O documento discute a educação no período colonial brasileiro e sua influência na formação do português brasileiro. Os jesuítas implementaram o primeiro sistema educacional no Brasil entre 1549-1759, concentrando-se inicialmente no catecismo em línguas indígenas e posteriormente fundando colégios para ensinar latim, gramática portuguesa e outras matérias. Esse sistema educacional contribuiu para a disseminação da cultura portuguesa, embora excluísse crianças negras. A educação nesse período
O documento discute a educação no período colonial brasileiro e sua influência na formação do português brasileiro. Os jesuítas implementaram o primeiro sistema educacional no Brasil entre 1549-1759, concentrando-se inicialmente no catecismo em línguas indígenas e posteriormente fundando colégios para ensinar latim, gramática portuguesa e outras matérias. Esse sistema educacional contribuiu para a disseminação da cultura portuguesa, embora excluísse crianças negras. A educação nesse período
O documento discute a educação no período colonial brasileiro e sua influência na formação do português brasileiro. Os jesuítas implementaram o primeiro sistema educacional no Brasil entre 1549-1759, concentrando-se inicialmente no catecismo em línguas indígenas e posteriormente fundando colégios para ensinar latim, gramática portuguesa e outras matérias. Esse sistema educacional contribuiu para a disseminação da cultura portuguesa, embora excluísse crianças negras. A educação nesse período
Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003
A EDUCAO NO BRASIL NO PERODO COLONIAL: UM OLHAR SOBRE AS ORIGENS PARA COMPREENDER O PRESENTE EDUCACION IN BRAZIL DURING THE COLONIAL PERIOD. A LOOK UPON THE PAST TO UNDERSTAND THE PRESENT Slvia Rita Magalhes de Olinda Prof. Adjunto 1 (DLET/UEFS). Mestre em Lngua Portuguesa (UFBA), 1991. Doutora em Letras (UFBA), 2002. RESUMO As lnguas so influenciadas por fatos sociais, histricos e culturais do povo que as fala. Pretende-se verificar a relao entre o contato das lnguas indgenas e africanas com a lngua portuguesa europia e a gramtica brasileira. Tenta-se tambm conhecer o sistema de educao brasileiro colonial para melhor compreender suas conseqncias para a formao do portugus brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Educao colonial; Portugus brasileiro; Brasil Colnia. ABSTRACT Languages are influenced by the social, historical and cultural facts of the people who speak them. It is intended to identify the relationship between the Indigenous and African languages and the European Portuguese language and the Brazilian Portuguese grammar. It is also an attempt to know the colonial Brazilian system of education in order to understand its consequences to the formation of Brazilian Portuguese. KEY WORDS: Colonial Education; Brazilian Portuguese; Colonial Brazil. Da reflexo de estudos do portugus brasileiro apresentados at o momento pode-se concluir que esta lngua est passando por uma reorganizao interna e que essas mudanas comearam a aparecer no sculo XVIII, sendo, contudo, mais consistentemente Universidade Estadual de Feira de Santana Dep. de Letras e Artes. Tel./Fax (75) 224-8265 - BR 116 KM 03, Campus - Feira de Santana/BA CEP 44031-460. E-mail: let@uefs.br Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 154 atestadas em documentos do sculo XIX. A constatao dessas mudanas traz tona uma velha discusso sobre lnguas em contato, sobre variabilidade e sistematicidade, sobre heterogeneidade lingstica, enfim sobre sistemas coexistentes, assuntos investigados por lingistas de diversas nacionalidades. A sociolingstica desenvolveu uma metodologia para analisar a lngua como plurissistema, em oposio ao conceito estruturalista de lngua como monoltica, uniforme e homognea. Nessa perspectiva, a sociolingstica prope o conceito de sistema inerente e ordenadamente heterogneo e varivel. A diferena do modelo estruturalista, que enfatiza os fatores internos, e a sociolingstica histrica que, para a sociolingstica, no possvel compreender o desenvolvimento de uma mudana fora da estrutura social da comunidade em que ocorre, j que a variao social desempenha um papel importante na mudana. Assim, acredita-se que investigar a scio-histria e a heterogeneidade do portugus brasileiro condio sine qua non para o conhecimento das mudanas ocorridas na gramtica brasileira, no sentido chomskyano. Portanto faz-se necessrio entender as mudanas ao longo do tempo