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Introducao Experience gained from incidents on dams should be brought 10 the knowledge of the engineering world. They teach valuable lessons for further surveillance, maintenance and construction of dams. Gruner Em 1853, medigdes topogréficas foram realizadas na barragem em cantaria (masonry) de Grosbois, na Franga, construida entre 1830 ¢ 1838, para a observacio dos deslocamentos da crista. Essa barragem havia apresentado intimeros problemas desde 0 inicio do enchimento do reservatério em 1838 e teve que ser reforgada em mais de uma ocasido. Sendo assim, a partir de 1853, medigdes topogrificas tornaram- se pratica comum em barragens em cantaria, No final do século XIX, piezémetros foram empregados na india, para se estudar as condigdes de percolagiio na fundagao de barragens para irrigacdo, construfdas em materiais aluvionares. Em 1907, esse tipo de instrumento foi empregado por engenheiros na Inglaterra, para a determinagao da superficie fredtica em uma barragem homogénea. De 1917 em diante, piez6metros passaram a ser empregados nos Estados Unidos em barragens de terra. ModificagGes e adaptagdes nesse equipamento levaram ao projeto de células de pressdo para a medi¢do da pressao neutra Em 1916, nos Estados Unidos, Roy Carlson projetou um aparelho para a medigao da pressdo em barragens de terra e concreto, por meio de um sensor que consistia na 18 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento distensdo de um fio. O aparelho media as variagGes de resisténcia elétrica do fio em relagio aos movimentos de dois pontos de ancoragem, empregando uma ponte de Wheatstone. O elemento sensfvel era uma fina pelicula de merctirio que preenchia uma almofada, na qual a deflexao de uma das membranas era medida. Em 1922, também nos Estados Unidos, foi langado um grande programa de instrumentagao de barragens em arco, para uma melhor compreensiio do comportamento desse tipo de estrutura, tendo por objetivo reduzir custos e aumentar sua seguranga. Fissurometros e inclinémetros foram utilizados para a medigao das deformagées internas do concreto, com instrumentos elétricos confeccionados com sensores de resisténcia elétrica. Outro importante marco no campo da instrumentago esté representado por André Coyne, quando, em 1931, na Franca, obteve patente para um sensor de corda vibrante, ent&o designado de indicador acistico. Na seqiiéncia, um total de 17 extens6metros de corda vibrante foi instalado na barragem em arco de Bromme (1930-1932), construida sobre o rio Truyére. Mas 0 primeiro grande programa de auscultagao foi desenvolvido para a barragem de Mardges, na Franga (1932-1935), na qual 78 extensOmetros foram instalados no corpo da barragem em arco e 40 outros, nas ombreiras. Desde entao, esse tipo de sensor, que deu origem a uma grande variedade de instrumentos, tem sido utilizado em um grande ntimero de barragens, em virios paises. No Brasil, a instrumentagdo de barragens de terra e enrocamento ganhou particular impulso a partir de 1950, conforme se observa no grafico a seguir, no qual se apresentam os resultados de um total de 87 barragens de terra e enrocamento construidas e instrumentadas até 1995. Barragens de terra e enrocamento instrumentadas no Brasil N° de barragens 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 Década Fonte: Boletim final da Comissao de “Auscultagao € instrumentagao de Barragens no Brasil” I Simpésio sobre Instrumentacao de Barragens, realizado pelo CBDB. Belo Horizonte, 1996. v. 1 Introdugao 19 Desse total de 87 barragens de terra e enrocamento instrumentadas, 84% foram construfdos a partir de 1950, época em que se passou a construir um grande ntimero de usinas hidrelétricas, empregando-se estruturas cada vez maiores e situadas em locais com grande diversidade e complexidade geolégico-geotécnica — o que exigiu projetos mais elaborados e maior atenciio e cuidados na concepgao dos planos de instrumentago dessas barragens, objetivando uma boa supervisio de suas condigdes de seguranga. A partir da década de 1970, passou-se a confeccionar-se em nosso Pafs uma grande diversidade de instrumentos para a auscultagdo de barragens de terra e enrocamento, dentre os quais se destacam novos tipos de medidores de recalque; piez6metros elétricos, hidraulicos e pneumiticos; células de presso total; marcos superficiais; alguns acessérios para inclinémetros e medidores de vazao. Ressaltaram- se nessa area a atuacao do Instituto de Pesquisas Tecnolégicas de Sao Paulo (IPT) e a do Laboratério Central da Companhia Energética de Sio Paulo (Cesp), em Ilha Solteira, pela qualidade, diversidade e confiabilidade dos instrumentos confeccionados na €poca, 0 que permitiu a substituig%o de muitos dos instrumentos de auscultagao, que até ent&o eram importados, e possibilitou a instrumentagao, dentro de bons padrées de qualidade, de muitas das barragens construfdas na época. Esse desenvolvimento na confecgao de instrumentos nacionais decorreu das dificuldades e dos longos prazos necessdrios 4 importagdo durante o regime militar no Brasil. Instrumentos de concepgiio mais rebuscada e envolvendo principios eletrdnicos ou materiais especiais, como os piezémetros de corda vibrante e inclindmetros dotados de servo- acelerémetros, continuaram a ser importados normalmente, 0 que exigiu um bom planejamento na fase de projeto. Nessa época de grande importéncia para a instrumentacao de barragens, o autor, em 1973, inicia suas atividades nessa area, tendo a oportunidade de participar, nesses 33 anos de experigncia, da elaboracao do plano de instrumentagiio ou da andlise dos dados da instrumentagao das barragens de terra e enrocamento de Marimbondo, Agua Vermelha, Trés Irmaos, Jacarei, Jaguari (Sabesp), Promissdo, Xing6, Dahmouni (Argélia), Misbaque (Equador), Ita, Itapebi, Quebra-Queixo, Morro do Ouro, Sao Simio, Jaguaré, Trés Marias, Volta Grande, Itauba, Passo Real, dentre outras. Este livro trata da instrumentaco de barragens de terra ou enrocamentoe objetiva preencher uma lacuna que ha em nosso meio técnico, procurando sintetizar a experiéncia do autor em algumas dezenas de barragens instrumentadas e também em intimeros trabalhos técnicos apresentados na area, mais particularmente nos Seminérios Brasileiros de Grandes Barragens, nos Simpésios Brasileiros sobre Pequenas e Médias Centrais Hidrelétricas, no I Simpésio sobre Instrumentagao de Barragens, realizado no Rio de Janeiro, em 1989, e no II Simpésio sobre Instrumentagao de Barragens, realizado em Belo Horizonte, em 1996. O Cap. 1, intitulado “O Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica”, aborda a selegdo dos instrumentos, a previsdo dos campos de leitura, as atribuig6es das tarefas de instrumentagao nas fases de projeto, construgaio e operagao 20 Instrumentago e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento de uma barragem etc. No Cap. 2, trata-se do desempenho e das caracteristicas dos instrumentos de medic&o, conceituando-se 0 que € conformidade, acurécia, precisao, resolugdo, campo de leitura, repetibilidade etc Nos Caps. 3 a 13, apresentam-se os varios tipos de medigao realizados em barragens de terra e enrocamento, de modo que cada um dos tipos é abordado em dois capitulos distintos. No primeiro deles, destacam-se os diversos instrumentos utilizados na sua medigao, suas caracteristicas basicas, suas vantagens e desvantagens, além de fotos e esquemas, comentando os procedimentos usuais de instalagao. No capitulo subseqiiente, aborda-se a forma de apresentagao e andlise dos dados obtidos, separadamente para os perfodos construtivo, fase de enchimento do reservat6rio ¢ operacao, buscando-se ilustrar com casos praticos de barragens brasileiras. Procura- se destacar as varias formas de representago dos resultados obtidos, suas diferentes formas de andlise, comparagées entre valores medidos e tedricos ¢ a evolugdo dos parametros medidos ao longo do tempo. No Cap. 14, aborda-se a protego dos instrumentos de corda vibrante contra descargas atmosféricas, enquanto que no Cap. 15 se apresentam os varios tipos de cabines de leitura empregadas na instrumentagio de barragens de terra ou enrocamento, e se pode observar como se deu a evolugao das mesmas em nosso meio técnico, particularmente a partir da década de 1970. A seguir, apresentam-se as referéncias bibliograficas, classificadas por tipo de instrumento. Nos Apéndices A e B, apresentam-se sugestdes sobre as freqiiéncias de leitura da instrumentagaio de barragens de terra e enrocamento durante o periodo construtivo, a fase de enchimento do reservat6rio e a operagao, assim como uma relagio de fabricantes de instrumentagio nacionais e estrangeiros, iT O Planejamento dos Programas de Monitoracao Geotécnica When you can measure what you are speaking about, and express it in numbers, you know something about it, but when you cannot measure it, when you cannot express it in numbers, your knowledge is of a meagre and unsatisfactory kind; it may be the beginning of knowledge, but you have scarcely, in your thoughts, advanced to the stage