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ISSN: 1984 - 2864

ISBN

ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS

Revista da Faculdade Estácio de Sá de Goiânia


SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, Set. 2009 / Dez. 2009
Ficha Catalográfica da Revista

LOPES, Edmar Aparecido de Barra e.


Revista de Ciências Humanas da Faculdade Estácio de Sá de
Goiás- FESGO. Goiânia, GO, v.01, nº02, set.2009.

Nota: Revista da Faculdade Estácio de Sá de Goiás – FESGO.

I. Ciências Humanas. II- Título: Revista de Ciências


Humanas. III. Publicações Científicas.

CDD 300

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CPI)

Faculdade de Goiás

Catalogação na Fonte / Biblioteca FAGO

Jacqueline R.Yoshida – Bibliotecária – CRB 1901


ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE GOIÁS – FESGO
VOLUME 1-1, N. 02, SETEMBRO DE 2009,
PERIODICIDADE: SEMESTRAL.
ISSN: 1984 - 2864
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ESTÁCIO DE SÁ CIÊNCIAS HUMANAS
Revista da Faculdade Estácio de Sá de Goiás – FESGO

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Mara Silvia dos Santos
SUMÁRIO

EDITORIAL
APRESENTAÇÃO

ARTIGOS

10 - 19 Cultura, tradição e memória: A juventude entre a permanência e a


ruptura
Nildo Viana

20 - 34 Um Estudo Sobre As Diversas Motivações Sociais Desenvolvidas No


Trabalho E Na Sociedade De Uma Forma Geral
Iran de Macedo Cordeiro
Cláudio Luiz Correia de Freitas
Ana Cristina Veríssimo

35 - 41 Territorialização do capital: A produção espacial sob o regime de


acumulação intensivo-extensivo
Lucas Maia dos Santos

42 - 53 As possibilidades do uso de metodologias qualitativas No resgate da


memória dos camponeses em Goiás
Amone Inacia Alves

54 - 67 Universidade, movimento estudantil E trajetórias individuais


Maria Angélica Peixoto

68 - 82 O adultério feminino: Uma análise dos processos criminais Montes


Claros - 1840 a 1870
Regina Célia lima Caleiro
Gesiane Aparecida Medeiros Mota

RESENHA

84 - 86 A Psicanálise Para Além De Si Mesma


José Nerivaldo Pimenta
EDITORIAL

A Revista Estácio de Sá Ciências Humanas chega ao seu segundo número elencando


fortes motivos para comemorar.
Primeiro, apesar de muito nova, a Revista já conta hoje com colaboradores de diversas
instituições do país (federais, estaduais e privadas). Portanto, a Revista Estácio de Sá
Ciências Humanas já se caracteriza como periódico de circulação nacional desde seu
primeiro número.
Segundo, a Revista conseguiu atingir seu objetivo de se tornar um periódico cientifico
de livre e irrestrito acesso, através de sua versão eletrônica, que pode ser acessada pelo
endereço:
http://www.saps.com.br/sites/estacio/downloads/revista/rev_ciencia_humanas_n_1_ok_red.pd
f
Terceiro, outro motivo para celebrar é o de termos alcançado já no número II da
Revista um aumento muito expressivo de qualificados colaboradores no conselho científico
da mesma. São professores/pesquisadores de inúmeros centros de excelência federais e
estuaduais do país, que se juntam aos professores desta Instituição no trabalho de
consolidação deste periódico.
É verdade que há muito ainda o que fazer, mas devemos comemorar o que já foi
alcançado e não perdemos de vista a necessidade de buscar cada vez mais qualidade e
respeitabilidade científicas.

Edmar Aparecido de Barra e Lopes


Editor-Científico
APRESENTAÇÃO

A Faculdade Estácio de Sá-GO tem ousado novos e importantes passos na área de


pesquisa, ensino, extensão e de sua própria administração. A presidência da Faculdade
Estácio de Sá-GO juntamente com a direção acadêmica desta, não têm poupado esforços para
fazer com que a Instituição se consolide como uma referência de ensino e pesquisa na
microrregião do Estado de Goiás na qual está inserida.
Um exemplo desta nova postura administrativa, que tem na constante busca por
qualidade seu principal eixo orientador, é a Revista Estácio de Sá Ciências Humanas.
Mais que uma publicação científica fomentada pela Instituição, trata-se de um dos
novos marcos que caracterizam uma gestão preocupada em levar o nome da Faculdade
Estácio de Sá-GO, além das fronteiras local e regional.
Trata-se de um esforço de estimular o diálogo do corpo docente e discente de nossa
Instituição com o universo da comunidade científica em geral. Tal como o contínuo e
permanente esforço de auto-superação na busca de mais e mais qualidade institucional
experimentado cotidianamente por funcionários, professores, alunos e comunidade.
A Revista Estácio de Sá Ciências Humanas, número II, também se auto-supera em
qualidade formal e de conteúdo. Trata-se de um movimento tendencial que bem conhecemos
na produção do conhecimento científico e que é imprescindível também à nossa
administração.

Sirle Maria dos Santos Vieira


Diretora Geral da Faculdade Estácio de Sá-GO

Adriano Fonseca
Diretor Acadêmico da Faculdade Estácio de Sá-GO
Artigos ISSN: 1984 - 2848

ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS

ISSN: 1984 - 2848

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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
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VOL. 01, Nº 02, 10-19, Set. 2009/Dez. 2009

CULTURA, TRADIÇÃO E MEMÓRIA:


A JUVENTUDE ENTRE A PERMANÊNCIA E A RUPTURA

Nildo Viana

Resumo: Abstract:

O termo cultura possui inúmeras definições, tal The term culture has many definitions, such as
como tradição e memória. Assim, o primeiro ponto tradition and memory. So the first point to
a destacar no presente texto é o seu objetivo: emphasize in this text is its goal: to clarify the
esclarecer os conceitos de cultura, tradição e concepts of culture, tradition and memory, and
memória e, após isto, relacioná-los com o processo after that, relate them to the process of stay and
de permanência e ruptura em sua conexão com a break its connection with youth.
juventude.

Palavras-chave: Key-words:

Cultura, Tradição, Memória, Juventude, Culture, Tradition, Memory, Youth


Transformação Transformation

Os conceitos são termos complexos que exigem uma análise aprofundada para
expressar seu significado. Os termos possuem múltiplos significados, dependendo da época e
de que os usam. O termo cultura possui inúmeras definições, tal como tradição e memória.
Assim, o primeiro ponto a destacar no presente texto é o seu objetivo: esclarecer os conceitos
de cultura, tradição e memória e, após isto, relacioná-los com o processo de permanência e
ruptura em sua conexão com a juventude. Isto tudo será feito a partir de uma determinada
perspectiva, de determinado referencial teórico-metodológico, que julgamos mais adequado,
mas que alertamos que não é o único, alerta que os doutrinadores nunca fazem.
Entre as centenas de definições de cultura, preferimos a de que ela é o conjunto
das produções intelectuais da humanidade. Logo, ao contrário de outras definições, não
colocamos a ―cultura material‖ como parte do conceito, nem a idéia de que cultura é a ―alta
cultura‖, a cultura das elites. Todos os seres humanos produzem cultura, isto é, produzem
idéias, saberes, concepções, etc., e, por conseguinte, não é privilégio de ninguém. Por
conseguinte, não existe ninguém que não tenha cultura. Quando se diz isso, se quer dizer, na
melhor das hipóteses, de que determinada pessoa não possui cultura erudita ou escolar e, na

Doutor em Sociologia pela UNB e Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da UFG-GO.


VIANA, Nildo. Cultura, Tradição e Memória: A Juventude entre a Permanência e a Ruptura. 11
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pior, que é ignorante, o que revela apenas uma visão preconceituosa, pois todos os seres
humanos ignoram milhares de fatos, idéias, etc. e se julga mal aqueles que não em acesso
aquilo que temos. A idéia de que os costumes, cultura material, etc., significam cultura, ao
lado das produções intelectuais, serve para esvaziar o conceito, pois se tudo é cultura, ela
perde a possibilidade de esclarecer os fenômenos sociais.
A partir de nossa definição de cultura, que delimita o conceito, tornando-o restrito
ao mundo das produções intelectuais, representações mentais, podemos ainda ver que possui
enorme abrangência. A religião, a moral, a filosofia, a ciência, as obras literárias, as
representações cotidianas (vulgo ―senso comum‖), etc., são manifestações culturais. No
entanto, a cultura não é algo estático, vive em constantes mudanças. Entender estas mudanças
requer compreender o seu processo histórico de formação, suas divisões, etc. A cultura é
constituída socialmente e ela mesma é um fenômeno social. Ela não é produzida a partir do
nada e sim a partir das relações sociais concretas. A cultura camponesa tem sua base no modo
de vida camponês, tal como a moderna cultura urbana tem sua base no modo de vida moderno
e assim sucessivamente.
Durante o desenvolvimento histórico da humanidade ocorreu inúmeras mudanças
culturais, que sempre acompanharam as mudanças sociais. As grandes mudanças sociais, a
passagem de uma forma de sociedade para outra (a passagem da sociedade feudal para a
capitalista, ou da escravista para a feudal, por exemplo) promoveram grandes mudanças
culturais. No entanto, no interior de uma mesma forma de sociedade (feudal, escravista,
tributária, etc.) também ocorrem mudanças culturais. Porém, nada se compara ao ritmo de
velocidade das mudanças culturais na sociedade moderna. Para se compreender a velocidade
das mudanças culturais na sociedade moderna é preciso compreender esta sociedade e suas
características próprias e essenciais.
A sociedade capitalista moderna é radicalmente diferente das sociedades que lhe
antecedeu. É por isso que muitos sociólogos e outros especialistas opuseram as chamadas
―sociedades tradicionais‖ à chamada ―sociedade moderna‖, tal como Durkheim, W. W.
Rostow, entre outros. A oposição entre tradição e modernidade foi se consolidando e assim
surgiram os adeptos da modernidade e os defensores da tradição. A época na qual esta
oposição entre tradição e modernidade ficou mais visível foi durante o período no qual se
desenvolveu o processo da Revolução Francesa. Os primeiros defensores do tradicionalismo
foram os representantes intelectuais e populares do regime feudal, defendendo a moral, a
religião, a família. Os chamados ―pensadores conservadores‖, como Burke, De Maistre, entre
outros, foram os seus principais porta-vozes. Do outro lado, os representantes intelectuais e
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populares da modernidade, do regime capitalista, da burguesia, saíram em defesa da laicidade,


da razão, da autonomia do indivíduo. Estas concepções antagônicas são constituídas
socialmente e ligadas aos interesses de classes sociais e não produções arbitrárias. Assim, a
tradição está sempre ligada às relações sociais determinadas, também tradicionais, de caráter
pré-capitalista, ou, como ocorre posteriormente, não-capitalista. Com a emergência e
hegemonia do modo de produção capitalista, as relações sociais tradicionais são solapadas e
destruídas paulatinamente e junto com ela a cultura que lhe corresponde.
As vitórias das revoluções burguesas não ocorreram na mesma época nos diversos
países. A Revolução Burguesa na Rússia só ocorreu no início do século 20 e a brasileira em
1930. Após as revoluções burguesas, ainda permanecem resquícios de relações de produção
pré-capitalistas – que acabam sendo totalmente destruídas – e surgem relações de produção
não-capitalistas que herdam a cultura tradicional, por ser mais compatível com suas relações
sociais e com a herança cultural recebida via família. Estas relações de produção não-
capitalistas são a base de relações sociais tradicionais, herdeiras de relações de produção pré-
capitalistas.
Esta permanência cultural coloca a discussão sobre as relações entre tradição e
modernidade em um contexto diferente. Por isso devemos esclarecer o conceito de tradição.
Este conceito também possui diferentes definições, embora não tanto quanto o conceito de
cultura. Iremos apresentar a definição que julgamos mais adequada. Este conceito expressa o
conjunto de idéias, hábitos, costumes de uma determinada população que é transmitida de
uma geração para outra, sendo que seu conteúdo é caracterizado por uma forte ligação com o
passado, a afetividade, relações familiares, sendo que em algumas sociedades assumem o
caráter de uma convicção, possuindo um forte caráter mobilizador. A tradição é, assim, tanto
do ponto de vista da cultura quanto dos costumes, conservadora (o que não quer dizer que o
seja necessariamente do ponto de vista político), pois ela visa transmitir e, por conseguinte,
conservar, determinados costumes, crenças, idéias, etc.
Nas sociedades pré-capitalistas, as tradições eram mais fortes, generalizadas e
resistentes. Na sociedade moderna, elas são cada vez mais fracas, restritas a grupos e menos
resistentes. A oposição entre tradição e modernidade deixou de ter caráter predominantemente
temporal (sociedades tradicionais X sociedade moderna) e ganhou um caráter
predominantemente espacial (sociedade rural X sociedade urbana). A ascensão do modo de
produção capitalista é marcada pelo processo de industrialização e urbanização, tornando a
cidade o centro da produção de mercadorias e de cultura. A produção cultural no capitalismo
assume um processo homólogo ao da produção de mercadorias: concentração e centralização.
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A cultura, enquanto o conjunto das produções intelectuais, continua sendo produto do


conjunto da população. No entanto, a produção cultural das classes exploradas e da maioria da
população não é mais totalmente espontânea e sim influenciada pelos meios oligopolistas de
comunicação (Rádio, TV, Cinema, Jornais, etc.) e pela escola. A população urbana é atingida
de forma muito mais abrangente por este processo do que a população rural, embora isto
ocorra de forma cada vez mais intensa. A população rural, devido às relações sociais
persistentes, embora também perdendo cada vez mais espaço, e menor influência dos meios
oligopolistas de comunicação, é mais ligada à tradição do que a população urbana.
A sociedade moderna corrói, cada vez mais, a tradição. Nesta sociedade, como já
dizia Marx, ―tudo que é sólido desmancha no ar‖, ―tudo que é sagrado, é profanado‖. A
sociedade capitalista é marcada por uma nova dinâmica do desenvolvimento temporal. Nas
sociedades pré-capitalistas e na vida camponesa e rural em geral, temos uma percepção do
desenvolvimento temporal como se este fosse mais lento. Na sociedade capitalista, o
desenvolvimento temporal aparece como extremamente acelerado. Esta é uma diferença na
percepção e não na realidade concreta. Esta diferença de percepção é produzida pelos
diferenciados modos de vida. O ritmo de vida extremamente acelerado da sociedade moderna
promove uma percepção de aceleramento do tempo. O relógio é um dos símbolos mais
importantes da sociedade moderna, pois o tempo é fundamental para a sociedade capitalista,
já que é o tempo que está ligado ao processo de produção de riquezas, é ele que determina o
valor da mercadoria. O tempo de trabalho é o que define o quantum de exploração, o trabalho
excedente. É por isso que ele é controlado no processo de produção, na fábrica, e é por isso
que ele se generaliza a todas as instituições da sociedade moderna (escola, escritórios, etc.) e
assim as pessoas não possuem domínio sobre suas atividades e, por conseguinte, sobre o
tempo gasto nelas. O dia de descanso, tal como o domingo, parece mais longo.
A tradição acaba sendo uma certa persistência da memória social. Se a população
rural valora e reproduz seus costumes, crenças, idéias, etc., a população urbana, moderna,
valora a mudança, a velocidade, a transformação. A memória social da população rural está
mais ligada ao ―tempo lento‖, ao ritmo da natureza, às tradições, enquanto que a memória
social da população urbana, sob o ritmo do capitalismo, está mais ligada às novidades, às
mudanças, à tecnologia. A memória social, assim como a individual, é seletiva e tem como
principais determinações em seu processo seletivo os valores, sentimentos, concepções dos
indivíduos, bem como a pressão social e a associação de idéias, embora com menos força.
A memória social se distingue da tradição pelo motivo de que ela recupera as
lembranças do passado em geral e não apenas aquelas que são herdadas de gerações
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anteriores. No entanto, existe uma relação entre memória social e tradição. Esta relação se
revela no caso da população rural (ou, em períodos históricos anteriores, no conjunto da
população das sociedades chamadas ―tradicionais‖) cuja memória social é fortemente
marcada pela tradição, que veicula valores, sentimentos, etc., presentes e reproduzidas por
esta população. A memória social da população urbana é marcada por outros valores,
sentimentos, etc., tal como a valoração da tecnologia, do novo, do que é sofisticado (e,
portanto, inovação), para colocar um exemplo contrário. A base disto está na própria dinâmica
do modo de produção capitalista e de sua necessidade de reprodução ampliada do mercado
consumidor, que faz com que exista um acelerado desenvolvimento de mercadorias culturais,
tecnológicas, etc., e cuja expressão mais conhecida é a moda, substituída sucessivamente e em
várias esferas da vida (roupa, produtos eletrônicos, ideologias acadêmicas, cinema, arte, etc.).
A partir do pós-segunda guerra mundial isto se aprofundou e depois dos anos 80 a
descartabilidade se torna uma características da atual fase do desenvolvimento capitalista.
No entanto, a memória social pode abarcar toda a população de uma determinada
sociedade ou classes ou grupos sociais no seu interior. Da mesma forma, a seleção das
lembranças no interior dela é diferente em grupos sociais diferentes, embora possa haver
elementos comuns na memória social da totalidade da população.
A relação da juventude com a cultura, a tradição e a memória social é bastante
complexa. O conceito de juventude (bem como o construto ―adolescência‖, de caráter
psicologista ou biologista) é expressão de um grupo social que surge na sociedade moderna.
A palavra juventude surgiu antes da sociedade moderna, mas com significado bem diferente.
Na sociedade capitalista, não apenas o conceito de juventude aparece, mas o próprio grupo
social que denominamos juventude surge nesta sociedade. Aliás, é exatamente devido ao
surgimento deste grupo social que possibilita o surgimento do conceito de juventude, um
grupo etário. Nas sociedades simples (―pré-históricas‖, ―indígenas‖) não existe idéia de
juventude, pois a criança, depois do rito de passagem, passa imediatamente para o mundo
adulto. Nas sociedades de classes pré-capitalistas também não existia um grupo etário
intermediário entre as crianças e os adultos. É somente na sociedade capitalista que existe tal
grupo etário.
Por qual motivo surge tal grupo etário? Não é, como algumas ideologias
(psicologia, biologia, medicina, etc.), devido à faixa etária, a constituição biológica ou
qualquer outro motivo de origem natural, seja de caráter biológico, psíquico ou cronológico.
Se assim fosse, existiria juventude em todas as sociedades e já observamos sua inexistência
em sociedades não-capitalistas. O motivo da existência da juventude na sociedade moderna é
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social. A juventude é constituída socialmente. A sociedade capitalista produziu, em


indivíduos a partir de certa idade (que é variável dependendo da época, classe social, etc.) um
conjunto de características comuns que nos permitem considerar um grupo social. Este grupo
social é formado por aqueles indivíduos que estão em processo de ressocialização, isto é,
estão submetidos a um processo de socialização secundária (a socialização primária ocorre
durante a infância) através principalmente da escola, mas também da família, comunidade,
meios oligopolistas de comunicação. O objetivo desta ressocialização é preparar o jovem para
sua inserção no mercado de trabalho e para as responsabilidades sociais (civis, familiares,
etc.). Isto cria um conjunto de características para as pessoas deste grupo etário e estas
características comuns são utilizadas pelo mercado capitalista, que passa a produzir um
conjunto de mercadorias específicas para tal grupo, criando um mercado consumidor
específico.
No entanto, a juventude não é passiva. Embora seja constituída socialmente, e se
submeta a este processo social de ressocialização, ela também resiste, através da recusa da
escola (dentro ou fora), das ações e organizações juvenis, através da luta política, etc.
Também é verdade que o Estado, os meios oligopolistas de comunicação, além das ideologias
científicas e mercado capitalista, realizam sua interpretação desta resistência para
descaracterizá-la ou utilizá-la em seu proveito. É assim que surgem as ideologias da ―rebeldia
sem causa‖, e modismos culturais para o mercado consumidor composto por ―rebeldes‖, etc.
Mas tanto a resistência quanto a contra-resistência se dão num processo social concreto, no
qual a hegemonia acaba sendo de quem detém o poder, mas existem brechas e possibilidades
no interior desta luta social.
Devido à idade, cronologicamente falando, e a ideologia da juventude enquanto
―futuro‖ e adequada/adaptada ao mundo da novidade, das modas, etc., este grupo etário tende
a assumir determinada relação com o mundo da cultura, incluindo a tradição e a memória. A
juventude, ao entrar em confronto com as relações sociais existentes (escola, família), já que
elas buscam prepará-la de forma repressiva para relações sociais repressivas, tende a negar as
tradições, identificadas com os pais, as autoridades, as instituições existentes. Assim, de
acordo com os valores atribuídos e constituídos socialmente pela juventude, a tradição é algo
a ser negada, embora existam também aspectos das tradições que ela busca preservar. Isto
ocorre devido a dois fatores principais: a) as diferenças no interior da própria juventude e b) o
resgate de concepções que servem para as lutas juvenis contemporâneas.
A juventude, enquanto grupo etário, possui vários elementos comuns que a
caracteriza, mas também possui várias divisões no seu interior, oriundas da divisão social do
VIANA, Nildo. Cultura, Tradição e Memória: A Juventude entre a Permanência e a Ruptura. 16
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trabalho a nível da sociedade em geral. A divisão de classes sociais é o aspecto mais