e, sobretudo, verificar os contextos sociais e histricos em que essas mudanas se processaram. Este trabal ho pretende veri fi car, por exempl o, at que ponto o contato de lnguas como as lnguas indgenas, as lnguas africanas e a lngua portuguesa europia contribuiu para caracterizar o portugus brasileiro, compreender o contexto histrico e social em que essas lnguas conviveram, assim como explicar as conseqncias lingsticas desse convvio. Ao longo da histria, vrios exemplos demonstram a arbitrariedade dos critrios para classificar uma lngua e a importncia dos fatores sociais na hora de decidir quando uma variedade conta como lngua ou como dialeto. De um modo geral, a ascenso lngua passa por critrios relacionados ao sistema de escrita e/ou ao domnio poltico e econmico da regio ou do pas. Nessa perspectiva, o processo de normalizao de uma lngua tem a ver, na maioria das vezes, com fatores scio-histricos, polticos e econmicos, e o resultado da seleo e fixao de uma norma fomentado pelos gramticos, dicionaristas, escritores 155 Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 etc. Na realidade, at hoje difcil determinar os conceitos de l ngua e di al eto e, assi m, qual quer i ntento de categori zar lnguas ser mais um procedimento classificatrio do que de prticas comunicativas. Partindo dessas premissas, e sabendo que o Brasil era multilnge, multidialetal e etnicamente plural desde as suas origens, necessrio tambm conhecer o sistema educacional disponvel no perodo colonial (1549/1808), a fim de se identificar quem tinha acesso escolarizao e quais foram as condies dessa escolarizao no Brasil. Essas investigaes devem revelar dados significativos para a compreenso efetiva do portugus brasileiro e apontar para as condies que levaram diferenciao das duas gramticas, brasileira e portuguesa, assim como mostrar at que ponto os enredos sociais interferiram nesse processo. Atentando para essas questes scio-histricas, lingsticas, culturais e polticas, fez-se uma retrospectiva do processo histrico da formao da lngua brasileira no perodo colonial para se conhecer a diversidade lingstica, os estratos tnico- sociais e a instruo da sociedade daquela poca. Segundo Houaiss (1985), Silva Neto (1977, 1979), Castilho (1992), Mattos e Silva (1995, 1999), Calmon (1937), Vianna (1935), Peixoto (1933), Azevedo (1976), Mattoso (1992), Ribeiro (1999) e Veiga (2000), os falantes no Brasil colonial eram bilnges falavam a sua lngua nativa e mais uma outra, geral, que servia para intercomunicao. A populao at o sculo XVII era formada de ndios, europeus portugueses, negros e filhos dos europeus descendentes do cruzamento dessas raas. Segundo o censo de 1872 (MATTOSO, 1992), dos 108.138 habitantes, 30,9% eram brancos; 43,0% eram mulatos; 23,5% negros e 2% eram caboclos. Nessa populao plural, em todos os sentidos, quem tinha acesso educao? Como era gerida a educao no Brasil colonial? A fim de caracterizar melhor o sistema educacional nessa poca, faz-se necessrio dividir o perodo colonial em duas fases: 1 a fase (1549-1759): da implementao do ensino religioso a expulso dos jesutas 2 a fase (1759-1808): perodo pombalino/transferncia da Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 156 Famlia Real para o Rio de Janeiro Na primeira fase colonial, a educao ministrada pelos jesutas no s marcou o incio da histria da educao no Brasil mas tambm foi a mais importante obra realizada no que diz respeito s conseqncias para a nossa cultura. Durante 210 anos foram os jesutas os educadores do Brasil. Desde que eles chegaram, sistematizaram uma organizao educacional, fundando as suas residncias e os seus centros de ao para a conquista e o domnio das almas perdidas instrumento de domnio espiritual e propagao da cultura europia. Assim, foram aos poucos se infiltrando nas aldeias e levando os fundamentos de uma educao religiosa que foi se ampliando progressivamente pelo litoral. Seus mtodos de ensino e seus programas diferenciavam-se conforme a importncia da casa e conforme os educandos: futuros sacerdotes ou leigos. Primeiramente, o ensino se concentrava no catecismo, na lngua dos ndios, em representaes de autos, com o objetivo de impressionar os nativos ingnuos. Utilizava-se de tudo o que fosse til para impressionar o gentio: o teatro, os cnticos e at danas. Foi nessas escolas de ler e escrever, fixas ou ambulantes, que teve incio uma poltica educativa de propagao da f e da obedincia. Os jesutas