, passa imediatamente para o mundo
adulto. Nas sociedades de classes pré-capitalistas também não existia um grupo etário
intermediário entre as crianças e os adultos. É somente na sociedade capitalista que existe tal
grupo etário.
Por qual motivo surge tal grupo etário? Não é, como algumas ideologias
(psicologia, biologia, medicina, etc.), devido à faixa etária, a constituição biológica ou
qualquer outro motivo de origem natural, seja de caráter biológico, psíquico ou cronológico.
Se assim fosse, existiria juventude em todas as sociedades e já observamos sua inexistência
em sociedades não-capitalistas. O motivo da existência da juventude na sociedade moderna é
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permanência e da ruptura no plano cultural (e não só nele, mas é o que aqui iremos enfatizar).
Uma se caracteriza pelo apego ao passado, às tradições, aos sentimentos. Esta é a tendência
do romantismo. A outra se caracteriza pela apologia do novo, do futuro, do progreesso. Esta é
a tendência iluminista. Estas duas concepções se encontram tanto no mundo da arte e da
cultura em geral quanto da ciência, da filosofia e das representações cotidianas.
A visão romântica do mundo pretende congelar o tempo, conservar as tradições,
as relações sociais tradicionais, condenam o progresso, o novo, etc. A recusa do novo é uma
das características secundárias desta visão. O romantismo é predominantemente conservador,
mas possui um potencial crítico, que é quando entra em choque com as ideologias do
progresso e as apologias da sociedade capitalista. A visão iluminista, por sua vez, busca
superar as tradições, o passado e fazer a apologia do novo, do progresso, da tecnologia,
símbolo da inovação. A condenação do ―ultrapassado‖, do antigo, é uma característica
secundária desta visão. O iluminismo é progressista, mas em sua visão de progresso e não
possui um grande potencial crítico em relação ao desenvolvimento social contemporaneo,
ficando mais ao nível da apologia.
Estas tendências acabam influenciando a juventude, sendo que esta, em sua
maioria, tende a se alinhar com a visão iluminista e apenas alguns de seus segmentos se
aproximam do romantismo. Elas também influenciam as concepções científicas, filosóficas,
artísticas, etc., na sociedade em geral. No entanto, em uma análise teórica da cultura é preciso
superar tanto uma quanto a outra. Uma análise teórica da cultura não é neutra, passiva, e sim
engajada em determinada mentalidade e perspectiva. Ela é portadora de valores e sentimentos,
mas, no entanto, faz a reflexão, problematização, questionamento dos seus próprios valores e
sentimentos, inclusive buscando observar o seu processo de constituição social. Desta forma,
uma análise teórica (ao contrário da ideológica) é crítica. Uma análise teórica da cultura (e do
romantismo e do iluminismo) busca revelar suas bases sociais, os interesses, valores,
sentimentos, por detrás dela. Ao invés de ser marcada pela neutralidade de valores, é
caracterizada por apresentar valores explícitos e refletidos, e por descartar determinados
valores a partir de sua compreensão. No entanto, isto depende da escala de valores do
indivíduo que faz a análise, pois se a verdade for um valor mais importante para ele do que os
sentimentos agradáveis de recordações infantis, então a opção poderá ser tomada de forma
consciente. O que a análise teórica permite é, ao invés do indivíduo estar submerso no mundo
da cultura de forma acrítica, espontânea, como um peixe n‘agua, ele portar uma consciência e
capacidade crítica do seu mundo cultural, do qual ele emerge.
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Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO
VOL. 01, Nº 02, 10-19, Set. 2009/Dez. 2009
Assim, a tradição deve ser observada não como algo ―dado‖, ―estático‖,
―congelado‖, mas algo em constante mudança, convivendo com a permanência. A tradição
não pode ser um valor fundamental, pois suas bases sociais são predominantemente
conservadoras, embora existam aspectos nelas que são portadoras do novo, da crítica, e de
negação da sociedade existente, moderna, capitalista. As relações sociais tradicionais trazem
em si alguns elementos desvaloradas pela sociedade moderna justamente por entrar em
contradição com ela. As formas de solidariedade, a ausência da tendência
acumulativa/aquisitiva (e, portanto, consumista) que por vezes são encontradas na população
rural é um exemplo. No entanto, também elementos de autoritarismo, conservadorismo, etc.,
podem ser encontrados no mesmo espaço. Por isso, as tradições populares devem ser objeto
não de apologia ou recusa total, mas sim de resgate dos seus elementos críticos,
potencialmente contestadores da sociedade moderna e de crítica de seus elementos
conservadores. As tradições populares devem ser compreendidas como manifestações da
consciência contraditória, tal como colocaram o psicanalista Wilhelm Reich e o pensador
político Antonio Gramsci.
A modernidade, com a qual a maior parte da juventude se identifica, por sua vez,
faz apologia da sociedade moderna e vê a constante mutação, a inovação permanente, dentro
dos quadros restritos do capitalismo. Embora alguns setores da juventude consigam ir além da
ideologia moderna e suas manifestações culturais, isto é mais a exceção. O pensamento
moderno e sua manifestação nas representações cotidianas também possui contradições,
elementos conservadores e contestadores e é preciso saber identificar suas contradições e o
que pode ser resgatado. Obviamente que isto não pode ser feito nem do ponto de vista do
tradicionalismo nem do ponto de vista do modernismo, e sim de um terceiro ponto de vista,
que rompa com ambos a partir de uma teoria da sociedade moderna.
A juventude não sendo um todo homogêneo, pode se aliar a uma destas
tendências. Pode fazer o culto do passado e das tradições ou do futuro, do progresso e suas
ilusões, ou então pode realizar a crítica da sociedade existente e de suas posições e opções,
abrindo caminho para o que o filósofo Ernst Bloch denominou ―consciência antecipadora‖,
isto é, a visão do ―ainda-não-existente‖, a utopia, base valorativa e sentimental para uma
efetiva ruptura com o mundo atual e para a ―crítica desapiedada do existente‖ (Marx).
REFERÊNCIAS
Resumo Abstract
O presente artigo tem como propósito fazer uma The present article has like purpose does a historical
abordagem histórica dos estudos desenvolvidos sobre approach Of the studies developed on a human
a motivação humana, bem como apresentar as motivation, as well as to present no work as several
diversas motivações sociais apresentadas pelos social motivations presented by the individuals and in
indivíduos no trabalho e na sociedade de uma forma the society of a general form.According to a
geral.Segundo a concepção de ROMERO-GARCIA conception of ROMERO-GARCIA (1991), a conduct
(1991), a conduta humana no trabalho, e na vida em humanizes no work, and in the life in general, it
geral, seria guiada pela prevalência de forças would be guided by the predominance of originating
oriundas, por um lado, da "cultura maior"(sociedade strength, on a side, of the ' bigger culture ' (society in
em geral) e por outro lado da "cultura menor"(cultura general) and on the other side of the ' less culture '
industrial, desenvolvimentista). Para o referido (industrial culture, desenvolvimentista). Welded
pesquisador, os determinantes da "cultura maior"do parachutist the above-mentioned investigator, the
venezuelano e, cremos nós, dos latino-americanos em determinants of the ' bigger culture ' do Venezuelan
geral, envolveriam predomínio da adaptação, and, we believe knots, Latin-Americans of OF in
concepções negativas do trabalho, baixos níveis de general, they would wrap predominance of the
otimismo e esperança, baixos níveis de auto-estima e adaptation, negative conceptions it does work, low
fixação no presente e não no futuro. Por outro lado, levels of optimism and hope, low levels of auto-car
no plano da cultura menor, vigentes sobretudo em and fixation no present and not no future. On the
organizações prósperas e evoluídas, predominariam other side, no plan of the least culture, in force
forças na direção contrária às anteriormente descritas, especially in prosperous and evolved organizations,
que terminariam por levar os indivíduos a ela they would predominate that you force in the opposite
submetidos e esforços no sentido da superação do direction to when they were previously described,
subdesenvolvimento.Pesquisas conduzidas na what those who would end up taking the individuals
Venezuela (ROMERO-GARCIA, 1985) one she subjected and efforts no sense of the
demonstraram importante adaptação dos dois overcoming do underdevelopment.Inquiries when
modelos preconizados por Romero-Garcia com Venezuela (ROMERO-GARCIA, 1985)they
explicadores da conduta de nossos povos. Assim, no demonstrated important adaptation Of two models
Brasil, amostras tomadas da população em geral, extolled by Romero-Garcia with explainers of the
apresentam predomínio de forças oriundas da conduct of our people. So, no Brazil, samples been
"cultura maior"e outros grupos de sujeitos, overcome with the population in general, they present
pertencentes a organizações desenvolvidas, predominance of strength originating from the ' bigger
apresentam características fortemente baseadas na culture ' and other groups of subjects, pertaining
"cultura menor", salvo uma incômoda presença de developed organizations, present characteristics
níveis intermediários de poder e ainda elevados strongly based on the ' less culture ', it saves of
níveis de afiliação, tanto no trabalho como na vida artillery an uncomfortable presence of intermediary
em geral. levels of power and still elevated levels of affiliation,
so much none I work as in the life in general.
Palavras-chave: Key-Words:
Abordagem Inicial
Nos primórdios do pensamento Ocidental, este mundo pensava sob a forma de
alegoria, que é representação de uma idéia por meio de imagens, dando a alegorias um
simbolismo concreto, onde seus personagens são percebidos mais como a personificação de
uma idéia do que como pessoas. Platão demonstrou-se contrário a este modo de conhecer o
mundo, retomando a teoria de seu mestre Sócrates, que afirmava ser a idéia mais que o
conhecimento verdadeiro, ela é o ser mesmo, a realidade verdadeira, absoluta e eterna,
existindo fora e além de nós, cujos objetos visíveis são apenas reflexos.
A doutrina central de Platão é a distinção de dois mundos: o mundo visível,
sensível, ou mundo dos reflexos, e o mundo invisível, inteligível, ou o mundo das idéias.