importante e fundamental nesse processo, atingindo o modo de vida dos jovens, criando
diferenças importantes entre os indivíduos deste grupo etário. As diferenças regionais,
religiosas, culturais, espaciais, também influenciam e geram especificidades em diversos
segmentos da juventude. A juventude camponesa ou rural em geral, tende, pelo seu próprio
modo de vida, a ter uma relação com a tradição que é diferente da juventude operária e
burguesa, ambas urbanas e pouco apegadas as tradições populares e rurais, embora mantenha
uma relação um pouco diferente com as tradições das elites, valoradas socialmente.
A juventude, assim como todos os demais grupos sociais, também se inspira no
passado e nas tradições e memória social para resgatar aquilo que lhe interessa na atualidade,
tal como hoje se vê no interesse de vários grupos juvenis por Rock and Roll, Raul Seixas,
contracultura, anarquismo, etc.
A memória social da juventude abarca um número de lembranças menor do que a
dos adultos, mas, no entanto, resgata e seleciona aquilo que em sua época de criança assume
um sentido e significado atual. O que no período da infancia não tinha muito significado, mas
foi vivenciado, pode ser resgatado e valorado, ou aquilo que foi vivido de uma forma, pode
ser resgatado sob outra forma.
A memória social da juventude rural está muito mais ligada às tradições
populares, sendo, pois, um mundo mais próximo, embora também em renovação e este grupo
etário tende a ser um dos mais importantes incentivadores dessa renovação. A memória social
da juventude urbana, por sua vez, está mais ligada aos meios oligopolistas de comunicação,
ao modismo, à novidade.
Neste sentido, abordar a cultura juvenil pressupõe compreender as diferenças
sociais no interior da juventude e a hegemonia exercida pelos meios oligopolistas de
comunicação. Na cultura juvenil está presente a cultura geral da sociedade, mas também sua
cultura específica e assim se mescla tradição e modernidade, o novo e o velho, o passado, o
presente e o futuro. A cultura juvenil é uma subdivisão da cultura de determinada sociedade e
uma determinada visão desta. Na cultura juvenil existe uma memória social seletiva, fundada
nos valores, sentimentos, etc. da juventude e isto é perpassado por uma divisão, pois se
manifesta de forma diferenciada dependendo de qual classe, região, país, religião, etc., este
segmento está inserido.
Desta forma, o mais interessante seja discutir a posição da juventude diante da
cultura em geral e daí analisar a questão da permanência e da ruptura. Existem duas
tendências político-culturais na sociedade moderna que contribuem para pensar a questão da
VIANA, Nildo. Cultura, Tradição e Memória: A Juventude entre a Permanência e a Ruptura. 17
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO
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permanência e da ruptura no plano cultural (e não só nele, mas é o que aqui iremos enfatizar).
Uma se caracteriza pelo apego ao passado, às tradições, aos sentimentos. Esta é a tendência
do romantismo. A outra se caracteriza pela apologia do novo, do futuro, do progreesso. Esta é
a tendência iluminista. Estas duas concepções se encontram tanto no mundo da arte e da
cultura em geral quanto da ciência, da filosofia e das representações cotidianas.
A visão romântica do mundo pretende congelar o tempo, conservar as tradições,
as relações sociais tradicionais, condenam o progresso, o novo, etc. A recusa do novo é uma
das características secundárias desta visão. O romantismo é predominantemente conservador,
mas possui um potencial crítico, que é quando entra em choque com as ideologias do
progresso e as apologias da sociedade capitalista. A visão iluminista, por sua vez, busca
superar as tradições, o passado e fazer a apologia do novo, do progresso, da tecnologia,
símbolo da inovação. A condenação do ―ultrapassado‖, do antigo, é uma característica
secundária desta visão. O iluminismo é progressista, mas em sua visão de progresso e não
possui um grande potencial crítico em relação ao desenvolvimento social contemporaneo,
ficando mais ao nível da apologia.
Estas tendências acabam influenciando a juventude, sendo que esta, em sua
maioria, tende a se alinhar com a visão iluminista e apenas alguns de seus segmentos se
aproximam do romantismo. Elas também influenciam as concepções científicas, filosóficas,
artísticas, etc., na sociedade em geral. No entanto, em uma análise teórica da cultura é preciso
superar tanto uma quanto a outra. Uma análise teórica da cultura não é neutra, passiva, e sim
engajada em determinada mentalidade e perspectiva. Ela é portadora de valores e sentimentos,
mas, no entanto, faz a reflexão, problematização, questionamento dos seus próprios valores e
sentimentos, inclusive buscando observar o seu processo de constituição social. Desta forma,
uma análise teórica (ao contrário da ideológica) é crítica. Uma análise teórica da cultura (e do
romantismo e do iluminismo) busca revelar suas bases sociais, os interesses, valores,
sentimentos, por detrás dela. Ao invés de ser marcada pela neutralidade de valores, é
caracterizada por apresentar valores explícitos e refletidos, e por descartar determinados
valores a partir de sua compreensão. No entanto, isto depende da escala de valores do
indivíduo que faz a análise, pois se a verdade for um valor mais importante para ele do que os
sentimentos agradáveis de recordações infantis, então a opção poderá ser tomada de forma
consciente. O que a análise teórica permite é, ao invés do indivíduo estar submerso no mundo
da cultura de forma acrítica, espontânea, como um peixe n‘agua, ele portar uma consciência e
capacidade crítica do seu mundo cultural, do qual ele emerge.
VIANA, Nildo. Cultura, Tradição e Memória: A Juventude entre a Permanência e a Ruptura. 18
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO
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Assim, a tradição deve ser observada não como algo ―dado‖, ―estático‖,
―congelado‖, mas algo em constante mudança, convivendo com a permanência. A tradição
não pode ser um valor fundamental, pois suas bases sociais são predominantemente
conservadoras, embora existam aspectos nelas que são portadoras do novo, da crítica, e de
negação da sociedade existente, moderna, capitalista. As relações sociais tradicionais trazem
em si alguns elementos desvaloradas pela sociedade moderna justamente por entrar em
contradição com ela. As formas de solidariedade, a ausência da tendência
acumulativa/aquisitiva (e, portanto, consumista) que por vezes são encontradas na população
rural é um exemplo. No entanto, também elementos de autoritarismo, conservadorismo, etc.,
podem ser encontrados no mesmo espaço. Por isso, as tradições populares devem ser objeto
não de apologia ou recusa total, mas sim de resgate dos seus elementos críticos,
potencialmente contestadores da sociedade moderna e de crítica de seus elementos
conservadores. As tradições populares devem ser compreendidas como manifestações da
consciência contraditória, tal como colocaram o psicanalista Wilhelm Reich e o pensador
político Antonio Gramsci.
A modernidade, com a qual a maior parte da juventude se identifica, por sua vez,
faz apologia da sociedade moderna e vê a constante mutação, a inovação permanente, dentro
dos quadros restritos do capitalismo. Embora alguns setores da juventude consigam ir além da
ideologia moderna e suas manifestações culturais, isto é mais a exceção. O pensamento
moderno e sua manifestação nas representações cotidianas também possui contradições,
elementos conservadores e contestadores e é preciso saber identificar suas contradições e o
que pode ser resgatado. Obviamente que isto não pode ser feito nem do ponto de vista do
tradicionalismo nem do ponto de vista do modernismo, e sim de um terceiro ponto de vista,
que rompa com ambos a partir de uma teoria da sociedade moderna.
A juventude não sendo um todo homogêneo, pode se aliar a uma destas
tendências. Pode fazer o culto do passado e das tradições ou do futuro, do progresso e suas
ilusões, ou então pode realizar a crítica da sociedade existente e de suas posições e opções,
abrindo caminho para o que o filósofo Ernst Bloch denominou ―consciência antecipadora‖,
isto é, a visão do ―ainda-não-existente‖, a utopia, base valorativa e sentimental para uma
efetiva ruptura com o mundo atual e para a ―crítica desapiedada do existente‖ (Marx).

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Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
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UM ESTUDO SOBRE AS DIVERSAS MOTIVAÇÕES SOCIAIS DESENVOLVIDAS


NO TRABALHO E NA SOCIEDADE DE UMA FORMA GERAL

Iran de Macedo Cordeiro


Cláudio Luiz Correia de Freitas
Ana Cristina Veríssimo

Resumo Abstract
O presente artigo tem como propósito fazer uma The present article has like purpose does a historical
abordagem histórica dos estudos desenvolvidos sobre approach Of the studies developed on a human
a motivação humana, bem como apresentar as motivation, as well as to present no work as several
diversas motivações sociais apresentadas pelos social motivations presented by the individuals and in
indivíduos no trabalho e na sociedade de uma forma the society of a general form.According to a
geral.Segundo a concepção de ROMERO-GARCIA conception of ROMERO-GARCIA (1991), a conduct
(1991), a conduta humana no trabalho, e na vida em humanizes no work, and in the life in general, it
geral, seria guiada pela prevalência de forças would be guided by the predominance of originating
oriundas, por um lado, da "cultura maior"(sociedade strength, on a side, of the ' bigger culture ' (society in
em geral) e por outro lado da "cultura menor"(cultura general) and on the other side of the ' less culture '
industrial, desenvolvimentista). Para o referido (industrial culture, desenvolvimentista). Welded
pesquisador, os determinantes da "cultura maior"do parachutist the above-mentioned investigator, the
venezuelano e, cremos nós, dos latino-americanos em determinants of the ' bigger culture ' do Venezuelan
geral, envolveriam predomínio da adaptação, and, we believe knots, Latin-Americans of OF in
concepções negativas do trabalho, baixos níveis de general, they would wrap predominance of the
otimismo e esperança, baixos níveis de auto-estima e adaptation, negative conceptions it does work, low
fixação no presente e não no futuro. Por outro lado, levels of optimism and hope, low levels of auto-car
no plano da cultura menor, vigentes sobretudo em and fixation no present and not no future. On the
organizações prósperas e evoluídas, predominariam other side, no plan of the least culture, in force
forças na direção contrária às anteriormente descritas, especially in prosperous and evolved organizations,
que terminariam por levar os indivíduos a ela they would predominate that you force in the opposite
submetidos e esforços no sentido da superação do direction to when they were previously described,
subdesenvolvimento.Pesquisas conduzidas na what those who would end up taking the individuals
Venezuela (ROMERO-GARCIA, 1985) one she subjected and efforts no sense of the
demonstraram importante adaptação dos dois overcoming do underdevelopment.Inquiries when
modelos preconizados por Romero-Garcia com Venezuela (ROMERO-GARCIA, 1985)they
explicadores da conduta de nossos povos. Assim, no demonstrated important adaptation Of two models
Brasil, amostras tomadas da população em geral, extolled by Romero-Garcia with explainers of the
apresentam predomínio de forças oriundas da conduct of our people. So, no Brazil, samples been
"cultura maior"e outros grupos de sujeitos, overcome with the population in general, they present
pertencentes a organizações desenvolvidas, predominance of strength originating from the ' bigger
apresentam características fortemente baseadas na culture ' and other groups of subjects, pertaining
"cultura menor", salvo uma incômoda presença de developed organizations, present characteristics
níveis intermediários de poder e ainda elevados strongly based on the ' less culture ', it saves of
níveis de afiliação, tanto no trabalho como na vida artillery an uncomfortable presence of intermediary
em geral. levels of power and still elevated levels of affiliation,
so much none I work as in the life in general.

Palavras-chave: Key-Words:

Motivações e trabalho Motivations and work.


CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 21
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
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Abordagem Inicial
Nos primórdios do pensamento Ocidental, este mundo pensava sob a forma de
alegoria, que é representação de uma idéia por meio de imagens, dando a alegorias um
simbolismo concreto, onde seus personagens são percebidos mais como a personificação de
uma idéia do que como pessoas. Platão demonstrou-se contrário a este modo de conhecer o
mundo, retomando a teoria de seu mestre Sócrates, que afirmava ser a idéia mais que o
conhecimento verdadeiro, ela é o ser mesmo, a realidade verdadeira, absoluta e eterna,
existindo fora e além de nós, cujos objetos visíveis são apenas reflexos.
A doutrina central de Platão é a distinção de dois mundos: o mundo visível,
sensível, ou mundo dos reflexos, e o mundo invisível, inteligível, ou o mundo das idéias.
Aristóteles, discípulo de Platão, o critica dizendo que idéia não possui uma
existência separada, pois só os indivíduos seriam reais, a idéia só existiria nos seres
individuais. Esse pensamento teve grande influência na filosofia de São Tomás de Aquino,
que afirma ser o conhecimento uma "adequação da inteligência com a coisa", e que a
felicidade do homem não se encontra nos bens exteriores, nem nos bens do corpo, nem nos da
alma; só se encontra na contemplação da verdade.
Anos depois, Descartes, apresentando a proposição - penso logo existo -
argumenta que o bom senso (razão) é o que existe de mais bem repartido no mundo, pois
todos consideram possuir o suficiente, defende que jamais devemos admitir alguma coisa
como verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal. Para conhecer faz-se
necessário a criação de um método que garanta o conhecimento como verdadeiro, uma vez
que nossos sentidos podem mentir para nós.
No final do século XVIII, este processo já estava influenciando e sendo
influenciado por todas as áreas do conhecimento, e vários campos da vida do ser humano se
tornaram foco de conhecimento, provocando o surgimento de uma nova concepção de
trabalho, baseado no auxílio da máquina, que veio modificar completamente a estrutura social
e comercial da época, desenvolvendo profundas e rápidas mudanças de ordem econômica,
política e social - a Revolução Industrial. Com a mecanização da indústria e da agricultura,
com o desenvolvimento fabril e uma grande aceleração dos transportes e da comunicação,
cresce o papel das organizações na sociedade, abrindo a possibilidade de um novo foco de
estudo, que são as organizações.
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Este novo campo nasce no princípio do século XX, com a proposta de melhorar o
processo de trabalho, mantendo a tradição do Ocidente, que se fundamenta no princípio da
razão. O estudo da racionalização do trabalho foi acompanhado de uma estruturação geral da
empresa e ao tornar possível e coerente sua aplicação, abre-se a possibilidade de um
embasamento mínimo para se estruturar um novo modelo que vai ao encontro do pensamento
reinante da época, pensamento este que se vê dominado pela idéia de ação, resultado,
hierarquia, especialização, divisão do trabalho etc.... As deficiências deste modelo fazem com
que se proponha um novo foco na teoria das organizações que é o elemento humano, e se
torna possível pensar um novo modelo que se utilizou de conceitos transportados de outras
ciências com a sociologia, a antropologia e a psicologia, baseando-se em crenças, valores,
satisfação, realização, autodesenvolvimento, responsabilidade, comportamento e liderança.
No próximo tópico será abordada a evolução da relação homem e empresa dentro
das teorias de administração.

A Teoria da Administração e o Homem

A teoria da administração surge, no início do século XX, como reflexo do


crescente papel que as organizações passam a ter na sociedade e na vida dos homens,
respondendo à necessidade de se aprofundar e sistematizar um conhecimento que, aplicado às
organizações, garantam sua sobrevivência, as adapte às transformações em seu contexto e as
torne mais eficazes. Para tanto, vai buscar nas outras ciências sociais, como a sociologia, a
economia, a antropologia e a psicologia, conhecimentos acumulados acerca da sociedade, das
organizações e dos homens, transportando para seu âmbito teorias e conceitos retirados destas
ciências.
A Escola das Relações Humanas foi a primeira escola a se ocupar mais
sistematicamente com os aspectos humanos na organização, buscando dar ênfase à satisfação
do empregado, a se ocupar de suas questões afetivas e pessoais, a falar de crescimento pessoal
e motivação, abrindo caminho trilhado até hoje pelas principais escolas que se seguiram.
Desde então a teoria da administração e as grandes organizações têm realizado estudos e
procurado desenvolver técnicas a fim de buscar adequar os interesses pessoais dos indivíduos,
com os interesses das organizações.
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A idéia básica que norteou a Escola das Relações Humanas, e todas as outras
que, continuaram o trabalho, iniciado por ela, é que se conseguirmos um meio de fazer com
que os interesses pessoais dos indivíduos coincidam com os das organizações, ganham todos,
empregados e organizações. Aqueles, porque alcançarão realização profissional e satisfação
pessoal com a ajuda das organizações, estas porque contarão com empregados motivados e
engajados, defendendo interesses mútuos.
A seguir serão abordados o conceito e as várias teorias de motivação envolvendo
os indivíduos tanto na vida em geral como no trabalho.

Motivação e seus aspectos conceituais

Motivação refere-se a forças que energizam, dirigem e sustentam os esforços de


uma pessoa, direcionando seu sentimento para o trabalho com afinco para atingir metas de
desempenho, com habilidade e entendimento adequados de sua função.
Embora o processo de Administração seja tão antigo quanto a história, ainda nos
defrontamos com a enorme preocupação relativa às questões de motivação para o trabalho,
buscando entender os mecanismos que movimentam as pessoas, para os comportamentos de
alto desempenho, indiferença ou improdutividade, a favor ou contra os interesses da
organização.
As pesquisas recentes fomentaram teorias de motivação que, embora não
apresentem todas as respostas às questões sobre motivação no trabalho, proporcionam
caminhos que redundam em resultados efetivos nas organizações, buscando compreender a
natureza humana, explicando, prevendo e criando formas de direcionar o comportamento do
indivíduo no trabalho.
Podem-se separar as teorias de motivação em grande correntes, que se
diferenciam quanto à visão do que seria a força propulsora para o trabalho. Estas correntes
seriam: os etologistas, que sugerem ser a conduta instintiva de cada espécie animal e a busca
por adaptação ao meio a maior motivação para a ação, inclusive dos homens; os behavioristas,
que acreditam que a força propulsora são os estímulos externos através do processo de
aprendizagem; os cognitivistas, que acreditam que a motivação depende da representação que
os indivíduos possuem do meio, o que inclui um conjunto complexo de fatores como
percepção, pensamento, valores, expectativas e aprendizagem; a psicanálise, que enfatiza as
motivações inconscientes derivadas de pulsões biológicas e experiências passadas,
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principalmente durante a infância; e um grupo de teóricos que procuram compreender o ser


humano na sua vivência concreta, evitando assim os reducionismos.

Os Behavioristas e a Motivação

Tanto os behavioristas, quanto os cognitivistas, desenvolveram uma teoria na qual


a motivação fundamenta-se no princípio do hedonismo, que afirma que os indivíduos buscam
o prazer e afastam-se do sofrimento, acreditando que as pessoas se comportam de forma a
maximizar certos tipos de resultados de suas ações, ou seja, dão ênfase à aprendizagem. Sua
abordagem é histórica porque o que motiva o comportamento são as conseqüências dos
efeitos produzidos pelo comportamento passado dos indivíduos.
O pressuposto fundamental dos behavioristas, que os diferencia dos cognitivistas,
é que a força que conduz ao comportamento motivado está fora da pessoa, nasce de fatores
extrínsecos que são soberanos a sua vontade. Dessa forma, para os behavioristas existe uma
ligação necessária entre o estímulo externo e a resposta comportamental, tratando-se de uma
espécie de acomodação do organismo vivo às modificações operadas no meio ambiente.
Segundo Bergamini (1990), através do esforço ou recompensa, ―impostos pelo
poder das forças condicionantes do meio exterior", a motivação passa a ser vista como um
comportamento reativo, que leva ao movimento dos indivíduos.

Os Cognitivistas e a Motivação

Os cognitivistas, ao contrário dos behavioristas, acreditam que os indivíduos


possuem valores, opiniões e expectativas em relação ao mundo que os rodeia e que assim
também são direcionados em seus comportamentos, só que desta vez, baseados nas
representações internas. Isto é, os indivíduos possuem representações internalizadas do seu
ambiente que envolvem os processos de percepção, pensamento, e aprendizagem, formando
objetivos com o propósito de atingi-los (MOTA, 1986).
Em oposição aos behavioristas, que acreditavam que é possível e necessário
aprender a motivar os outros, os cognitivistas acreditam que ninguém jamais pode motivar
quem quer que seja, uma vez que as ações humanas são espontâneas e gratuitas, tendo como
origem suas impulsões interiores. Entretanto, não podemos esquecer que os indivíduos
tendem a buscar o prazer e se afastar do sofrimento, porém a escolha feita em determinada
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situação é ocasionada pelos motivos e cognições próprios do momento em que faz a escolha
(AGUIAR, 1992).

A Teoria dos Dois Fatores de Herzberg

A teoria dos dois fatores de Frederick Herzberg distinguiu duas amplas categorias
de fatores que afetam as pessoas no desempenho de seus cargos (HERZBERG, 1966).
Uma dessas categorias é constituída por fatores motivacionais, relacionados com a
tarefa propriamente dita e que são responsáveis pela satisfação no trabalho, sendo que dentro
desses fatores existem aqueles mais relevantes que estão relacionados com a realização da
tarefa, reconhecimento, responsabilidade, desenvolvimento e características específicas do
trabalho.
A outra categoria é composta pelos fatores higiênicos, que estão mais
relacionados com a ambiência do trabalho e a insatisfação, sendo que dentro desse contexto
foram considerados os fatores de maior relevância o status, as relações interpessoais, a
política organizacional, a segurança e os salários.
Herzberg concluiu que os fatores higiênicos criam um clima psicológico e
material saudável e influenciam a satisfação com as condições dentro das quais o trabalho é
realizado, pois quanto melhores as relações entre colegas e tratamento recebido pelo gerente,
melhor será o clima, mais higiênico o ambiente. Da mesma forma, quanto mais contente a
pessoa estiver com seu salário, menor será sua disposição para reclamar de sua relação com a
empresa, desenvolvendo, conseqüentemente, maior satisfação do trabalhador com o ambiente
de trabalho.
Níveis mínimos de fatores higiênicos, como status, salário e sgurança, são
importantes, mas quando presentes não causam satisfação: apenas impedem a insatisfação
(HERZBERG, 1966).
As condições ambientais, no entanto, não são suficientes para induzir o estado de
motivação. Para os trabalhadores se tornarem positivamente motivados a realizar suas tarefas,
é necessária uma atenção constante a fatores como reconhecimento, responsabilidade,
desenvolvimento individual, para que a sintonia com o trabalho esteja presente facilitando
assim o exercício das habilidades e aptidões, desses trabalhadores (HERZBERG, 1966).

A Teoria de Douglas McGregor


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DOUGLAS McGREGOR (1970) em seus estudos sobre motivação, desenvolveu


algumas premissas sobre as tendências para o bem ou para o mal, do ser humano, destacando
duas teorias as quais chamou de Tória X e Teoria Y.
De acordo com a teoria X, o ser humano possui tendências naturais para o mal,
afirmando que o homem é indolente e sem interesse pelo trabalho, só produzindo quando
controlado.
A visão da teoria X é a mais clássica e permanente na história da organização,
desenvolvida nos primórdios da Administração Científica, por Taylor, ela ainda é uma
prática no mundo de hoje, por se tornar, na verdade, uma profecia auto-realizável, pois
dirigentes crêem que o trabalho só será realizado se controles rígidos e critérios claros de
autoridade forem impostos aos subordinados, que são naturalmente preguiçosos e
desinteressados. Os subordinados, por sua vez, ao serem socializados nessa prática, adquirem
a mesma crença do dirigente e passam a produzir de acordo com a maior ou menor pressão ou
disciplina de seu chefe, reforçando assim a crença na indolência natural e na necessidade de
controle, pressupostos da teoria X.
A Teoria Y constitui uma proposta segundo a qual os seres humanos são
essencialmente bons e direcionados ao trabalho, e produzirão em níveis elevados se lhes
forem concedidas as condições adequadas. Nessa teoria o ser humano é motivado para o
trabalho, produzirá com satisfação e em conformidade com a vontade geral.