of science, whatever the matter may be. Lord Kelvin Planejar um programa de monitoracio utilizando instrumentagao geotécnica € similar a outros projetos de Engenharia. Um projeto tipico de Engenharia comega com a defini¢do de um objetivo e se processa por meio de uma série de passos l6gicos até a preparacdio dos desenhos, especificagdes ¢ lista de materiais. Similarmente, a tarefa de planejar um programa de monitoragdo deve ser um processo ldgico & compreensivo, que tem inicio com a definigao de um objetivo e termina com 0 planejamento de como os pardmetros a serem medidos serao implementados. Infelizmente, ha uma tendéncia entre alguns engenheiros e gedlogos em proceder de maneira ilégica, algumas vezes selecionando os instrumentos e realizando as medigdes para, somente entao, pensar o que fazer com os dados obtidos. Franklin (1977) indica que um programa de monitoracao € uma corrente com varios elos potencialmente fracos que se rompem com maior facilidade e freqiiéncia, do que na maioria dos trabalhos em Engenharia Geotécnica. Planejamento sistemético requer especial empenho e dedicagaio da equipe responsdvel. O planejamento deve ser feito por um grupo com especialista em aplicagdes de instrumentacio geotécnica. Reconhecendo que a instrumentagio é s uma ferramenta e nao uma solucao, esse grupo deve ser capaz. de trabalhar em 22 Instrumentago e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento intima colaboragao com a equipe de projeto. O autor teve a oportunidade de trabalhar mais de 20 anos com a equipe de projeto de barragens da Promon Engenharia, em Sao Paulo, tendo chefiado o projeto de instrumentagdo das barragens de Agua Vermelha e Trés Irmaos, da Cesp; Barragem Principal de Itaipu; barragens de Jacaref e Jaguari, da Sabesp; UHE’s de Moxoté e Xing6, da Chesf; barragens de Dahmouni e Beni Haroun, na Argélia; barragem de Misbaque, no Equador, dentre outras. Nesses projetos foi de relevante importancia o entrosamento com as equipes de Geologia e de Geotecnia — na instrumentagao das fundagées e das barragens de terra — e com a equipe de estruturas — na instrumentagao das barragens de concreto. O planejamento deve ser feito segundo os itens a seguir apresentados, e todas as etapas completadas, se possivel, antes que os trabalhos de instrumentacao sejam iniciados no campo, conforme assinalado por Dunnicliff (1993). 1.1 Definigao das condigdes do empreendimento Se o engenheiro ou gedlogo responsdvel pelo planejamento do programa de instrumentacao esté familiarizado com 0 empreendimento, esta etapa é usualmente desnecesséria. Entretanto, se o programa é planejado por outros, é importante se familiarizar com as condigSes da obra, como, por exemplo, o tipo de empreendimento € 0 arranjo geral das estruturas, a estratigrafia e as propriedades dos materiais de subsuperficie, as condigdes do nivel fredtico, as condicdes das estruturas circunvizinhas, as condigdes ambientais no local e o método de construgao planejado. Se 0 programa de monitoragio foi concebido de modo que auxilie na descoberta das causas de situagdes criticas, todo conhecimento disponivel deve também ser assimilado. 1.2 Definigao das questies geotécnicas e dos objetivos da instrumentacao Todo instrumento em um empreendimento deve ser selecionado e instalado para responder a quest6es especificas: se nao ha perguntas, nao deve haver instrumentacao. Antes de indicar os métodos de medicao propriamente ditos, deve ser feita uma lista das questGes geotécnicas que provavelmente surgirao durante as fases de projeto, construgao ou operagao. Toda barragem de grande porte, e mesmo algumas de pequeno, possuem pontos mais suscetiveis a problemas na fundagao, em decorréncia de anomalias geoldgicas ou, entdo, pontos de fraqueza estrutural na interface das estruturas de solo/concreto ou solo/enrocamento, os quais requerem, normalmente, uma instrumentagao especifica para a observacao de seu desempenho a longo prazo A instrumentacao nao deve ser utilizada, a nao ser que haja uma razao ldgica para tal. Peck (1984) estabelece que “os usos legitimos da instrumentagao sao tantos, € as quest6es que Os instrumentos e€ as observacdes podem responder sao tao vitais, 1. 0 Planejamento dos Programas de Monitorapao Geotécnica 23 que nao se deve promover seu descrédito, utilizando-os impropriamente ou desnecessariamente”. 1.3 Selecao dos parametros a serem monitorados Os pardmetros a serem medidos incluem a pressio da 4gua nos poros, a pressdo da 4gua na rocha de fundagao, as pressdes totais, os recalques, os deslocamentos horizontais, as cargas e a tensdo nos elementos estruturais, a temperatura, as vazGes de drenagem, os materiais s6lidos careados etc. A questio a ser respondida 6: quais pardmetros so mais importantes? Variag6es nas grandezas a serem medidas podem resultar tanto de causas como de efeitos. Por exemplo, o parametro de interesse primdrio em um problema de estabilidade de talude é normalmente a deformagio, que pode ser considerada um efeito do problema, mas a causa esta, freqilentemente, associada As condigées de pressao neutra no solo. Monitorando, nesse caso, tanto causa como efeito, uma relacao entre os dois pardmetros pode ser desenvolvida e agdes podem ser tomadas para remediar qualquer efeito indesejado por meio da atenuagao da causa. A maioria das medigdes de pressao, esforgos, cargas, tensdes e temperaturas & influenciada por condigdes pertencentes a uma zona muito pequena ¢ é, portanto, dependente das caracteristicas locais dessa regido. Sao, em geral, medidas essencialmente pontuais, sujeitas a qualquer variagéo na geologia ou outras caracteristicas, e podem, portanto, nao representar caracterfsticas em grande escala. Quando este é 0 caso, um grande ntimero de pontos de medida pode ser requerido antes que se possa confiar nos dados. Por outro lado, varios instrumentos que medem deformacdo respondem a movimentos dentro de uma zona grande e representativa. Dados obtidos de um tnico instrumento podem, sim, ser representativos, ¢ medidas de deformagao sao, geralmente, as mais confidveis ¢ menos ambiguas, por serem de mais facil medicao. 1.4 Previsao do campo de variagao das medidas PrevisGes sao nec preciso requeridos pe ‘ria para que o tipo de instrumento e a sensibilidade ou m ser selecionados adequadamente. Uma estimativa do valor maximo previsto de ser medido, ou do valor maximo de interesse, conduz. a selegdo de uma determinada categoria de instrumentos. Essa estimativa normalmente exige um substancial julgamento e experiéncia do engenheiro, mas, ocasionalmente, pode ser feita com um simples célculo, como é 0 caso da maxima pressdio da agua nos poros em uma fundacao argilosa, ao longo da linha de centro de uma barragem. Uma estimativa do minimo valor de interesse conduz selegdo da sensibilidade ou precisao do instrumento. Ha uma tendéncia de buscar desnecessariamente alta preciso, quando, na realidade, alta precisdo deve ser sacrificada em prol da 24 Instrumentagdo © Soguranga de Barragens de Terra e Enrocamento confiabilidade, quando essas conflitam entre si. Alta precisao esta, geralmente, vinculada a delicadeza e fragilidade. Em alguns casos, alta precisao pode ser necessdria: quando pequenas variagdes na grandeza medida sido importantes, ou quando h4 somente um pequeno tempo disponivel para definir tendéncias, por exemplo, ao se estabelecer a taxa de escorregamento por meio dos dados de um inclinémetro. Estudos paramétricos podem ser realizados com a ajuda de um computador, para auxiliar no estabelecimento da categoria, precisao e sensibilidade dos instrumentos. Se as medigées de controle de barragens envolvem questdes de seguranga, uma predeterminacdo dos valores numéricos deve ser feita para que possam indicar a necessidade de agdes corretivas. Esses valores numéricos sio expressos, freqiientemente, em termos de taxa de alterago das medidas ao invés de valores absolutos. Em suas diretrizes para 0 método observativo, Peck (1969a) inclui: + selego dos parametros a serem observados e célculo dos seus valores antecipados, com base nas hipdteses de projet: + cdlculo dos valores dos mesmos parametros, submetidos as condigées mais desfavoraveis de carregamento. O primeiro dos passos anteriores permite que qualquer anomalia seja detectada, e ambos os passos permitem a determinagao do nivel de adverténcia de perigo. O nivel de adverténcia de perigo deve ser baseado em critérios de desempenho claramente definidos — por exemplo, o recalque diferencial maximo ao longo da crista da barragem para evitar fissuras transversais. Também pode basear-se em um julgamento sélido do engenheiro, conduzido pela avaliagio geral do comportamento do solo e dos mecanismos de problemas em potencial ou de eventuais falhas. Quando em diivida, varios niveis de adverténcia de perigo devem ser estabelecidos. No Quadro 1.1, mostra- se um exemplo hipotético de niveis de adverténcia de perigo e agdes contingentes, para a monitoragao dos taludes em uma mina a céu aberto. Quadro 1.1 Exemplo de niveis de adverténcia de perigo Movimentacao maior que 10 mm Informar ao gerente da em qualquer estagao topografica mineracdo Inspegdo imediata do focal pelo ‘engenheiro consultor, reunido local e implementagao de medidas corretivas (segundo piano de contingéncias) Movimentagao maior que 15 mm 3 mais aceleragao em qualquer uma das estagdes Fonte: Franklin, 1977 1 0 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 25 O conceito de nivel de adverténcia de perigo, que pode ser assinalado pelas cores verde, amarelo e vermelho, também € Util. Verde indica que tudo esté bem; amarelo indica a necessidade de medidas de precaugao, incluindo um aumento na freqiiéncia de leitura dos instrumentos; e vermelho indica a necessidade de implementagao de agées corretivas, rapidamente. 