Aristóteles, discípulo de Platão, o critica dizendo que idéia não possui uma
existência separada, pois só os indivíduos seriam reais, a idéia só existiria nos seres
individuais. Esse pensamento teve grande influência na filosofia de São Tomás de Aquino,
que afirma ser o conhecimento uma "adequação da inteligência com a coisa", e que a
felicidade do homem não se encontra nos bens exteriores, nem nos bens do corpo, nem nos da
alma; só se encontra na contemplação da verdade.
Anos depois, Descartes, apresentando a proposição - penso logo existo -
argumenta que o bom senso (razão) é o que existe de mais bem repartido no mundo, pois
todos consideram possuir o suficiente, defende que jamais devemos admitir alguma coisa
como verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal. Para conhecer faz-se
necessário a criação de um método que garanta o conhecimento como verdadeiro, uma vez
que nossos sentidos podem mentir para nós.
No final do século XVIII, este processo já estava influenciando e sendo
influenciado por todas as áreas do conhecimento, e vários campos da vida do ser humano se
tornaram foco de conhecimento, provocando o surgimento de uma nova concepção de
trabalho, baseado no auxílio da máquina, que veio modificar completamente a estrutura social
e comercial da época, desenvolvendo profundas e rápidas mudanças de ordem econômica,
política e social - a Revolução Industrial. Com a mecanização da indústria e da agricultura,
com o desenvolvimento fabril e uma grande aceleração dos transportes e da comunicação,
cresce o papel das organizações na sociedade, abrindo a possibilidade de um novo foco de
estudo, que são as organizações.
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 22
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009
Este novo campo nasce no princípio do século XX, com a proposta de melhorar o
processo de trabalho, mantendo a tradição do Ocidente, que se fundamenta no princípio da
razão. O estudo da racionalização do trabalho foi acompanhado de uma estruturação geral da
empresa e ao tornar possível e coerente sua aplicação, abre-se a possibilidade de um
embasamento mínimo para se estruturar um novo modelo que vai ao encontro do pensamento
reinante da época, pensamento este que se vê dominado pela idéia de ação, resultado,
hierarquia, especialização, divisão do trabalho etc.... As deficiências deste modelo fazem com
que se proponha um novo foco na teoria das organizações que é o elemento humano, e se
torna possível pensar um novo modelo que se utilizou de conceitos transportados de outras
ciências com a sociologia, a antropologia e a psicologia, baseando-se em crenças, valores,
satisfação, realização, autodesenvolvimento, responsabilidade, comportamento e liderança.
No próximo tópico será abordada a evolução da relação homem e empresa dentro
das teorias de administração.
A idéia básica que norteou a Escola das Relações Humanas, e todas as outras
que, continuaram o trabalho, iniciado por ela, é que se conseguirmos um meio de fazer com
que os interesses pessoais dos indivíduos coincidam com os das organizações, ganham todos,
empregados e organizações. Aqueles, porque alcançarão realização profissional e satisfação
pessoal com a ajuda das organizações, estas porque contarão com empregados motivados e
engajados, defendendo interesses mútuos.
A seguir serão abordados o conceito e as várias teorias de motivação envolvendo
os indivíduos tanto na vida em geral como no trabalho.
Os Behavioristas e a Motivação
Os Cognitivistas e a Motivação
situação é ocasionada pelos motivos e cognições próprios do momento em que faz a escolha
(AGUIAR, 1992).
A teoria dos dois fatores de Frederick Herzberg distinguiu duas amplas categorias
de fatores que afetam as pessoas no desempenho de seus cargos (HERZBERG, 1966).
Uma dessas categorias é constituída por fatores motivacionais, relacionados com a
tarefa propriamente dita e que são responsáveis pela satisfação no trabalho, sendo que dentro
desses fatores existem aqueles mais relevantes que estão relacionados com a realização da
tarefa, reconhecimento, responsabilidade, desenvolvimento e características específicas do
trabalho.
A outra categoria é composta pelos fatores higiênicos, que estão mais
relacionados com a ambiência do trabalho e a insatisfação, sendo que dentro desse contexto
foram considerados os fatores de maior relevância o status, as relações interpessoais, a
política organizacional, a segurança e os salários.
Herzberg concluiu que os fatores higiênicos criam um clima psicológico e
material saudável e influenciam a satisfação com as condições dentro das quais o trabalho é
realizado, pois quanto melhores as relações entre colegas e tratamento recebido pelo gerente,
melhor será o clima, mais higiênico o ambiente. Da mesma forma, quanto mais contente a
pessoa estiver com seu salário, menor será sua disposição para reclamar de sua relação com a
empresa, desenvolvendo, conseqüentemente, maior satisfação do trabalhador com o ambiente
de trabalho.
Níveis mínimos de fatores higiênicos, como status, salário e sgurança, são
importantes, mas quando presentes não causam satisfação: apenas impedem a insatisfação
(HERZBERG, 1966).
As condições ambientais, no entanto, não são suficientes para induzir o estado de
motivação. Para os trabalhadores se tornarem positivamente motivados a realizar suas tarefas,
é necessária uma atenção constante a fatores como reconhecimento, responsabilidade,
desenvolvimento individual, para que a sintonia com o trabalho esteja presente facilitando
assim o exercício das habilidades e aptidões, desses trabalhadores (HERZBERG, 1966).
sendo que uma necessidade deve estar razoavelmente satisfeita antes que outra se manifeste
prioritária. As necessidades em ordem ascendente são:
1) Fisiológicas (comida, água, sexo e abrigo)
2) Segurança (proteção contra ameaça ou privação)
3) Sociais ( amizade, afeição, aconchego e amor)
4) Auto-estima (status, reconhecimento, atenção e autonomia)
5) Auto-realização ( conscientização do próprio potencial: tornar-se tudo de que se é
capaz)
Teoria de McClelland
Romero Garcia (1991), com base nos achados de McClelland desenvolveu alguns
componentes motivacionais que buscam identificar o estilo de motivação dos indivíduos nas
organizações, sendo esses componentes as metas, a instrumentação e os resultados.
Metas
Instrumentação
responsável pelo resultado, porém se deve tomar cuidado para que não existam invasões de
caminhos, com o propósito de se evitar que certas condutas sirvam à vários motivos.
Resultados
ajuda do ponto de vista de busca da realização, o que realmente conta para ela é o crescimento
do outro, ou seja, o êxito do receptor da ajuda é a recompensa do ofertante. Também, a
motivação para a realização se expressa no exterior quando a pessoa crê ou faz algo que
realmente contribui com o desenvolvimento econômico da organização, da comunidade ou da
sociedade como um todo.
Romero Garcia (1991), com base em seus estudos, define crescimento psicológico
como o processo através do qual a pessoa gera construções integradoras cada vez mais
complexas sobre sua realidade interior (individual) e exterior (social) que significam evoluir
como ser humano, e afirma que o crescimento psicológico é produzido pelas motivações
positivas de resultado, poder e afiliação.
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 33
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009
TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL:
A PRODUÇÃO ESPACIAL SOB
O REGIME DE ACUMULAÇÃO INTENSIVO-EXTENSIVO
Resumo Abstract
O espaço é locus, ou seja, localização das coisas, The space is the locus, or location of things,
ações, instituições, pessoas, objetos etc. O espaço é actions, institutions, people, objects etc.. The
ele próprio um elemento inextrincável da space itself is an inextricable element of
sociedade, ou seja, não há sociedade a-espacial, society, ie, there is no society-space out of
fora do espaço. É nesta perspectiva que space. Hence I would discuss the idea. Like the
abordaremos a idéia. Tal como a economia, economy, politics, culture, etc. axiology., Space
política, cultura, axiologia etc., também o espaço é is also a social structure, and ontological
uma estrutura social, imanente e ontológica à immanent to society. This approach has the
sociedade. Esta perspectiva tem o mérito de merit of recognizing the materiality of space,
reconhecer a materialidade do espaço, de iniciar as start thinking about their history, about the
reflexões sobre sua historicidade, sobre o conteúdo historical content of social space.
histórico do espaço social.
Palavras-chave: Key-Words:
Territorialização; Espaço; Acumulação Intensivo- Territorialization; Space; Accumulation
Extensivo Intensive-Extensive
O que não está em nenhum lugar não existe, já asseverava Aristóteles. Entretanto,
mais do que meramente ser o locus, ou seja, localização das coisas, ações, instituições,
pessoas, objetos etc. o espaço é ele próprio um elemento inextrincável da sociedade. Milton
Santos ao iniciar as formulações do que ficou conhecido no pensamento geográfico como
―paradigma sócio-espacial‖ introduz a ideia de Formação Sócio – Espacial, ou seja, não há
sociedade a-espacial, fora do espaço.
É nesta perspectiva que ele cunha em ―Por Uma Geografia Nova” a idéia de
espaço como ―instância da sociedade‖ (SANTOS, 1978). Tal como a economia, política,
cultura, axiologia etc., também o espaço é uma estrutura social, imanente e ontológica à
sociedade. Esta perspectiva tem o mérito de reconhecer a materialidade do espaço, de iniciar
as reflexões sobre sua historicidade, sobre o conteúdo histórico do espaço social. Representou
um avanço na compreensão da sociedade, pois trouxe à baila uma discussão que era mais ou
menos negligenciada. Contribuiu também para uma nova leitura do espaço.