Teoria das Necessidades de Maslow

A teoria das necessidades focaliza mais intensamente os aspectos internos que


provocam a energia, ou seja, a ativação do indivíduo para uma determinada direção, partindo
do princípio de que o ser humano sempre está à procura de algo, isto é, sempre possui uma
necessidade a ser satisfeita, sendo que a necessidade insatisfeita leva o indivíduo a procurar a
iniciativa, a forma e a intensidade do comportamento para satisfazê-la.
Abraham Maslow (1954) vê o ser humano como eterno insatisfeito e possuidor de
uma série de necessidades que se relaciona entre si, dessa forma organizou cinco tipos de
necessidades humanas numa hierarquia, denominada Hierarquia das Necessidades, segunda a
qual as pessoas satisfazem a suas necessidades em uma ordem específica, de baixo para cima,
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sendo que uma necessidade deve estar razoavelmente satisfeita antes que outra se manifeste
prioritária. As necessidades em ordem ascendente são:
1) Fisiológicas (comida, água, sexo e abrigo)
2) Segurança (proteção contra ameaça ou privação)
3) Sociais ( amizade, afeição, aconchego e amor)
4) Auto-estima (status, reconhecimento, atenção e autonomia)
5) Auto-realização ( conscientização do próprio potencial: tornar-se tudo de que se é
capaz)

Teoria de McClelland

David Mcclelland (1961) em seus estudos também identificou várias necessidades


básicas que orientam as pessoas, sendo as mais importantes para os administradores: as
necessidades de realização, afiliação e poder.
A necessidade de realização caracteriza-se por forte orientação para a realização e
por uma obsessão pelo sucesso e pelo atingimento de metas, tendo em vista que a maioria dos
administradores e empresários tem altos níveis dessa necessidade e gosta de percebe-la em
seus funcionários.
A necessidade de afiliação reflete forte desejo de ser estimado por outras pessoas,
demonstrando que os indivíduos com altos níveis dessa necessidade são mais orientados para
um bom relacionamento com os outros e podem estar menos interessados em altos níveis de
desempenho.
A necessidade de poder é um desejo de influenciar e controlar as pessoas, de
forma que essa necessidade pode ser uma força negativa, chamada poder personalizado, que
se expressa pela manipulação e exploração agressiva dos outros. As pessoas que têm altas
necessidades de poder personalizado querem o poder simplesmente para atingir suas próprias
metas. Mas a necessidade de poder também pode ter um motivo positivo, chamada poder
socializado, porque pode ser canalizada para a melhoria construtiva das organizações e
sociedades.
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A contribuição de Romero Garcia

Romero Garcia (1991), com base nos achados de McClelland desenvolveu alguns
componentes motivacionais que buscam identificar o estilo de motivação dos indivíduos nas
organizações, sendo esses componentes as metas, a instrumentação e os resultados.

Metas

São definidos como metas os resultados psicológicos, de incentivos extrínsecos,


que antecipadamente foram construídos com base em propriedades motivacionais, portanto
intrínsecas, que representam as necessidades de cada indivíduo. Se as metas são percebidas
como fatores exteriores, portanto não motivadores, deixam de desenvolver sentimento
operante nos envolvidos.

Segundo Romero Garcia (1991), a meta motivacional é aquela que se codifica


como verdadeiro fator de satisfação, para saciar as necessidades das pessoas. Do mesmo
modo, para que uma meta exterior tenha efeito, as pessoas devem desenvolver necessidades,
aprendidas socialmente, portanto, transformá-las em intrínsecas, para representarem
significado pessoal para elas.
A visão que Romero Garcia (1991) dá para o seu estudo é sistêmica, pois não
basta conhecer separadamente a meta, a instrumentação e os resultados, mas também
conhecer a construção completa que o indivíduo faz da situação.

Instrumentação

A instrumentação tem como fundamento, alinhar todos os recursos em direção à


obtenção da meta, dando ênfase a caminhos motivacionais distintos, pois a análise da
instrumentação ajuda a identificar o motivo responsável pela execução, identificando, em
alguns casos, a motivação que a determinou.
Romero Garcia (1991) identificou que a motivação predominante no sujeito
determinará a instrumentação selecionada e que existem instrumentos (condutas) mais
próprios de alguns motivos do que de outros. Se as condutas operacionais se mantivessem
sempre nos caminhos naturais do motivo, a instrumentação denunciaria diretamente o motivo
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responsável pelo resultado, porém se deve tomar cuidado para que não existam invasões de
caminhos, com o propósito de se evitar que certas condutas sirvam à vários motivos.

Resultados

Os resultados advêm da efetiva implementação da instrumentalização, porém


diferentes motivos e diferentes instrumentações podem produzir resultados aparentemente
iguais ou similares, de forma que desempenhando a mesma função, pessoas diferentes, pode
ter sido impulsionada por motivos distintos e se instrumentalizado de forma diferente.
Os resultados podem proporcionar um potencial energizador forte ou fraco,
dependendo do nível de excelência estabelecido para as metas. Se o nível for demasiado alto,
praticamente impossível de alcançar, os resultados não serão particularmente úteis para a
iniciativa de novas ações. Se o nível for baixo, os resultados alcançados carecerão de
propriedades energizantes fortes. Porém, quando a meta for de uma dificuldade de moderada a
alta (difícil, mas alcançável), então os resultados são energizantes. Da mesma forma, se a
meta for completamente conquistada, então se sentirá a necessidade de empreender no
caminho para a conquista de metas mais importantes.
Romero Garcia (1991) afirma que o potencial energizador dos resultados também
é influenciado pelo processo de atribuições causais, pois se o mesmo é atribuído a uma fonte
externa, o seu potencial motivador é escasso ou nulo, porém, se a pessoa atribui o resultado a
si mesmo, fica incrementado, significativamente, o potencial motivador.
O sentimento de insatisfação com os resultados advém do fracasso auto-atribuído
que envolve a pessoa, desenvolvendo uma dissonância que para ser superada se faz necessária
admitir o erro com o propósito de identificá-lo para que desenvolvam situações para
solucioná-lo. O fracasso transforma a adversidade em desafio, principalmente quando
atribuídos a causas internalizadas, ambos, fracasso e êxito, exibem a mesma dinâmica
motivacional. (ROMERO-GARCIA, 1991).
É interessante ressaltar, que a reação ante ao êxito e ao fracasso é medida pela
construção que se faz deles, pois as atribuições internas-instáveis levam a construção do êxito
e do fracasso como desafios que exigem a acumulação de energia para colocá-la a serviço de
novos esforços. Todavia, se pensarmos que nossos fracassos são devidos a fatores externos
(pessoais ou impessoais) e que, assim, esses fatores são imodificáveis (estáveis), então a
construção será a de aceitação dos resultados como tais, sem exigir sua superação.
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 30
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009

Algumas abordagens desenvolvidas por Romero-Garcia

Em cada motivo temos presente uma dimensão interior (intrapessoal), para a


construção integradora interior e uma dimensão exterior (interpessoal), para a construção
integradora exterior. À dimensão interior, cabe o trabalho cognitivo-afetivo do indivíduo
consigo mesmo e à dimensão exterior, cabe o trabalho cognitivo-afetivo do indivíduo com
outras pessoas, grupos ou a sociedade.
Dentro desses princípios Romero Garcia (1991), desenvolveu dimensões que
buscam identificar estilos de motivação no trabalho, baseando-se na teoria de Mcclelland
(1961).

Motivação para Realização e suas Dimensões

A motivação para a realização é uma rede de conexões cognitivo-afetivas


relacionadas com o desenvolvimento pessoal implicando no uso exigente de capacidades e
habilidades para benefício pessoal e coletivo.
Em sua dimensão interior, a área natural para sua expressão está o
desenvolvimento individual e a concretização de feitos com significado pessoal, pois os
objetivos pessoais são importantes para a própria pessoa e pouco importa que para outros
sejam mínimos ou desprezíveis, de forma que a importância só é entendível dentro da
construção global que a pessoa faz em função de seu projeto de vida.
Em geral, na sua dimensão interior a motivação para realização se expressa na
imaginação de execuções excelentes ou únicas que conferem ao indivíduo cognições e afetos
de um valor pessoal muito especial, que se pauta em três componentes principais: a)
Experiência/Especialista, que é o conhecimento profundo de um saber ou fazer; b) Eficiência,
que é definida como fazer as coisas com um máximo de economia em recursos e tempo, e; c)
Excelência, que é definida como resultados ótimos em termos de habilidades, recursos e
tempo realmente disponíveis.
Na sua dimensão exterior a motivação à realização pode medir-se como interesse
pelo crescimento de outros (indivíduos, organizações e sociedade), manifestado através de
uma instrumentação em termos de realização, de forma que, quando a pessoa que oferece a
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 31
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009

ajuda do ponto de vista de busca da realização, o que realmente conta para ela é o crescimento
do outro, ou seja, o êxito do receptor da ajuda é a recompensa do ofertante. Também, a
motivação para a realização se expressa no exterior quando a pessoa crê ou faz algo que
realmente contribui com o desenvolvimento econômico da organização, da comunidade ou da
sociedade como um todo.

Motivação para Afiliação e suas Dimensões

A motivação voltada para a afiliação tem por base conexões cognitivo-afetivas


relacionadas com o sentimento de estar bem com os outros e consigo, pois ambas as
necessidades são inseparáveis.
Na dimensão interior o motivo da afiliação pode ser expresso naturalmente, de
forma que o amor a nós mesmos define o momento que nos libertamos para amar os demais e
para que os demais nos amem. Nessa dimensão a auto-estima pode alimentar-se da execução,
como quando a pessoa obtém resultados destacados e sente um legítimo orgulho pelos
mesmos, ou pode nutrir-se de alguns motivos, como quando a pessoa crê que tem metas
importantes e uma grande necessidade de alcançá-las (realização), mas com resultados aquém
das expectativas e pode alimentar-se dos desejos de governar ou dominar (poder) sem
realmente exercer nenhuma função controladora.
A dimensão exterior tem por base o campo natural da motivação afiliativa,
vinculada às relações interpessoais, que apresentam três aspectos relevantes em sua
manifestação: a) amor familiar, que inclui todas as relações entre pais e filhos, mães e filhos, e
demais vinculações afetivas existentes entre membros de uma mesma família; b) apoio
afetivo, que se refere ao apoio aos amigos, de forma que esse apoio deve ser firme na
expressão da solidariedade e maduro na aceitação objetiva do fracasso ou da adversidade,
para que contribua positivamente com o crescimento psicológico, e; c) capacidade de
compartilhar, que busca definir a expressão exterior da motivação afiliativa como a
capacidade de compartilhar experiências individuais e sociais, sem interesses ocultos e sem
segundas intenções.
Segundo Romero Garcia (1991), em sua dimensão exterior, a afiliação pode tomar
a forma de "amor familiar", incluindo os laços afetivos entre todos os membros da família, ou
pode expressar-se como condutas de " apoio afetivo", desinteressado a amigos e conhecidos,
ou como "capacidade de compartilhar"experiências em nível afetivo e cognitivo.
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 32
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009

Motivação de Poder e suas Dimensões

A motivação de poder é uma rede de conexões cognitivo-afetivas relacionadas


com o controle de nossa própria conduta e da conduta de outros (ROMERO GARCIA, et. al,
1992).
Na sua dimensão interior, as sensações de poder se originam no êxito alcançado,
no "autocontrole", na capacidade para dominar emoções, pensamento e condutas, e na "força
interior", de forma que o conhecimento, as relações afetivas e a conduta são verdadeiros
instrumentais para o crescimento psicológico, tendo em vista que a pessoa precisa sentir-se
capaz para desenvolver forças com o objetivo de transpor obstáculos com êxito, visto que a
pessoa em sua força interior e no autocontrole é ao mesmo tempo sujeito e objeto de seu
próprio trabalho cognitivo.
Em sua dimensão exterior a motivação para o poder apresenta três situações: a)
assertividade, que denota demanda exitosa de respeito para nossa construção particular da
situação e para nossa pessoa, de forma que a assertividade exige de seu ator coragem
necessária para inspirar respeito e suficiente autocontrole para não tornar-se agressivo ou
autoritário, além de expressar o poder interior; b) poder altruísta, que é definido como a
utilização de nossos próprios recursos psicológicos, e dos outros recursos humanos e
materiais, para apoiar o desenvolvimento de outras pessoas, demonstrando uma espécie de
"poder pessoal"usado para estimular a outros a obter resultados benéficos para eles mesmos,
pois quem detém poder altruísta não se preocupa em buscar pessoas para exercer domínio ou
controle, as pessoas buscam-la para sofrer uma influência positiva para elas mesmas, e; c)
poder socializado, que é definido como uso de recursos exteriores para alcançar os objetivos
individuais ou grupais.

Motivação para o Crescimento Psicológico

Romero Garcia (1991), com base em seus estudos, define crescimento psicológico
como o processo através do qual a pessoa gera construções integradoras cada vez mais
complexas sobre sua realidade interior (individual) e exterior (social) que significam evoluir
como ser humano, e afirma que o crescimento psicológico é produzido pelas motivações
positivas de resultado, poder e afiliação.
CORDEIRO, Iran de Macedo; FREITAS, Claudio Luiz Correia de e VERÍSSIMO, Ana 33
Cristina. Um estudo sobre as diversas motivações sociais desenvolvidas no trabalho e na
sociedade de uma forma geral. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 19-34, Set. 2009/Dez. 2009

Dentro desse contexto Romero-Garcia define a conduta humana no trabalho e na


vida em geral, como sendo guiada por forças, por um lado da "cultura maior"(sociedade em
geral) e por outro da "cultura menor"(cultura industrial, desenvolvimentista).
Romero Garcia caracterizou a cultura dos latino-americanos como sendo de
adaptação ao subdesenvolvimento, portanto "cultura maior", a qual é determinada por
situações que alinham o sentir das pessoas em direção a baixos índices de esperança, de
realização no trabalho e de otimismo, fortes crenças inibidoras da realização, altos níveis de
motivação de poder e de afiliação, baixos níveis de auto-estima e fixação no presente e não no
futuro, inibindo dessa forma as motivações favorecedoras do crescimento, que estancam o
crescimento psicológico (motivacional). Porém, a predominância da "cultura menor" leva os
indivíduos a desenvolverem esforços no sentido de realizações, buscando a assertividade na
comunicação com o propósito de tornarem as organizações prósperas e evoluídas, de forma
que o subdesenvolvimento seja superado.

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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL:
A PRODUÇÃO ESPACIAL SOB
O REGIME DE ACUMULAÇÃO INTENSIVO-EXTENSIVO

Lucas Maia dos Santos

Resumo Abstract

O espaço é locus, ou seja, localização das coisas, The space is the locus, or location of things,
ações, instituições, pessoas, objetos etc. O espaço é actions, institutions, people, objects etc.. The
ele próprio um elemento inextrincável da space itself is an inextricable element of
sociedade, ou seja, não há sociedade a-espacial, society, ie, there is no society-space out of
fora do espaço. É nesta perspectiva que space. Hence I would discuss the idea. Like the
abordaremos a idéia. Tal como a economia, economy, politics, culture, etc. axiology., Space
política, cultura, axiologia etc., também o espaço é is also a social structure, and ontological
uma estrutura social, imanente e ontológica à immanent to society. This approach has the
sociedade. Esta perspectiva tem o mérito de merit of recognizing the materiality of space,
reconhecer a materialidade do espaço, de iniciar as start thinking about their history, about the
reflexões sobre sua historicidade, sobre o conteúdo historical content of social space.
histórico do espaço social.

Palavras-chave: Key-Words:
Territorialização; Espaço; Acumulação Intensivo- Territorialization; Space; Accumulation
Extensivo Intensive-Extensive

O que não está em nenhum lugar não existe, já asseverava Aristóteles. Entretanto,
mais do que meramente ser o locus, ou seja, localização das coisas, ações, instituições,
pessoas, objetos etc. o espaço é ele próprio um elemento inextrincável da sociedade. Milton
Santos ao iniciar as formulações do que ficou conhecido no pensamento geográfico como
―paradigma sócio-espacial‖ introduz a ideia de Formação Sócio – Espacial, ou seja, não há
sociedade a-espacial, fora do espaço.
É nesta perspectiva que ele cunha em ―Por Uma Geografia Nova” a idéia de
espaço como ―instância da sociedade‖ (SANTOS, 1978). Tal como a economia, política,
cultura, axiologia etc., também o espaço é uma estrutura social, imanente e ontológica à
sociedade. Esta perspectiva tem o mérito de reconhecer a materialidade do espaço, de iniciar
as reflexões sobre sua historicidade, sobre o conteúdo histórico do espaço social. Representou

Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. Professor da Universidade Estadual de


Goiás.
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 36
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

um avanço na compreensão da sociedade, pois trouxe à baila uma discussão que era mais ou
menos negligenciada. Contribuiu também para uma nova leitura do espaço.
É claro que ele não retirou esta perspectiva do nada, somente de sua mente
inventiva, mas insere-se numa tradição de pensadores que já vinham incluindo na crítica
social a análise do espaço. Cito, no âmbito da ciência geográfica, a emergência do
pensamento de Pierre George e Bernard Kayser, nos anos de 1950, com a idéia de ―Geografia
Ativa‖. A crítica produzida no final da década de 1960 e nas de 1970 e 1980 nos Estados
Unidos, onde o pensamento de Wilian Bunge e David Harvey se destacam; na França, o
pensamento de Yves Lacoste, Paul Claval etc.; na Itália, as pesquisas de Massimo Quaine; na
Espanha, os trabalhos de Horácio Capel etc. Em outras áreas, a crítica ao urbanismo
produzida pela Internacional Situacionista, a idéia de espaço socialmente construído presente
em Henri Lefebvre, a análise do espaço urbano feita por Manuel Castells etc. São provas de
que seu pensamento segue uma trajetória que a história lhe coloca.
Em todo caso importa-nos a idéia de espaço como sendo uma produção social,
uma condicionante da produção e reprodução social, como imanente à sociedade e também
como tendo uma ontologia própria. Por ontologia espacial, estamos designando aqui o fato de
o espaço ser passível de análise, posto que pode ser traduzido em conceito e apreendido por
categorias próprias. Estas características nos permitem indicar elementos para a compreensão
da sociedade vista sob a ótica geográfica, ou seja, da sua territorialização ou materialização
espacial. Nesta perspectiva, indagamos: como se materializou territorialmente o regime de
acumulação intensivo-extensivo? Quais os princípios e as implicações de sua
territorialização?
Utilizaremos aqui a terminologia empregada por Viana (2003) em sua análise dos
estágios ou das fases pelas quais passou o modo de produção capitalista. Ele denomina regime
de acumulação cada uma destas fases. Um regime de acumulação é uma forma assumida pelo
estado, pelo processo de valorização do capital e pelas relações internacionais1. A combinação
destes elementos caracteriza distintas fases do modo de produção. O ―fordismo‖ é uma delas.
Entretanto, para ele, a expressão ―fordismo‖ não reflete de maneira adequada a realidade que
busca explicar, pois refere-se somente ao processo de valorização do capital, ficando os dois
outros elementos componentes do regime de acumulação negligenciados. Para resolver este

1
―O desenvolvimento capitalista é marcado pela sucessiva mudança no regime de acumulação. Um
regime de acumulação é constituído por uma determinada forma assumida pelo processo de valorização, uma
determinada forma de organização estatal e um modo específico de relações entre os países capitalistas, ou seja,
de relações capitalistas internacionais‖ (Viana, 2003, p. 83)
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 37
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

problema, o autor propõe o termo ―regime de acumulação intensivo-extensivo‖, superando as


deficiências da expressão ―fordismo‖.
O regime de acumulação intensivo-extensivo é baseado, fundamentalmente, mas
não unicamente, na extração de mais valia relativa nos países de capitalismo avançado e mais
valia absoluta nos países de capitalismo subordinado. A forma assumida pelo estado é
conhecida na literatura como keinesiana, de bem-estar-social ou integracionista, é
fundamentada na idéia de seguridade social dos trabalhadores, regulação intensiva dos
mecanismos econômicos, formando o corporativismo característico deste período, ou seja, a
tríade: estado – sindicato – corporação (HARVEY, 2001). As relações internacionais são
denominadas pelo autor de oligopolismo internacional. É o período da instalação das relações
de produção capitalistas em quase todos os territórios do mundo.
Aqui já começaram a se apresentar facetas da dimensão espacial do regime de
acumulação intensivo-extensivo. Representa já uma diferenciação, do ponto de vista das
relações internacionais ou da divisão internacional do trabalho (DIT). No período colonial e
também no neo-colonialismo a DIT caracterizava-se por um rígido controle por parte das
metrópoles do tipo de produção e desenvolvimento tecnológico das colônias. Era
terminantemente proibido às colônias qualquer desenvolvimento de manufaturas em seus
territórios. A colonização inglesa na Índia exemplifica bem este processo. Quando os ingleses
aportaram em território indiano, já havia certo desenvolvimento nas cidades de uma
manufatura nativa. A coroa inglesa tratou imediatamente de destruí-las, subordinando sua
colônia, em termos de abastecimento de produtos manufaturados, às manufaturas vindas da
Inglaterra (BERNARDO, 2000). Com a crise dos sistemas neo-coloniais e o estabelecimento
do imperialismo oligopolista internacional, os territórios subordinados começaram a receber
dos países imperialistas além de grandes investimentos em seus territórios, também a
instalação de empresas multinacionais. Deste modo, as ex-colônias e ex-neo-colônias
começaram a produzir produtos industrializados no interior de seus próprios territórios.
Devido ao corporativismo fundamentado na tríade estado – sindicato – corporação
e para ampliar mercados, bem como encontrar mecanismo para fugir à tendência declinante
da taxa de lucro, os capitais privados dos países de capitalismo avançado exportaram parte de
seu capital produtivo para os países de capitalismo subordinado, estabelecendo uma divisão
territorial do trabalho, na qual a forma de predominância de extração de mais-valor determina
lugares prioritários da produção.
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 38
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