no estavam apenas catequizando, mas espalhando nas novas geraes a mesma f, a mesma lngua e os mesmos costumes. A cultura indgena, no somente a lngua, foi lentamente sendo substituda por um outro tipo de cultura, de acordo com o modelo jesutico. Os jesutas implementaram duas categorias de ensino no Brasil: a instruo simples primria, as escolas de primeiras letras para os filhos de portugueses e dos ndios; e a educao mdia, colgios destinados aos meninos brancos que formavam mestres em artes / bacharis em Letras. Essa organizao vai determinar os graus de acesso s letras, a uns mais, a outras menos. Nota-se, porm, que em todas as escolas era proibida a freqncia de crianas negras, mesmo livres, at pelo menos o final da primeira metade do sculo. A catequese foi o interesse inicial para domesticar os ndios, mas o interesse maior dos jesutas estava na instalao dos colgios. Os primeiros colgios foram construdos em So Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Olinda. Nesses colgios, 157 Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 primeiramente ensinavam latim e casos de conscincia. Posteriormente, passaram a dar aulas de teologia, doutrina crist, latim, sintaxe e slaba, gramtica portuguesa, retrica, matemtica, msica, artes e ofcios, preservando assim a cultura portuguesa. Lendo a gramtica do colgio, entenderemos a gramtica da cultura (PAIVA, 2000). Alm dos colgios e casas, muitas misses davam continuidade com a sua ao civilizadora, em outros pontos do territrio. Nos sculos seguintes, os jesutas prosseguiram estendendo os seus ensinamentos para o Sul e para o Oeste. Em 1759 havia 24 colgios, 3 seminrios, 17 casas, 36 misses e 25 residncias, distribudas por todas as capitanias (CALMON, 1937). Nessa fase, o ensino oficial da lngua portuguesa era restrito aos filhos de portugueses e aos filhos dos senhores de engenho a elite brasileira. Assim, o nmero de letrados no ultrapassava 0,5% da populao. J a lngua falada era aprendida informalmente, como segunda lngua, por um grande contingente de origem diversificada. Em 1759, os jesutas foram expulsos do Brasil pelo Marqus de Pombal, que implantou uma poltica pblica proibindo o uso da lngua geral e impondo o uso exclusivo do portugus. Comea, a partir da a segunda fase do perodo colonial brasileiro. Desorganizada com a expulso dos jesutas, a educao passa a ser geri da pel o Estado e enfrenta a primeira desastrosa reforma de ensino do pas. Pombal criou escolas rgias oficializando o ensino, o subsdio literrio imposto criado especialmente para a manuteno do ensino primrio, que era da responsabilidade das cmaras. Surgem as cadeiras de retrica, lngua grega, hebraica e latina. Limitando- se aos col gi os, o ensi no pri mri o dependi a da aj uda de particulares ou religiosos para sua manuteno. Nessa poca, alguns poucos letrados preencheram a lacuna dos jesutas. J o ensino superior dependia da instruo das Universidades europias, principalmente a de Coimbra. Apesar dos esforos, Pombal no implementou verdadeiramente a instruo popular. Segundo Calmon (1937), em 1777 s havia dois professores na Bahia: a falta de estudos pblicos h quase vinte anos ofendia uma populao saudosa da ordem missionria. A reforma pombalina gerou uma fragmentao do Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 158 sistema educacional, no sentido de que permitiu uma pluralidade de aulas isoladas e dispersas e consentiu que pessoas semi- analfabetas ministrassem matrias sem qualificao, inclusive pedaggi ca. Enquanto no Brasil havia escassez de escolas e de professores qualificados, os recm-formados pelos colgios partiam para se ilustrar em Portugal. So dessa poca: Gregrio de Matos, Thomaz Gonzaga, Cludio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, Baslio da Gama e Santa Rita Duro. Com a queda de Pombal, a organizao educacional acabou por se esfacelar. O subsdio no chegava para as despesas e os professores passaram a no receber o pagamento por meses e at anos. O quadro era cada vez mais desolador. No fim do perodo colonial s havia escolas nas cidades e vilas mais importantes. Entre os sculos XVI e meados do sculo XVIII, o Brasil pde ser classificado como um pas multilnge, etnicamente diversificado, eminentemente rural e no-escolarizado. Dos finais do sculo XVIII ao sculo XIX, o pas passou por algumas transformaes significativas. Diante da invaso estrangeira em Portugal, a sede do reino transferiu-se para o Brasil em 1808 e com