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SOBRE OS CAMPOS

20-05-2007

MARCELO GLEISER,
é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Sobre os campos

Os campos quânticos volta e meia aparecem citados em livros


e filmes esotéricos

O conceito de campo é um desses que, quando usados fora de


contexto, dão vazão a mil e uma distorções. Claro, falo aqui dos
campos da física, não dos de esportes. Eu me lembro, quando era
garoto, de assistir à série "Perdidos no Espaço", e de como a
espaçonave deles – acho que se chamava Júpiter 2 – tinha um
campo de força que a protegia de eventuais invasores, uma espécie
de escudo invisível e muito eficiente.

Essa noção de campo de força era mesmo meio mágica e parecia


ser coisa do futuro, de ficção científica. Mal sabia eu então que
nosso próprio planeta também tem um campo de força, no caso o
campo magnético terrestre, que nos protege de outros invasores do
espaço, os raios cósmicos e a radiação e as partículas vindas do
Sol. Foi durante o século 19 que o conceito de campo tomou forma,
a partir dos trabalhos do inglês Michael Faraday e do escocês
James Clerk Maxwell. Faraday era o físico experimental por
excelência, brilhante em sua intuição sobre as propriedades da
eletricidade e do magnetismo. Foi ele quem descobriu que o
magnetismo pode gerar uma corrente elétrica.

O experimento é bem simples: basta ter um imã e um fio circular.


Passando o imã dentro do fio, como uma bola de basquete no aro
da cesta, cria-se uma corrente elétrica no fio. O essencial aqui é
que o imã tem de estar em movimento. Faraday visualizou o
resultado de sua experiência através do que chamou de "linhas de
força", representações espaciais da presença da eletricidade e do
magnetismo nos objetos. Por exemplo, uma carga elétrica esférica
tem linhas de força que emanam radialmente do seu centro, feito
cabelos no estilo punk. Maxwell generalizou as idéias de Faraday,
criando o conceito de campo.

Essencialmente, o campo reflete a presença de alguma fonte no


espaço à sua volta. Por exemplo, o campo da carga elétrica é esse
conjunto de linhas de força radiais. Mesmo sem vermos a carga
elétrica, podemos sentir sua presença por meio de seu campo.
Basta aproximarmos outra carga elétrica dela e observaremos que,
se for positiva, será repelida, e se for negativa, será atraída.

Maxwell obteve as equações que descrevem o comportamento dos


campos elétricos e magnéticos criados por cargas e imãs,
mostrando que são manifestações de uma coisa só, o campo
eletromagnético.

Eis outro exemplo de campo. Você é uma fonte de calor. Aproxime a


mão de sua testa. Você sentirá calor emanando dela; quanto mais
longe da testa, menor a temperatura. (A menos, claro, que esteja
muito quente no quarto. Vamos supor que a temperatura do quarto
seja de uns 15 graus Celsius, bem mais baixa do que os 36,5 graus
de um ser humano normal.) Existe um campo de temperatura à sua
volta, cuja intensidade diminui em função da distância.

Com o desenvolvimento da física atômica, o conceito de campo


ganhou ainda mais importância. Hoje os físicos representam as
partículas elementares da matéria (elétrons, quarks etc.) como
sendo flutuações de um campo, no caso, do campo dos elétrons e
dos quarks. É comum não se falar mais de partículas, apenas de
seus campos associados e de como eles interagem entre si. Tudo
isso ocorre a distâncias subatômicas, completamente fora do
alcance dos nossos sentidos e sem nenhum efeito macroscópico.

Esses são os campos quânticos, que volta e meia aparecem citados


em livros e filmes esotéricos. Ao que tudo indica, sua ação só é
relevante em escalas submicroscópicas. A união espiritual do
homem com o cosmo ocorre por meio de nossa busca por
significados. Aí sim a física pode oferecer um caminho, uma visão
de mundo.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth
College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2005200701.htm

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