Enquanto o regime de acumulação anterior2 fundamentava-se na extração de mais


valia relativa, empregando os métodos da ―administração científica do trabalho‖, o novo
regime que o sucede acrescenta a esta tecnificação da gerência do processo de trabalho um
investimento pesado no desenvolvimento e aplicação de tecnologias. Assim, com a
implantação do regime de acumulação intensivo-extensivo há um progressivo aumento do
emprego de trabalho morto no processo produtivo. Isto implica na acentuação da tendência
declinante da taxa de lucro médio, o que em si já é de se tomar nota. Há ainda, um outro
aspecto a se notar no cômputo geral do processo de exploração do trabalhador. Como as lutas
do proletariado no regime anterior ameaçaram e colocaram a burguesia internacional diante
de uma revolução iminente (Revolução russa, alemã, húngara entre os anos de 1917 a 1923; a
guerra civil espanhola de 1936 a 1939 etc.), bem como o crescimento de tendências
reformistas (social-democracia e bolchevique), o estado capitalista viu-se obrigado a integrar
o proletariado no sistema de consumo de maneira mais efetiva. Isto caracterizou o que alguns
sociólogos denominam de ―sociedade de consumo‖. Ford havia tentado isto em sua própria
fábrica nas duas primeiras décadas do século 20 (HARVEY, 2001), mas somente uma
organização como o estado seria capaz de realizar tal tarefa ao nível da sociedade como um
todo. Assim, a criação do estado de bem estar social, com seu pleno emprego, suas políticas
assistenciais etc. são uma forma de subtrair parte da mais valia produzida, o que também
contribui com o aumento da tendência declinante da taxa de lucro. Assim, como já dissemos,
a maneira encontrada pelos capitalistas para resolver este problema foi transferindo parte de
seu capital produtivo para outros países, criando o imperialismo oligopolista internacional.
Ou seja, esta DIT caracteriza a extensão das relações de produção tipicamente
capitalistas a quase todos os territórios do mundo. Uma característica do modo de produção
capitalista é sua expansão de maneira sempre continuada. Isto se deve à sua própria lógica de
organização. É um imperativo que a relação-capital impõe aos capitalistas. Precisam
constantemente ampliar seus nichos de mercado, consumindo fatias progressivamente maiores
de população. Este imperativo se deve ao fato de que para persistirem no mercado, devem ser

2
Para Viana (2003), a sucessão dos regimes de acumulação se deu da seguinte maneira. O primeiro
regime de acumulação é o extensivo, caracterizado pelo estado liberal, pela extração de mais valia absoluta e por
relações internacionais fundadas no neo-colonialismo. Sucede-o o regime de acumulação intensivo, fundado na
extração de mais valia relativa, no estado liberal democrático e relações internacionais de cunho imperialista. O
seguinte é o intensivo-extensivo, baseado na extração de mais valia relativa nos países de capitalismo central e
absoluta nos de capitalismo subordinado, pelo estado integracionista, de bem-estar-social ou keinesiano e por
relações internacionais fundadas no imperialismo oligopolista. Por último, o regime de acumulação integral, que
se desenrola ainda em nossos dias, é caracterizado pelo aumento da extração de mais valia absoluta e relativa
tanto nos países de capitalismo central quanto subordinado, pelo estado neo-liberal e por relações internacionais
calcadas no neo-imperialismo.
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 39
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

competitivos, vorazes na busca por hegemonia no ramo de produção no qual atuam. A própria
lógica da produção capitalista o impele a se expandir constantemente. Assim, para que este
regime de acumulação se implante e se mantenha, é necessária uma determinada forma de
produção espacial que lhe seja peculiar. Foi com este regime de acumulação que pode-se ver
toda uma movimentação em termos de re-alocação em escala internacional de capital
produtivo. Onde estes capitais são implantados, ocorre um processo de re-organização
espacial, na qual as localidades que o recebem são submetidas a uma nova lógica, a lógica da
exploração capitalista, com tudo o que isto implica. O que se observa, desta maneira, é que o
modo de produção capitalista é um modo de produção espacial (como todo modo de
produção).
Lipietz (1996) demonstra como neste regime de acumulação a formatação
espacial se dá. Nos países de capitalismo avançado (fordismo central) ocorreu um intenso
processo de êxodo rural. Entretanto, isto não representou um maior crescimento das
metrópoles em detrimento das cidades médias e pequenas. Ao contrário, em países como
Estados Unidos e França, por exemplo, a organização ―fordista‖ da rede urbana implicou na
criação de ramos industriais inter-regionais cuja materialização no espaço foi o reforço da
criação de áreas de concepção e gestão da produção. Nesta concepção, as cidades médias
assumem papel importante como locus de territorialização do aparato produtivo e as
metrópoles assumem a responsabilidade da gestão e concepção da produção. Deste modo, o
produto foi a industrialização e conseqüente urbanização das cidades médias.
Já nos países de capitalismo subordinado (fordismo periférico) fenômeno
diferente se passa. Também o êxodo rural é uma característica marcante. Porém, o destino dos
migrantes não são as cidades médias, mas sim as metrópoles. A penetração de capital
produtivo dos países de capitalismo avançado nos de capitalismo subordinado é a maneira
encontrada de valorizar o capital, buscando contornar a tendência declinante da taxa de lucro.
Este processo implicou na criação das famosas empresas multinacionais. Estas corporações se
instalaram predominantemente em áreas cujas condições necessárias à produção já estavam
instaladas. As metrópoles foram seu palco. Assim,

(...) nos países do Sul, onde desenvolveu um ―fordismo periférico‖ fundado sobre
salários muito baixos, a megapolização (isto é, o crescimento explosivo de uma ou
duas metrópoles por país) tornou-se regra geral. Os camponeses, os mestiços ou
indígenas, fugindo do campo, precipitaram-se em direção às capitais regionais e de
lá em direção ao grande centro urbano do país, aquele onde o mercado de trabalho
era mais ativo. Por outro lado, as empresas nacionais ou estrangeiras, em busca de
mão de obra abundante e barata, foram instalar-se nas megalópoles, convalidando
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 40
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

assim a estratégia dos migrantes. Daí a explosão urbana da Cidade do México, de


São Paulo, de Bombaim, do Cairo, de Jacarta ou de Bangcoc. (LIPIETZ, 1996, p. 4)

Sendo os países de capitalismo subordinado, em termos de organização


institucional bastante distintos dos países de capitalismo central, a tríade estado – sindicato –
corporação, assume aqui formas diferentes. Os conceitos de indutor e induzido (LEFEBVRE,
2001) são-nos bastante úteis para compreender tal processo. O indutor é a industrialização, o
induzido a urbanização. Ou seja, à medida que a lógica da indústria vai se impondo, começa a
gerar modificações espaciais, que na leitura de Lefebvre é a urbanização. A constituição de
realidades urbanas marca a paisagem e os modos de vida da sociedade industrial. A cidade
industrial é seu produto. Entretanto, esta cidade industrial não se estabelece somente em áreas
onde haja a predominância da produção industrial em termos de ocupação de mão de obra,
mas sim à criação da lógica industrial ou capitalista de organizar e produzir o espaço urbano.
A cidade industrial não é um produto único, homogêneo. Insere-se numa lógica
complexa de relações sociais, de escala internacional e local, materializando-se em espaços
distintos. Como vimos, a maneira como se estabelece o regime de acumulação intensivo-
extensivo determina conteúdos espaciais diferenciados. Isto se deve ao fato de que o espaço
não é uma tabula rasa sobre a qual se inscrevem as relações sociais, mas sim que o próprio
espaço é ele em si relação social. Isto quer dizer que a maneira como se desenvolve o regime
de acumulação intensivo-extensivo é uma maneira intensiva-extensiva de produção do
espaço.
A exploração extensiva nos países de capitalismo subordinado, a sua posição
dentro das relações capitalistas internacionais, ou seja, o fato de suas burguesias e seus
estados serem subordinados dentro da DIT o colocam em uma situação singular em relação
aos países de capitalismo central. Simultaneamente, a exploração capitalista nos países
centrais é uma exploração intensiva, que implica numa determinada lógica de distribuição dos
capitais produtivos, bem como numa relação dominante dentro da DIT. Tal relação dominante
lhe dá o benefício de usufruir de grande parte da mais valia produzida nos países de
capitalismo subordinado, drenando-a para dentro de seus territórios. Tal fato lhe permitiu
constituir, juntamente com a exploração dos trabalhadores em seu próprio território, as
políticas de assistência social, que se refletem na produção espacial. Os projetos de
reconstrução da Europa após a segunda guerra mundial, a construção de inúmeras cidades
jardins (BENEVOLO, 2001), as políticas de urbanização e planejamento urbano-regional em
vários países da Europa (LOJKINE, 1997) etc. demonstram como a produção intensiva do
SANTOS, Lucas maia dos. Territorialização do Capital: a Produção Espacial Sob o Regime de 41
Acumulação Intensivo-Extensivo. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 35-41, Set. 2009/Dez. 2009

espaço se deu. Ao passo que os países de capitalismo subordinado, pela sua situação de
subordinação dentro das relações internacionais, lhes determinou um maneira extensiva de
produção do espaço: crescimento acelerado das principais cidades, posto que estas são as
sedes das multinacionais, aumento e generalização das favelas e cortiços etc. Isto pode ser
verificado em várias cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Cidade do México, Johanesburgo,
Cairo etc. Isto não é uma mera coincidência, mas sim um processo concretamente e
historicamente determinado. A história do modo de produção capitalista é uma historia do
modo de produção espacial capitalista
Assim, para concluirmos, a forma assumida pelas cidades inserem-se numa dada
estrutura e desempenham uma determinada função. Forma, estrutura e função (LEFEBVRE,
2001) são também categorias que nos auxiliam a olhar o mundo e compreendê-lo a partir de
sua dimensão espacial. Comparativamente, os ―fordismo periférico‖ e ―central‖ assumiram
formas e funções espaciais diferenciadas dentro da estrutura ou melhor, para utilizar uma
linguagem mais precisa, do modo de produção capitalista.

REFERÊNCIAS

BENEVOLO, Leonardo. A História da Cidade. São Paulo: Edusp, 2001.


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lugar para os sindicatos?. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
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VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania: a Dinâmica da Política Intitucional do Capitalismo.
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009

AS POSSIBILIDADES DO USO DE METODOLOGIAS QUALITATIVAS


NO RESGATE DA MEMÓRIA DOS CAMPONESES EM GOIÁS

Amone Inacia Alves

Resumo: Abstract:

Esta proposta de estudo pretende compreender a The proposed study aims to understand the
possibilidade do uso da metodologia qualitativa possibility of using qualitative methodology
aplicadas aos trabalhadores rurais, com o destaque applied to rural workers, with the focus on oral
na história oral como forma de resgate da memória history as a way to rescue the memory and the
e a construção da história de vida das lideranças em construction of the life history of leadership in
Goiás Goiás.

Palavras-chave: Key-words:
Teoria dos campos – capital - habitus – estratégia -
Field theory - capital - habitus - Strategy -
Metodologia qualitativa – história oral.
Qualitative research - oral history.

A construção do projeto
Quando se pensa em um objeto de pesquisa, deve-se de antemão compreender que a
apreensão da realidade não se dará de modo homogêneo, nem tampouco que o pesquisador
conseguirá atingir uma verdade absoluta dos fatos. A pesquisa trata-se, no entanto, de uma
busca por fatos plausíveis que têm por objetivo final abrir caminhos para novos estudos e
novas abordagens.
Um estudo é sempre um repensar de práticas, opções teóricas e metodológicas.
Temos ao nosso dispor dilemas teóricos que dizem respeito ao fato de que nossos objetos de
pesquisa são pessoas dotadas de historicidade próprias que, por mais que tentemos desvelar os
nexos de suas vidas em relação com a História de uma época, não somos capazes de fazê-lo.
Somos intérpretes de práticas que nem sempre esses agentes gostam de lembrar ou muitas
vezes, têm outras posições de fala.
Para tanto, apreender em um espaço de tempo certas falas é admitir a pesquisa
sociológica como a construção de um enorme quebra-cabeça que inicia com um projeto,
pensado pelo agente-pesquisador e se encerra provisoriamente com o processo da pesquisa
propriamente dita, com dados buscados e interpretados. Conforme frisado anteriormente, o

Doutoranda em Educação pela UFG/Faculdade de Educação e professora da Faculdade Estácio de Sá-


GO
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 43
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009

que chamamos de resultado não se trata de uma realidade final, absoluta, mas uma
possibilidade de análise. Ele deve abrir caminhos para novas pesquisas, com novos olhares e
novas interpretações. José Vicente Tavares nos convida a ver essa postura diante do
conhecimento como
um novo espírito científico que se define pela criação e produção de noções e
conceitos capazes de construir verdades relativas, por um procedimento de
incessante aproximação da verdade dos processos, dos detalhes, dos sonhos que
constroem o social. (LANG, 1985)

Dessa forma, a neutralidade, a objetividade e a imparcialidade do agente -


pesquisador, temas já desgastados da análise positivista, se colocam à prova neste instante de
verdades relativas. Isso porque no processo de escolhas é necessário que a pesquisa conte a
seu favor um embasamento teórico que aponte um caminho percorrido que torne possível o
ajuste crítico de todo o processo.

A escolha teórica pelo “olhar etnográfico”

Ao encontrar um ator plural, agente, Bourdieu nos fez um belo convite de atuar
etnograficamente, principalmente ao encarar o objeto de estudo, no caso o campo agrário,
enxergando a multiplicidade das lógicas da ação, seja discutindo a incorporação do social ou
da aquisição de disposições duráveis que os agentes no movimento acabam incorporando.
Neste sentido nos alertou para o fato de que enquanto agentes, no sentido em que
se possuem pertenças a serem construídas e a construir agentes a todo instante, as teorias que
se pretendem generalizantes nos furta o olhar para as especificidades desse ator, ao mesmo
tempo identificado e complexo, que faz e se faz no habitat social. Esta atenção à unidade do
ator é por ele criticada na forma do subjetivismo, ao se ater de modo exclusivo ou
preponderante ao universo das representações, preferências, escolhas e ações individuais.
Falta-lhes o senso crítico para entenderem as condições objetivas que explicariam o curso da
experiência prática subjetiva.
O indivíduo é para Bourdieu muito mais do que um sujeito, mas um ator
socialmente descrito nas formas de seus gostos, preferências, aptidões, escolhas, o que nos
permite afirmar que ele é socialmente construído.
Quanto à crítica às abordagens que pretendem excluir o sujeito da ação coletiva,
como é o caso do objetivismo, Bourdieu revela que faltaria nessas abordagens uma teoria da
ação capaz de explicar os mecanismos da mediação entre a estrutura social e a ação
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 44
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individual, ou seja, o reconhecimento das propriedades estruturantes da estrutura, analisando


os processos de estruturação no interior das práticas sociais (Catani, 2002).
A ação das estruturas sociais sobre o comportamento individual se dá de dentro
para fora e não o inverso. Desde o momento em que possuímos uma formação inicial em um
determinado ambiente, acabamos incorporando um conjunto de disposições duráveis ou não
que passam a nos conduzir em variados momentos de ação. Deste modo, a ação não é mais
considerada como simples execução, mas sim, como significação do mundo. A sociedade não
existe como algo globalizante, mas como intersubjetividade que tem origem na ação primeira
do sujeito (Ortiz, 1983).
Dessa forma, uma das questões centrais da Sociologia desenvolvida por Bourdieu
refere-se à problemática da mediação entre o agente social e a sociedade. Faz isso
descrevendo a noção de habitus, como

Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem


como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas
e as representações que podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas sem
que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um
fim, sem que se tenha a necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio
das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente
orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro
(BOURDIEU, 2000)

Vê-se que o habitus não é uma norma rígida, mas muito mais uma relação
dinâmica que orienta o sistema de disposições dos indivíduos, mas que ao mesmo tempo, a
depender das condições, pode ser modificada pela inserção em outros contextos sociais.

Cada agente quer saiba ou não, quer queira ou não, é produtor e reprodutor de
sentido objetivo porque suas ações e suas obras são produto de um modus operandi
do qual ele não é o produtor e do qual ele possui o domínio consciente; as ações
encerram, pois, uma ‗intenção objetiva‘, como diria a escolática, que ultrapassa
sempre as intenções conscientes (BOURDIEU, 2000)

A partir da observação acima podemos perceber que o ator não é um indivíduo


neutro, mas o produto de condições socialmente estabelecidas, ou herdadas. No bojo da sua
formação encontra-se inserido a bagagem que carrega, que constitui o capital social.
Esse outro conceito apresentado por Bourdieu –capital - é de fundamental
importância para o entendimento sobre as condições em que o indivíduo reproduz-se no/ a
partir das estruturas, na íntima relação com o habitus. O capital configura o conjunto de
recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais
ou menos institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem como pares ou vinculados a
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 45
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
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determinados grupos (Catani, 2004). Esse elo entre agentes e grupos visa formar ligações
permanentes e o papel das instituições sociais é o de provocar o ajustamento necessário de
modo a excluir trocas ou práticas ilegítimas, seja ao produzir ocasiões (saraus, concertos,
cruzeiros) ou práticas (esportes chiques, gosto musical, etc).
O habitus, entendido como produto de esquemas gerativos que determinam as
escolhas e como tributário de determinadas classes, torna-se o principal responsável pela
geração de capitais sociais, que por sua vez, serão determinantes no que nas palavras de
Bourdieu podem ser chamadas de ―futuro de classe e causalidade do provável‖.
A luta de classes pode, dessa forma, ser visualizada como o estilo de vida das
diferentes classes sociais. A causalidade do provável aparece como a mediação entre o habitus
e as práticas deles advindas das heranças dos tipos de capital, que pode ser visualizado em
três modos: 1) no estado incorporado, sob a forma de disposições duráveis. Sua incorporação
necessita de inculcação e assimilação; 2) no estado objetivado, sob a forma de bens culturais
(a aquisição do gosto e entendimento pela leitura, quadros, obras de arte); 3) no estado
institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que guardam relativa
independência em relação ao portador do título.
O futuro de classe depende, além das disposições do capital, do sistema de
estratégias de produção, que podem ser definidas como seqüências ordenadas e orientadas de
práticas que todo grupo produz para reproduzir-se enquanto grupo. Catani cita exemplos de
estratégias: fecundidade, limitando-se o número de filhos, reduzindo o total de pretendentes
ao patrimônio, sucessórias, relativas à transmissão de patrimônio, educativas, conscientes e
inconscientes como investimentos de longo prazo, ideológicas, aquelas que visam legitimar os
privilégios, naturalizando-os.
Assim, é na mediação entre o capital e as estratégias de reprodução que
determinados grupos serão responsáveis pela reprodução dos sistemas dominantes na
estrutura social. Os detentores de capital não podem manter sua posição na estrutura social
―senão ao preço das reconversões das espécies de capital que detêm, em outras espécies mais
rentáveis e/ ou mais legítimas no estado considerado dos instrumentos de reprodução‖
(BOURDIEU, 1979).

Por uma teoria do campo: o suporte teórico


Esses três conceitos – habitus, capital e estratégias – são base explicativa para
entender o alcance da obra de Bourdieu ao expor a relação entre agente e sociedade. Martins
(1987) observa que ―se o habitus orienta a prática dos agentes, esta somente se realiza
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 46
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
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mediante as disposições duráveis dos atores ao entrarem em uma situação e um habitus‖. Isso
quer dizer que na teoria praxiológica faz-se necessário, além de identificar os três conceitos
supra citados, convém destacar o objeto de disputa que os agentes buscam, a forma de capital
que acumulam para consegui-lo, bem como que conjunto de maneiras utilizarão para isto.
O que entendemos por ―situação‖ é chamado na linguagem bourdieniana como
campo. O campo é um espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente
autônoma em relação a outros campos sociais. Contudo, no seu interior encontraremos
conflitos, objetivos específicos e objetos de disputa peculiares que serão responsáveis por sua
estruturação e funcionamento.
Vale ressaltar que a compreensão da lógica de cada campo só é inerente aqueles
que participam do jogo. Bourdieu afirma que

Um campo se define, entre outras coisas, estabelecendo disputas e os interesses


específicos que estão em jogo, que são irredutíveis às disputas e aos interesses dos
outros campos. Estas disputas não são percebidas a não ser por aqueles que foram
produzidos para participar de um campo onde se realizavam essas disputas. Cada
categoria de investimentos implica numa certa indiferença em relação a outros
interesses, a outros investimentos específicos de um outro campo. Para que um
campo funcione é preciso que haja lutas, ou seja, indivíduos que estejam motivados
a jogar o jogo, dotados de habitus implicando o conhecimento e o reconhecimento
das leis imanentes do jogo. (BOURDIEU, 1980)

É importante dizer que no interior do campo existe uma forma específica de


interesse, objeto de disputa entre os agentes do jogo. Os julgamentos sobre a capacidade de
mobilizar recursos por aquele que se julga no direito de reivindicar o domínio no campo,
estão sempre contaminados pelo conhecimento da posição que ele ocupa nas hierarquias
instituídas – o capital acumulado.
Pelo fato de haver formas distintas de interesses, os campos encontram-se como
múltiplos, e o que lhes confere o status de campo é a relativa autonomia que possam
apresentar. Dessa forma, é oportuno localizar diferentes campos como: econômico, político,
universitário, dentre outros.
Contudo, o que acaba tornando visível o campo é a disputa por um tipo específico
de capital. Embora as formas de capital sejam distintas umas das outras, os campos não
deixam de manter relações estreitas uns com os outros e, em muitas das vezes, a posse de um
tipo de capital constitui a condição para a obtenção de um outro distinto. afirma que

os detentores do maior volume de capital específico de um determinado campo


ocupam as posições dominantes no seu interior, mas aqueles que possuem pouco
volume e/ ou encontram-se despossuídos de forma legítima de capital do campo em
questão, encontram-se destinados a ocuparem as posições dominadas.
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 47
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 42-53, Set. 2009/Dez. 2009

A disputa pela autoridade sobre o campo só torna-se possível através do número


de capital utilizado para a definição das estratégias mais eficientes. Quanto melhor e mais
eficiente for a estratégia ou quanto mais capital for mobilizado, o agente terá chances de
ocupar uma posição de destaque e ocupará um papel central na estruturação e funcionamento
do campo.
Em um campo que possui uma autonomia relativa um agente só pode esperar o
reconhecimento do valor de seus produtos (reputação, prestígio, autoridade) se dispuser
desses atributos que lhe são exigidos, já que todo ator social que age no interior de um campo
específico deve ajustar o seu esquema de pensamento, percepção e ação às exigências do
campo em questão.
Sem os investimentos dos agentes no interior dos campos não se torna possível a
sua manutenção; Martins fala que o motor da ação não repousa na busca material ou
simbólica, nem resulta das pressões provenientes da organização do campo, mas da relação
entre habitus e campo. Cabe às disposições estruturantes determinar a preservação do campo,
que são as estruturas estruturadas.
Portanto, em Bourdieu encontramos a lógica explicativa para compreender o
surgimento e mudança de cada campo, assim como as determinações conjunturais que estão
inerentes a ele. Compreendendo a mediação entre o ator e o campo torna-se capaz de entender
o estado de relações de força entre os agentes em luta e as posições que ocupam. Neste
sentido cabe-nos questionar o tipo de pesquisa e quais fontes seriam o suporte teórico para o
trabalho em questão.