É claro que ele não retirou esta perspectiva do nada, somente de sua mente
inventiva, mas insere-se numa tradição de pensadores que já vinham incluindo na crítica
social a análise do espaço. Cito, no âmbito da ciência geográfica, a emergência do
pensamento de Pierre George e Bernard Kayser, nos anos de 1950, com a idéia de ―Geografia
Ativa‖. A crítica produzida no final da década de 1960 e nas de 1970 e 1980 nos Estados
Unidos, onde o pensamento de Wilian Bunge e David Harvey se destacam; na França, o
pensamento de Yves Lacoste, Paul Claval etc.; na Itália, as pesquisas de Massimo Quaine; na
Espanha, os trabalhos de Horácio Capel etc. Em outras áreas, a crítica ao urbanismo
produzida pela Internacional Situacionista, a idéia de espaço socialmente construído presente
em Henri Lefebvre, a análise do espaço urbano feita por Manuel Castells etc. São provas de
que seu pensamento segue uma trajetória que a história lhe coloca.
Em todo caso importa-nos a idéia de espaço como sendo uma produção social,
uma condicionante da produção e reprodução social, como imanente à sociedade e também
como tendo uma ontologia própria. Por ontologia espacial, estamos designando aqui o fato de
o espaço ser passível de análise, posto que pode ser traduzido em conceito e apreendido por
categorias próprias. Estas características nos permitem indicar elementos para a compreensão
da sociedade vista sob a ótica geográfica, ou seja, da sua territorialização ou materialização
espacial. Nesta perspectiva, indagamos: como se materializou territorialmente o regime de
acumulação intensivo-extensivo? Quais os princípios e as implicações de sua
territorialização?
Utilizaremos aqui a terminologia empregada por Viana (2003) em sua análise dos
estágios ou das fases pelas quais passou o modo de produção capitalista. Ele denomina regime
de acumulação cada uma destas fases. Um regime de acumulação é uma forma assumida pelo
estado, pelo processo de valorização do capital e pelas relações internacionais1. A combinação
destes elementos caracteriza distintas fases do modo de produção. O ―fordismo‖ é uma delas.
Entretanto, para ele, a expressão ―fordismo‖ não reflete de maneira adequada a realidade que
busca explicar, pois refere-se somente ao processo de valorização do capital, ficando os dois
outros elementos componentes do regime de acumulação negligenciados. Para resolver este
1
―O desenvolvimento capitalista é marcado pela sucessiva mudança no regime de acumulação. Um
regime de acumulação é constituído por uma determinada forma assumida pelo processo de valorização, uma
determinada forma de organização estatal e um modo específico de relações entre os países capitalistas, ou seja,
de relações capitalistas internacionais‖ (Viana, 2003, p. 83)
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 37
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009
2
Para Viana (2003), a sucessão dos regimes de acumulação se deu da seguinte maneira. O primeiro
regime de acumulação é o extensivo, caracterizado pelo estado liberal, pela extração de mais valia absoluta e por
relações internacionais fundadas no neo-colonialismo. Sucede-o o regime de acumulação intensivo, fundado na
extração de mais valia relativa, no estado liberal democrático e relações internacionais de cunho imperialista. O
seguinte é o intensivo-extensivo, baseado na extração de mais valia relativa nos países de capitalismo central e
absoluta nos de capitalismo subordinado, pelo estado integracionista, de bem-estar-social ou keinesiano e por
relações internacionais fundadas no imperialismo oligopolista. Por último, o regime de acumulação integral, que
se desenrola ainda em nossos dias, é caracterizado pelo aumento da extração de mais valia absoluta e relativa
tanto nos países de capitalismo central quanto subordinado, pelo estado neo-liberal e por relações internacionais
calcadas no neo-imperialismo.
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 39
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009
competitivos, vorazes na busca por hegemonia no ramo de produção no qual atuam. A própria
lógica da produção capitalista o impele a se expandir constantemente. Assim, para que este
regime de acumulação se implante e se mantenha, é necessária uma determinada forma de
produção espacial que lhe seja peculiar. Foi com este regime de acumulação que pode-se ver
toda uma movimentação em termos de re-alocação em escala internacional de capital
produtivo. Onde estes capitais são implantados, ocorre um processo de re-organização
espacial, na qual as localidades que o recebem são submetidas a uma nova lógica, a lógica da
exploração capitalista, com tudo o que isto implica. O que se observa, desta maneira, é que o
modo de produção capitalista é um modo de produção espacial (como todo modo de
produção).
Lipietz (1996) demonstra como neste regime de acumulação a formatação
espacial se dá. Nos países de capitalismo avançado (fordismo central) ocorreu um intenso
processo de êxodo rural. Entretanto, isto não representou um maior crescimento das
metrópoles em detrimento das cidades médias e pequenas. Ao contrário, em países como
Estados Unidos e França, por exemplo, a organização ―fordista‖ da rede urbana implicou na
criação de ramos industriais inter-regionais cuja materialização no espaço foi o reforço da
criação de áreas de concepção e gestão da produção. Nesta concepção, as cidades médias
assumem papel importante como locus de territorialização do aparato produtivo e as
metrópoles assumem a responsabilidade da gestão e concepção da produção. Deste modo, o
produto foi a industrialização e conseqüente urbanização das cidades médias.
Já nos países de capitalismo subordinado (fordismo periférico) fenômeno
diferente se passa. Também o êxodo rural é uma característica marcante. Porém, o destino dos
migrantes não são as cidades médias, mas sim as metrópoles. A penetração de capital
produtivo dos países de capitalismo avançado nos de capitalismo subordinado é a maneira
encontrada de valorizar o capital, buscando contornar a tendência declinante da taxa de lucro.
Este processo implicou na criação das famosas empresas multinacionais. Estas corporações se
instalaram predominantemente em áreas cujas condições necessárias à produção já estavam
instaladas. As metrópoles foram seu palco. Assim,
(...) nos países do Sul, onde desenvolveu um ―fordismo periférico‖ fundado sobre
salários muito baixos, a megapolização (isto é, o crescimento explosivo de uma ou
duas metrópoles por país) tornou-se regra geral. Os camponeses, os mestiços ou
indígenas, fugindo do campo, precipitaram-se em direção às capitais regionais e de
lá em direção ao grande centro urbano do país, aquele onde o mercado de trabalho
era mais ativo. Por outro lado, as empresas nacionais ou estrangeiras, em busca de
mão de obra abundante e barata, foram instalar-se nas megalópoles, convalidando
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 40
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009
espaço se deu. Ao passo que os países de capitalismo subordinado, pela sua situação de
subordinação dentro das relações internacionais, lhes determinou um maneira extensiva de
produção do espaço: crescimento acelerado das principais cidades, posto que estas são as
sedes das multinacionais, aumento e generalização das favelas e cortiços etc. Isto pode ser
verificado em várias cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Cidade do México, Johanesburgo,
Cairo etc. Isto não é uma mera coincidência, mas sim um processo concretamente e
historicamente determinado. A história do modo de produção capitalista é uma historia do
modo de produção espacial capitalista
Assim, para concluirmos, a forma assumida pelas cidades inserem-se numa dada
estrutura e desempenham uma determinada função. Forma, estrutura e função (LEFEBVRE,
2001) são também categorias que nos auxiliam a olhar o mundo e compreendê-lo a partir de
sua dimensão espacial. Comparativamente, os ―fordismo periférico‖ e ―central‖ assumiram
formas e funções espaciais diferenciadas dentro da estrutura ou melhor, para utilizar uma
linguagem mais precisa, do modo de produção capitalista.
REFERÊNCIAS
Resumo: Abstract:
Esta proposta de estudo pretende compreender a The proposed study aims to understand the
possibilidade do uso da metodologia qualitativa possibility of using qualitative methodology
aplicadas aos trabalhadores rurais, com o destaque applied to rural workers, with the focus on oral
na história oral como forma de resgate da memória history as a way to rescue the memory and the
e a construção da história de vida das lideranças em construction of the life history of leadership in
Goiás Goiás.
Palavras-chave: Key-words:
Teoria dos campos – capital - habitus – estratégia -
Field theory - capital - habitus - Strategy -
Metodologia qualitativa – história oral.
Qualitative research - oral history.
A construção do projeto
Quando se pensa em um objeto de pesquisa, deve-se de antemão compreender que a
apreensão da realidade não se dará de modo homogêneo, nem tampouco que o pesquisador
conseguirá atingir uma verdade absoluta dos fatos. A pesquisa trata-se, no entanto, de uma
busca por fatos plausíveis que têm por objetivo final abrir caminhos para novos estudos e
novas abordagens.
Um estudo é sempre um repensar de práticas, opções teóricas e metodológicas.
Temos ao nosso dispor dilemas teóricos que dizem respeito ao fato de que nossos objetos de
pesquisa são pessoas dotadas de historicidade próprias que, por mais que tentemos desvelar os
nexos de suas vidas em relação com a História de uma época, não somos capazes de fazê-lo.
Somos intérpretes de práticas que nem sempre esses agentes gostam de lembrar ou muitas
vezes, têm outras posições de fala.
Para tanto, apreender em um espaço de tempo certas falas é admitir a pesquisa
sociológica como a construção de um enorme quebra-cabeça que inicia com um projeto,
pensado pelo agente-pesquisador e se encerra provisoriamente com o processo da pesquisa
propriamente dita, com dados buscados e interpretados. Conforme frisado anteriormente, o
que chamamos de resultado não se trata de uma realidade final, absoluta, mas uma
possibilidade de análise. Ele deve abrir caminhos para novas pesquisas, com novos olhares e
novas interpretações. José Vicente Tavares nos convida a ver essa postura diante do
conhecimento como
um novo espírito científico que se define pela criação e produção de noções e
conceitos capazes de construir verdades relativas, por um procedimento de
incessante aproximação da verdade dos processos, dos detalhes, dos sonhos que
constroem o social. (LANG, 1985)
Ao encontrar um ator plural, agente, Bourdieu nos fez um belo convite de atuar
etnograficamente, principalmente ao encarar o objeto de estudo, no caso o campo agrário,
enxergando a multiplicidade das lógicas da ação, seja discutindo a incorporação do social ou
da aquisição de disposições duráveis que os agentes no movimento acabam incorporando.