ela a burocracia civil, militar e eclesistica. Nesse contexto foram criados cargos, cursos, cadeiras, escolas e as pri mei ras facul dades para atender s necessi dades dessa nova populao. Portanto no perodo monrquico que a educao no Brasil ganha vulto, libertando-se gradualmente do ensino superior estrangeiro. Todas as mudanas ocorridas no ensino pblico devem-se influncia de D. Joo VI. Ele permitiu a abertura de escolas de primeiras letras em todo o pas e multiplicaram-se as escolas secundrias de artes e ofcios. Mas foi ao ensino superior que o seu governo deu total dedicao. Em conseqncia da mudana da Famlia Real, foram implantadas, progressivamente, a Academia Militar, a Academia da Marinha, a Escola de Medicina e Cirurgia no Rio de Janeiro e na Bahia. Os hbitos coloniais foram tambm se modificando e a aparncia simples do campo foi sendo alterada com a chegada de D. Joo e mais as quinze mil pessoas, representantes da cultura portuguesa. A elite brasileira sentia-se atrada pelos encantos da nova vida urbana que se instalava no Rio de 159 Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 Janeiro a cidade substituindo o engenho. Surgem o teatro, os musicais e a biblioteca pblica. Entre 1808 e 1821, as urbes renovam-se com cuidados com a higiene, topografia, policiamento, iluminao eram as exigncias de um modelo europeizante. A elite mobilia a sua casa inglesa e abre os sales para as festas. As damas brasileiras adotam o penteado e os trajes de Londres. Paralelamente, as capitanias passam a imitar o estilo do Rio de Janeiro. Dessa forma, o Brasil se civiliza violentamente com o luxo e os hbitos importados de Portugal e de Londres. Vimos nessa breve retrospectiva do perodo colonial e incio do perodo imperial que o Brasil era um pas de etnia diversificada, complexa e que a sociedade era constituda de duas esferas: a) a dos brancos que mandavam, b) a dos negros, mulatos, ndios e descendentes que produziam e obedeci am. O recenseamento de 1808 registrou um aumento da populao que atingiu 411.141 habitantes, dos quais 21,6% eram brancos; 1,4% de ndios; 43,0% negros e mulatos livres; 33,9 de negros e mulatos escravos. Isso significa que a populao no-branca sempre foi majoritria. Nesse contexto, o percentual de alfabetizados era proporcional ao componente branco na populao livre, e a grande maioria das crianas no aprendia a ler e a escrever. Sobre esse assunto, afirma Mattos e Silva (1995, p. 83): o ideal normativizador primeiro lusitanizante, depois em funo de um padro culto brasileiro desencadeado no sculo XIX, no teve vez de se implantar efetivamente e generalizadamente no Brasil, restringindo-se apenas a uma minoria economicamente privilegiada e alguns quantos, seres excepcionais, que rompem as limitaes impostas pelo desenvolvimento scio-econmico e cultural perverso do Brasil, desde as suas origens coloniais. O sculo XIX herdou do perodo colonial um nmero muito reduzido de escolas rgias de primeiras letras e um sistema de discriminao racial que prosseguiu at algumas dcadas do sculo seguinte. Segundo Gonalves (2000), embora tenham exi sti do i ni ci ati vas de escol as para negros, a parti ci pao efetiva foi incipiente, mesmo aps a Abolio. Sabemos que desde o final do sculo XVIII surgiram Irmandades em todo o Brasil, e que estas entidades tiveram um papel muito Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 160 importante na vida dos negros, principalmente por ser um local de expresso, de di scusso e rei vi ndi caes. Atravs das Irmandades os negros iniciaram o que seria uma associao de classe e aprenderam a lutar contra o preconceito, exigindo direitos sociais e oportunidades de trabalho e educao. Era objetivo das Irmandades dar assistncia material, em vida e na morte, aos negros. Contribuam para comprar a carta de alforria dos escravos e para a emancipao dos negros livres. Qual a participao das Irmandades na educao dos negros? Apesar das contribuies sociais das Irmandades, no h registro de uma ao educativa que proporcionasse aos negros letramento, pelo menos no sculo XIX, mas contriburam de forma definitiva para a preservao da cultura africana. Em termos de iniciativas educativas, efetivamente, vo surgir na Monarquia (1822-1889) vrios projetos. Afinal, quem escrevia na era colonial? At a segunda fase do perodo colonial, existiram escolas de ler e escrever, casas e colgios. Mas, como j foi dito anteriormente, os jesutas, com uma educao mais religiosa