1.5 O planejamento de acées corretivas Inerente ao uso da instrumentagao para propésitos construtivos, é imperativo decidir, antecipadamente, por um método efetivo para solucionar qualquer problema que possa ser revelado pelos resultados das observagdes (Peck, 1973). Se as observagées podem mostrar a necessidade de agGes corretivas, estas devem ser baseadas preferencialmente em planos previstos. Varios niveis de adverténcia de perigo devem ser estabelecidos, cada um requerendo um plano de ago apropriado. O planejamento deve assegurar que servigos e materiais requeridos estaraio disponiveis, para que as agGes corretivas possam ser implementadas com o minimo atraso aceitavel, 2 0 grupo responsavel pela andlise dos dados da instrumentagao tenha autoridade contratual para iniciar as ages corretivas. Na fase de enchimento do reservat6rio, por exemplo, deve-se prever, em toda barragem de porte, a disponibilidade de equipamentos para a execugiio de sondagens A percussdo e para a execucdo de injecdes de cimento na fundagao, no caso da necessidade de reforco da cortina de drenagem ou da cortina de injegao, tendo por base as informagées transmitidas pela instrumentagao. Também alguns instrumentos sobressalentes so titeis nessa fase, para complementar 0 plano de instrumentacao original em regides de interesse. Dentre esses instrumentos, incluem-se, particularmente, alguns piezémetros tipo standpipe e alguns medidores triangulares de vazao. Um canal de comunicagdo deve ser mantido entre as equipes de projeto ¢ de construgao, para que agdes Corretivas possam ser discutidas a qualquer momento, do modo mais gil possivel. Um empenho especial ¢ freqiientemente exigido para manter esse canal aberto, porque as duas equipes, as vezes, evitam uma comunicagao franca ¢ também porque 0 contrato do projeto pode ter terminado. Preparativos devem ser realizados para estabelecer como as partes serao informadas das ag6es corretivas planejadas. 1.6 Atribuicao de tarefas nas fases de projeto, construgao e operacgao Quando da atribuigao de tarefas em um plano de auscultagao, a parte com o maior interesse nos dados deve receber a responsabilidade de supervisiond-los assegurando que sejam obtidos com a maior preci (0 possivel. Enfatiza-se nesse 26 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento ponto a importincia em manter a empresa projetista em {intima colaboragio com a equipe de instrumentagdo de campo, visto que, nas fases de construgao, enchimento do reservatério e operacao, é de relevante importancia a participagao de técnicos da empresa projetista, subsidiando os especialistas na area de auscultagao, para agilizar a anilise preliminar dos dados, providenciar uma rapida comparacao com os valores te6ricos, ajudar a esclarecer comportamentos anémalos ou discrepancias entre os valores teéricos e medidos, propor o estudo de eventuais medidas corretivas etc. As varias tarefas envolvidas para completar com sucesso um programa de monitoragao, além da escolha dos participantes disponiveis para desempenhé-las, esto no Quadro 1.2. F titil completar esse quadro durante o estagio de planejamento, com a indicagao da parte responsavel de cada tarefa. Quadro 1.2 Atribuigao de tarefas Concepgao do plano de auscultagao “Aquisiga0 dos insirumenios - ecalibragdes de fabrica Instalagao dos instrumentos fanutencdo e calibragac a dos er Selegao e atualizacéio do programa de aquisi¢ao dos dados Processamento @ apresentacao dos dados ee e e elaboragio de ficos Decisao pela implementacao das recomendagdes e das medidas corretivas Fonte: Dunnicitt, 1993 Varias tarefas envolvem a participagao de mais de uma das partes. O especialista em instrumentacdo pode ser funciondrio do proprietario ou de uma empresa especializada, ou pode ser um consultor qualificado com experiéncia de pelo menos duas décadas em instrumentacao geotécnica. Todas as tarefas atribuidas ao especialista em instrumentagaio devem estar sob a supervisdo de um Gnico profissional. 1.0 Planejamento dos Programas de Monitoragio Geotécnica 27 Se a seguranga de uma barragem depende das medigoes realizadas, 0 requisito para que pessoas experientes cuidem da instrumentagio é duplamente importante. A supervisao da implementagio do plano de auscultacao de uma obra de barragem por um especialista em instrumentacdo, com pelo menos 20 anos de experiéncia nessa atividade, é de fundamental importincia para 0 sucesso do plano. Vale lembrar a quantidade de instrumentos atualmente disponiveis no mercado, as freqiientes modificagGes e os aprimoramentos que eles vém sofrendo, a importancia de conhecer 0 desempenho dos instrumentos em condigdes reais de obra etc. Esse dinamismo decorre do desenvolvimento de novos materiais e de novos sensores, como os instrumentos de fibra 6ptica, que, ao nao serem afetados por manter-se descargas atmosféricas ou altas sobre tensdes na rede, constituem instrumentos de grande potencial para a instrumentagdo geotécnica. Portanto, a experiéncia com esses instrumentos em outras barragens e obras similares seré de inestimavel valor € sé poderé ser acumulada por um especialista que atua especificamente na Area de instrumentagao de auscultagao de barragens. A selegao e aquisi¢o dos instrumentos, calibragdo na fabrica, instalagéio, calibragao regular in situ, manutengao, coleta, processamento e apresentacao dos dados devem, preferencialmente, estar sob controle direto do proprietario ou do especialista em instrumentagao, selecionado pelo proprietério. Quando qualquer uma dessas tarefas é desempenhada pelo empreiteiro, a qualidade dos dados é freqiientemente duvidosa, conforme destacado por Dunnicliff (1993), de acordo com sua experiéncia em varias barragens nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Franga, mais particularmente. No Brasil, a partir do momento que a instrumentagdo das barragens passou a ser tarefa designada ao empreiteiro, conforme ja ocorria nos empreendimentos internacionais, foram observadas algumas experiéncias bem-sucedidas e outras, infelizmente, malsucedidas. Como experiéncias bem-sucedidas, cita-se a instrumentacao das usinas hidrelétricas de [té, em Santa Catarina, e de Itapebi, na Bahia, nas quais 0 cons6rcio construtor subcontratou uma empresa especializada na instrumentagio de barragens e obteve resultados promissores, seguros e confidveis. Jana construgao de outras hidrelétricas, nas quais 0 empreiteiro, ao invés de contratar uma empresa especializada, resolveu ele mesmo instalar os instrumentos de auscultagao, a experiéncia foi frustrante em muitos aspect »s, devido ao elevado niimero de instrumentos danificados ou com comportamento anémalo. Quando um empreiteiro decide providenciar a instalagao da instrumentagio por conta propria, é como entregar aum mecAnico de equipamentos pesados (tratores de esteira, caminhdes fora de estrada etc.) 0 conserto de um reldgio suico; por mais capacitado que seja esse mecanico, evidentemente nao estar preparado para lidar com um equipamento fragil, como um relégio suico. A interpretagao e a andlise dos dados devem ser de responsabilidade direta do proprietério, do consultor do projeto ou do especialista em instrumentagao, selecionado a | | 28 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Torra e Enrocamento pelo proprietario. O Quadro 1.3 fornece um exemplo de atribuigao de tarefas em um programa de monitorago supervisionado pelo proprietirio. Contudo, nao deve ser utilizado como “livro de receitas”, sendo meramente um exemplo, pois as necessidades de cada empreendimento devem ser consideradas individualmente. Ao completar 0 Quadro 1.2, pode se tornar evidente que a equipe nio terd disponibilidade para todas as tarefas, 0 que leva ou & contratagdo de uma equipe adicional ou a uma mudanga de diregao do plano de auscultagao. Por exemplo, se 0 grupo disponivel para coleta de dados é insuficiente, pode ser adequado optar pelo uso de sistemas automaticos de aquisig&o de dados, decisdo essa que afetard a selegao dos instrumentos de auscultagdo e implicard na necessidade de instalagao de equipamentos adicionais, como, por exemplo, de unidades de aquisigao remotas. Quadro 1.3 Exemplo de atribuicdo de tarefas para um programa de monitoragaéo executado pelo proprietario Concepgao do plano de auscultagao e calibragao de fabrica Instalagao dos instrumentos -Manutengao e calibragao periédica dos instrumentos — Estabelecimento da programagao de coleta de . . dados " Aquisigao dos dados Processamento & apresentagao dos dados " Anilise e elaboracao de relat6rios periédicos « Decisdo peta implementagao das ° . recomendagées e das medidas corretivas Fonte: Dunniciiff, 1993, A atribuigao de tarefas deve incluir o planejamento dos canais de informacao e integragdo. Atribuigdes devem indicar claramente quem assume toda a responsabilidade, assim como a autoridade contratual para implementar as recomendagdes ou medidas corretivas eventualmente necessati 1 O Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 29 1.7 Selec&o dos instrumentos de auscultagao As seis etapas precedentes devem ser finalizadas antes que os instrumentos estejam selecionados. Os varios tipos de instrumentos de auscultagdo de barragens sao descritos nos itens a seguir, € os principais fornecedores comerciais estao listados no Apéndice B. Ao selecionar os instrumentos, o principal aspecto almejado é sua confiabilidade, visto estar em jogo a supervisio das condigdes de seguranga de uma barragem, cuja ruptura pode trazer conseqiiéncias devastadoras. Inerente A confiabilidade dos instrumentos est4 sua maxima simplicidade, sendo que, em geral, os transdutores podem ser classificados pela seguinte ordem de simplicidade e confiabilidade: * 6pticos * mecinicos * magnéticos * hidraulicos + pneuméticos * corda vibrante * fibra éptica O baixo custo de um instrumento nunca deve ser 0 tinico quesito utilizado no processo de selegao, ¢ é improvavel que um instrumento mais barato resulte em um custo total menor. Ao avaliar a economia de instrumentos alternativos, 0 custo de todas as etapas deve ser ponderado: aquisigao, calibragao, instalagao, manutengao, ‘operago e processamento dos dados. E responsabilidade dos usuarios desenvolver um nivel adequado de compreensao dos instrumentos que eles selecionaram, freqiientemente, beneficiando-se ao discutir suas aplicagdes com os engenheiros ou gedlogos da equipe de produgao. Eles devem discutir, tanto quanto possivel, sobre as aplicagGes e limitagdes dos instrumentos sugeridos. Em nosso pais, todavia, ha alguns fornecedores de instrumentos que se preocupam apenas com o fornecimento do equipamento em si, sem um acompanhamento adequado de seu comportamento na pratica, para detectar quais sdo os pontos fracos ou falhos, que poderiam ser aprimorados em novas verses do aparelho. Destaca-se a seguir um comentario feito pelo Dr. Stanley Wilson (proprietatio da Slope Indicator Co., de Seattle, Estados Unidos, e que concebeu 0 inclinémetro), em outubro de 1974, durante © curso de “Instrumentagdo de Barragens de Terra-e Enrocamento”, ministrado no Laboratério da Cesp, em Ilha Solteira: “o tempo necessdrio para 0 desenvolvimento de um instrumento de auscultaco geotécnica, desde sua concepeao e fabricacao inicial até seu aprimoramento em condigdes reais de campo é de, pelo menos, cinco anos”. A experiéncia tem revelado que, de fato, é isso 0 que acontece e, mesmo atualmente, apesar de todo avango tecnolégico e dos novos materiais que surgiram, o tempo para o aperfeigoamento pratico de um instrumento continua sendo da ordem de cinco anos, pois, por mais que se esmere no 30 Instrumentagdo ¢ Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento projeto e confecgao de um instrumento geotécnico, somente apds sua instalagéo na obra € seu acompanhamento durante alguns anos é que serd possivel avaliar seu desempenho e verificar as modificagdes que se fazem necessérias para melhoré-lo sob condigdes reais de uso. Os instrumentos devem ter uma prova de seu bom desempenho no passado e devem sempre assegurar a maxima durabilidade, no ambiente em que foram instalados. O meio ambiente em barragens € normalmente agressivo e, infelizmente, alguns instrumentos nao sao adequadamente bem projetados para uma operagao confidvel em tais circunstancias. O Quadro 1.4 apresenta uma relagao dos principais aspectos ambientais, que podem afetar 0 desempenho dos instrumentos de auscultagao geotécnica. O transdutor, a unidade de leitura e o sistema de comunicagao entre o transdutor e essa unidade devem ser analisados separadamente, porque diferentes critérios devem ser aplicados a cada um deles. Quadro 1.4 Ambientes dos instrumentos 10. Perda da acessibilidade dos instrumentos, quando cobertos por rocha, solo, concreto projetado ou outros suportes, em taludes e obras subterraneas Fonte: Dunniciff, 1993. A selegao dos instrumentos deve reconhecer qualquer limitag3o na qualidade quantidade da equipe disponivel, identificada ao completar 0 Quadro 1.4, ¢ deve considerar tanto as necessidades e condigdes de construcdo, como as de longo prazo, que surgirao durante a operacao da barragem. Critérios para as duas fases podem ser diferentes ¢ demandar a selegao de diferentes métodos de instrumentagio. Uma barragem ¢, atualmente, concebida para operar ao longo de pelo menos 50 anos, de modo que um bom plano de auscultag’o deva operar adequadamente durante essas cinco décadas. As barragens passam a “envelhecer” apés as trés primeiras décadas, quando, entao, alguns dos instrumentos de auscultagio se apresentam deteriorados, necessitando, dessa forma, de uma “reinstrumentagao”, ou scja, uma avaliacdo minuciosa de quais sao os instrumentos ainda confidveis, quais podem ser desativados em definitivo (pois ja se encontram com a vida titil comprometida) ¢ quais devem ser substituidos por outros mais novos. 1 0 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 31 Outro objetivo da selegao de instrumentos inclui a minima interferéncia com a construgao da barragem, assim como minimas dificuldades de acesso durante a instalagao eas leituras subseqiientes. Instrumentos que implicam subida de tubulacdes verticalmente, tais como os medidores de recalque, os inclinémetros, os piezémetros standpipe, devem ter sua locacao adequadamente analisada na fase de projeto, para evitar muitas interferéncias na praga de compactagdo das barragens de terra ou enrocamento, particularmente na etapa final, quando, entdo, a praga torna-se cada vez mais estreita. Os instrumentos de auscultagao sao, entretanto, de grande valor para a supervisdo das condigdes de seguranga da barragem, devendo ser ajustados a um ntimero minimo, porém, razoavel e adequado para a boa supervisao do desempenho das estruturas civis de barramento. A necessidade de um sistema automiatico de aquisigio de dados deve ser analisada, ¢ as informagdes obtidas devem ser selecionadas, respeitando a freqiiéncia planejada e a duracao das leituras. Sofisticagdo e automagio desnecessarias precisam ser evitadas. Devem ser feitos planos de agdo para eventuais falhas em qualquer parte do sistema de automacao, bem como a determinagao da necessidade de elementos adicionais e de unidades de leitura reservas. O tempo gasto para a entrega do instrumento e o tempo disponivel para sua instalagao, dentro do cronograma de obra, podem eventualmente afetar a selecao do instrumento. Se um instrumento que nado foi adequadamente testado é selecionado, todos devem aceitar sua natureza experimental e 0 maximo suporte deve ser assegurado. 1.8 Localizacao dos instrumentos A escolha da localizagao dos instrumentos deve refletir os comportamentos previsiveis da barragem e de sua fundacao, devendo ser compativel com os métodos de andlise que, posteriormente, serao utilizados no exame dos dados obtidos. Andlises de Elementos Finitos sao geralmente tteis na identificagao de locais criticos ¢ orientagdes preferenciais sobre a locagdo dos instrumentos. Por exemplo, na instrumentacao da Barragem de Enrocamento com Face de Concreto (BEFC) de Xing6, ocorreu inicialmente a locagio dos medidores elétricos de junta entre lajes, na regido das ombreiras, onde normalmente ocorrem zonas de tragdo, tendo por base a conformagao das ombreiras ¢ a experiéncia com outras BEFC. Posteriormente, a partir dos resultados de modefos matematicos - que foram realizados para a investigagdo do comportamento da laje durante a fase de enchimento do reservat6- rio —, péde-se determinar teoricamente a locagdo exata da zona tracionada horizontalmente, procedendo-se, entdo, & locacdo dos medidores elétricos de junta na regiao mais central dessa zona. Isso se mostrou, posteriormente, em perfeita sintonia com 0 comportamento do prototipo, pois as maiores aberturas entre lajes ocorreram exatamente na regido das maiores tensdes de tracao, conforme indicago dos modelos matemiaticos. 