Neste sentido nos alertou para o fato de que enquanto agentes, no sentido em que
se possuem pertenças a serem construídas e a construir agentes a todo instante, as teorias que
se pretendem generalizantes nos furta o olhar para as especificidades desse ator, ao mesmo
tempo identificado e complexo, que faz e se faz no habitat social. Esta atenção à unidade do
ator é por ele criticada na forma do subjetivismo, ao se ater de modo exclusivo ou
preponderante ao universo das representações, preferências, escolhas e ações individuais.
Falta-lhes o senso crítico para entenderem as condições objetivas que explicariam o curso da
experiência prática subjetiva.
O indivíduo é para Bourdieu muito mais do que um sujeito, mas um ator
socialmente descrito nas formas de seus gostos, preferências, aptidões, escolhas, o que nos
permite afirmar que ele é socialmente construído.
Quanto à crítica às abordagens que pretendem excluir o sujeito da ação coletiva,
como é o caso do objetivismo, Bourdieu revela que faltaria nessas abordagens uma teoria da
ação capaz de explicar os mecanismos da mediação entre a estrutura social e a ação
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 44
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009
Vê-se que o habitus não é uma norma rígida, mas muito mais uma relação
dinâmica que orienta o sistema de disposições dos indivíduos, mas que ao mesmo tempo, a
depender das condições, pode ser modificada pela inserção em outros contextos sociais.
Cada agente quer saiba ou não, quer queira ou não, é produtor e reprodutor de
sentido objetivo porque suas ações e suas obras são produto de um modus operandi
do qual ele não é o produtor e do qual ele possui o domínio consciente; as ações
encerram, pois, uma ‗intenção objetiva‘, como diria a escolática, que ultrapassa
sempre as intenções conscientes (BOURDIEU, 2000)
determinados grupos (Catani, 2004). Esse elo entre agentes e grupos visa formar ligações
permanentes e o papel das instituições sociais é o de provocar o ajustamento necessário de
modo a excluir trocas ou práticas ilegítimas, seja ao produzir ocasiões (saraus, concertos,
cruzeiros) ou práticas (esportes chiques, gosto musical, etc).
O habitus, entendido como produto de esquemas gerativos que determinam as
escolhas e como tributário de determinadas classes, torna-se o principal responsável pela
geração de capitais sociais, que por sua vez, serão determinantes no que nas palavras de
Bourdieu podem ser chamadas de ―futuro de classe e causalidade do provável‖.
A luta de classes pode, dessa forma, ser visualizada como o estilo de vida das
diferentes classes sociais. A causalidade do provável aparece como a mediação entre o habitus
e as práticas deles advindas das heranças dos tipos de capital, que pode ser visualizado em
três modos: 1) no estado incorporado, sob a forma de disposições duráveis. Sua incorporação
necessita de inculcação e assimilação; 2) no estado objetivado, sob a forma de bens culturais
(a aquisição do gosto e entendimento pela leitura, quadros, obras de arte); 3) no estado
institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que guardam relativa
independência em relação ao portador do título.
O futuro de classe depende, além das disposições do capital, do sistema de
estratégias de produção, que podem ser definidas como seqüências ordenadas e orientadas de
práticas que todo grupo produz para reproduzir-se enquanto grupo. Catani cita exemplos de
estratégias: fecundidade, limitando-se o número de filhos, reduzindo o total de pretendentes
ao patrimônio, sucessórias, relativas à transmissão de patrimônio, educativas, conscientes e
inconscientes como investimentos de longo prazo, ideológicas, aquelas que visam legitimar os
privilégios, naturalizando-os.
Assim, é na mediação entre o capital e as estratégias de reprodução que
determinados grupos serão responsáveis pela reprodução dos sistemas dominantes na
estrutura social. Os detentores de capital não podem manter sua posição na estrutura social
―senão ao preço das reconversões das espécies de capital que detêm, em outras espécies mais
rentáveis e/ ou mais legítimas no estado considerado dos instrumentos de reprodução‖
(BOURDIEU, 1979).
mediante as disposições duráveis dos atores ao entrarem em uma situação e um habitus‖. Isso
quer dizer que na teoria praxiológica faz-se necessário, além de identificar os três conceitos
supra citados, convém destacar o objeto de disputa que os agentes buscam, a forma de capital
que acumulam para consegui-lo, bem como que conjunto de maneiras utilizarão para isto.
O que entendemos por ―situação‖ é chamado na linguagem bourdieniana como
campo. O campo é um espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente
autônoma em relação a outros campos sociais. Contudo, no seu interior encontraremos
conflitos, objetivos específicos e objetos de disputa peculiares que serão responsáveis por sua
estruturação e funcionamento.
Vale ressaltar que a compreensão da lógica de cada campo só é inerente aqueles
que participam do jogo. Bourdieu afirma que
3
Adoto aqui uma idéia de fonte oral enquanto técnica, conforme cita Lang (1999)
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 49
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009
discursos de legitimidade sobre a reforma agrária. Cabe destacar qual agente coletivo teria o
capital social necessário para melhor se fazer representar no interior do campo. Entendendo os
agentes coletivos como sub-campo de um campo maior – no caso agrário – a igreja, através
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento Sem Terra (MST) e a Federação dos
trabalhadores agrícolas em Goiás (FETAEG)4 têm em comum o fato de que todas as suas
práticas estão orientadas para a aquisição de uma autoridade de agir em nome da causa dos
despossuídos da terra.
Com o objetivo de obterem o maior reconhecimento enquanto grupos em disputa
no campo, esses agentes coletivos dispõem de um arsenal de estratégias que visam
satisfazerem os seus interesses. Seria ingênuo acreditar que existe uma busca meramente
política nos embates travados. Trata-se muito mais do que isto; Quando se fala na defesa da
terra para todos entram em combate idéias, projetos históricos, interpretações e
conhecimentos relativos à sociedade inteira e não só a um grupo específico. (RODRIGUES,
2000: 40)
Quando Stédile, líder do Movimento Social dos Sem Terra, afirma que o
diferencial do MST refere-se a um tipo de estratégia utilizada, que visa diferenciar esse
movimento agrário de outros movimentos. Assim, reconhece-se nessa peculiaridade do MST
uma das estratégias pela qual esse agente coletivo tende a garantir o respeito dos outros
agentes e campos e a impor um modelo do que é ser movimento organizado que melhor saiba
representar os trabalhadores em uma luta por seus interesses. Esse discurso é produzido e
reproduzido em consenso por todas as militâncias. Cabe indagar no trabalho de campo se
afirmação dessa estratégia faz parte da criação de uma memória coletiva, produzida em qual
espaço e por qual agente em questão.
Quando observamos a literatura que trata da questão agrária no Brasil percebe-se
claramente que suas análises se centram, na maioria das vezes, em um enfoque estrutural,
discutindo o avanço das relações capitalistas de produção no campo, com o uso de
metodologias que pouco usam da experiência de luta dos trabalhadores rurais. No lado
oposto, quando se pretende dar ―voz‖ aos excluídos, percebemos a utilização de metodologias
de resgate de uma memória coletiva enquadrada, cabendo-nos perceber os motivos e sentidos
da criação desse tipo de discurso.
Segundo Pollak (1989), esse tipo de memória implica em uma forte oposição
entre o subjetivo e o objetivo, entre a reconstrução de fatos e as reações e sentimentos
4
Na nossa pesquisa pretendemos descrever a ação de um desses agentes na luta pela terra.
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 50
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
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pessoais. Isso nos leva a crer que os movimentos sociais com seus guardiões da memória
seriam responsáveis por um tipo de repertório criado e reproduzido a partir da fala desses
líderes ao movimento, criando uma forma homogênea de se pensar e produzir História.
O resgate da memória dos trabalhadores rurais deve nos permitir compreender e
diferenciar essa memória produzida, passível de enquadramento, e uma memória subterrânea,
que seja capaz de descrever os percursos e rumos tomados pelos integrantes no movimento no
decorrer de suas lutas.
Vale salientar que esse discurso hegemônico capaz de produzir memórias é o que
faz de um militante liderança. Compreender o processo de produção desse discurso é também
perceber como se formou a liderança. No entanto, devemos nos policiar quanto à confusão
existente entre história oral e sua unidade, que é a entrevista. Segundo Araújo Sá (1988):
Considerações finais
Conforme pôde ser visto, o uso da pesquisa qualitativa nos permite
compreender como se encontram articulados os agentes formadores de lideranças rurais em
Goiás, por meio da compreensão da teoria dos campos, segundo P. Bourdieu. Portanto,
entender o mercado que é o epicentro da questão agrária no Brasil, nos permite visualizar um
campo agrário, cuja estrutura pode ser identificada pelo estado de força entre os protagonistas
em luta, agentes plenamente organizados, cujo MST se destaca como um desses agentes.
Identificar a relação entre o MST e os outros agentes coletivos, constitui o desafio para uma
pesquisa de campo.
A pesquisa qualitativa pode nos fornecer, também, subsídios para o entendimento
de como se dá a formação das lideranças, a partir da compreensão de três conceitos-chave:
habitus, capital e estratégias. Através da História oral podemos recolher memórias individuais
e coletivas por meio das entrevistas e histórias de vida e interpretar esse material de modo a
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 51
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009
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Estácio de Sá – Ciências da Saúde.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 54-65, Set. 2009/Dez. 2009
Resumo: Abstract:
O tema do presente trabalho procura analisar a The theme of this paper analyzes the
relação entre movimento estudantil e trajetória relationship between the student movement and
individual no interior da universidade no track individual within the University towards
sentido da aquisição de saber. Este tema é um the acquisition of knowledge. This theme is a
tema pouco abordado pela sociologia da subject rarely addressed by the sociology of
educação, o que expressa uma lacuna nesta education, which reflects a gap in this particular
sociologia especial. A importancia de nosso sociology. The importance of our subject is to
tema está em analisar os fatores que analyze the factors that enable some individuals
possibilitam que alguns indivíduos provenientes from the underprivileged classes able to
das classes desprivilegiadas consigam sucesso academic success. The student movement has
acadêmico. O movimento estudantil acaba been one instance socializing of most students.
sendo uma instância socializadora de grande Hence the research problem we raised: what is
parte dos estudantes universitários. Daí o the role of the student movement in the
problema de pesquisa que levantamos: qual é o socialization process of individuals coming
papel do movimento estudantil no processo de from the underprivileged classes who achieve
socialização de indivíduos provenientes das academic success on?
classes desprivilegiadas que conseguem relativo
sucesso acadêmico?