A análise dos agentes: A escolha da metodologia

O desafio desse trabalho foi o de exatamente tentar entender, através da


compreensão do percurso intelectual de Bourdieu, a utilização prática de suas categorias
conceituais. A escolha de tentar explicitar no texto como os três conceitos básicos de sua
teoria – habitus, capital, estratégias - surgiram e como se inter-relacionam objetivou
compreender como embasar teoricamente o trabalho e aplicar uma metodologia de análise que
seja capaz de reconstituir uma realidade de pesquisa.
De antemão pensamos que falar em campo, e, sobretudo dos agentes que atuam
no interior desse campo, é um desafio enquanto espaço de pesquisa. Quando escolhemos
entender o surgimento das lideranças, cujas ferramentas de disputa da sua legitimidade é o
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 48
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monopólio da autoridade e competência científica a fim de falar em nome de um movimento,


sabemos das dificuldades de interpretação a que estamos sujeitos.
A primeira grande dificuldade, sem sombra de dúvidas, refere-se o tipo de
metodologia a ser empregado. Como estamos falando de agentes sociais vivos – lideranças
sociais, que ainda atuam nos movimentos, qualquer escolha de uma metodologia inadequada
podem acarretar danos a uma pesquisa, levando a resultados inesperados ou absurdos.
Ainda, pensando que o campo agrário é o lócus de lutas, não estamos apenas
referindo aos embates que possui com os outros campos pela posse da terra, sobretudo
político e econômico, mas àqueles que estão presentes no próprio funcionamento do campo,
que produzem e supõe uma forma específica de interesse, identificada como a disputa de
idéias, projetos e a melhor forma de representação em nome do campo. A compreensão disso
significa que o ―olhar‖ atento do pesquisador deve promover constantemente um diálogo do
objeto em seu nível global, sempre com uma visão atenta e metódica.Dessa forma, a escolha
por um determinado tipo de pesquisa é uma decisão séria a ser tomada.
Pensamos, de início, que a pesquisa qualitativa fornece grandes vantagens para
alcançar os objetivos. Isso porque, além das várias etapas estarem interligadas, as hipóteses
vão se colocando e modificando, permitindo análise e reflexão a todo o momento. Segundo
Lang (1990) as vantagens desse tipo de pesquisa alarga o campo das possibilidades, vez que,
ao utilizar uma amostra estatisticamente significativa, os dados obtidos não são tratados
apenas segundo procedimentos estatísticos, mas a partir de características definidas pelo
problema de pesquisa.
Com o diálogo entre o objeto, o problema e o uso das fontes pretende-se descrever
como o interesse pela terra, ou pela reforma agrária foi capaz no decorrer de sua história de
produzir lideranças que passaram a adotar um discurso, um conjunto de práticas, capazes de
fazer identificar um habitus específico. Percebe-se claramente que o objeto de disputa não é a
reforma em si, vez que tanto o governo, como os sindicatos, a igreja, os movimentos sociais
como o MST ou os partidos de oposição e até da ala conservadora convergem para a
inevitabilidade do ato. A moeda em disputa refere-se à maior capacidade de mobilização de
recursos que culminarão na forma pela qual a reforma possa ser realizada. O uso de fontes
orais, a nosso ver, é a técnica mais adequada pra descrever essa trajetória3.
O próprio interior do campo acaba sendo o produtor de uma forma específica de
interesse, que no caso agrário, cabe identificar quais seriam os agentes portadores dos

3
Adoto aqui uma idéia de fonte oral enquanto técnica, conforme cita Lang (1999)
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 49
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
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discursos de legitimidade sobre a reforma agrária. Cabe destacar qual agente coletivo teria o
capital social necessário para melhor se fazer representar no interior do campo. Entendendo os
agentes coletivos como sub-campo de um campo maior – no caso agrário – a igreja, através
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento Sem Terra (MST) e a Federação dos
trabalhadores agrícolas em Goiás (FETAEG)4 têm em comum o fato de que todas as suas
práticas estão orientadas para a aquisição de uma autoridade de agir em nome da causa dos
despossuídos da terra.
Com o objetivo de obterem o maior reconhecimento enquanto grupos em disputa
no campo, esses agentes coletivos dispõem de um arsenal de estratégias que visam
satisfazerem os seus interesses. Seria ingênuo acreditar que existe uma busca meramente
política nos embates travados. Trata-se muito mais do que isto; Quando se fala na defesa da
terra para todos entram em combate idéias, projetos históricos, interpretações e
conhecimentos relativos à sociedade inteira e não só a um grupo específico. (RODRIGUES,
2000: 40)
Quando Stédile, líder do Movimento Social dos Sem Terra, afirma que o
diferencial do MST refere-se a um tipo de estratégia utilizada, que visa diferenciar esse
movimento agrário de outros movimentos. Assim, reconhece-se nessa peculiaridade do MST
uma das estratégias pela qual esse agente coletivo tende a garantir o respeito dos outros
agentes e campos e a impor um modelo do que é ser movimento organizado que melhor saiba
representar os trabalhadores em uma luta por seus interesses. Esse discurso é produzido e
reproduzido em consenso por todas as militâncias. Cabe indagar no trabalho de campo se
afirmação dessa estratégia faz parte da criação de uma memória coletiva, produzida em qual
espaço e por qual agente em questão.
Quando observamos a literatura que trata da questão agrária no Brasil percebe-se
claramente que suas análises se centram, na maioria das vezes, em um enfoque estrutural,
discutindo o avanço das relações capitalistas de produção no campo, com o uso de
metodologias que pouco usam da experiência de luta dos trabalhadores rurais. No lado
oposto, quando se pretende dar ―voz‖ aos excluídos, percebemos a utilização de metodologias
de resgate de uma memória coletiva enquadrada, cabendo-nos perceber os motivos e sentidos
da criação desse tipo de discurso.
Segundo Pollak (1989), esse tipo de memória implica em uma forte oposição
entre o subjetivo e o objetivo, entre a reconstrução de fatos e as reações e sentimentos

4
Na nossa pesquisa pretendemos descrever a ação de um desses agentes na luta pela terra.
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 50
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pessoais. Isso nos leva a crer que os movimentos sociais com seus guardiões da memória
seriam responsáveis por um tipo de repertório criado e reproduzido a partir da fala desses
líderes ao movimento, criando uma forma homogênea de se pensar e produzir História.
O resgate da memória dos trabalhadores rurais deve nos permitir compreender e
diferenciar essa memória produzida, passível de enquadramento, e uma memória subterrânea,
que seja capaz de descrever os percursos e rumos tomados pelos integrantes no movimento no
decorrer de suas lutas.
Vale salientar que esse discurso hegemônico capaz de produzir memórias é o que
faz de um militante liderança. Compreender o processo de produção desse discurso é também
perceber como se formou a liderança. No entanto, devemos nos policiar quanto à confusão
existente entre história oral e sua unidade, que é a entrevista. Segundo Araújo Sá (1988):

A história oral como fonte histórica remete a um conjunto de depoimentos


que, por princípio, deve abarcar de maneira ampla os problemas centrais
da investigação; já a entrevista, como todo documento, limita-se a oferecer
um fragmento útil (às vezes vital) à reconstituição de fenômenos,
acontecimentos ou fatos.

Desse modo, a análise do documento constitui-se em uma primeira fase de


análise, inserida no bojo de várias outras entrevistas que deverão ser levantadas sobre a
temática da formação de lideranças de trabalhadores rurais em Goiás. O confronto desse
discurso com os demais discursos – de outros agentes que participaram da formação – é
objeto de investigação na proposta de doutorado.

Considerações finais
Conforme pôde ser visto, o uso da pesquisa qualitativa nos permite
compreender como se encontram articulados os agentes formadores de lideranças rurais em
Goiás, por meio da compreensão da teoria dos campos, segundo P. Bourdieu. Portanto,
entender o mercado que é o epicentro da questão agrária no Brasil, nos permite visualizar um
campo agrário, cuja estrutura pode ser identificada pelo estado de força entre os protagonistas
em luta, agentes plenamente organizados, cujo MST se destaca como um desses agentes.
Identificar a relação entre o MST e os outros agentes coletivos, constitui o desafio para uma
pesquisa de campo.
A pesquisa qualitativa pode nos fornecer, também, subsídios para o entendimento
de como se dá a formação das lideranças, a partir da compreensão de três conceitos-chave:
habitus, capital e estratégias. Através da História oral podemos recolher memórias individuais
e coletivas por meio das entrevistas e histórias de vida e interpretar esse material de modo a
ALVES, Amone Inacia. As possibilidades do uso de metodologias qualitativas no resgate da 51
memória dos camponeses em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
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reconstituir a trajetória de vida das lideranças e militâncias dos movimentos de ocupação de


terra em Goiás.
No entanto, uma das preocupações centrais que devemos ter é quanto à seleção e
interpretação dessas fontes, consideradas aqui como documento. Não desejamos com isso
obter uma verdade absoluta dos fatos, em uma visão romanceada que de certa forma todo
pesquisador tem, mas antes de tudo, pretendemos trabalhar a experiências desses líderes e de
seus formadores, considerando que as suas memórias, voluntariamente ou não, passaram por
um processo de seleção.
O uso da história oral vai nos permitir enfocar a análise dos excluídos,
marginalizados, rotulados simplesmente como ―sem terra‖. Ao privilegiar o estudo das
lideranças, pretendemos resgatar as memórias dos percursos de seus militantes, de forma a
escrever uma outra história, contraposta à oficial.

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VOL. 01, Nº 02, 54-65, Set. 2009/Dez. 2009

UNIVERSIDADE, MOVIMENTO ESTUDANTIL


E TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS

Maria Angélica Peixoto*

Resumo: Abstract:
O tema do presente trabalho procura analisar a The theme of this paper analyzes the
relação entre movimento estudantil e trajetória relationship between the student movement and
individual no interior da universidade no track individual within the University towards
sentido da aquisição de saber. Este tema é um the acquisition of knowledge. This theme is a
tema pouco abordado pela sociologia da subject rarely addressed by the sociology of
educação, o que expressa uma lacuna nesta education, which reflects a gap in this particular
sociologia especial. A importancia de nosso sociology. The importance of our subject is to
tema está em analisar os fatores que analyze the factors that enable some individuals
possibilitam que alguns indivíduos provenientes from the underprivileged classes able to
das classes desprivilegiadas consigam sucesso academic success. The student movement has
acadêmico. O movimento estudantil acaba been one instance socializing of most students.
sendo uma instância socializadora de grande Hence the research problem we raised: what is
parte dos estudantes universitários. Daí o the role of the student movement in the
problema de pesquisa que levantamos: qual é o socialization process of individuals coming
papel do movimento estudantil no processo de from the underprivileged classes who achieve
socialização de indivíduos provenientes das academic success on?
classes desprivilegiadas que conseguem relativo
sucesso acadêmico?

Palavras-chave: Key-words:

Movimento estudantil; trajetória individual; Student Movement; individual trajectory;


universidade. university.

O tema do presente trabalho é a relação entre movimento estudantil e


trajetória individual no interior da universidade no sentido da aquisição de saber5. Este
tema é um tema pouco abordado pela sociologia da educação, o que expressa uma
lacuna nesta sociologia especial. O processo de formação profissional e acadêmica
ocorre no interior da universidade, mas carrega em si diversos antecedentes e aspectos
contemporâneos que contribuem ou

*
Professora da Universidade Paulista – Campus Goiânia.
1
Trabalho financiado pela Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIP – Universidade
Paulista.
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 55
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

dificultam este processo. Este é o caso dos indivíduos provenientes de famílias pobres e de
baixo ―capital cultural‖. Apesar disso, muitos conseguem superar esta determinação negativa,
o que revela a importancia de nosso tema: analisar os fatores que possibilitam que alguns
indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas consigam sucesso acadêmico.
O movimento estudantil acaba sendo uma instância socializadora de grande parte
dos estudantes universitários. Daí o problema de pesquisa que levantamos: qual é o papel do
movimento estudantil no processo de socialização de indivíduos provenientes das classes
desprivilegiadas que conseguem relativo sucesso acadêmico? Desta forma, o tema é relevante,
atual, e um problema de pesquisa cuja resposta contribui com a sociologia da educação e com
os processos de compreensão da universidade na nossa sociedade, e um dos seus aspectos
mais importantes e esquecidos, o da ação de elementos extra-acadêmicos na formação
acadêmica.
O universo de nossa pesquisa foi composto pelos estudantes universitários
oriundos de famílias de baixo capital cultural e por indivíduos que conquistaram relativo
sucesso no campo acadêmico e também oriundos de famílias culturalmente desfavorecidas.
Para concretizar isto, delimitamos o espaço social dos estudantes atuais, selecionando alunos
que atualmente estudam em universidades de Goiânia e que são provenientes de famílias
culturalmente desfavorecidas e possuem alguma relação com o movimento estudantil
universitário.
Mas o foco foi em torno dos locais onde o movimento estudantil é mais
estruturado, e como a força deste movimento é mais perceptível na Universidade Federal de
Goiás e na Universidade Católica de Goiás, então efetuamos a pesquisa com estudantes destas
universidades. No que diz respeito ao espaço social daqueles que já obtiveram relativo
sucesso no campo acadêmico, selecionamos os profissionais que tiveram sua formação nas
universidades de Goiânia, e que hoje atuam profissionalmente ou demonstram qualquer outro
elemento que revele seu sucesso acadêmico, provenientes de famílias culturalmente
desfavorecidas e que tiveram alguma atuação no movimento estudantil, visando descobrir sua
trajetória individual e os reflexos desta atuação no seu sucesso.
Utilizamos complementarmente uma investigação documental, buscando nos
documentos do movimento estudantil analisar o quantum e o tipo de capital cultural que
veiculam, para comparar com o capital cultural escolar e verificar se existe uma
correspondência que justificaria se pensar numa contribuição deste ao sucesso acadêmico dos
indivíduos que atuam nele.
Como se tratou de uma pesquisa de caráter qualitativo, delimitamos um número
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 56
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

não muito extenso de entrevistados: 6 estudantes e 4 profissionais. Das entrevistas e dos


documentos conseguimos extrair alguns pontos fundamentais: a) os entrevistados eram
realmente oriundos das classes desprivilegiadas (em graus distintos, tal como entre um que
vinha de família pobre do interior e outro que vinha de família mais pobre ainda, mas da
capital); b) todos os militantes – atuais ou do passado, ainda estudantes ou já profissionais –
se envolveram, com graus diferenciados, com leituras e práticas no movimento estudantil que
se relacionava com a formação acadêmica; c) os documentos e as entrevistas mostram que as
leituras e estudos relacionados ao movimento estudantil revertiam para a formação acadêmica
mais do que esta para aquele.
Assim, os resultados da pesquisa apontam para a conclusão de que a militância no
movimento estudantil contribui com a formação acadêmica e isto no caso dos indivíduos
oriundos das classes desprivilegiadas é um reforço fundamental que permite ultrapassar o
nível do fracasso escolar e contribui com o sucesso escolar. A pesquisa realizada conseguiu,
satisfatoriamente, chegar ao processo de encerramento comprovando a hipótese de que o
movimento estudantil é uma agência de socialização que proporciona elementos que
contribuem com os alunos oriundos das classes desprivilegiadas a sua inserção com relativo
sucesso no mundo acadêmico.
A partir de agora iremos apresentar as bases teóricas e a análise do material
informativo que permitiu realizarmos todo este processo de pesquisa.

CAPITAL CULTURAL, FRACASSO E SUCESSO ACADÊMICO

A problemática da presente pesquisa visava buscar elementos para a compreensão


de um fenômeno presente no campo acadêmico. Alguns estudantes conseguem, a despeito de
sua origem desprivilegiada, ou seja, estudantes que vieram de ―famílias culturalmente
desfavorecidas‖ (Bourdieu, 1998), uma relativa inserção no campo acadêmico. Tal inserção
produz as possibilidades de um aprimoramento do capital cultural, o que contribui para alterar
a situação originária de classe destes estudantes. Assim, apesar da instância primária – a
família – não ter proporcionado um capital cultural suficiente para estes indivíduos, estes
conseguem relativo sucesso na instância secundária, a escola/universidade.
A explicação deste processo é o problema central de nossa pesquisa. Esta
defasagem entre instância primária e secundária significa ou que a sociologia da educação de
Bourdieu é equivocada ou incompleta. Sendo incompleta, é preciso descobrir o que explica
esta defasagem. Qual a lacuna que explica estas trajetórias individuais ausentes na sociologia
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 57
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

da educação de Bourdieu?
Partindo da percepção de que existem estudantes oriundos de famílias portadoras
de baixo capital cultural e que conseguem relativo sucesso acadêmico, é preciso explicar as
razões da ocorrência deste fenômeno. São, pois, trajetos individuais que conseguem um
relativo sucesso no meio universitário, mesmo não sendo oriundos das classes privilegiadas.
Em outras palavras, são estudantes cuja origem de classe é desprivilegiada, mas que devido a
uma trajetória singular conseguem burlar as condições inscritas objetivamente na estrutura de
classe à qual pertencem. São poucos, segundo Bourdieu, que conseguem ―driblar a estrutura
social e transformar sua perspectiva de mobilidade social individualmente por meio de um
processo de aculturação onde a negação de sua cultura e modo de vida é uma das maneiras de
subverter a ordem de classes‖ (Queirós, 2001: 58-59).
A quantidade de informação que o indivíduo retém determina, pois, as chances de
se realizar com relativo sucesso no meio acadêmico. Mas como então, entendermos que
determinados estudantes conseguem fazer a inversão e apropriarem-se com sucesso de
conteúdos que não tinham nenhuma relação direta com os seus universos culturais, ou seja,
conteúdos que não são familiares às suas classes de origem?
A sociologia reprodutivista (Bourdieu, Passeron, Baudelot, Establet, Althusser)
aponta a pequena probabilidade de tal inserção. A sociologia de Bourdieu, ao trabalhar com o
conceito de capital cultural – quantum de informação social –, explica como é dificultado este
processo de mobilidade. Ele coloca que o que favorece a inserção em dado campo, ou seja,
em certo espaço onde se travam lutas por posições, é justamente a quantidade de informação
que os atores retêm – como o seu capital lingüístico, que tende a acirrar a disputa e determinar
as posições dos atores.
Vamos a seguir, lançar mão das teorias de Bourdieu e Passeron para mostrar como
se dá a reprodução no campo educacional e a partir desta análise elucidar as possibilidades
que certas trajetórias individuais abrem ao serem consideradas na sua especificidade: a
reestruturação do habitus, a reformulação do capital cultural ―nativo‖ e a reformulação do
capital lingüístico, são importantes elementos no processo de mudança.
O ponto de partida destes autores é a afirmação de que toda ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois impõe um arbitrário cultural e esta imposição mascara, oculta
as relações de força, que estão na base do poder que a engendra.
Sendo assim, ―as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos,
mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da
sociedade global‖ (Ortiz,1994:15).
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 58
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
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A ação pedagógica é uma ação objetivamente estruturada e é uma violência


simbólica porque impõe um arbitrário cultural, ou seja, impõe uma concepção cultural de
grupos e classes dominantes e esta imposição garantirá a reprodução da estrutura de classe e
da cultura instituída.
A pedagogia, neste sentido, é inculcação de valores e normas de um dado grupo
ou classe a outros grupos ou classes. Podemos reafirmar então, que a ação pedagógica é
violência simbólica e impõe uma relação de comunicação, pois tem por objetivo aplicar
sanções, impor um arbitrário cultural.
Bourdieu então, através do estudo da ―distribuição estatística dos produtos
pedagógicos segundo as diferentes camadas e classes‖ chega à seguinte conclusão: a chance
de cada indivíduo é determinada pela sua posição dentro do sistema de estratificação e,
partindo da análise específica do campo educacional, ele demonstra que esta tem uma dupla
função: a reprodução da cultura e da estrutura de classes como já havíamos apontado antes.
O acima exposto recoloca a questão da ação pedagógica: toda ação pedagógica
requer uma autoridade pedagógica para que ocorra a inculcação de um arbitrário cultural. ―A
ação pedagógica se realiza através do trabalho pedagógico que são atividades contínuas e
sistemáticas de inculcação dos princípios culturais que devem persistir após a cessação da
ação pedagógica‖ (Cunha, 1979:86).
O trabalho pedagógico operado pelo sistema de ensino conduz os estudantes
pouco a pouco a irem interiorizando ―certos códigos de normas e valores‖. Bourdieu, enfatiza
a importância de se estudar o modo de estruturação do habitus através das instituições de
socialização, ou seja, a escola como instituição socializadora tende por meio do trabalho
pedagógico a estruturar o habitus (―predisposições dos agentes agirem segundo um certo
código de normas e valores que os caracterizam como pertencentes a um grupo ou classe‖) ou
mais, os estudantes tendem a reproduzirem as mesmas condições da classe de origem o que
via de regra dificulta a inserção de estudantes cuja origem de classe é desfavorecida
culturalmente.
Outro aspecto que adquire importância para Bourdieu se refere à questão da
língua, pois esta é considerada não somente um importante instrumento de
comunicação/conhecimento, mas acima de tudo um importante veículo de poder (Bourdieu,
1994) e que, portanto, é um instrumento de manipulação. Dependendo da posição do
estudante no sistema de estratificação social, a possibilidade de mobilidade social se restringe
demasiadamente. Quando o capital lingüístico é diminuto, restrito, há uma restrição na
inserção de certos estudantes no campo acadêmico, pois são carentes do capital lingüístico
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 59
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