32 Instrumentagéo e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento Uma solugio pratica para a selegdo da localizacao dos instrumentos deve envolver trés passos basicos. Primeiramente, a identificagao de areas de risco (tais como areas estruturalmente frageis, com carregamentos mais intensos, ou onde as maiores pressdes d’4gua intersticial so esperadas), para receber a instrumentagdo apropriada. Se no hd tais dreas, ou se os instrumentos sao instalados também em outros locais, um segundo passo deve ser tomado: é€ feita a selegdo de dreas, normalmente segdes transversais, nas quais 0 comportamento previsivel é considerado representativo do comportamento geral do protétipo. Ao considerar quais dreas so representativas, variagdes tanto da geologia como dos procedimentos construtivos devem ser levadas em conta. Essas segdes transversais sdo, entdo, consideradas como segdes instrumentadas primérias, sendo os instrumentos locados para fornecerem dados de desempenho geral. Deve haver, no minimo, duas dessas segdes. Terceiro, como a selegéo de dreas representativas pode estar incorreta, a instrumentacao deve ser instalada também em um ntimero de segdes instrumentadas secundérias, para servir como comparagao de comportamento. Na instrumentacao da barragem de terra do Jaguari, da Sabesp, localizada no rio Jaguari, nas proximidades de Braganca Paulista, optou-se pela instalagdo de algumas células piezométricas na regido de uma junta longitudinal, deixada no aterro em fungao do alteamento da barragem em duas etapas. Na instrumentacdo da barragem de terra para contenciio de rejeitos do Morro do Ouro, da Rio Paracatu Mineragao -A., localizada em Paracatu, Minas Gerais, optou-se pela instalagao dos piezémetros macigos nas juntas longitudinais de construgao (Fig. 1.1), resultante das diferentes etapas em que o projeto foi executado, conforme se pode depreender do trabalho de Borges et al. (1996). 586,00 Hl PZ4-10 Fig. 1.1 Locagao dos piezémetros na segao da Est. 63+00 da barragem Morro do Ouro 1 0 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 33 Ao longo da segao longitudinal da barragem, é importante que a seco de maior altura seja instrumentada, em fungao das maiores tensdes internas 4 barragem, assim como da maior presso hidrostatica a montante. Na regido das ombreiras, deve-se determinar uma segao transversal em cada uma delas, pois, mesmo que a barragem apresente uma geometria simétrica ao longo da longitudinal, seu comportamento costuma apresentar diferengas marcantes entre uma ombreira e outra, em decorréncia das alteragées do solo entre areas de empréstimo diferentes, e de alteragOes entre os periodos do ano em que as mesmas sao construidas. Particularmente em BEFC é muito diferente 0 comportamento das juntas de construgao das duas ombreiras. As locagoes, geralmente, devem ser selecionadas de modo que os dados possam ser obtidos 0 mais cedo possivel durante o processo de construgao. Os piezmetros standpipe previstos para a regiio das ombreiras devem ser instalados tio logo haja condigées para tal, pois fornecerao informagées valiosas sobre a posicao do nivel fredtico e de suas variagdes entre as estagdes de chuva e de estiagem. Piez6metros instalados na ombreira esquerda da barragem de Agua Vermelha, por exemplo, bem antes do enchimento do reservatério, revelaram flutuagGes do nivel fredtico da ordem de 6,0 mea a 7,0 mea (metros de coluna d’4gua) ao longo do ano, que ajudaram a entender 0 comportamento de algumas surgéncias ocorridas nessa ombreira ap6s a fase de enchimento do reservatério. Devido a variabilidade inerente ao solo e a rocha, é desaconselhavel confiar em um tinico instrumento como indicador de desempenho. Onde for possivel, a locagao deve ser organizada para permitir verificagdes cruzadas entre tipos diferentes de instrumentos. Por exemplo, se tanto 0 recalque de subsuperficie como a pressao d’4gua nos poros forem medidos em uma argila sujeita A consolidacdo, piezdmetros devem ser locados a meia altura entre os pontos de recalque. Nas BEFC de Xingé e de Ité, por exemplo, onde uma mesma segio transversal dispunha de células de recalque instaladas horizontalmente ao longo de trés cotas, assim como de medidores: magnéticos de recalque instalados verticalmente, um mais a montante e outro a jusante, pOde-se comparar os recalques medidos por esses dois instrumentos. Tal comparagio, conforme se pode observar na Fig. 1.2, mostrou uma significativa diferenga entre as medidas em decorréncia da perda parcial dos dados provenientes das células de recalque, uma vez que suas leituras s6 puderam ser iniciadas alguns dias apés sua instala 0, quando as tubulagdes estavam estendidas até jusante, as camadas de transigio executadas e instalada a cabine. J4 os medidores magnéticos nao enfrentaram semelhante problema, fornecendo os recalques desde os instantes iniciais. Foram observadas diferengas de recalque de 155 mm, para a célula mais a montante, e de 390 mm, para a célula de jusante, na regiao mais deformavel do enrocamento, conforme mostra a Fig. 1.2. ssa constatacao foi de relevante importancia, devido a necessidade de abreviar ao maximo 0 tempo necessério para a instalagdo das células de recalque ¢ 0 inicio das medigdes de recalque em uma cabine proviséria, até que houvesse condigdes de transferéncia das leituras para a cabine definitiva 34 Instrumentagéo e Seguranca de Barragens de Terra e Enrocamento 39,0 | 43,5m. Mm-2 PLIO PLO de Célula hidraulica + Medidor magnético de recalque 4.000 800 600: 400 CR-11/CR-12 CR43 200 Células hidréulicas Células hidraulicas 0 200 400 600 800 1.000 © 200 400 600 800 1.000 42001.400 (mm) (rum) Medidor magnético MM-1 Medidor magnético MM-2 Fig. 1.2 Comparacdo entre os recalques medidos pelas células de recalque e medidores magnéticos na BEFC de Xingo A experiéncia adquirida durante a elaboragdo do projeto de instrumentagio de varias barragens no Brasil, assim como de algumas no exterior, revelou que as segdes inicialmente selecionadas para a locagdo dos instrumentos, geralmente concebida na fase de Projeto Basico da barragem e, posteriormente, ajustada e aprimorada na fase de Projeto Executivo, devem ser complementadas por outros instrumentos durante a execucio da obra. Esses ajustes e complementagdes decorrem das informagées de Ambito geolégico-geotécnico, que sao obtidas durante o desenrolar das escavag6es. Por mais elaborado que tenha sido 0 plano de investigagdes das fundagées, através de sondagens, pogos de prospecgao, valetas de investigagio etc., existem sempre anomalias e detalhes que escapam dessas investigagbes e que s6 s40 revelados apés a sua exposigao nas paredes ¢ superficies de fundo das escavagées. Cita-se, por exemplo, a existéncia de um plano de falha subvertical nas fundagGes da barragem de terra do 1 0 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 35 Jacaref, da Sabesp, com cerca de 60 m de altura maxima, que s6 foi descoberto apés © desvio do rio e a limpeza das fundagoes para assentamento. Tao logo a falha foi | noticiada pela equipe de projeto, os responsdveis pelo plano de instru-mentacao incorporaram uma nova se¢ao instrumentada na barragem, integrada por piezémetros de fundacgio e de macigo, e coincidente com o plano de falha. Destaca-se que 0 plano de falha se posicionava aproximadamente na direcdo montante-jusante e que, em fungdo do maior fraturamento e alteragio da rocha na regio falhada, era conveniente uma observaciio detalhada de seu comportamento na fase de operagdo da barragem. 1.9 Registro dos fatores que podem influenciar os dados medidos Raramente as medigdes so suficientes para fornecer conclusdes titeis. O uso de instrumentagao, em geral, envolve a relagao das medigGes com suas causas. Portanto, documentacées e didrios completos devem ser mantidos de todos os fatores que possam causar alteragdes nos pardmetros medidos. Os instrumentos instalados no aterro de uma barragem ou em sua fundagao sao normalmente influenciados pelos niveis d’4gua de montante e/ou de jusante, pela ocorréncia de chuvas no perfodo, pelas variacdes de temperatura, pela evolugao do alteamento do aterro etc. Todos esses fatores devem ser minuciosamente registrados e, preferencialmente, apresentados com o relatério de dados da instrumentacao, para facilitar sua andlise. Constatagdes de comportamentos esperados e ndo usuais devem também ser documentadas. Documentagées de geologia e de condigdes de subsuperficig, tais como o mapeamento geoldgico da superficie das fundagdes, devem ser guardadas. Detalhes da instalagao de cada instramento devem ser documentados nos relatorios de documentagao da instalagdo, porque condigdes locais ou nao usuais normalmente influenciam as varidveis medidas. Na instrumentagio da barragem de Agua Vermelha, da Cesp, executada entre 1974 e 1978, eram preparados relatéri completos ao final da instalacdo de cada tipo de instrumento da barragem de terra (piezometros de fundag’o, células piezométricas do aterro, medidores de recalque, inclinémetros, medidores de vazao etc.), 0 que veio facilitar e enriquecer a andlise e interpretagdo da instrumentagao durante os periodos de enchimento e operagdéo do reservat6rio. 7 1.10 Estabelecimento dos procedimentos basicos para assegurar a precisao das leituras A equipe responsavel pela instrumentagao deve ser capacitada a responder & questo: 0 instrumento esta funcionando corretamente? A habilidade para responder depende da disponibilidade de boas evidéncias, para as quais o planejamento € exigido. A resposta pode, as vezes, ser fornecida por observacées diretas. Por exemplo, a i 36 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento deteceao visual de fissuras no topo de um