Palavras-chave: Key-words:
*
Professora da Universidade Paulista – Campus Goiânia.
1
Trabalho financiado pela Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIP – Universidade
Paulista.
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 55
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.
dificultam este processo. Este é o caso dos indivíduos provenientes de famílias pobres e de
baixo ―capital cultural‖. Apesar disso, muitos conseguem superar esta determinação negativa,
o que revela a importancia de nosso tema: analisar os fatores que possibilitam que alguns
indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas consigam sucesso acadêmico.
O movimento estudantil acaba sendo uma instância socializadora de grande parte
dos estudantes universitários. Daí o problema de pesquisa que levantamos: qual é o papel do
movimento estudantil no processo de socialização de indivíduos provenientes das classes
desprivilegiadas que conseguem relativo sucesso acadêmico? Desta forma, o tema é relevante,
atual, e um problema de pesquisa cuja resposta contribui com a sociologia da educação e com
os processos de compreensão da universidade na nossa sociedade, e um dos seus aspectos
mais importantes e esquecidos, o da ação de elementos extra-acadêmicos na formação
acadêmica.
O universo de nossa pesquisa foi composto pelos estudantes universitários
oriundos de famílias de baixo capital cultural e por indivíduos que conquistaram relativo
sucesso no campo acadêmico e também oriundos de famílias culturalmente desfavorecidas.
Para concretizar isto, delimitamos o espaço social dos estudantes atuais, selecionando alunos
que atualmente estudam em universidades de Goiânia e que são provenientes de famílias
culturalmente desfavorecidas e possuem alguma relação com o movimento estudantil
universitário.
Mas o foco foi em torno dos locais onde o movimento estudantil é mais
estruturado, e como a força deste movimento é mais perceptível na Universidade Federal de
Goiás e na Universidade Católica de Goiás, então efetuamos a pesquisa com estudantes destas
universidades. No que diz respeito ao espaço social daqueles que já obtiveram relativo
sucesso no campo acadêmico, selecionamos os profissionais que tiveram sua formação nas
universidades de Goiânia, e que hoje atuam profissionalmente ou demonstram qualquer outro
elemento que revele seu sucesso acadêmico, provenientes de famílias culturalmente
desfavorecidas e que tiveram alguma atuação no movimento estudantil, visando descobrir sua
trajetória individual e os reflexos desta atuação no seu sucesso.
Utilizamos complementarmente uma investigação documental, buscando nos
documentos do movimento estudantil analisar o quantum e o tipo de capital cultural que
veiculam, para comparar com o capital cultural escolar e verificar se existe uma
correspondência que justificaria se pensar numa contribuição deste ao sucesso acadêmico dos
indivíduos que atuam nele.
Como se tratou de uma pesquisa de caráter qualitativo, delimitamos um número
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da educação de Bourdieu?
Partindo da percepção de que existem estudantes oriundos de famílias portadoras
de baixo capital cultural e que conseguem relativo sucesso acadêmico, é preciso explicar as
razões da ocorrência deste fenômeno. São, pois, trajetos individuais que conseguem um
relativo sucesso no meio universitário, mesmo não sendo oriundos das classes privilegiadas.
Em outras palavras, são estudantes cuja origem de classe é desprivilegiada, mas que devido a
uma trajetória singular conseguem burlar as condições inscritas objetivamente na estrutura de
classe à qual pertencem. São poucos, segundo Bourdieu, que conseguem ―driblar a estrutura
social e transformar sua perspectiva de mobilidade social individualmente por meio de um
processo de aculturação onde a negação de sua cultura e modo de vida é uma das maneiras de
subverter a ordem de classes‖ (Queirós, 2001: 58-59).
A quantidade de informação que o indivíduo retém determina, pois, as chances de
se realizar com relativo sucesso no meio acadêmico. Mas como então, entendermos que
determinados estudantes conseguem fazer a inversão e apropriarem-se com sucesso de
conteúdos que não tinham nenhuma relação direta com os seus universos culturais, ou seja,
conteúdos que não são familiares às suas classes de origem?
A sociologia reprodutivista (Bourdieu, Passeron, Baudelot, Establet, Althusser)
aponta a pequena probabilidade de tal inserção. A sociologia de Bourdieu, ao trabalhar com o
conceito de capital cultural – quantum de informação social –, explica como é dificultado este
processo de mobilidade. Ele coloca que o que favorece a inserção em dado campo, ou seja,
em certo espaço onde se travam lutas por posições, é justamente a quantidade de informação
que os atores retêm – como o seu capital lingüístico, que tende a acirrar a disputa e determinar
as posições dos atores.
Vamos a seguir, lançar mão das teorias de Bourdieu e Passeron para mostrar como
se dá a reprodução no campo educacional e a partir desta análise elucidar as possibilidades
que certas trajetórias individuais abrem ao serem consideradas na sua especificidade: a
reestruturação do habitus, a reformulação do capital cultural ―nativo‖ e a reformulação do
capital lingüístico, são importantes elementos no processo de mudança.
O ponto de partida destes autores é a afirmação de que toda ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois impõe um arbitrário cultural e esta imposição mascara, oculta
as relações de força, que estão na base do poder que a engendra.
Sendo assim, ―as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos,
mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da
sociedade global‖ (Ortiz,1994:15).
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necessário para a permanência no campo acadêmico e, assim, não conseguem nem sequer
garantir uma posição marginal no mesmo.
Há outro elemento relevante para a análise de Bourdieu, o conceito de capital
cultural, que anteriormente elucidamos e agora tentaremos especificar mais detalhadamente.
Cada indivíduo recebe um quantum social de informações desde o nascimento, e a família é
determinante na definição deste capital cultural, pois o capital cultural já encerra ou abre as
possibilidades de inserção numa dada classe ou grupo social. Em outras palavras, quando os
estudantes ―chegam‖ nos meios acadêmicos trazem um certo quantum de capital cultural e
uma tendência para aprovar todo o conjunto de significações que especificam o meio
acadêmico (desde a indumentária até os símbolos mais sutis: os exames e outros), ou seja,
estes estudantes já se encontram predispostos a legitimar o meio acadêmico. Aqueles oriundos
das classes e grupos privilegiados (classes e grupos que elaboram os conteúdos científicos) já
se encontram em vantagem em relação aos demais no processo de seleção, e serão os
primeiros a serem selecionados, enquanto que os outros, por serem oriundos de grupos e
classes desprivilegiados tendem a ser excluídos. Mas observamos que alguns estudantes
conseguem burlar as condições objetivamente traçadas pela classe a qual pertence, porque se
inserem em práticas nos meios universitários que acabam por contribuir com a alteração das
condições outrora inscritas no seu limitado capital cultural e lingüístico.
Então podemos supor, que os espaços propiciadores destes novos conteúdos (que
expressam conteúdos das classes privilegiadas) são espaços específicos, singulares que
impõem determinadas exigências que uma vez satisfeitas facilitam a movimentação destes
estudantes a um relativo sucesso acadêmico. Apontamos como um destes espaços o
movimento estudantil.
Segundo Bertaux (1979, p. 312), ―o fluxo de mobilidade social que leva os filhos
saídos do povo para lugares de agentes do enquadramento através do sucesso escolar foi
caracterizado não como um signo de abertura que contradiga o caráter de classe da estrutura
social, mas como um fluxo que contribui, ao contrário, para a conservação da ordem de classe
instituída‖.
O que reforça ainda mais a leitura contida na Reprodução de Pierre Bourdieu, pois
esta obra coloca elementos que possibilitam a percepção do quanto a escola moderna mantém
inalterada a estrutura de classes existentes em nossa sociedade. A compreensão deste processo
contribui para desmistificar o mito da escolarização, que aponta a escola como o caminho
para a resolução dos problemas individuais e ascensão social.
Tal análise abre brechas também para entendermos que determinadas trajetórias
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Os índices para ver isto variam, pois alguns alcançam um sucesso maior e, outros, menor, mas o elemento básico
será a conclusão do curso de graduação e a inserção no mercado de trabalho na prática profissional ou na pós-graduação. Isto
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é,
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Isto na época da realização da pesquisa, em 2008.
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complementares foram solicitadas nas entrevistas para conseguir fornecer um quadro mais
amplo de contextualização dos entrevistados em ambos os casos. Este primeiro bloco de
informações serviu para confirmar e contextualizar os entrevistados.
Posteriormente, realizamos questões mais voltadas para nosso interesse direto, ou
seja, sobre a participação no movimento estudantil e sua relação com o processo acadêmico e
de estudos. Neste caso, houve respostas que apontavam para situações e concepções
semelhantes, mas com níveis de complexidade diferentes. Algumas questões eram
informativas (quanto tempo militava ou milita no movimento estudantil) e outras mais
subjetivas, tal como se a prática militante contribuía ou dificultava os estudos e leituras.
Uma das questões fundamentais era saber a razão pela qual o indivíduo aderiu à
militância política. A seguir colocamos algumas das respostas a este questionamento, o que
nos ajuda a compreender os entrevistados:
“Me interesso pelo anarquismo e foi uma forma que encontrei de colocar algumas
idéias em prática dentro da academia” (Estudante 1).
vida acadêmica e vice-versa. Essas perguntas foram complementadas por diversas outras e
forneceram um quadro suficiente para uma análise das entrevistas e uma visão da relação
entre militância estudantil e sucesso acadêmico. Sobre leituras geradas pela relação com o
movimento estudantil, podemos citar algumas respostas:
“As literaturas que propõem um outro tipo de sociedade diferente dessa. Como por
exemplo, Bakunin, e a literatura anarquista em geral (pedagogia libertária).