humanstica do que educativa, priorizavam os filhos dos senhores de engenho e os colgios. Para os ndios e os descendentes dos relacionamentos de ndios com portugueses era suficiente o aprendizado das primeiras letras e, principalmente, os ensinamentos religiosos: a obedincia e a assimilao da cultura portuguesa. No sculo XIX, a escola ainda funcionava nas casas dos professores, nas fazendas ou em espaos nada favorveis ao aprendizado e continuava a ser desorganizada e desagregada. Havia uma diferena considervel entre a educao primria e o ensino secundrio e principalmente destes para o ensino superior. Nessa sociedade organizada com base no sistema feudal e na escravido, a quem interessava a educao popular? As escolas superiores, por sua vez, pouco contriburam, uma vez que eram desarticuladas da realidade da sociedade. Uma minoria de letrados e uma enorme populao de analfabetos era a situao do Brasil colonial, e esse desnivelamento certamente deixaria conseqncias na populao brasileira. Segundo Azevedo (1976, p. 75), certamente, a ausncia, na educao do pas, de um pensamento coletivo ou de unidade 161 Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 de orientao no era mais do que uma das expresses do estado flutuante e molecular da sociedade, que resultou do carter fragmentrio de nossa formao social e das divergncias fundamentais de interesses e de idias, ligadas s diferenas de nvel cultural e econmico das provncias, como das classes sociais. Os cultivadores de uma lngua culta a europia continuavam tendo acesso educao, eram representantes da classe dominante no pas e ratificavam o modelo europeu. E o processo de excluso continuava. No sculo XIX, os escritores brasileiros eram seguidores fiis da literatura escrita em Portugal e a elite atualizava a sua linguagem pela imagem e semelhana da lngua europia, nas universidades europias. Uma nova classe surgiria, a burguesia, que pregava o liberalismo econmico e poltico de Portugal e lutava pela emancipao e pela afirmao de nossa nacionalidade. Do ponto de vista estilstico e literrio proclamavam a liberdade absoluta de criao. Paradoxalmente, mais tarde, ao mesmo tempo em que se rompi a pol i ti camente com a Europa, se construa uma elite sob a influncia europia, sobretudo com o Parnasianismo, que pregava a perfeita expresso, a rima rica, rara e a correo gramatical. Segundo Castilho, (1992). Nessa poca, afirmar o portugus brasileiro equivalia a nivelar por baixo a lngua, j que o projeto poltico da classe dominante brasileira era construir uma nao branca europeizada. A literatura especializada mostra que s com o Modernismo, sculo XX, a lngua alcanou a importncia de estilo nacional, o que antes era considerado erro e ignorncia dos brasileiros. do exame da constituio da formao social do Brasil que tomamos conhecimento dos problemas polticos e sociais da poca e entendemos os problemas de hoje. Problemas que se originaram na era colonial, como, por exemplo, a falta de uma educao pblica organizada e acessvel a todos os brasileiros negros, ndios ou descendentes de portugueses com outras etnias arrastaram-se pela Monarquia e ainda so visveis hoje. As diferenas raciais, lingsticas e sociais contriburam para se afirmar um novo povo e uma nova lngua. O portugus brasileiro o resultado da contribuio dessas etnias, das lnguas africanas e indgenas e da lngua portuguesa europia. Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.153-162, jul./dez. 2003 162 Dessa forma, conclumos que a lngua um produto cultural do homem e que ela no tem uma existncia separada da realidade social de seus usurios, da a gramtica brasileira. REFERNCIAS AZEVEDO, F. de. A transmisso da cultura. So Paulo: Melhoramentos, 1976. CALMON, Pedro. Histria social do Brasil. So Paulo: Nacional, 1937, Tomo 1. CASTILHO A. de. O Portugus do Brasil. In: ILARI, Rodolfo. Lingstica romnica. So Paul o: ti ca, 1992. HOUAISS, Antonio. O portugus no Brasil. Rio de Janeiro: UNIBRADE, 1985. MATTOS E SILVA, Rosa Virgnia. A scio-histria do Brasil e a heterogeneidade do portugus brasileiro: algumas reflexes. Boletim da ABRALIN, n. 17, p. 73-85, jun. 1995. ______. De fontes scio-histricas para a histria social lingstica do Brasil: em busca de indcios. In: MATTOS E SILVA, R. V. (org.). Para a histria do portugus brasileiro. ol. II: Primeiras idias. So Paulo: Humanitas (no prelo), 1999. MATTOSO, K. M. de Queirs. Bahia. 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