talude, onde os inclinémetros esto indicando grandes deslocamentos horizontais, é de fundamental importéncia para uma andlise mais abrangente do fendmeno. Por outro lado, a ocorréncia de um sinkhole na crista de uma barragem, como ocorreu na barragem canadense de Bennett, s6 pode ser adequadamente investigada por meio de instrumentos adicionais, instalados no filtro inclinado da barragem, a jusante. Em situagées criticas, instrumentos duplicados podem ser utilizados. Um sistema de apoio é freqiientemente titi] e fornecerd uma resposta para a questéo, mesmo quando sua precisao é significantemente menor do que a do sistema primario. Por exemplo, observagées diretas podem ser utilizadas para examinar a precisio de movimentos aparentes na superficie sobre a qual estao instalados os instrumentos que monitoram as deformacdes em subsuperficie. A precisio dos dados pode também ser avaliada pelo exame de consisténcia entre os mesmos. Por exemplo, as pressdes neutras de perfodos construtivos estao, normalmente, associadas ao processo de adensamento que ocorre durante a elevagao do aterro, enquanto a dissipagdo da pressdo d’4gua intersticial deve estar coerente com as paralisagdes da construg’o ou o término da construgdo da barragem. Na fundago, o aumento da pressao d’dgua intersticial deve estar coerente com os recalques medidos e com o carregamento imposto pela construgao do aterro. Repeticdes podem também dar uma pista da precisao dos dados, ¢ € util fazer varias leituras em um pequeno periodo de tempo, para descobrir se a falta de repetigdes indica dados suspeitos ou nao. Certos instrumentos possuem elementos que permitem uma checagem in loco realizadas regularmente. Por exemplo, testes de permeabilidade podem ser feitos em piezOmetros de tubo, para examinar seu correto funcionamento; alguns instrumentos tém transdutores duplos; os inclinémetros podem ter suas medidas verificadas por meio de leituras realizadas diretamente e com 0 sensor girado em 180°, conforme procedimentos usualmente empregados e recomendagées do fabricante. A partir do momento em que em um determinado trecho do inclindmetro se observar um deslocamento cisalhante concentrado, novas leituras devem passar a ser realizadas em profundidades intermedidrias, nesse mesmo trecho, para uma melhor avaliagio das deformagGes cisalhantes e deteccao de uma eventual superficie de escorregamento. 1.11 Preparo do orgamento Mesmo que o planejamento das tarefas de instrumentagao nao esteja completo, um orgamento deve ser preparado nessa etapa, para todas as tarefas listadas na Tabela 1.2, a fim de assegurar que os recursos estejam realmente disponiveis. Um erro freqiiente na preparagao do orgamento é subestimar a duragao do projeto e os custos reais da coleta e do processamento de dados. Se fundos suficientes nao estiverem disponiveis, o programa de instrumentagaio pode ter que ser reduzido ou fundos 10 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotéenica : 37 adicionais solicitados ao proprietério em tempo oportuno. Obviamente, uma aplicagao para mais fundos deve ser justificada por razdes que possam ser defendidas e claramente explicadas. : 1.12 Preparo das especificacées e lista de materiais para aquisicao Tentativas de usudrios em projetar ¢ produzir instrumentos, geralmente, nao tém sido bem-sucedidas. Os instrumentos devem, portanto, ser adquiridos de produtores reconhecidos, para os quais as especificagSes de compra sao, normalmente, requeridas, conforme experiéncia dos paises mais desenvolvidos. Atualmente, os requerimentos para a calibragdo de fabrica devem ser determinados e¢ testes de aprovagao planejados, para assegurar 0 correto funcionamento, quando os instrumentos sio recebidos pela primeira vez. A responsabilidade pelos testes de aprovagio de desempenho dos instrumentos deve ser destinada a um membro da equipe de campo. 1.13 Planejamento da instalacgao Procedimentos de instalagdo devem ser bem planejados, antes da determin: das datas de instalagao, e devidamente ajustados ao cronograma das obras. Procedimentos escritos devem ser preparados passo a passo, tendo como base 0 manual de instrugdes do produtor e 0 conhecimento do projetista sobre as condi¢des geotécnicas locais. Os procedimentos escritos devem incluir uma lista detalhada de materiais e equipamentos requeridos, e folhas de documentagao da instalagdo devem ser preparadas, para documentar todos os fatores que podem influenciar os dados medidos. O fato de que a equipe do proprietario instalaré os instrumentos ndo elimina anecessidade de procedimentos escritos. No Brasil, infelizmente, os procedimentos escritos nao sao rotineiramente empregados, o que, algumas vezes, tem implicado planos de instrumentagdo insatisfat6rios e com freqiientes falhas O treinamento dos funcionérios deve ser planejado e exercido por técnicos com nivel secundario completo. Planos de instalagdo devem ser coordenados com a empresa de construgao contratada e os preparativos feitos para 0 acesso e a protecao contra danos dos instrumentos instalados, particularmente durante os periodos noturnos de construgao. 1.14 Manutencao periddica e eventual calibracao A leitura de um instrumento ¢ util apenas se a correta calibragdo é conhecida. Sao freqiientes alteragdes da leitura “zero” ¢ variagdo de escala dos transdutores de acordo com o tempo, devido ao desgaste natural, a fluéncia dos materiais, penetracao 38 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento de umidade e corrosio. Se essas alteragdes nao forem levadas em conta, todo 0 programa de monitoragao poderd se tornar de pouca valia. Para a minimizacao desses efeitos, todos os instrumentos devem ser calibrados e mantidos adequadamente. A calibragao consiste na aplicag’io de pressées, cargas, deslocamentos, temperaturas conhecidas a um instrumento, sob condigdes ambientais controladas, medindo-se a resposta nas medigGes realizadas. Dunnicliff (1993) destaca que a calibragao de um instrumento é exigida em trés etapas: antes do envio do instrumento para a obra (teste de fabrica), quando o instrumento é recebido (teste de aceitagdo) e durante sua vida itil. No teste de fabrica, os instrumentos sao calibrados imediatamente apdés sua confecgao, antes do empacotamento e envio para a obra. A experiéncia tem mostrado que a calibracao na fabrica € minima e pode ser incompleta e insuficiente. A responsabilidade por essa deficiéncia nao é dos fabricantes, mas, sim, dos clientes, ao optarem por processos de licitagdo a prego minimo. Uma forma de assegurar calibrag6es de fabrica mais bem elaboradas seria 0 cliente optar pelo acompanhamento e participacdo nessas calibragées, particularmente quando se tratar de instrumentos de concepgao nova, cuja calibragio nao poder ser realizada apropriadamente no laboratério da obra. Os instrumentos passam, entre a fabrica e o local de instalagao na obra, por processos de empacotamento, transporte rodovidrio, aéreo ou marilimo, operagdes de carregamento e descarregamento, empilhamento etc., de modo que devem ter seu desempenho verificado tao logo sejam recebidos pelo cliente, para assegurar seu perfeito funcionamento apés a instalagao. Os testes de aceitagdo, normalmente realizados nos pafses mais desenvolvidos, sao de grande importancia para assegurar © bom desempenho do plano de auscultagao da barragem, no entanto, nem sempre esses testes sao realizados no Brasil. Todo instrumento que apresentar falhas ou mau funcionamento nos testes de aceitacao deve ser devolvido ao fabricante, para reposi¢ao, com a descri¢o pormenorizada da falha observada. Calibragées e testes de verificagio das unidades de leitura sio normalmente requeridos durante a vida ttil do instrumento. Esses testes sao realizados pelos técnicos responsdveis pela leitura da instrumentagdo e devem ser supervisionados por um especialista em instrumentagao, a ser designado pelo cliente. As unidades portateis de leitura sao vulneraveis a alteragdes na calibragao, em decorréncia do freqiiente manuseio, utilizacao por diferentes pessoas, impactos eventuais, insolagao direta e falta de manutengao regular. A calibracéio periddica das unidades de leitura deve ser realizada, preferencialmente, na propria fabrica. Também os manémetros instalados permanentemente in situ, para a leitura de piezGmetros tipo standpipe, exigem de tempos em tempos calibragdes para a comprovacao de seus desempenhos, as quais devem ser realizadas em laboratério. A manutengao regular requerida durante a vida ttil do instrumento é usualmente realizada pelo responsavel da coleta de dados, devendo estar sob 0 controle direto do 1 0 Planejamento dos Programas de Monitoragao Geotécnica 39 proprictério ¢ sob supervisdo periédica de um especialista em instrumentacdo. Os técnicos envolvidos na leitura devem receber instrugdes apropriadas sobre as observacées a serem realizadas durante 0 manuseio dos instrumentos, cuidando minuciosamente de sua limpeza, protego contra corrosao, lubrificagao, troca de pegas ou dobradigas defeituosas etc. Cada tipo de instrumento exige procedimentos apropriados para sua correta manutengio, que devem constar das especificagdes detalhadas fornecidas pelo fabricante. 