Poderiam influenciar, mas no meu caso, por desacreditar do conhecimento
acadêmico, não influenciaram os estudos” (Estudante 4).
“Sim, sobre raça, racismo, elas determinaram meu objeto de pesquisa” (Estudante
3).
“Na militância tive contato com uma literatura que estava à margem nas disciplinas
acadêmicas. Meu interesse pela leitura dos textos de Marx e dos marxistas se
aprofundou e durante a militância pude entrar em contato com diversos indivíduos e
publicações. Assim, as leituras foram principalmente de autores como Marx,
Fromm e outros marxistas, além das leituras das disciplinas do curso de Ciências
Sociais (Weber, Durkheim, etc) e de Economia (Marx, Jevons, Stuart Mill, Smith,
Ricardo, etc)” (Profissional 4).
Estas informações mostram leituras que são de caráter apenas acadêmico, mas que
contribui com a militância, como outras de caráter político, que, no entanto, também tem
circulação acadêmica e em alguns casos se tornam objetos de estudo, tal como o anarquismo,
a obra do filósofo Karl Korsch, entre outros exemplos possíveis. Um dos entrevistados
apresentou uma longa lista de autores que leu enquanto estudante, mostrando uma grande
leitura do anarquismo, comunismo de conselhos, Rosa Luxemburgo, Marx, autores que
abordam o fenômeno educacional (Ivan Illich, Maurício Tragtenberg, Freinet, Ferrer),
filósofos e teóricos políticos (Ernst Bloch, Daniel Guérin, Barrot, Michels, Pannekoek,
Korsch, entre outros). Isto demonstra que a militancia estudantil provoca leituras, tanto sobre
educação e universidade, quanto sobre política, tal como este entrevistado que afirmou que
devido aos embates políticos acabou lendo autores que discordava para poder debater (Lênin,
Lukács, Gramsci, etc.).
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Omitiremos mais informações para evitar identificação dos entrevistados, já que não foi solicitado a
eles a autorização para publicizar seus nomes ou permitir sua identificação.
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pergunta direta, na qual se perguntava sobre os benefícios deste processo e todos afirmaram
positivamente que contribuiu com sua formação em geral e com efeitos na vida acadêmica.
Das entrevistas e dos documentos conseguimos extrair alguns pontos
fundamentais: a) os entrevistados eram realmente oriundos das classes desprivilegiadas (em
graus distintos, tal como entre um que vinha de família pobre do interior e outro que vinha de
família mais pobre ainda, mas da capital); b) todos os militantes – atuais ou do passado, ainda
estudantes ou já profissionais – se envolveram, com graus diferenciados, com leituras e
práticas no movimento estudantil que se relacionava com a formação acadêmica; c) os
documentos e as entrevistas mostram que as leituras e estudos relacionados ao movimento
estudantil revertiam para a formação acadêmica mais do que esta para aquele.
As entrevistas comprovam a importância do movimento estudantil na formação
dos estudantes que posteriormente tiveram sucesso profissional e daqueles que ainda estudam.
O benefício do movimento estudantil reside em contatos, acesso a informações, textos e
bibliografias, prática da reflexão e escrita, ou seja, ferramentas intelectuais que colaboram
com a formação intelectual do indivíduo. Além disso, o interesse que o movimento estudantil
desperta é outro fator extremamente relevante. Um artigo publicado por um dos entrevistados
profissionais tematiza a relação entre ―espaço e poder‖, analisando o processo de divisão
social do espaço constituído por relações de poder, e relacionando isso com a moradia das
classes ―subalternas‖ e a localização da universidade, afastada do centro urbano. A temática e
abordagem deste artigo revelam uma preocupação pessoal (já que era o caso deste profissional
quando estudante) e política, atingindo questões sociais e também acadêmicas. A razão do
artigo, sem dúvida, foi o duplo interesse pessoal e político, incentivado pela participação
política no movimento estudantil e pela situação de classe. Assim, o capital cultural de origem
foi superado pela inserção no movimento estudantil e outras ações políticas. Os documentos
analisados também reforçam esta conclusão. Neste sentido, concluímos confirmando a
hipótese inicial, segundo a qual o movimento estudantil é uma instância de socialização que
atinge os indivíduos provenientes das classes exploradas e colabora com o processo de
formação e, assim, conseguir relativo sucesso acadêmico, apesar das condições adversas da
situação de classe e do baixo capital cultural derivado dela.
REFERÊNCIAS
BERTAUX, Daniel. Destinos Pessoais e Estrutura de Classe Para uma Crítica da Antroponomia Política. Rio de
Janeiro, Zahar, 1979.
BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino.
2ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1982.
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O ADULTÉRIO FEMININO:
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS CRIMINAIS
MONTES CLAROS - 1840 A 1870
Resumo Abstract
O trabalho tem como objetivo analisar o tratamento He work aims to examine the treatment of
da justiça e dos maridos quando se trata de justice and husbands when refering to
mulheres adúlteras. O discurso jurídico do século adulteress women. The legal discourse of the
XIX considerava o adultério masculino um deslize nineteenth century was that male adultery was
aceitável, pois os filhos ilegítimos não traziam an acceptable slip, as the illegitimate children
desonra aos pais. No que tange ao adultério brought no dishonor to parents. With regard to
feminino, as implicações seriam mais graves, pois, female adultery, the implications would be
a mulher adúltera introduzia a prole ilegítima no more serious, because the adulteress Woman
seio do casamento e trazia desonra ao marido. introduce the illegitimate offspring within the
Embora o Código Criminal do século XIX previsse marriage bringing shame to the husband.
punição para as adúlteras, na prática, essas Although the Criminal Code of the nineteenth
mulheres eram realmente condenadas? Quais os century provide punishment for adulterous, in
argumentos do marido para a punibilidade do practice, these women were actually convicted?
crime? Diante das acusações quais os mecanismos What are the arguments of her husband for the
utilizados pelas mulheres para serem absolvidas? punishment of crime? In the face of accusations
Essas são algumas das questões que nortearam a what mechanisms women used to be acquitted?
pesquisa, que privilegiou a Comarca de Montes These are some of the questions that guided the
Claros situada na região norte de Minas Gerais. research, which focused on District of Montes
Claros located in the northern region of Minas
Gerais.
Palavras-chave: Key-Words:
INTRODUÇÃO
Apesar de suas raízes antigas, esse delito (que hoje não é mais crime) é um
assunto polêmico dentro da sociedade visto que sua característica principal é o fato de ser um
fenômeno tão universal e comum quanto o próprio casamento, pois as proibições ou tabus
ligados à fidelidade9 conjugal integram os códigos e os costumes de quase todas as
sociedades.
O dicionário de tecnologia jurídica define o adultério como ―a profanação do leito
nupcial, a violação da fé conjugal, consumada corporalmente. É a quebra intencional da
fidelidade conjugal, consistindo em ter a pessoa casada, tanto o homem como a mulher,
relações sexuais com pessoa de sexo oposto que não seu cônjuge‖ (NUNES, 1965, p. 117).
De acordo com Ronaldo Vainfas o adultério é fato relativo relativo à fidelidade
conjugal dos esposos e quando praticado pela mulher, ―era reconhecido como motivo
suficiente para o divórcio e, às vezes, punido com a morte pela lei civil. Quando cometido
pelo esposo, só era punido com rigor se implicasse rapto de esposa alheia, e maior era a
penitência se o raptor fosse casado.‖ (VAINFAS, 1992, p. 86)
Como o fundamento para a criminalização do delito em questão (ou culpa) sempre
foi a ordem social, o adultério do marido desde os primórdios da colonização era considerado
mais tolerável, consideração que será discutida no decorrer do trabalho.
A punição do adultério feminino, no Brasil oitocentista, variava de um extremo a
outro, visto que o marido podia matar sua esposa e alegar legítima defesa de sua honra, ou
procurar a justiça, para que suas esposas pagassem pelo delito. O que se pode afirmar é que o
fantasma do ―marido traído‖ assombrava os homens, e os mesmos precisavam de um meio
para vingar a sua honra, seja brutalmente, espancando ou matando a mulher, seja
judicialmente, fazendo queixa do crime na tentativa de desmoralizar a adúltera diante da
sociedade, da família e da Igreja. Porém, importa ressaltar, que em qualquer tempo, poderiam
conceder o perdão à esposa traidora.
De acordo com os artigos 250 e 251 da seção III do código criminal instaurados
no Brasil imperial:
A mulher casada que commetter adultério, será punida com a pena de prisão
com trabalho por um a três anos. A mesma pena se imporá neste caso ao
9
Ao tratar da fidelidade, Cécile Wajsbrot afirma que, antes de ser um valor moral, esta é uma
necessidade social que se organiza em torna da constituição de um pacto regido por regras
fixas. As regras variam de acordo com as épocas, com os lugares e com os temas. Ver em:
WAJSBROT. A fidelidade: um horizonte, uma troca, uma memória, 1992. p. 08.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 70
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
adúltero. (art. 250). O homem casado que tiver concubina teúda e manteúda,
será punido com as penas do artigo antecedente (art. 251).10
DESENVOLVIMENTO
10
VIDAL. Código criminal resumido, 1876.