necessário para a permanência no campo acadêmico e, assim, não conseguem nem sequer
garantir uma posição marginal no mesmo.
Há outro elemento relevante para a análise de Bourdieu, o conceito de capital
cultural, que anteriormente elucidamos e agora tentaremos especificar mais detalhadamente.
Cada indivíduo recebe um quantum social de informações desde o nascimento, e a família é
determinante na definição deste capital cultural, pois o capital cultural já encerra ou abre as
possibilidades de inserção numa dada classe ou grupo social. Em outras palavras, quando os
estudantes ―chegam‖ nos meios acadêmicos trazem um certo quantum de capital cultural e
uma tendência para aprovar todo o conjunto de significações que especificam o meio
acadêmico (desde a indumentária até os símbolos mais sutis: os exames e outros), ou seja,
estes estudantes já se encontram predispostos a legitimar o meio acadêmico. Aqueles oriundos
das classes e grupos privilegiados (classes e grupos que elaboram os conteúdos científicos) já
se encontram em vantagem em relação aos demais no processo de seleção, e serão os
primeiros a serem selecionados, enquanto que os outros, por serem oriundos de grupos e
classes desprivilegiados tendem a ser excluídos. Mas observamos que alguns estudantes
conseguem burlar as condições objetivamente traçadas pela classe a qual pertence, porque se
inserem em práticas nos meios universitários que acabam por contribuir com a alteração das
condições outrora inscritas no seu limitado capital cultural e lingüístico.
Então podemos supor, que os espaços propiciadores destes novos conteúdos (que
expressam conteúdos das classes privilegiadas) são espaços específicos, singulares que
impõem determinadas exigências que uma vez satisfeitas facilitam a movimentação destes
estudantes a um relativo sucesso acadêmico. Apontamos como um destes espaços o
movimento estudantil.
Segundo Bertaux (1979, p. 312), ―o fluxo de mobilidade social que leva os filhos
saídos do povo para lugares de agentes do enquadramento através do sucesso escolar foi
caracterizado não como um signo de abertura que contradiga o caráter de classe da estrutura
social, mas como um fluxo que contribui, ao contrário, para a conservação da ordem de classe
instituída‖.
O que reforça ainda mais a leitura contida na Reprodução de Pierre Bourdieu, pois
esta obra coloca elementos que possibilitam a percepção do quanto a escola moderna mantém
inalterada a estrutura de classes existentes em nossa sociedade. A compreensão deste processo
contribui para desmistificar o mito da escolarização, que aponta a escola como o caminho
para a resolução dos problemas individuais e ascensão social.
Tal análise abre brechas também para entendermos que determinadas trajetórias
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 60
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

individuais superam as adversidades e passam a ocupar posições privilegiadas no universo


acadêmico e que elas não são mais que a confirmação de que não basta ―estar‖ na
universidade. Assim, descobrir como estas trajetórias individuais são formadas assume grande
importância para a compreensão da universidade na sociedade contemporânea. O campo
científico é perpassado, segundo Bourdieu (1994), por lutas e os atores pertencentes às
famílias culturalemente desfavorecidas são os ―excluídos do interior‖ (Bourdieu, 1998).
Assim, estar na universidade requer um aprimoramento do capital cultural e
lingüístico, bem como predisposição para mudar o habitus. Neste sentido, as outras instâncias
socializadoras serão determinantes no processo de reestruturação do habitus. Daí a
importância de entendermos as trajetórias individuais de alunos provenientes das famílias
culturalmente desfavorecidas que atuaram ou atuam no movimento estudantil e que tiveram
relativo sucesso acadêmico.
A nossa hipótese, partindo dessa discussão teórica, é a de que o movimento
estudantil contribui com uma aquisição de um maior capital cultural e, desta forma, possibilita
aos indivíduos provenientes das classes exploradas um maior acesso a um relativo sucesso
acadêmico. Entenda-se por ―relativo sucesso acadêmico‖ a conclusão de um curso e seu
prosseguimento, seja no mercado de trabalho ou a entrada em etapas posteriores do processo
educacional (pós-graduação). Desta forma, o movimento estudantil seria um meio de auxílio
de aquisição do capital cultural que permitiria aos indivíduos provenientes de classes
desprivilegiadas uma melhor condição para conquistar um relativo sucesso acadêmico.

MATERIAL INFORMATIVO E A TRAJETÓRIA INDIVIDUAL

O universo de nossa pesquisa foi composto pelos estudantes universitários


oriundos de famílias de baixo capital cultural e por indivíduos que conquistaram relativo
sucesso no campo acadêmico e também oriundos de famílias culturalmente desfavorecidas.
Assim, realizamos um recorte de duas gerações, uma que ainda está vivendo o processo de
formação universitária e outra que já passou por este estágio.
No primeiro caso, nosso objetivo foi ver como ocorreu a inserção dos estudantes
no movimento estudantil e se isso contribuiu para o desenvolvimento de um determinado
capital cultural; no segundo caso, observamos a trajetória de indivíduos que já passaram pelo
estágio de formação universitária e conseguiram relativo sucesso no campo acadêmico6.

6
Os índices para ver isto variam, pois alguns alcançam um sucesso maior e, outros, menor, mas o elemento básico
será a conclusão do curso de graduação e a inserção no mercado de trabalho na prática profissional ou na pós-graduação. Isto
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 61
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

Para concretizar isto, delimitamos o espaço social dos estudantes atuais,


selecionando alunos que atualmente estudam em universidades de Goiânia e que são
provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas e possuem alguma relação com o
movimento estudantil universitário. Mas o foco é em torno dos locais onde o movimento
estudantil é mais estruturado, e como a força deste movimento é mais perceptível na
Universidade Federal de Goiás e na Universidade Católica de Goiás, então efetuamos a
pesquisa com estudantes destas universidades. Entendemos por movimento estudantil todas as
ações coletivas dos estudantes universitários que tenham conteúdo e objetivos voltados para a
universidade, o que inclui as ações que ocorrem nas variadas esferas de organização estudantil
(Centros Acadêmicos, Diretórios Centrais de Estudantes, Casa de estudantes, etc.) e outras
formas, como ações coletivas de estudantes negros, organização por curso, etc.
No que diz respeito ao espaço social daqueles que já obtiveram relativo sucesso
no campo acadêmico, selecionamos os profissionais que tiveram sua formação nas
universidades de Goiânia, e que hoje atuam profissionalmente ou demonstram qualquer outro
elemento que revele seu sucesso acadêmico (tal como conclusão de cursos de pós-graduação
strictu sensu), provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas e que tiveram alguma
atuação no movimento estudantil, visando descobrir sua trajetória individual e os reflexos
desta atuação no seu sucesso.
Devido à peculiaridade da pesquisa, não delimitamos temporalmente a pesquisa,
pois os profissionais selecionados eram de diferentes épocas (no que se refere aos anos de
estudos), enquanto que os estudantes que atuam no movimento estudantil são os atuais, ou
seja, ainda atuantes e estudantes7.
Entrevistamos estudantes que atuam no movimento estudantil e profissionais que
atuaram neste mesmo movimento, sendo que em ambos os casos tais indivíduos são
provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas. Utilizamos complementarmente uma
investigação documental, buscando nos documentos do movimento estudantil (jornais,
panfletos, ofícios, entre outros documentos) analisar o quantum e o tipo de capital cultural que
veiculam, para comparar com o capital cultural escolar e verificar se existe uma
correspondência que justificaria se pensar numa contribuição deste ao sucesso acadêmico dos
indivíduos que atuam nele. Como se trata de uma pesquisa de caráter qualitativo, não
delimitamos um número muito extenso de entrevistados. Sendo um total de 6 estudantes e 4
profissionais.

é,
7
Isto na época da realização da pesquisa, em 2008.
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 62
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

Entrevistamos 6 estudantes que militam hoje no movimento estudantil, sendo que


selecionamos 4 que militam no movimento estudantil da UFG – Universidade Federal de
Goiás, especialmente nos Centro Acadêmicos dos cursos da área de Ciências Humanas, no
qual existe uma forte mobilização estudantil aliado a nível de renda inferior de uma boa parte
dos alunos. Estes alunos se envolvem no movimento estudantil não apenas nos Centros
Acadêmicos, mas também no DCE – Diretório Central dos Estudantes, como oposição ou
situação, dependendo do ano, e em outras atividades culturais e participação/envolvimento
com outras organizações políticas ou movimentos sociais, tal como partidos, CMI – Centro de
Mídia Independente, MST, etc. Os outros 2 entrevistados foram da UCG – Universidade
Católica de Goiás, onde geralmente os alunos possuem nível de renda inferior aos estudantes
da UFG e menor mobilização estudantil.
Quanto aos profissionais, entrevistamos professores universitários e pós-
graduados que atuaram na UFG e UCG, durante o final dos anos 1980 e início dos anos 90.
Entrevistamos 3 profissionais que militaram no movimento estudantil da UFG e 1 que atuou
no movimento estudantil da UCG. Contatamos preliminarmente os seguintes profissionais: 1)
um profissional que atuou como professor universitário e está terminando doutorado em
Sociologia, e que militou no movimento estudantil da UFG nos final dos anos 1980 e início
dos anos 1990; 2) um professor professor universitário e doutor em Sociologia, que militou no
movimento estudantil a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990; 3) Um professor
universitário com mestrado em Filosofia, que militou no movimento estudantil na UFG
durante a década de 1990; 4) Um Professor universitário que militou no movimento estudantil
da UCG nos anos 1990.
Além de entrevistar os indivíduos integrantes do segundo grupo de entrevistados,
solicitamos e conseguimos com eles alguns documentos que são de muita importância para
nosso processo de pesquisa, pois é a parte complementar que vai além das entrevistas, a
investigação documental, que serve para conseguir mais material informativo e, além disso,
para comparar com os discursos feitos pelos entrevistados.
Realizamos as entrevistas previstas e a partir delas efetuamos um conjunto de
análises, sendo que o mesmo procedimento foi realizado com os documentos que tivemos
acesso. As entrevistas com os profissionais iniciavam com perguntas relativas ao seu passado,
visando descobrir a origem de classe e comprovar que eram oriundos das classes
desprivilegiadas. Os resultados confirmaram aquilo que já tínhamos certo conhecimento, pois
sem este seria impossível fazer a seleção dos entrevistados. O mesmo procedimento foi
realizado com os estudantes e o resultado foi o mesmo. Outras informações pessoais
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 63
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

complementares foram solicitadas nas entrevistas para conseguir fornecer um quadro mais
amplo de contextualização dos entrevistados em ambos os casos. Este primeiro bloco de
informações serviu para confirmar e contextualizar os entrevistados.
Posteriormente, realizamos questões mais voltadas para nosso interesse direto, ou
seja, sobre a participação no movimento estudantil e sua relação com o processo acadêmico e
de estudos. Neste caso, houve respostas que apontavam para situações e concepções
semelhantes, mas com níveis de complexidade diferentes. Algumas questões eram
informativas (quanto tempo militava ou milita no movimento estudantil) e outras mais
subjetivas, tal como se a prática militante contribuía ou dificultava os estudos e leituras.
Uma das questões fundamentais era saber a razão pela qual o indivíduo aderiu à
militância política. A seguir colocamos algumas das respostas a este questionamento, o que
nos ajuda a compreender os entrevistados:

“Meus motivos foram minhas convicções políticas de esquerda” (Profissional 1).

“Me interesso pelo anarquismo e foi uma forma que encontrei de colocar algumas
idéias em prática dentro da academia” (Estudante 1).

“Fui atraído para militância, no movimento, no interior da própria universidade a


partir da proximidade que passei a manter com um pessoal que atuava no
movimento” (Estudante 2).

“O motivo principal foi necessidade de lutar pela transformação social e a busca de


participação política e contatos, além de demandas oriundas das próprias
necessidades estudantis” (Profissional 2).
“A questão racial que me envolve como „sujeito‟” (Estudante 3)..

As respostas apontam para variadas motivações, mas a maioria remete para a


questão das opções políticas (―concepções políticas de esquerda‖, ―anarquismo‖) e busca de
transformação social. Alguns apresentam motivações de origem familiar ou racial. Há
também razões mais pragmáticas (reforma universitária e passe livre) e outras que unem mais
de uma dessas opções (transformação social + contato e participação política + necessidades
estudantis). O que se deduz de alguns depoimentos é que já havia um certo capital cultural
derivado da tradição da militância na família ou então algumas convicções ou preferências
políticas.
A seguir realizamos questões que relacionavam mais diretamente estudos e
militância, tal como a questão referente a se as leituras do curso possuíam utilidade para a
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de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
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vida acadêmica e vice-versa. Essas perguntas foram complementadas por diversas outras e
forneceram um quadro suficiente para uma análise das entrevistas e uma visão da relação
entre militância estudantil e sucesso acadêmico. Sobre leituras geradas pela relação com o
movimento estudantil, podemos citar algumas respostas:

“Sim, principalmente textos anarquistas, o que me levou a uma bolsa de iniciação


científica sobre Proudhon” (Estudante 1).

“As literaturas que propõem um outro tipo de sociedade diferente dessa. Como por
exemplo, Bakunin, e a literatura anarquista em geral (pedagogia libertária).
Poderiam influenciar, mas no meu caso, por desacreditar do conhecimento
acadêmico, não influenciaram os estudos” (Estudante 4).

“Sim. As leituras que eu faço estão basicamente relacionadas a tentativa de


explicar e buscar um melhor caminho para as nossas contradições sociais, ou seja,
de não aceitação da ordem social atual. As obras são de Karl Marx, e de outros
contemporâneos como Karl Korsch, Georg Luckás, João Bernardo, Lucien
Goldman, Francisco Martins Rodrigues, Georg Orwell etc e exercem sim influência
não só em meus estudos mas em minha vida” (Estudante 5).

“Sim, sobre raça, racismo, elas determinaram meu objeto de pesquisa” (Estudante
3).

“Na militância tive contato com uma literatura que estava à margem nas disciplinas
acadêmicas. Meu interesse pela leitura dos textos de Marx e dos marxistas se
aprofundou e durante a militância pude entrar em contato com diversos indivíduos e
publicações. Assim, as leituras foram principalmente de autores como Marx,
Fromm e outros marxistas, além das leituras das disciplinas do curso de Ciências
Sociais (Weber, Durkheim, etc) e de Economia (Marx, Jevons, Stuart Mill, Smith,
Ricardo, etc)” (Profissional 4).

Estas informações mostram leituras que são de caráter apenas acadêmico, mas que
contribui com a militância, como outras de caráter político, que, no entanto, também tem
circulação acadêmica e em alguns casos se tornam objetos de estudo, tal como o anarquismo,
a obra do filósofo Karl Korsch, entre outros exemplos possíveis. Um dos entrevistados
apresentou uma longa lista de autores que leu enquanto estudante, mostrando uma grande
leitura do anarquismo, comunismo de conselhos, Rosa Luxemburgo, Marx, autores que
abordam o fenômeno educacional (Ivan Illich, Maurício Tragtenberg, Freinet, Ferrer),
filósofos e teóricos políticos (Ernst Bloch, Daniel Guérin, Barrot, Michels, Pannekoek,
Korsch, entre outros). Isto demonstra que a militancia estudantil provoca leituras, tanto sobre
educação e universidade, quanto sobre política, tal como este entrevistado que afirmou que
devido aos embates políticos acabou lendo autores que discordava para poder debater (Lênin,
Lukács, Gramsci, etc.).
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de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

Ao lado disso, também buscamos descobrir documentos dos estudantes e


profissionais relacionados com sua militância para adquirir mais informações e material para
análise. Neste item, notamos uma diferença entre os estudantes-militantes atuais e os
anteriores, pois os últimos trabalhavam com mais materiais escritos (jornais de curso,
panfletos, etc.). Isto pode significar que o atual movimento estudantil vem contribuindo
menos para a formação dos estudantes, mas é algo prematuro chegar a essa conclusão, pois
hoje a internet (outra forma de socialização e formação) ganha espaço, bem como o uso de
outros recursos audiovisuais, apesar de serem menos acessíveis para os mais carentes
economicamente.
Conseguimos, neste contexto, alguns jornais de curso, no qual alguns dos
entrevistados (3) colaboravam e um organizou e colaborou em período anterior. Trata-se de
um Jornal de Curso, produzido na Universidade Federal de Goiás, publicado de forma
artesanal e xerocopiada por comissões de estudantes do Centro Acadêmico8. Este foi o
documento mais importante conseguido (5 números), pois além de informes e notícias, o seu
conteúdo era composto principalmente de artigos e escritos por estudantes do curso, na sua
maioria por militantes do Centro Acadêmico. Cabe destaque o primeiro número do Jornal
publicado em 1989, no qual encontram-se artigos voltados para discussão de teorias políticas
(leninismo, autogestão, autonomia operária, Rosa Luxemburgo, etc.), além de trechos de
livros (tal como de Ivan Illich, A Sociedade sem Escolas, texto de Umberto Eco sobre
Universidade, entre outras). Um dos entrevistados afirmou – em informação espontânea – que
o jornal, quando saiu, foi qualificado de ―anarquista‖, embora não fosse essa a tendência dos
estudantes do Centro Acadêmico, tendo alguns sem posições definidas, alguns poucos adeptos
da social-democracia e do bolchevismo, mas sem grande participação ou influência, e um
pequeno grupo inspirado no marxismo autogestionário que resgatava as obras do Jovem
Trotsky, Rosa Luxemburgo, Marx, comunismo de conselhos, entre outras tendências
semelhantes.
Enfim, as entrevistas e os documentos proporcionaram um grande número de
informação e material de análise. Isto proporciona uma análise mais estruturada, garantindo
maior objetividade na análise. Outras questões remetiam ao problema do tempo de atividade
de militância que poderia comprometer os estudos e a maioria negou isto, sendo que alguns
disseram que dificultava um pouco mas que era possível conciliar. Outras questões
corroboraram com a idéia da positividade da militância na atuação política, inclusive uma

8
Omitiremos mais informações para evitar identificação dos entrevistados, já que não foi solicitado a
eles a autorização para publicizar seus nomes ou permitir sua identificação.
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de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
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pergunta direta, na qual se perguntava sobre os benefícios deste processo e todos afirmaram
positivamente que contribuiu com sua formação em geral e com efeitos na vida acadêmica.
Das entrevistas e dos documentos conseguimos extrair alguns pontos
fundamentais: a) os entrevistados eram realmente oriundos das classes desprivilegiadas (em
graus distintos, tal como entre um que vinha de família pobre do interior e outro que vinha de
família mais pobre ainda, mas da capital); b) todos os militantes – atuais ou do passado, ainda
estudantes ou já profissionais – se envolveram, com graus diferenciados, com leituras e
práticas no movimento estudantil que se relacionava com a formação acadêmica; c) os
documentos e as entrevistas mostram que as leituras e estudos relacionados ao movimento
estudantil revertiam para a formação acadêmica mais do que esta para aquele.
As entrevistas comprovam a importância do movimento estudantil na formação
dos estudantes que posteriormente tiveram sucesso profissional e daqueles que ainda estudam.
O benefício do movimento estudantil reside em contatos, acesso a informações, textos e
bibliografias, prática da reflexão e escrita, ou seja, ferramentas intelectuais que colaboram
com a formação intelectual do indivíduo. Além disso, o interesse que o movimento estudantil
desperta é outro fator extremamente relevante. Um artigo publicado por um dos entrevistados
profissionais tematiza a relação entre ―espaço e poder‖, analisando o processo de divisão
social do espaço constituído por relações de poder, e relacionando isso com a moradia das
classes ―subalternas‖ e a localização da universidade, afastada do centro urbano. A temática e
abordagem deste artigo revelam uma preocupação pessoal (já que era o caso deste profissional
quando estudante) e política, atingindo questões sociais e também acadêmicas. A razão do
artigo, sem dúvida, foi o duplo interesse pessoal e político, incentivado pela participação
política no movimento estudantil e pela situação de classe. Assim, o capital cultural de origem
foi superado pela inserção no movimento estudantil e outras ações políticas. Os documentos
analisados também reforçam esta conclusão. Neste sentido, concluímos confirmando a
hipótese inicial, segundo a qual o movimento estudantil é uma instância de socialização que
atinge os indivíduos provenientes das classes exploradas e colabora com o processo de
formação e, assim, conseguir relativo sucesso acadêmico, apesar das condições adversas da
situação de classe e do baixo capital cultural derivado dela.

REFERÊNCIAS

BERTAUX, Daniel. Destinos Pessoais e Estrutura de Classe Para uma Crítica da Antroponomia Política. Rio de
Janeiro, Zahar, 1979.
BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino.
2ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1982.
PEIXOTO, Maria Angélica. Universidade, movimento estudantil e trajetórias individuais. Estácio 67
de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01,
Nº 02, 52-67, Set. 2009/Dez. 2009.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 2ª ed. Petrópolis, Vozes, 1998.


CUNHA, Luiz Antonio. Notas Para Uma Leitura da Teoria da Violência Simbólica. Educação & Sociedade. Ano
1, no 4, Setembro de 1979.
ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. 2ª ed. São Paulo, Editora Ática:
1994.
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02,68-82, Set. 2009/Dez. 2009

O ADULTÉRIO FEMININO:
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS CRIMINAIS
MONTES CLAROS - 1840 A 1870

Regina Célia lima Caleiro*


Gesiane Aparecida Medeiros Mota**

Resumo Abstract

O trabalho tem como objetivo analisar o tratamento He work aims to examine the treatment of
da justiça e dos maridos quando se trata de justice and husbands when refering to
mulheres adúlteras. O discurso jurídico do século adulteress women. The legal discourse of the
XIX considerava o adultério masculino um deslize nineteenth century was that male adultery was
aceitável, pois os filhos ilegítimos não traziam an acceptable slip, as the illegitimate children
desonra aos pais. No que tange ao adultério brought no dishonor to parents. With regard to
feminino, as implicações seriam mais graves, pois, female adultery, the implications would be
a mulher adúltera introduzia a prole ilegítima no more serious, because the adulteress Woman
seio do casamento e trazia desonra ao marido. introduce the illegitimate offspring within the
Embora o Código Criminal do século XIX previsse marriage bringing shame to the husband.
punição para as adúlteras, na prática, essas Although the Criminal Code of the nineteenth
mulheres eram realmente condenadas? Quais os century provide punishment for adulterous, in
argumentos do marido para a punibilidade do practice, these women were actually convicted?
crime? Diante das acusações quais os mecanismos What are the arguments of her husband for the
utilizados pelas mulheres para serem absolvidas? punishment of crime? In the face of accusations
Essas são algumas das questões que nortearam a what mechanisms women used to be acquitted?
pesquisa, que privilegiou a Comarca de Montes These are some of the questions that guided the
Claros situada na região norte de Minas Gerais. research, which focused on District of Montes
Claros located in the northern region of Minas
Gerais.