1.15 Planejamento das etapas desde a aquisicao até os relatérios Nao deve ser subestimado 0 empenho requerido para tarefas, como procedi- mentos por escrito para a coleta, processamento, apresentagao adequada e interpretagao dos dados. Muitas empresas proprietérias de barragens tém arquivos repletos de grande quantidade de dados parcialmente processados, ou nao processados, porque nao houve tempo ou fundos suficientes para tais tarefas. O computador é uma ferramenta fantastica, mas nao uma panacéia O treinamento de funciondrios deve ser planejado, a fim de assegurar que agées corretivas tenham sido planejadas, que a equipe responsdvel pela andlise e interpretacaio dos dados da instrumentagao tenha autoridade contratual para iniciar ages corretivas, que os canais de comunicagao entre as equipes de projeto e de construgao estejam funcionando, e que os preparativos foram feitos para alertar todas as partes do plano de acées corretivas escolhido. Experiéncias com a terceirizacio das tarefas de leitura dos instrumentos de auscultagéo de barragens brasileiras, op¢o de proprietdrios de grandes usinas hidrelétricas, revelaram resultados frustrantes, comprometendo seriamente a qualidade dos dados obtidos durante um perfodo de até dois anos, durante 0 qual a supervisio das condigdes de seguranga da barragem esteve seriamente comprometida. Evidentemente que tal operacdo pode ser terceirizada, desde que se planeje adequadamente a contrataco e o eventual treinamento das pessoas que ficario responsdveis pela operagio e manutengao dos instrumentos. Caso contrario, todo o investimento na elaboragao de um bom projeto, na aquisigao de instrumentos de boa qualidade, na sua calibragao ¢ instalacdio em condigdes adequadas poderd ser anulado pela realizagao de leituras sem qualquer precisao ou confiabilidade. 1.16 Orcamento atualizado O planejamento neste momento estaria completo, e 0 orgamento para todas as tarefas listadas no Quadro 1.2 deveria ser atualizado, & luz de todos os passos planejados 2 j= Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida Full benefit can be achieved from geotechnical instrumentation programs only if every step in the planning and execution process is taken with great care. Dunnicliff, 1993 2.1 Introducgao A instrumentagio € utilizada para medigdes, e cada medida realizada envolve erros € incertezas. O propésito deste capitulo € definir os termos associados com as incertezas, no sentido de examinar os varios tipos de erros que podem afetar uma medigao, e sugerir como podem ser atenuados. Quando da selegao de um instrumento de medic&o, 0 usuario deve avaliar as caracteristicas de desempenho apresentadas nos catélogos, de modo que julgue a adequagdo do instrumento ao uso que pretende fazer dele. No momento da interpretagao dos dados obtidos, o desempenho especificado deve ser levado em consideragao, para diferenciar uma leitura com importancia e seriedade de desvios sem significado. A compreensio da performance especificada é, portanto, importante para a obtengao de bons resultados no programa de monitoragao. Dentre as principais caracteristicas dos instrumentos de medigdo, estio 0 campo de leitura, a resolugao, a precisio, a acuricia e a repetibilidade. Como essas propriedades, As vezes, sio confundidas, suas definigdes esto ilustradas na Fig. 2.1 ¢ sao discutidas a seguir. 2 Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida_ a Repetibilidade Erro aleatorico Erro sistematico (polarizacao bias) \ \ \ Erro total (acuracia) \ Erto grosseiro Fig. 2.1 Terminologia referente ao desempenho dos instrumentos 2.2 Caracteristicas dos instrumentos Apresentam-se a seguir as principais caracteristicas dos instrumentos de medigao ede sua conceituagao basica, incluindo os de suas leituras. ris tipos de erros que afetam a realizagao Conformidade Em condigées ideais, um instrumento de medida nao deve alterar 0 valor do parametro a ser medido. Se de fato o instrumento altera o valor, diz-se que ele apresenta baixa conformidade. Por exemplo, extensémetros fixos para furos de sondagem e qualquer injegao nas adjacéncias deverio ser suficientemente deformaveis, de modo que nao inibam a deformabilidade do solo ou da rocha. Uma célula de pressao total embutida em um aterro de barragem deve, em condigdes ideais, apresentar a mesma deformabilidade do solo em que foi instalada. De modo complementar, 0 ato de perfurar uma sondagem ou compactar 0 aterro em torno do instrumento nao deve implicar uma alteracdo significativa das condigées geolégicas locais. Assim, os piezémetros nao devem criar condigdes de drenagem localizada que reduzam as poropressdes @Agua a valores menores que os encontrados nas adjacéncias. Conformidade é um ingrediente desejavel para obter alto grau de acurécia. Acuracia Acuracia representa 0 grau de aproximacio de uma medida em relagao ao valor real (absoluto) da grandeza medida, é sindnimo de grau de exatidao. A acuracia 42 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento de um instrumento é avaliada durante sua calibragao, quando, entao, o valor verdadeiro € aquele indicado por um instrumento cuja acurécia é verificada e ajustada a um valor-padrio. No Brasil, esse ajuste pode ser realizado, sempre que possivel, pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalizacao e Qualidade Industrial (Inmetro). A acuracia é expressa como um valor +, tal como + 1 mm, + 1% da medida ou + 1% do campo de leitura. A acurdcia especificada indica que o valor medido ir4 adequar-se ao valor absoluto dentro do intervalo estabelecido, ao longo do campo total de leitura, e das condigdes operacionais especificadas. A diferenga entre acurdcia e preciso é mostrada na Fig. 2.2. Quando se seleciona um instrumento com uma acuracia apropriada, todo o sistema deve ser considerado, incluindo a acurécia de cada um dos componentes e de cada fonte de erro. CS) Preciso, mas sem Nao preciso, mas a Preciso e acurado acuracia média é acurada Fig. 2.2 Acurdcia e precisao-dos instrumentos Precisao Representa a aproximagao de cada ntimero de uma série de medigoes s em relat imilares. 4 média aritmética. Precisio é sinénimo de reprodutibilidade ou repetibilidade. E comum se expressar a precisio como + um nimero. O ntimero de algarismos significativos de uma medida reflete a precisio da medigao; desse modo, + 1,00 indica maior precisao que + 1,0. Portanto, o registro de uma medida deve tefletir a precisdo do instrumento. O fato de um instrumento permitir uma medida com trés algarismos significativos nao é garantia de que tenha a acurdcia de + 0,1, ¢ € sem sentido se tentar obter uma medida com trés algarismos de um instrumento com uma acuracia de somente + 10%. Na Fig. 2.2, 0 alvo representa 0 valor verdadeiro. No primeiro caso, as medidas so precisas, mas sem acurdcia, como ocorre quando se usa uma trena com torgdes ou um manémetro com uma alteragao do zero. Tais erros sao sistematicos. No segundo caso, falta preciso as leituras, mas, se um ntimero suficiente de leituras for realizado, a média ser precisa. Tais erros sio randémicos. No terceiro caso, as leituras sio precisas e acuradas. Na instrumentagao de barragens, a precisao é usualmente mais [ | 2 Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida 43 importante que a acurdcia, porque a variagao, mais que o valor absoluto, é de maior interesse pratico. Resolucao A resolucao € a menor diviso no mostrador do instrumento. Ea menor variagao do parimetro medido, que pode ser detectada pelo instrumento, sendo, muitas vezes, menor que a preciso ¢ a acurdcia do instrumento; nunca deve ser expressa como + um valor. Em alguns casos, pode ser possfvel e conveniente se interpolar entre divisdes do mostrador, mas deve-se considerar que essa interpolagao € subjetiva e nado aumenta a resolucao do instrumento. Campo de leitura Especifica o maior e o menor valor que o instrumento esta projetado para medir. Por exemplo, 0 campo abrangido por um piezémetro pode ser de 0-350 kPa. Os valores a serem medidos devem estar contidos no campo-limite do instrumento. Caso © limite seja ultrapassado, corre-se o risco de danificagao imediata do instrumento, 0 que, portanto, deve ser evitado em um projeto bem concebido. Por span (amplitude) entende-se a diferenga aritmética entre o menor e 0 maior valor-limite. Por exemplo, um campo de + 50 mm equivale a um span de 100 mm: Span (Amplitude) O span representa a diferenca algébrica entre a leitura minima e maxima que pode ser realizada pelo instrumento. Por exemplo: * Campo de leitura: -25°C a +70°C, span = 95°C * Campo de leitura: 0 kPa a 110 kPa, span = 110 kPa Repetibilidade Representa 0 ajuste na concordancia de um numero de medigées consecutivas, uma com a outra, sob mesmas condigdes de operacdo. E expressa em unidades de engenharia, tal como | mm, ou como uma percentagem da amplitude (span). Linearidade Um instrumento é classificado como linear se os valores indicados pelas medigoes forem diretamente proporcionais 4 quantidade que esta