11
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 71
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
Mas acontecendo que infelizmente aparecido na sua casa hum celebre Reinaldo de
tal, homem de péssima conduta, e que se igura sua pátria e a pretexto de procurar
por elle hum abrigo, não duvidou o queixoso acolhê-lo em sua casa, prestando-lhe
os officios de hum cidadão bem considerado em conducta, ou antes o dever de nosso
christianismo, (...) e já concedendo-lhe faculdade para trabalhar na lavoura em suas
terras, foi finalmente prestado pelo queixoso à aquele monstro, todos os officios de
humanidade que herão compatíveis com suas limitadas forças.13
Acontesse porem que sendo indispensável ao queixoso fazer um giro (uns dias do
mes de janeiro) no que se demora por alguns dias, ha quando nesta ocasião o
perverso de quem se trata dito Reinaldo (mestiço) prevalecendo de sua ausência
onde conseguir o nefando procedimento de induzir a mulher do queixoso senhora
Mariana a ponto de ser lhe infiel e (sic) comettendo o horroroso crime de adultério. 14
12
É um processo que se inicia onze de fevereiro de 1864, na localidade do Arraial do Santíssimo
Coração de Jesus o autor e vítima é Manuel Francisco Nunes e os réus são sua mulher Mariana Pereira e um
forasteiro desconhecido chamado de Reinaldo de tal. Contem vinte e seis páginas, dezesseis folhas e seis páginas
em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006.
13
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
14
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
15
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 72
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
Para os homens a valorização da honra era traduzida por boa fama e crédito na
palavra empenhada. Para as mulheres significava antes de qualquer coisa manter as
aparências. Enquanto a mulher honrada cumpria apenas a sua obrigação, a mulher que
desonrava o seu marido, na teoria, devia ser punida tendo em vista os danos que poderia
causar para toda a família perante toda a sociedade. (ALGRANTI, 1993)
Ao analisar o deposto pelas testemunhas, os réus são julgados culpados pelos
artigos 250 e 253 do Código Criminal. Porém, o processo é enviado de subdelegado para Juiz
Municipal e vice-versa18, o processo que se iniciou em 11 de fevereiro de 1864 fica em
andamento até 1893, sem que haja qualquer registro sobre seu fim ou sobre a punição dos
réus.
16
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 7.
17
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 8.
18
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006. Ver em anexos 1 e 1.1, páginas 65 e 66.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 73
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
Aconteceu que (...) tendo elle José hido ao campo ver hum cavallo e deixando sua
casa em paz; quando voltou, achou dentro de sua caza José Soares da Fonseca no
centro de sua casa em má serconstancia com sua mulher athe com portas trancada
promovendo lhe um grande prejuizo. Balindo-lhe no mesmo (sic) lugar do homem;
reconhecendo elle José Soares a chegada de José Gomes este tratou de sair pela
porta em trios; e vendo elle José Gomes aquele grande desaforo; pos a dar huns
tapas em sua mulher; ; ouvindo este José Soares tornou a voltar pella porta da rua
19
É um processo que se inicia em 27 de novembro de 1852, na localidade do Arraial de São Gonçalo,
Distrito do Brejo das Almas, termos da Villa de Montes Claros de Formigas, comarca do Rio São Francisco. O
autor-vítima é Bonifácio Ferreira França e os réus são sua mulher Maria Luiza de Queiros e Marcelino Ferreira
Silva. Contém vinte e cinco páginas, dezessete folhas e nove páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo
Criminal n° 000.004.
20
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.004, p. 9.
21
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.004. Ver em anexos, 2, página 67.
22
Art. 252: a accusação deste crime pertence só a um dos cônjuges, não tendo, porém, consentido no
adultério. Ver em: VIDAL. Código Criminal Resumido, 1876.
23
É um processo que se inicia em 22 de fevereiro de 1864, na cidade de Montes Claros. O autor-vítima é
Jose Gomes d´ Azevedo e os réus são sua mulher Carllota Maria de Jesus e Jose Soares Fonseca. Contém dez
páginas, nove folhas e oito páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.005.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 74
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
(...) e foi logo puxando huma faca que trazia consigo e querendo sangrar a José
Gomes em sua caza.24
Para Antonio Jose Soares, o fato de tratar bem a sua esposa e cumprir o seu papel
de provedor da família é condição para que sua mulher seja fiel. Ao afirmar que ela
―disquerendo o pudor e o respeito devido ao publico‖, subentende-se que o crime é tanto ou
mais relevante na medida em que se torna público. Ao que parece adultérios ocorridos
discretamente, sem publicidade e escândalo dos vizinhos, estavam mais isentos de controles
sociais. É bem possível que para alguns homens fosse preferível punir a mulher com castigos
físicos a procurar a justiça, tornando pública a traição sofrida.
Como afirmamos anteriormente, o caso em questão tipifica o adultério incestuoso.
Aparentemente, os incestos inseridos como prática quase comum no cotidiano da população,
não possuía o mesmo sentido de pecado abominável como entendido pela Igreja. Segundo
Luciano Figueredo uma significativa parcela dos relacionamentos amorosos na região de
Minas nascia no interior da própria família com a qual os parceiros mantinham ligações de
consangüinidade ou afinidade. (FIGUEREDO, 1997)
Segundo Alexandre Alves Pereira, afilhado do autor do referido processo,
Antonio Jose Soares, é ―público‖ que a mulher do autor havia fugido de sua casa, mas ele não
sabia com certeza quem a havia conduzido e que soubera da tentativa de morte através da
escrava de seu padrinho, mas que a mesma não deixava claro se ―foi por veneno ou por outra
qualquer coisa‖28 . Afirmou também que:
outro dia que indo elle testemunha trabalhar por ceu officio de carpinteiro em casa
de seu padrinho (...) antes da fuga de çua mulher tendo elle visto o çeu padrinho
viajando para as partes das Pedras dos Angicos no dia seguinte apresentou-se Jose
Ferreira de Souza, e como se estivesse bebendo caxassa este pediu copo a dita Maria
da Conceição da Gaia, e esta dando-a despejara huma porção no dito copo virando
se para ella indo dizer minha comadre esta vai a çaude do difunto Antonio Jose
Soares a estas palavras se chamou elle testemunha dizendo que elle Jose Ferreira
27
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 1.
28
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 12.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 76
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
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não devia fazer tal saude pois que no dia atrás tinha ceu padrinho saído vigoroso e
que acontecendo por lá morrer repentinamente vinha ficar elle Ferreira culpado
como autor desta morte ao que respondeu logo imediatamente o dito Jose Ferreira
que elle testemunha não reparasse nessa saude pois Antonio hera ceu compadre e
amigo que o estimava dentro do ceu coração e que portanto podia fazer a sua saúde
da maneira qui quiser, e nada mais disse. 29
Quando ella escrava chegou para esta casa já achou a senhora com disposição de
matar o seu senhor por ter mandado por ella escrava procurar em mão de Manoel
Cardoso para o matar, (...) ella Josefa disse que era uma coisa branca imbrulhada em
papel e que ella mais vira em huma fração de farinha que anoite hia levar a çua a ceu
senhor e que cuja comida o dito ceu senhor não quis, disse mais que por algumas
vezes vira Jose Ferreira de Souza no quarto com a çua senhora porem que ella
informante não sabia o que fazião, e assim mais disse que houvira a sua senhora
dizer a Manoel Cardoso para matar o ceu senhor e que este de todo não quis fazer e
ella como escrava que vira maltrata por seu senhor temia a falar nisso. Disse que
hindo a noite levar aveia a ceu senhor dissolveu na farinha vidro moído e que cuja
ceia o ceu senhor a não quis.30
29
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 12.
30
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p.13-14.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 77
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
muito a seu marido mais outros feitiços que nada tinha produzido efeitos e que ella possuía
bens para dar a quem ides afrontar-se com seu marido.‖31
Apesar de toda a influência da Igreja Católica no Brasil, foi constante a prática da
feitiçaria, sobretudo no nordeste e Minas Gerais. Na colônia, foram freqüentes as denúncias
contra homens e mulheres que recorriam aos feiticeiros e a feiticeiras. (SOUZA, 1997) As
mulheres apelavam ao sobrenatural não só para conseguir maridos, mas para maltratar e
vingar-se de homens indesejáveis, e até mesmo aniquilá-los.
A escrava do autor, Rosa Pereira Lima é testemunha ocular da possível traição.
Depois do juramento
disse que estando ella testemunha hum dia em casa do autor Antonio Jose Soares
onde e também se achava Jose Ferreira Sousa este entrando em hum quarto da casa
com Maria da Conceição Gaia e la se conversarão por longo tempo mas que
ignorava o que faziam e perguntando se era de dia ou de noite, respondeu ella
testemunha que era de noite, disse mais ter houvido da boca da mesma re que os
bens que ella possuía inda avia dalhos a quem (sic) com ceu marido. 32
Pelo depoimento das testemunhas, os réus são julgados culpados pelo crime de
adultério. Primeiramente por que
31
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p.15.
32
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 20.
33
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 23.
34
O processo de número 000.003 é uma continuação do anterior e contém
requerimento e petição do réu Jose Ferreira de Souza contra o processo aberto por Antonio
Jose Soares. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.003.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 78
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.
entra com um recurso em dezembro de 1850 e consegue ser inocentada, pois está previsto no
artigo 253 do Código Criminal que a pena incorrerá sobre ambos e que um não será
condenado sem o outro.35
No último processo36 datado de 1844, Pedro da Silva Varella faz um requerimento
contra sua esposa Anna Delmira Baptista e Alexandre Alves Guimarães por adultério
cometido pelos mesmos. Segundo o autor, ele manda sua esposa de volta para a casa dos pais
dela, mas que a mesma ―praticou o contrario porque veyo logo para este Arraial onde publica
e escandalosamente se meteo em amizade ilicita com o suposto Alexandre Alves vivendo
ambos dentro de uma so casa.‖ Afirma também que da Vila o réu teria conduzido a mulher do
queixoso para o Brejo das Almas, local onde o suplicado teria uma casa. ―E depois voltou
algumas vezes a este Arraial e a tanto tem chegado o escandalo que tem se ido meter na casa
paterna entre a família entre suas irmãs donzelas e, dessa forma detriorando e acabando o
sacramento do matrimonio por ser ambos casados.‖37
Consoante o autor, por ―ira da dita sua mulher‖, manda-a de volta para a casa dos
pais, entretanto, nas últimas páginas do documento, ao requerer, a mulher afirma que seu
marido a teria expulsado de casa por tentar divorciar dele. Bem, o fato é: ela sai de casa e,
contrariando a ordem de seu marido, vai morar com Alexandre Alves, tendo com este
―amizade libidinosa‖, rompendo assim com a lealdade dela esperada, condição exigida pelo
matrimônio. A ―publicidade‖ do relacionamento, ou seja, o fato dos réus morarem numa casa
como casados para todos saberem torna o crime mais grave. O autor enfatiza que deixou de ir
a missa, de cumprir seus deveres como cristão para não ver os réus juntos, pois este ato
escandaloso ofendia sua honra.38 Apela assim para o religioso e para a defesa da honra.