Palavras-chave: Key-Words:

Adultério, processos criminais, mulheres, punição. Adultery,criminal process,Woman,punishment

INTRODUÇÃO

O adultério é um tema que ainda no século XXI provoca largas controvérsias,


alimentadas, sobretudo, pelo afã de restringir, quase sempre, à mulher a culpa – a espécie
delituosa ou pecaminosa.

*Doutora em História pela UFMG. Profa. do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em


Desenvolvimento Social e do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Universidade
Estadual de Montes Claros/UNIMONTES. regina.caleiro@hotmail.com
**Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Montes Claros/ UNIMONTES.
Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 69
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

Apesar de suas raízes antigas, esse delito (que hoje não é mais crime) é um
assunto polêmico dentro da sociedade visto que sua característica principal é o fato de ser um
fenômeno tão universal e comum quanto o próprio casamento, pois as proibições ou tabus
ligados à fidelidade9 conjugal integram os códigos e os costumes de quase todas as
sociedades.
O dicionário de tecnologia jurídica define o adultério como ―a profanação do leito
nupcial, a violação da fé conjugal, consumada corporalmente. É a quebra intencional da
fidelidade conjugal, consistindo em ter a pessoa casada, tanto o homem como a mulher,
relações sexuais com pessoa de sexo oposto que não seu cônjuge‖ (NUNES, 1965, p. 117).
De acordo com Ronaldo Vainfas o adultério é fato relativo relativo à fidelidade
conjugal dos esposos e quando praticado pela mulher, ―era reconhecido como motivo
suficiente para o divórcio e, às vezes, punido com a morte pela lei civil. Quando cometido
pelo esposo, só era punido com rigor se implicasse rapto de esposa alheia, e maior era a
penitência se o raptor fosse casado.‖ (VAINFAS, 1992, p. 86)
Como o fundamento para a criminalização do delito em questão (ou culpa) sempre
foi a ordem social, o adultério do marido desde os primórdios da colonização era considerado
mais tolerável, consideração que será discutida no decorrer do trabalho.
A punição do adultério feminino, no Brasil oitocentista, variava de um extremo a
outro, visto que o marido podia matar sua esposa e alegar legítima defesa de sua honra, ou
procurar a justiça, para que suas esposas pagassem pelo delito. O que se pode afirmar é que o
fantasma do ―marido traído‖ assombrava os homens, e os mesmos precisavam de um meio
para vingar a sua honra, seja brutalmente, espancando ou matando a mulher, seja
judicialmente, fazendo queixa do crime na tentativa de desmoralizar a adúltera diante da
sociedade, da família e da Igreja. Porém, importa ressaltar, que em qualquer tempo, poderiam
conceder o perdão à esposa traidora.
De acordo com os artigos 250 e 251 da seção III do código criminal instaurados
no Brasil imperial:

A mulher casada que commetter adultério, será punida com a pena de prisão
com trabalho por um a três anos. A mesma pena se imporá neste caso ao

9
Ao tratar da fidelidade, Cécile Wajsbrot afirma que, antes de ser um valor moral, esta é uma
necessidade social que se organiza em torna da constituição de um pacto regido por regras
fixas. As regras variam de acordo com as épocas, com os lugares e com os temas. Ver em:
WAJSBROT. A fidelidade: um horizonte, uma troca, uma memória, 1992. p. 08.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 70
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

adúltero. (art. 250). O homem casado que tiver concubina teúda e manteúda,
será punido com as penas do artigo antecedente (art. 251).10

De modo geral, percebe-se que no Brasil oitocentista, a pena para o marido


adúltero era em igual proporção para a esposa adúltera. Entretanto, a infidelidade masculina
era alvo de punição apenas nos casos que mantivesse concubina sustentada. Também é
preciso deixar claro que os efeitos da condenação deste crime seriam suspensos se o cônjuge
ofendido perdoasse à esposa, seja judicialmente, concedendo a carta ou termo de perdão, ou
tendo relações com a mesma depois de ter conhecimento da traição.
Para o estudo desta proposta, analisamos cinco processos criminais que se
encontram na Divisão de Pesquisa e Documentação Regional da Universidade Estadual de
Montes Claros e também os artigos do código criminal (VIDAL, 1876) que tratam dos crimes
de adultério fontes essenciais para o tratamento dessas questões.
Nesta investigação na qual privilegiamos as mulheres criminosas, mais
especificamente as adúlteras, as fontes ideais foram os processos-crime produzidos pela
justiça. Optamos também por manter a escrita original dos documentosl, estes raramente
deixam vestígios na documentação.
Realizamos uma análise qualitativa dos documentos e procuramos dentro das
limitações impostas pelas fontes, rastrear o máximo de informações e, na medida do possível,
elaborar a compreensão historicamente plausível acerca dos fatos, especialmente acerca das
atitudes das mulheres criminosas e do posicionamento da justiça e dos cônjuges ofendidos
diante do crime de adultério. Importa ressaltar que Montes claros é a cidade mais importante
do norte do estado de Minas Gerais, região popularmente conhecida como ―sertão‖, lugar
violento e sem lei.

DESENVOLVIMENTO

Analisamos cinco processos criminais na categoria de ―Crime contra a Família e o


Casamento‖. Em todos, vêem-se inicialmente enaltecidas as qualidades do autor, ou seja, da
vítima. Diz ―Manuel Francisco Nunes, deste sertão, morador no seu sitio, casado há anos com
Mariana Pereira, com quem tem vivido honestamente, cumprindo sempre os sagrados deveres
prescritos por nossa santa religião‖11. Neste primeiro processo12,não foram apenas enaltecidas
as qualidades do queixoso como fica clara a intenção de expor a péssima conduta do réu.

10
VIDAL. Código criminal resumido, 1876.
11
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 71
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

Mas acontecendo que infelizmente aparecido na sua casa hum celebre Reinaldo de
tal, homem de péssima conduta, e que se igura sua pátria e a pretexto de procurar
por elle hum abrigo, não duvidou o queixoso acolhê-lo em sua casa, prestando-lhe
os officios de hum cidadão bem considerado em conducta, ou antes o dever de nosso
christianismo, (...) e já concedendo-lhe faculdade para trabalhar na lavoura em suas
terras, foi finalmente prestado pelo queixoso à aquele monstro, todos os officios de
humanidade que herão compatíveis com suas limitadas forças.13

Depreende-se da leitura do processo que a ausência do marido facilitou a


concretização do crime de adultério. É a mobilidade espacial da população, fato
extremamente comum em Minas Gerais, facilitando as relações ilícitas.

Acontesse porem que sendo indispensável ao queixoso fazer um giro (uns dias do
mes de janeiro) no que se demora por alguns dias, ha quando nesta ocasião o
perverso de quem se trata dito Reinaldo (mestiço) prevalecendo de sua ausência
onde conseguir o nefando procedimento de induzir a mulher do queixoso senhora
Mariana a ponto de ser lhe infiel e (sic) comettendo o horroroso crime de adultério. 14

É inegável, dessa forma, que o estereótipo de mulheres extremamente vigiadas


tornou-se inaplicável em Montes Claros, região de onde os homens ausentavam-se buscando
formas de furtar-se à pobreza local, em lugares distantes. Ronaldo Vainfas afirma que a
ausência dos maridos converteu-se, de fato, em verdadeira neurose masculina, e por motivos
óbvios, quase sinônimo de infidelidade e traição (VAINFAS, 1997). Mas para Manuel
Francisco a traição tornou-se fato concreto:

...foi na ausência do queixoso e no dia desenove de janeiro referido que o dito


Reinaldo conduzia a mulher do queixoso de sua casa, e achando-se unido a ella nos
arredores deste arraial com afronta a honra do queixoso. Um tal procedimento,
humilhado, é criminoso como se vê expresso nos artigos 250 e 253 do código das
penas revestidas das circunstancias agravantes mencionadas no artigo 16 do já
citado código, números 8 e 10, para tanto vem o queixoso e respeitável presidir de
V. S. e pede que aceite sua queixa seja esta autuada tornando-se o termo de que a lei
faz mensão afim de serem impostas aos deliquentes as penas no grau máximo. 15

Na petição, além de constar os artigos referentes ao adultério, o autor apela para o


capítulo III do código, ―das circunstamcias aggravantes e attenuantes dos crimes‖. De acordo
com o artigo 16, parágrafo 8 e 10, estas são consequentemente: ―dar-se no delinqüente a

12
É um processo que se inicia onze de fevereiro de 1864, na localidade do Arraial do Santíssimo
Coração de Jesus o autor e vítima é Manuel Francisco Nunes e os réus são sua mulher Mariana Pereira e um
forasteiro desconhecido chamado de Reinaldo de tal. Contem vinte e seis páginas, dezesseis folhas e seis páginas
em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006.
13
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
14
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
15
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 2.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 72
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

premeditação, isto é, desígnio formado antes da acção de offender a individuo certo ou


incerto. Ter cometido o crime com abuso de confiança nelle posta.‖ (VIDAL, 1876)
Quando Manuel Rodrigo de Oliveira é interrogado sobre seu conhecimento dos
fatos constantes na petição, ele afirma saber do caso, e ouviu de Mariana que ela ―estava
destinada a praticar o acto e afim o conseguio por verificar-se que sahio da casa de seu marido
com o dito Reinaldo‖16.
Ao afirmar que estava decidida a praticar o adultério, Mariana contradiz os mais
uma vez os estereótipos referentes ao marido dominador e a mulher submissa. As variações
nos padrões de comportamento de mulheres provenientes de diferentes níveis sociais indicam
que muitas provocaram situações de conflito no casamento, provocadas por rebeldia ou
mesmo por insatisfação. Nossa história está repleta de mulheres como Mariana, esposas que
assumiam condutas e práticas pouco compatíveis com a submissão a qual se esperava que
assumissem na condição de esposas.
A terceira testemunha, Justino Ferreira, enfatiza a importância da honra
masculina, bem como a maneira digna com a qual o marido tratava a adúltera.

Sendo inquirido sobre os fatos constados na petição do queixoso respondeu que


Manuel Francisco Nunes he seu visinho, e que tratava sua mulher dita Mariana
Pereira com toda a honra e dignidade, e que houvio dizer por vós publica que a dita
mulher de Manuel Francisco se embelerou com Reinaldo de tal, a ponto de desonrar
sua casa e seu consorcio, e evadiu-se para esse arraial andando-se em companhia do
dito Reinaldo.17

Para os homens a valorização da honra era traduzida por boa fama e crédito na
palavra empenhada. Para as mulheres significava antes de qualquer coisa manter as
aparências. Enquanto a mulher honrada cumpria apenas a sua obrigação, a mulher que
desonrava o seu marido, na teoria, devia ser punida tendo em vista os danos que poderia
causar para toda a família perante toda a sociedade. (ALGRANTI, 1993)
Ao analisar o deposto pelas testemunhas, os réus são julgados culpados pelos
artigos 250 e 253 do Código Criminal. Porém, o processo é enviado de subdelegado para Juiz
Municipal e vice-versa18, o processo que se iniciou em 11 de fevereiro de 1864 fica em
andamento até 1893, sem que haja qualquer registro sobre seu fim ou sobre a punição dos
réus.

16
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 7.
17
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006, p. 8.
18
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.006. Ver em anexos 1 e 1.1, páginas 65 e 66.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 73
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

No segundo processo19 datado de novembro de 1852, o autor Bonifácio Ferreira


França fala do bom convívio entre ele e sua esposa por oito anos, até que o réu Marcelino
Ferreira Silva a seduz. Bonifácio alega o crime de rapto, uma vez que Marcelino retira a sua
esposa Maria Luiza de Queiros de casa, e, também de roubo, porque, na noite da fuga dos
réus, desapareceu também um cavalo do queixoso. Segundo este, o crime havia sido
premeditado, pois o réu pediu dinheiro emprestado a uma vizinha dias antes da fuga,
provavelmente para executar com mais facilidade seus planos.
Neste processo, as testemunhas depõem praticamente os mesmos fatos por ―ouvir
dizer‖ sobre o envolvimento dos participantes diretos do crime, ou por ―presenciar‖,
anotações também recorrentes em todos os processos analisados.
O escrivão faz a conclusão dos autos e afirma que ―os ditos das testemunhas
depoentes no presente sumario obrigão a prisão (...) aos réus Marcelino Ferreira Silva e Maria
Luiza de Queiros, por terem adulterado o casamento do queixoso Bonifácio.‖20 .
Entretanto, em agosto de 1858, Maria Luiza de Queiros apresenta um
requerimento para retirar a queixa, pois seu marido havia falecido, e a acusação compete
apenas ao queixoso21, como dispõe o artigo 25222 do Código Criminal do Império. A esposa
do queixoso apresentou a certidão de óbito na qual fica comprovado que seu marido havia
sido sepultado em uma capela no Brejo das Almas em 26 de junho de 1856, desta forma a
queixa é retirada, não havendo penalidade alguma para os réus.
Em 1864, o autor do terceiro processo23 José Gomes d´ Azevedo acusou sua
mulher, Carllota Maria de Jesus, de haver cometido adultério quando ele estava ausente.

Aconteceu que (...) tendo elle José hido ao campo ver hum cavallo e deixando sua
casa em paz; quando voltou, achou dentro de sua caza José Soares da Fonseca no
centro de sua casa em má serconstancia com sua mulher athe com portas trancada
promovendo lhe um grande prejuizo. Balindo-lhe no mesmo (sic) lugar do homem;
reconhecendo elle José Soares a chegada de José Gomes este tratou de sair pela
porta em trios; e vendo elle José Gomes aquele grande desaforo; pos a dar huns
tapas em sua mulher; ; ouvindo este José Soares tornou a voltar pella porta da rua

19
É um processo que se inicia em 27 de novembro de 1852, na localidade do Arraial de São Gonçalo,
Distrito do Brejo das Almas, termos da Villa de Montes Claros de Formigas, comarca do Rio São Francisco. O
autor-vítima é Bonifácio Ferreira França e os réus são sua mulher Maria Luiza de Queiros e Marcelino Ferreira
Silva. Contém vinte e cinco páginas, dezessete folhas e nove páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo
Criminal n° 000.004.
20
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.004, p. 9.
21
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.004. Ver em anexos, 2, página 67.
22
Art. 252: a accusação deste crime pertence só a um dos cônjuges, não tendo, porém, consentido no
adultério. Ver em: VIDAL. Código Criminal Resumido, 1876.
23
É um processo que se inicia em 22 de fevereiro de 1864, na cidade de Montes Claros. O autor-vítima é
Jose Gomes d´ Azevedo e os réus são sua mulher Carllota Maria de Jesus e Jose Soares Fonseca. Contém dez
páginas, nove folhas e oito páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.005.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 74
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO - VOL. 01, Nº 02, 68-82, Set. 2009/Dez. 2009.

(...) e foi logo puxando huma faca que trazia consigo e querendo sangrar a José
Gomes em sua caza.24

Para os homens, ser conhecido como marido traído, de ―corno manso‖ no


costume popular, era considerado uma grande humilhação. Como a honra do marido
dependia, em grande parte, do bom comportamento da esposa, os castigos violentos aplicados
contra as infiéis era comumente aceito pela população e pelas autoridades constituídas.
Segundo Luciano Figueiredo, a marcante misoginia num contexto de instabilidade –
constantes saídas dos maridos – e a ausência de uma ação permanente da instituição
responsável pela administração dos casamentos, deixava as esposas numa posição suscetível a
diversas formas de violência (FIGUEREDO, 1997).
Pelas leituras e pelo que deixam aferir os processos, ao marido da mulher
desonesta só restava lançar mão da violência contra a mesma, com pena de serem execrados
publicamente. No período que conhecemos como Brasil Colonial, regido pelas Ordenações
Filipinas, a lei facultava ao esposo o direito de matar a mulher e o adúltero.
No século XIX, em Montes Claros, embora vítima da traição de sua mulher José
Gomes concedeu perdão aos réus.

Aos 23 de fevereiro de mil oitocentos e secenta e quatro, nesta cidade de Montes


Claros, em meu cartório, presente José Gomes d´ Azevedo dice que perdoava a José
Soares da Fonseca e sua própria mulher Carllota Maria de Jesus a accusação
intentada contra os mesmos e protestava jamais prosseguir em qualquer tempo a dita
accusação tendo uma forma de sua petição.25

O termo ou carta de perdão é um elemento jurídico, um ato formal, o qual


extingue todos os efeitos da acusação e condenação. Pelos falta de registros detalhados não
podemos saber os motivos que levaram o marido a perdoar a esposa, talvez possamos
especular com a hipótese que a mulher trouxera um dote considerável para o casamento.
Nesse caso o marido poderia ter preferido abrir mão da sua posição de homem honrado e
continuar com a traidora.
O quarto processo26 iniciado em 1849 é uma queixa de adultério incestuoso, uma
vez que o adúltero era casado com a irmã da adúltera. Além desse crime, há também a história
da esposa que tenta por vários meios – veneno, feitiçaria, morte encomendada – livrar-se do
marido temendo que o mesmo ficasse sabendo da traição.
24
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.005. p. 2
25
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.005. p. 5. Ver em anexos (3) página 68.
26
É um processo que se inicia 31 de dezembro de 1849, na localidade do Arraial de Santa Anna de
Contendas, termos da Villa de Montes Claros de Formigas. O autor-vítima é Antonio Jose Soares e os réus são
sua mulher Maria da Conceição Garia e o marido de sua irmã Jose Ferreira Souza. Contem cinqüenta e nove
páginas, trinta e uma folhas e três páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002.
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análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
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Antonio Jose Soares confiado na proteção da lei, e na imparcialidade e rectidão com


que V. administrar justiça vem a sua presença querelar de Maria da Conceição Gaia
com a qual se recebeu em matrimonio canonicamente, porquanto tendo vivido
maritalmente por espaço de muitos annos tratada com os meios que lhe permitião
sua posses, como estimações que lhe dera, devendo por isto, e pelas leis conjugais
prestar alealdade, que lhe prescreve a religião e a decencia tanto pelo contrario,
praticou que disquerendo o pudor e o respeito devido ao publico, cometeu o crime
de adultero, sendo seu cúmplice Jose Ferreira de Souza, seu cunhado casado com
Anna Julia do Nascimento irmã della e de então prosseguindo na carreira de seus
crimes, com escandalo, excesso, temendo que ao conhecimento do queixoso
chegasse seu proceder tentou a sua morte já por veneno, já por outros meios, sendo
seu cúmplice nesta tentativa como no adultero, o mesmo seu cunhado. 27

Para Antonio Jose Soares, o fato de tratar bem a sua esposa e cumprir o seu papel
de provedor da família é condição para que sua mulher seja fiel. Ao afirmar que ela
―disquerendo o pudor e o respeito devido ao publico‖, subentende-se que o crime é tanto ou
mais relevante na medida em que se torna público. Ao que parece adultérios ocorridos
discretamente, sem publicidade e escândalo dos vizinhos, estavam mais isentos de controles
sociais. É bem possível que para alguns homens fosse preferível punir a mulher com castigos
físicos a procurar a justiça, tornando pública a traição sofrida.
Como afirmamos anteriormente, o caso em questão tipifica o adultério incestuoso.
Aparentemente, os incestos inseridos como prática quase comum no cotidiano da população,
não possuía o mesmo sentido de pecado abominável como entendido pela Igreja. Segundo
Luciano Figueredo uma significativa parcela dos relacionamentos amorosos na região de
Minas nascia no interior da própria família com a qual os parceiros mantinham ligações de
consangüinidade ou afinidade. (FIGUEREDO, 1997)
Segundo Alexandre Alves Pereira, afilhado do autor do referido processo,
Antonio Jose Soares, é ―público‖ que a mulher do autor havia fugido de sua casa, mas ele não
sabia com certeza quem a havia conduzido e que soubera da tentativa de morte através da
escrava de seu padrinho, mas que a mesma não deixava claro se ―foi por veneno ou por outra
qualquer coisa‖28 . Afirmou também que:

outro dia que indo elle testemunha trabalhar por ceu officio de carpinteiro em casa
de seu padrinho (...) antes da fuga de çua mulher tendo elle visto o çeu padrinho
viajando para as partes das Pedras dos Angicos no dia seguinte apresentou-se Jose
Ferreira de Souza, e como se estivesse bebendo caxassa este pediu copo a dita Maria
da Conceição da Gaia, e esta dando-a despejara huma porção no dito copo virando
se para ella indo dizer minha comadre esta vai a çaude do difunto Antonio Jose
Soares a estas palavras se chamou elle testemunha dizendo que elle Jose Ferreira

27
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 1.
28
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 12.
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não devia fazer tal saude pois que no dia atrás tinha ceu padrinho saído vigoroso e
que acontecendo por lá morrer repentinamente vinha ficar elle Ferreira culpado
como autor desta morte ao que respondeu logo imediatamente o dito Jose Ferreira
que elle testemunha não reparasse nessa saude pois Antonio hera ceu compadre e
amigo que o estimava dentro do ceu coração e que portanto podia fazer a sua saúde
da maneira qui quiser, e nada mais disse. 29

O relato acima mostra a complexidade dos relacionamentos dos habitantes


―sertanejos‖, permeados tanto pela violência como pela afetividade; o réu brinda a saúde do
defunto numa clara demonstração de acusação, em contrapartida afirma que é compadre do
autor e que tem por ele grande estima. Como constatou Alysson L. F. de Jesus a realidade de
Montes Claros no período estudado exigiu que as pessoas lançassem mão de estratégias
variadas para conseguirem afirmar suas sobrevivências no cotidiano sertanejo. (JESUS, 2007)
A testemunha informante Josefa, escrava de Antonio Jose Soares, ao ser
perguntada pelo subdelegado sobre o conteúdo do depoimento de Alexandre, responde

Quando ella escrava chegou para esta casa já achou a senhora com disposição de
matar o seu senhor por ter mandado por ella escrava procurar em mão de Manoel
Cardoso para o matar, (...) ella Josefa disse que era uma coisa branca imbrulhada em
papel e que ella mais vira em huma fração de farinha que anoite hia levar a çua a ceu
senhor e que cuja comida o dito ceu senhor não quis, disse mais que por algumas
vezes vira Jose Ferreira de Souza no quarto com a çua senhora porem que ella
informante não sabia o que fazião, e assim mais disse que houvira a sua senhora
dizer a Manoel Cardoso para matar o ceu senhor e que este de todo não quis fazer e
ella como escrava que vira maltrata por seu senhor temia a falar nisso. Disse que
hindo a noite levar aveia a ceu senhor dissolveu na farinha vidro moído e que cuja
ceia o ceu senhor a não quis.30