As testemunhas de acusação pautaram-se principalmente naquilo que era ―de fama
pública‖ no Arraial do Santíssimo Coração de Jesus – termo da Vila de Montes Claros de
Formigas, para apoiar seus depoimentos. Apenas presunções podiam ser formuladas a partir
das falas das testemunhas, claro que nada disso provava efetivamente o adultério, mas levava
a supô-lo. As fofocas, os mexericos, faziam parte daquele universo, no entanto não tinham
valor legal relevante. Porém, a palavra de um oficial de justiça, por exemplo, poderia servir
como importante apoio para tais casos.
35
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002. Ver em anexos 4 página 69.
36
É um processo que se inicia em 23 de julho de 1844, na localidade do Arraial do Santíssimo Coração
de Jesus, termo da Villa de Montes Claros de Formigas. O autor-vítima é Pedro da Silva Varella e os réus são sua
mulher Anna Delmira Baptista e Alexandre Alves Guimaraes. Contém noventa e sete páginas, cinqüenta e uma
folhas e cinco páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001.
37
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 2-6.
38
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 2.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 79
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
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Fellippe Santhiago de Galira, morador neste Arraial, onde vive de ser official de
justiça. Disse que sabe por lhe dizer a mesma Anna Delmira que seu marido Pedro
Varella a correra de sua casa, porem que viera nos cavallos do dito seu marido para
este Arraial porem não disse a elle testemunha que elle lhe dêra consentimento para
ella vir para este Arraial mâs que ella deste Arraial fês voltar os cavallos. Dice que
sabe por ouvir diser, e ser fama pública que Alexandre Alves foi quem condusio a
dita Anna para o lugar denominado Brejo das Almas, onde ê morador e que indo elle
testemunha ao dito lugar, vio a dita Anna em casa de Alexandre, e que elle vio elles
neste arraial, juntos, em casa de Jose Vas.39
A testemunha acrescenta ainda que ―ouviu dizer‖ que os réus estiveram juntos na
casa do finado pai de Anna Delmira, Francisco Baptista de Gouvêa, e como prova da estadia
na casa ela leva um irmão mais novo para o Brejo das Almas. 40 Como este adultério se tornou
um crime de ―pública fama‖, os depoimentos trazem basicamente os mesmos fatos.
Entretanto, a fala de Maria de Medeiros Cabral é peculiar, pois sabia
por ver e prizenciar que Anna Delmira adepois que chegou neste Arraial, pidio a ella
testemunha para a deixar dormir na casa onde ella testemunha mora, e que dentro
das mesmas passou admitir Alexandre Alves, e que ella testemunha vio que ambos
dormião juntos em huma so cama, e que esta acção praticarão no praso de três dias e
noites, e que paçados estes, disse ella testemunha a dita Anna Delmira que cuidasse
de retirar ce da dita casa por ser alheia e di homem casado, e que este não gostaria
de ella os admitir em sua casa e que Anna Delmira participou ao dito Alexandre e
este trouçe dois cavallos sellados e com cangalha e sairia ao raiar do sol, e quando
foi escurecendo a noite sairão ambos deste Arraial e condusio para o Brejo das
Almas, lugar da risidencia do Alexandre.41
Desta forma, eles pagam a quantia de 800 mil réis para não serem presos.
Quando a ré recorre, ela utiliza de dois artifícios para justificar suas ações: o
concubinato do marido e o desperdício dos bens. Sabemos que a traição do homem só tinha
relevância quando fosse um concubinato público e escandaloso, isto é, o adultério em que o
39
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 10.
40
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 11.
41
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 11.
42
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p 47.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 80
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Diz Pedro da Silva Varella que processando a Alexandre Alves Guimarães e Anna
Delmira Baptista pelo crime de adulterio, foram ambos pronunciados e sustentada a
pronuncia, mas o supplicante revestido da piedade christan, vem perante V. S.
affirmar termo de perdão e disistencia e demais não accuzar ao supplicados em
qualquer tribunal, ficando os mesmos Reos obrigados a saptisfazerem todas as
custas do contato.44
43
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 33.
44
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001. p. 37. Ver em anexos, 5, página 70.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 81
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CONCLUSÕES
constatações levam-nos a refletir sobre a eficácia da condenação e o abismo que existia entre
o dizer e o agir.
As posturas femininas não se pautaram sempre de acordo com o modelo e regras
vigentes na sociedade. Os processos revelam esposas que não aceitavam certas condutas de
comportamento, ―obrigando‖ seus maridos a procurar na justiça institucionalizada um meio
para salvaguardar sua honra e punir a mulher adúltera.
REFERÊNCIAS
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1993.
BASTOS, Rodolpho Alexandre Santos Melo. O imaginário diabólico e feminino: uma leitura das
representações do feminino no Cristianismo, da Europa medieval, séculos XII-XIII.. 50 f. Monografia
– Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2007.
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DEL PRIORE, Mary. (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.
FIGUEREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São
Paulo: HUCITEC, 1997.
FIGUEREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no
século XVI, 2 ed. Rio de Janeiro: Olympio, 1999.
JESUS, Alysson Luiz Freitas de. No sertão das minas: escravidão, violência e liberdade 130-1888.
Montes Claros: Annablume, 2007.
KOSOVSKI, Ester. Adultério. Rio de Janeiro: Codecri, 1983.
LIMA, Lana Lage da Gama Mulheres, adúlteros e padres: história e moral na sociedade brasileira.
Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987.
NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965
PROCESSOS CRIMINAIS – 1844 a 1864. Divisão de Pesquisa e Documentação Regional/ DPDOR-
Unimontes. Arquivo do Fórum Gonçalves Chaves/ AFGC. Montes Claros/ MG.
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997.
VIDAL, Luiz Maria. Código Criminal Resumido: simples elemento do processo criminal. Rio de
Janeiro: Em casa dos Editores proprietários, 1876.
ISSN: 1984 - 2848
ESTÁCIO DE SÁ
Resenha CIÊNCIAS HUMANAS
ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 84-86, Set. 2009/Dez. 2009
4545
É sociólogo e Mestre em Filosofia, Professor e Gestor Matricial da Área de Ciências Sociais das Faculdades
Alves Faria de Goiânia.
VIANA, Nildo. A Psicanálise para além de si mesma. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. 85
da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 84 - 86, Set. 2009/Dez.
2009
A relação entre a psicanálise e o marxismo é amplamente conhecida e pode ser notada pela
difusão, durante todo o século XX, de interpretações da psicanálise empreendidas por autores
que reivindicavam uma filiação teórica marxista, sejam estas interpretações simpáticas ou
avessas aos pressupostos e aceitação dessas teses, denomina-se por freudo-marxismo,
destacando-se entre seus principais e mais conhecidos representantes Erich Fromm e Herbert
Marcuse.
Para situar esta problemática de uma perspectiva que não é necessariamente a
de Viana, importa observar que uma das principais contribuições das Ciências Sociais a partir
de seu surgimento no século XIX, foi o terem elas oferecido as bases científicas para
corroborar a hipótese da condição histórica, social e cultural dos seres humanos. Tal
contribuição foi ainda reforçada pelo enlace entre o desenvolvimento dessas ciências com as
descobertas das ciências naturais como a biologia, onde se desenvolveram a teoria
evolucionista e a genética. Essas descobertas marcaram a superação da noção religiosa e
ideológica do homem como ser separado e acima da natureza, enquanto também criavam as
condições para novas explicações da condição dos seres humanos frente à natureza e à
sociedade. Se de um lado do espectro teórico reforçaram-se as ciências históricas e culturais
como a sociologia e antropologia, de outra parte também surgiram novos argumentos
deterministas e fatalistas a respeito de uma redução do social ao biológico como se pode
observar nas teses da sociobiologia de inspiração darwinista representada radicalmente por
Richard Dawkins.
Observe-se que a formulação, o desenvolvimento, a recepção e a interpretação de
uma teoria científica, seja ela a psicanálise, o marxismo ou qualquer outra, é também um
processo social e como tal, apresenta-se como fenômeno multideterminado, em suma, trata-se
de um processo político, cultural, etc. Desse modo, podemos entender como os termos
―psicanálise‖, ―marxismo‖ ou ―darwinismo‖ não denotam apenas as teorias que indicam, mas
podem também referir-se à mobilização social que estas teorias provocam enquanto
posicionamento político, ―teórico‖ ou ―científico‖ das pessoas e grupos que aceitam ou
rejeitam tais teorias, seja por sua posição de classe, seja por sua condição de alienação política
e cultural resultante da manipulação ideológica de que podem ser vítimas os membros das
classes dominadas.
Dessa questão derivam dois importantes aspectos que se destacam nesses ensaios
de Nildo Viana. Primeiro, a abordagem marxista da psicanálise não é uma abordagem
científica neutra no sentido que a isto conferem os princípios positivistas, pois se assim fosse,
ela seria ideológica por desconsiderar a já citada condição política intrínseca ao trabalho
VIANA, Nildo. A Psicanálise para além de si mesma. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. 86
da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 84 - 86, Set. 2009/Dez.
2009