A ré contesta; conforme ela, são falsas as testemunhas, primeiro porque um é


afilhado e a outra é escrava, e além de tudo a escrava era sua inimiga e que seu senhor a
convencera a mentir, ou com promessas de alforria, ou com ameaças de castigos, não sendo
verdade a fala da escrava, não devia relevar. Quanto ao brinde, ela nega e protesta provar o
contrário.
Através dos depoimentos até aqui relatados, percebemos que as iniciativas
tomadas pela mulher contrariam as regras vigentes e a submissão almejada pelos maridos. A
mulher acusada, como podemos ver, mostra decidida a matar seu marido, seja para viver livre
dele, ou para encobrir o crime de adultério.
De acordo com João Pereira Lima, além de recorrer à violência, a mulher do autor
também apela para a feitiçaria, pois ouviu ―da boca della que tendo ella dado vidro moído

29
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 12.
30
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p.13-14.
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muito a seu marido mais outros feitiços que nada tinha produzido efeitos e que ella possuía
bens para dar a quem ides afrontar-se com seu marido.‖31
Apesar de toda a influência da Igreja Católica no Brasil, foi constante a prática da
feitiçaria, sobretudo no nordeste e Minas Gerais. Na colônia, foram freqüentes as denúncias
contra homens e mulheres que recorriam aos feiticeiros e a feiticeiras. (SOUZA, 1997) As
mulheres apelavam ao sobrenatural não só para conseguir maridos, mas para maltratar e
vingar-se de homens indesejáveis, e até mesmo aniquilá-los.
A escrava do autor, Rosa Pereira Lima é testemunha ocular da possível traição.
Depois do juramento

disse que estando ella testemunha hum dia em casa do autor Antonio Jose Soares
onde e também se achava Jose Ferreira Sousa este entrando em hum quarto da casa
com Maria da Conceição Gaia e la se conversarão por longo tempo mas que
ignorava o que faziam e perguntando se era de dia ou de noite, respondeu ella
testemunha que era de noite, disse mais ter houvido da boca da mesma re que os
bens que ella possuía inda avia dalhos a quem (sic) com ceu marido. 32

Pelo depoimento das testemunhas, os réus são julgados culpados pelo crime de
adultério. Primeiramente por que

pelos depoimentos de alguns se evidencia que os Reus practirão actos, que na


opinião geral são considerados indiscretos a esse fim, bem como recolhendo-se sos,
em ausencia do queixoso, aos quartos de sua casa, durante a noite, e ali se
demorarão e em segundo lugar, a primeira e a nona affirmarão terem visto e
conhecido os mesmos Reus no acto da fuga e na mesma noite em que ella teve lugar,
e ainda mais pelas (sic) das mesmas testemunhas resulturão outros esclarecimentos,
e todos propícios a presidirem, que entre os mesmos Reus houverão relações bem
diversas dos que costumão ter pessoas onestas, intoleraveis entre pessoas ligadas
ainda mesmo pelo mais próximo parentesco, ainda mais entre irmãos, entre seu pais,
e sua filha: portanto, e pelo mais dos Autos julgo precedente a queixa em que figura,
como seu autor Antonio Jose Soares, somente quanto ao crime de adultero, pois que
quanto ao crime de tentativa de morte por propinação de veneno so apparecerão e
forão provados indícios semelhantes aos quantos serem também admitido para
constarem o crime de adultero. Pornuncio pois os ditos Réus Maria da Conceição
Gaia e Jose Ferreira de Souza incursos na disposição do Art. 250 do Código
Criminal e por isso sujeitos a prisão e livramento.33

Entretanto, Jose Ferreira de Souza recorre34, em novembro de 1850, e consegue


ser absolvido da pena. E como foi despronunciado o réu, Maria da Conceição Gaia também

31
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p.15.
32
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 20.
33
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002, p. 23.
34
O processo de número 000.003 é uma continuação do anterior e contém
requerimento e petição do réu Jose Ferreira de Souza contra o processo aberto por Antonio
Jose Soares. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.003.
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entra com um recurso em dezembro de 1850 e consegue ser inocentada, pois está previsto no
artigo 253 do Código Criminal que a pena incorrerá sobre ambos e que um não será
condenado sem o outro.35
No último processo36 datado de 1844, Pedro da Silva Varella faz um requerimento
contra sua esposa Anna Delmira Baptista e Alexandre Alves Guimarães por adultério
cometido pelos mesmos. Segundo o autor, ele manda sua esposa de volta para a casa dos pais
dela, mas que a mesma ―praticou o contrario porque veyo logo para este Arraial onde publica
e escandalosamente se meteo em amizade ilicita com o suposto Alexandre Alves vivendo
ambos dentro de uma so casa.‖ Afirma também que da Vila o réu teria conduzido a mulher do
queixoso para o Brejo das Almas, local onde o suplicado teria uma casa. ―E depois voltou
algumas vezes a este Arraial e a tanto tem chegado o escandalo que tem se ido meter na casa
paterna entre a família entre suas irmãs donzelas e, dessa forma detriorando e acabando o
sacramento do matrimonio por ser ambos casados.‖37
Consoante o autor, por ―ira da dita sua mulher‖, manda-a de volta para a casa dos
pais, entretanto, nas últimas páginas do documento, ao requerer, a mulher afirma que seu
marido a teria expulsado de casa por tentar divorciar dele. Bem, o fato é: ela sai de casa e,
contrariando a ordem de seu marido, vai morar com Alexandre Alves, tendo com este
―amizade libidinosa‖, rompendo assim com a lealdade dela esperada, condição exigida pelo
matrimônio. A ―publicidade‖ do relacionamento, ou seja, o fato dos réus morarem numa casa
como casados para todos saberem torna o crime mais grave. O autor enfatiza que deixou de ir
a missa, de cumprir seus deveres como cristão para não ver os réus juntos, pois este ato
escandaloso ofendia sua honra.38 Apela assim para o religioso e para a defesa da honra.
As testemunhas de acusação pautaram-se principalmente naquilo que era ―de fama
pública‖ no Arraial do Santíssimo Coração de Jesus – termo da Vila de Montes Claros de
Formigas, para apoiar seus depoimentos. Apenas presunções podiam ser formuladas a partir
das falas das testemunhas, claro que nada disso provava efetivamente o adultério, mas levava
a supô-lo. As fofocas, os mexericos, faziam parte daquele universo, no entanto não tinham
valor legal relevante. Porém, a palavra de um oficial de justiça, por exemplo, poderia servir
como importante apoio para tais casos.

35
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.002. Ver em anexos 4 página 69.
36
É um processo que se inicia em 23 de julho de 1844, na localidade do Arraial do Santíssimo Coração
de Jesus, termo da Villa de Montes Claros de Formigas. O autor-vítima é Pedro da Silva Varella e os réus são sua
mulher Anna Delmira Baptista e Alexandre Alves Guimaraes. Contém noventa e sete páginas, cinqüenta e uma
folhas e cinco páginas em branco. DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001.
37
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 2-6.
38
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 2.
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Fellippe Santhiago de Galira, morador neste Arraial, onde vive de ser official de
justiça. Disse que sabe por lhe dizer a mesma Anna Delmira que seu marido Pedro
Varella a correra de sua casa, porem que viera nos cavallos do dito seu marido para
este Arraial porem não disse a elle testemunha que elle lhe dêra consentimento para
ella vir para este Arraial mâs que ella deste Arraial fês voltar os cavallos. Dice que
sabe por ouvir diser, e ser fama pública que Alexandre Alves foi quem condusio a
dita Anna para o lugar denominado Brejo das Almas, onde ê morador e que indo elle
testemunha ao dito lugar, vio a dita Anna em casa de Alexandre, e que elle vio elles
neste arraial, juntos, em casa de Jose Vas.39

A testemunha acrescenta ainda que ―ouviu dizer‖ que os réus estiveram juntos na
casa do finado pai de Anna Delmira, Francisco Baptista de Gouvêa, e como prova da estadia
na casa ela leva um irmão mais novo para o Brejo das Almas. 40 Como este adultério se tornou
um crime de ―pública fama‖, os depoimentos trazem basicamente os mesmos fatos.
Entretanto, a fala de Maria de Medeiros Cabral é peculiar, pois sabia

por ver e prizenciar que Anna Delmira adepois que chegou neste Arraial, pidio a ella
testemunha para a deixar dormir na casa onde ella testemunha mora, e que dentro
das mesmas passou admitir Alexandre Alves, e que ella testemunha vio que ambos
dormião juntos em huma so cama, e que esta acção praticarão no praso de três dias e
noites, e que paçados estes, disse ella testemunha a dita Anna Delmira que cuidasse
de retirar ce da dita casa por ser alheia e di homem casado, e que este não gostaria
de ella os admitir em sua casa e que Anna Delmira participou ao dito Alexandre e
este trouçe dois cavallos sellados e com cangalha e sairia ao raiar do sol, e quando
foi escurecendo a noite sairão ambos deste Arraial e condusio para o Brejo das
Almas, lugar da risidencia do Alexandre.41

Os réus são declarados culpados pelo adultério cometido, e, como em todos os


outros processos analisados, eles procuram uma saída para não serem presos. Segundo
Alexandre Alves,

elle é senhor e possuidor de um escravo de nome Luis criollo de idade quarenta e


oito annos mais ou menos, assim como seis burros se sua tropa, cujos bens produz
livre e desembargados, e por isso os hipotecava, e de facto tem os ditos bens com
garantia da fiança, para affiançar elle o reo e a re.42

Desta forma, eles pagam a quantia de 800 mil réis para não serem presos.
Quando a ré recorre, ela utiliza de dois artifícios para justificar suas ações: o
concubinato do marido e o desperdício dos bens. Sabemos que a traição do homem só tinha
relevância quando fosse um concubinato público e escandaloso, isto é, o adultério em que o
39
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 10.
40
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 11.
41
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 11.
42
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p 47.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 80
análise dos processos criminais. Estácio de Sá – Ciências da Saúde. Rev. da Faculdade Estácio
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marido tratava a concubina como se fosse sua mulher, sustentando-a. As autoridades se


preocupavam com a infidelidade masculina no momento em que se tornava uma ameaça
verdadeira, colocando em risco os bens do casal e o sustento da esposa.
Como Maria da Conceição tentou ―delle divorciar-se pelas injurias e affrontas
recebidas, e privações que lhe ocasionava‖ seu marido a expulsa de sua casa – ou manda de
volta para a casa dos pais – desta forma, segundo ela sentiu-se na necessidade de ter um
procurador para que seu marido fizesse a partilha dos bens, este, porém ―inventou hum
processo de adultero para que a mesma não conseguisse seu propósito‖, uma vez que no
Código Criminal está previsto que só pode admitir uma segunda queixa não sendo a primeira
descoberta, assim os réus foram ―ilegalmente pronunciados e obrigados a fiançar-se.‖ De
acordo com a suplicada seu marido fez isso para ―pugnar seu direito e haver tempo para
consumir o restante dos bens do casal.‖43
A mulher acusada, como podemos ver, mostra surpreendente desenvoltura para
defender seus direitos. O processo deixa aferir que tratava se de uma família com posses, e a
mulher estava preocupada com seus bens e a possível dilapidação dos mesmos por parte do
marido. Mas em todos os processos os requerimentos iniciados pelas mulheres demonstram
que mesmo entre a camada pobre a esposa conhecia não apenas seus deveres como também os
seus direitos. Por tanto a autoridade absoluta do homem em relação à mulher passou a ser
questionada.
Situações de conflitos familiares – separações e infidelidades – naturalmente se
agravam quando os interesses econômicos estão em jogo. Neste caso, o fato de possuir bens
pode ter facilitado o perdão da mulher pelo marido.

Diz Pedro da Silva Varella que processando a Alexandre Alves Guimarães e Anna
Delmira Baptista pelo crime de adulterio, foram ambos pronunciados e sustentada a
pronuncia, mas o supplicante revestido da piedade christan, vem perante V. S.
affirmar termo de perdão e disistencia e demais não accuzar ao supplicados em
qualquer tribunal, ficando os mesmos Reos obrigados a saptisfazerem todas as
custas do contato.44

Enquanto no terceiro processo analisado, desconhecemos o que levou Jose


Gomes d´ Azevedo conceder o perdão a Carllota Maria de Jesus sua esposa, neste podemos
levantar uma hipótese: o fato de estar em jogo bens manteúdos pode ter feito com que o autor
passasse por cima da traição – motivo de desonra – em prol das posses.

43
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001, p. 33.
44
DPDOR/ AFGCM, Processo Criminal n° 000.001. p. 37. Ver em anexos, 5, página 70.
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 81
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A infidelidade conjugal era considerada falta grave e sujeito a varias punições,


mas dependiam da comprovação do fato e da vontade do marido em punir a esposa concedido
o perdão, havia a relevação da pena. O adultério sendo um crime particular, a queixa compete
exclusivamente ao cônjuge ofendido, que em qualquer tempo tem o direito de perdoar a
esposa – ou marido – infiel, arquivando assim o processo em completo silêncio o fazendo
cessar os efeitos da condenação.

CONCLUSÕES

Diante da exposição desses cinco casos de acusação de adultério queremos fazer


algumas considerações sobre a construção do ideal de esposa e marido. Tratar com ―amor e
estimação‘,e garantir o sustento necessário eram atitudes que se esperava dos maridos para
com as mulheres. Consequentemente esperava-se que a mulher mantivesse a fidelidade ao
marido, não apenas no aspecto das relações sexuais, mas também mantendo-se subordinada às
vontades do cônjuje.
A análise dos processos nos possibilita perceber também que Montes Claros,
região do sertão norte mineiro, no século XIX era um local marcado pela pobreza, violência e
solidariedade, mas que as pessoas também estavam de uma certa forma preocupadas com a
manutenção da honra diante da sociedade, e em alguns casos tentaram resolver seus conflitos
diários por meio da intervenção da justiça pública.
Importa ressaltar a uma ausência de processos criminais referentes ao adultério
masculino no DPDOR. Estes podem ter sido extraviados ou se perdido com o tempo, ou ainda
reforçar a idéia de que as mulheres suportavam mais a traição masculina.
De fato, os depoimentos das testemunhas deixam transparecer que adultérios
denunciados contavam com alguns agravantes: abandono do lar, crime premeditado, maus
tratos à mulher, tentativa de mariticídio, e dilapidação dos bens.
As regras em todo o Brasil sempre foram mais flexíveis em relação ao
comportamento masculino, não seria diferente no Norte de Minas .Entretanto,em todos os
casos analisados, as mulheres buscaram artifícios na lei para não serem incriminadas. Em
outros casos, os maridos concederam o perdão, porque sobreviver nessa região no século XIX
era preciso antes de mais nada adaptar-se e negociar a própria sobrevivência. O fato é que
nenhuma mulher foi incriminada, mesmo o adultério sendo considerado como pecado aos
olhos da Igreja, e condenado pela lei, por trazer prejuízos para toda a família. Essas
CALEIRO, Regina Célia lima e MOTA, Gesiane Aparecida Medeiros. O adultério feminino: uma 82
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constatações levam-nos a refletir sobre a eficácia da condenação e o abismo que existia entre
o dizer e o agir.
As posturas femininas não se pautaram sempre de acordo com o modelo e regras
vigentes na sociedade. Os processos revelam esposas que não aceitavam certas condutas de
comportamento, ―obrigando‖ seus maridos a procurar na justiça institucionalizada um meio
para salvaguardar sua honra e punir a mulher adúltera.

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VIDAL, Luiz Maria. Código Criminal Resumido: simples elemento do processo criminal. Rio de
Janeiro: Em casa dos Editores proprietários, 1876.
ISSN: 1984 - 2848

ESTÁCIO DE SÁ
Resenha CIÊNCIAS HUMANAS

ISSN: 1984 - 2848

ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 02, 84-86, Set. 2009/Dez. 2009

A PSICANÁLISE PARA ALÉM DE SI MESMA

José Nerivaldo Pimenta45

O novo livro de Nildo Viana, Universo Psíquico e Reprodução do Capital,


atualiza a interpretação marxista da psicanálise e se constitui em leitura obrigatória para uma
apreciação científica desta área da psicologia. Nesta seleção de ensaios, o autor apresenta uma
fecunda análise e uma sóbria crítica da contribuição freudiana ao mesmo tempo em que
realiza um rigoroso balanço teórico do freudo-marxismo. Para isso, o autor parte da pioneira
descoberta do inconsciente por Freud e, seriamente considerando-a nos seus pressupostos e
conclusões, traz nova luz à compreensão das relações entre os condicionantes psicológicos e
sociais do comportamento humano.
Numa evidente superação da abordagem biológica de Freud, sem, contudo,
desvalorizar ou descartar o papel revolucionário da psicanálise para a ciência, Viana desvenda
a gênese e as determinações sociais do Inconsciente, demonstrando a importância desse
conceito para a compreensão do comportamento dos indivíduos numa sociedade repressora,
porque dividida em classes sociais. Ao mesmo tempo, revela e critica as inconsistências de
vários aspectos da teoria freudiana, demonstrando, por exemplo, a natureza mitológica do
complexo de édipo e da teoria da horda primitiva, além de demonstrar a fragilidade do
pressuposto freudiano da atuação de instintos nos seres humanos, como também da
supremacia da pulsão sexual como condicionante do comportamento dos indivíduos em
prejuízo dos sentimentos constituídos nas relações sociais.
Como passo metodológico necessário para empreender seu estudo, o autor faz,
nos diferentes ensaios que constituem a obra, um instigante balanço do impacto da
contribuição da psicanálise sobre a teoria marxista. Em síntese, a investigação de Viana
analisa e critica como a teoria social do materialismo histórico recebeu, acolheu, criticou ou
rejeitou a descoberta do inconsciente pela psicanálise. conclusões da teoria psicanalítica. A
parcela desse movimento teórico, que recepcionou positivamente as teses de Freud, à revelia
de uma certa diversidade quanto a maior ou menor

4545
É sociólogo e Mestre em Filosofia, Professor e Gestor Matricial da Área de Ciências Sociais das Faculdades
Alves Faria de Goiânia.
VIANA, Nildo. A Psicanálise para além de si mesma. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. 85
da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 84 - 86, Set. 2009/Dez.
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A relação entre a psicanálise e o marxismo é amplamente conhecida e pode ser notada pela
difusão, durante todo o século XX, de interpretações da psicanálise empreendidas por autores
que reivindicavam uma filiação teórica marxista, sejam estas interpretações simpáticas ou
avessas aos pressupostos e aceitação dessas teses, denomina-se por freudo-marxismo,
destacando-se entre seus principais e mais conhecidos representantes Erich Fromm e Herbert
Marcuse.
Para situar esta problemática de uma perspectiva que não é necessariamente a
de Viana, importa observar que uma das principais contribuições das Ciências Sociais a partir
de seu surgimento no século XIX, foi o terem elas oferecido as bases científicas para
corroborar a hipótese da condição histórica, social e cultural dos seres humanos. Tal
contribuição foi ainda reforçada pelo enlace entre o desenvolvimento dessas ciências com as
descobertas das ciências naturais como a biologia, onde se desenvolveram a teoria
evolucionista e a genética. Essas descobertas marcaram a superação da noção religiosa e
ideológica do homem como ser separado e acima da natureza, enquanto também criavam as
condições para novas explicações da condição dos seres humanos frente à natureza e à
sociedade. Se de um lado do espectro teórico reforçaram-se as ciências históricas e culturais
como a sociologia e antropologia, de outra parte também surgiram novos argumentos
deterministas e fatalistas a respeito de uma redução do social ao biológico como se pode
observar nas teses da sociobiologia de inspiração darwinista representada radicalmente por
Richard Dawkins.
Observe-se que a formulação, o desenvolvimento, a recepção e a interpretação de
uma teoria científica, seja ela a psicanálise, o marxismo ou qualquer outra, é também um
processo social e como tal, apresenta-se como fenômeno multideterminado, em suma, trata-se
de um processo político, cultural, etc. Desse modo, podemos entender como os termos
―psicanálise‖, ―marxismo‖ ou ―darwinismo‖ não denotam apenas as teorias que indicam, mas
podem também referir-se à mobilização social que estas teorias provocam enquanto
posicionamento político, ―teórico‖ ou ―científico‖ das pessoas e grupos que aceitam ou
rejeitam tais teorias, seja por sua posição de classe, seja por sua condição de alienação política
e cultural resultante da manipulação ideológica de que podem ser vítimas os membros das
classes dominadas.
Dessa questão derivam dois importantes aspectos que se destacam nesses ensaios
de Nildo Viana. Primeiro, a abordagem marxista da psicanálise não é uma abordagem
científica neutra no sentido que a isto conferem os princípios positivistas, pois se assim fosse,
ela seria ideológica por desconsiderar a já citada condição política intrínseca ao trabalho
VIANA, Nildo. A Psicanálise para além de si mesma. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. 86
da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO VOL. 01, Nº 02, 84 - 86, Set. 2009/Dez.
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científico. Segundo e conseqüência do primeiro aspecto, a recepção da psicanálise no


marxismo deve revelar a contribuição daquela para a compreensão dos processos psicológicos
de revelação e ocultamento da realidade social repressora e opressiva que em certa medida é
mimetizada pela estrutura psíquica tripartida tal como apresentada pela psicanálise. Viana
indica como a oposição conflituosa entre o id e superego, mimetiza o conflito social entre o
impulso de realização da natureza humana enquanto liberdade que se manifesta no trabalho
realizado com o fim consciente da satisfação das necessidades humanas a e repressão social
que impõe o trabalho alienado para a maioria. Assim, a psicanálise deve tomar consciência da
gravidade e alcance de suas próprias e radicais descobertas para o processo de superação da
sociedade que produz a repressão e a inculca nos indivíduos na forma do ego repressor e
consciência inconsciente (alienada) de suas determinações sociais, ou seja, a dominação e
exploração de classe. Isto porque, ao descortinar o Inconsciente, a teoria psicanalítica permite
que este seja também descoberto como uma, em certa medida, ―consciência‖ dialeticamente
invertida da repressão consciente (ou pelo menos sua potencial emergência), esta última, o
superego, sintetizada como consciência alienada que introjeta a repressão.
Para esta tomada de consciência a psicanálise deve retirar as conseqüências de
suas próprias descobertas, indo além inclusive, da opção pela civilização repressora e pela
razão instrumental que deseja racionalizar o conflito na terapia psicanalítica sufocando, por
ocultamento, o conflito social que desestrutura e torna neuróticos os indivíduos.

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