sendo medida. Como ilustrado 44 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento na Fig. 2.3, a representagdo gréfica da correlagdo entre os valores indicados e os valores atuais é ligeiramente curva, por causa das limitagGes do instrumento. Se uma linha reta é representada neste grafico, de tal modo que as diferengas entre as linhas reta e curva sejam minimas, o afastamento entre elas (gap) € uma medida da linearidade. Dessa forma, uma linearidade de 1% do campo de leitura significa que 0 maximo erro cometido ao assumir um fator de calibragao linear sera de 1% da amplitude (span). Linha reta__ Curva de calibragao Valor indicado \ Este intervaloé a medida de linearidade Valor atual Fig. 2.3 Representagao grafica da linearidade de um instrumento Histerese Quando a medida esta sujeita a variagdes ciclicas, 0 valor medido depende, algumas vezes, da correspondéncia com 0 ramo ascendente ou descendente do ciclo de carga. Se essas relagdes forem representadas graficamente, como indicado na Fig. 2.4, a separacao entre as duas curvas é a medida da histerese. A histerese é Carregamento Bescarregamento Este intervalo é 2 medida da histerese Valor atual Fig. 2.4 Representagao grafica da histerese de um instrumento 2 Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida 45 normalmente causada pelo atrito ou condigdes de deformagao de um material elastico, como, por exemplo, um macico rochoso, cujo resultado poderd se refletir nas leituras de uma célula de carga para tirantes, no deslocamento de um péndulo direto etc. Instrumentos com grande histerese no so apropriados para a medic¢ao de parimetros submetidos a variagGes cfclicas ou freqiientes de carga. Sinal de saida (Output signal) Representa o sinal eletrénico produzido pelo instrumento e determina como seré lido. O sinal analégico mais comum e resistente € do tipo voltagem DC, corrente elétrica DC e freqiiéncia. O sinal digital mais comum é€ do tipo RS232 com saida serial e RS485 com sajfda serial. As especificagées devem incluir 0 intervalo do sinal de saida, como, por exemplo, +5 volts DC, 4-20 mA, e outros detalhes que determinem como 0 sinal deve s registrado. Constante de tempo Para ,sinal de saida de um sistema de primeira ordem, ao qual é aplicado um incremento no sinal de entrada, a constante é 0 tempo requerido para completar 63,2% da elevagao total ou queda do sinal. Bias Representa a média indicada pela medigdo de uma variivel, resultante de um niimero infinito de medig6es subtraido 0 valor atual da varidvel, conforme se pode observar na Fig, 2.1 Curva de calibragao Corresponde a uma representacdo grafica dos valores medidos versus os valores te6ricos da grandeza medida Fator escala FE 0 numero pelo qual o sinal de saida (output signal), medido em milivolts, miliampires, freqiiéncia, polinomial etc., deverd ser multiplicado para se obter a real ordem de grandeza da varidvel medida 46 Instrumentacao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento Ruido Ruvdo é um termo usado para designar variagdes de medida randémicas causadas por fatores externos que geram falta de preciséo e acurdcia. Rufdo excessive em um sistema pode mascarar pequenas e verdadeiras variagdes nas medidas. Interferéncias de radiofreqiiéncia emitidas por fontes de alta voltagem, TV ou radio constituem exemplos de fatores externos de rufdo. Outro parametro de grande importancia, mas que raramente € especificado pelo fabricante — ou mesmo consistentemente definido —, é a “estabilidade a longo prazo”, Como definido aqui, a “estabilidade a longo prazo” representa uma indicacao de alteragao no dado de saida (output) do instrumento, que ocorrerd ao longo de um perfodo especificado em anos, na auséncia de variagdes na medigao de entrada (input), seja ela uma pressdo, forga, deslocamento etc. Por causa dos longos perfodos de tempo envolvidos na aquisigao dos dados e da diversidade de fatores que podem contribuir para 0 desvio do dado de saida ao longo desse periodo, respostas precisas podem ser evasivas. Entretanto, publicagées que discutem a performance da instrumentagao de auscultagéo de barragens a longo prazo jé existem, podendo ser providenciadas pelos fabricantes dos instrumentos. Enquanto as especificagdes dos instrumentos definem a performance do instrumento, a performance total de um sistema de instrumentagao ¢ também uma funcdo do sistema de leitura ou do equipamento de aquisi¢ao de dados. Por exemplo, uma repetibilidade do instrumento de 1 mm pode ser equivalente a uma repetibilidade no sinal de saida de 1 mV. Se o aparelho de leitura (ou data logger) é incapaz de solucionar variagdes menores que 2 mV, a precisdo do dado registrado nao seré melhor que 2 mm. Ruidos eletronicos de fundo em cabos longos ou conex6es de radio entre o instrumento € 0 aparelho registrador podem também degradar a performance do instrumento. & muito importante avaliar as especificagdes combinadas do instrumento de medida e do sistema de aquisigao de dados e providenciar a eliminagao dos ruidos de fundo, se dados de alta resolugao devem ser obtidos. A avaliagdo prévia da ordem de grandeza dos valores maximos a serem medidos 6 de grande importancia na concepgao do plano de instrumentacao de uma barra- gem e é também onde a experiéncia ¢ fundamental. Em fungao desses valores, seleciona-se o campo de leitura dos piezémetros, medidores de recalque, das células de pressio total, dos medidores de vazao etc., possibilitando a escolha dos instrumentos que melhor se ajustem as grandezas a serem medidas, sem risco de perda do instrumento e procurando obter os dados com maxima preciso. A resolugao de um instrumento, ou seja, a menor variagao do pardmetro que pode ser medida pelo instrumento, depende do campo de leitura; portanto, quanto maior o campo de leitura, menor sera sua resolugao. O campo de Jeitura dos instrumentos nunca deve ser inferior aos valores maximos previstos, para ndo haver risco de danificagao do instrumento, Porém, ndo deve ser muito superior aos valores maximos medidos, para que pequenas variagdes sejam relatadas com maior precisao. 2 Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida 47 2.3 Erros de leitura Erro constitui o desvio entre o valor medido e o valor real. Assim, ele € matematicamente igual a precisdo. Erros surgem em fungao de varias causas distintas, descritas a seguir e sintetizadas no Quadro 2.1. Quadro 2.1 Causas e medidas corretivas para os erros de medigao Mais cuidado/atengao nepoites Trenamorts Erro grosseiro Fatha no registro Leituras duplicadas Dois observadores Comparagao com as leituras prévias _ Uso de calibraeao corret 3 Recalibragio _ Uso de padroes — - Uso de procediment consistentes Ero. computacional Selegdo de instrumento apropriado Detalhes de instalagao incorretos Modificagéo dos procedimentos de Erro de conformidade —_LimitagSes do instrumento de instalagao medicao Aprimoramento do projeto de instrumentagao Registrar as variagae: ~ introduzir corrego Fazer escolha aproy dos © matoriais dos instrumentos Treinamento Erro observacional Variagao entre observadores: Uso de sistemas de aquisi¢ao automatica de dados _ Instalagao de um nur de insteumentos nos representativos 4 Ruido Selegao correta dos instrumentos Eliminagao temporéria de ruidos Erro randomico Atrito Leituras maltipias Anaiises estatisticas Efeitos ambientais com certeza, Fonte: Dunniciiff, 1993, Erros grosseiros Sao causados por falta de cuidado, fadiga ou inexperiéncia. Eles incluem leituras mal-realizadas, falhas na transcrigdo dos dados, erros computacionais, falha na 4 operagiio do equipamento de leitura, instalagao incorreta. conexGes elétricas improprias © posigdo errada da chave do comutador. Os erros grosseiros podem ser evitados e devem ser minimizados pela realizagao de leituras duplicadas, utilizagao de mais de eee eee eee 48 Instrumentagao e Seguranga de Barragens de Terra e Enrocamento um operador, comparagao da leitura atual com leituras prévias e investimento em treinamento e nos cuidados necessarios. Erros sistematicos So causados por uma calibragio inapropriada, por alteragées na calibracao ao longo do tempo e também por histerese ¢ falta de linearidade. O primeiro conjunto de dados da Fig. 2.1 mostra erros sistematicos. Esses erros podem ser minimizados por recalibragées periédicas e pela comparacao das leituras com medidores “padrao” e “sem carga”, mantidos no laboratério ou no campo. Se as leituras na referéncia “padrao” ou no medidor “sem carga” se alteram, fatores de corregdo devem ser aplicados. Erros causados por histerese podem, algumas vezes, ser minimizados pela operagao de um indicador, de modo que as medigdes sejam sempre crescentes ou decrescentes. Erros por falta de linearidade podem ser minimizados com a realizagao adequada de calibracées. Erros de conformidade So causados por falhas na escolha dos procedimentos de instalagao ou por limitagGes no projeto do instrumento. Podem ser evitados por meio da selegaio dos procedimentos de instalagdo corretos e da garantia de que o instrumento selecionado € apropriado para a aplicagao que se deseja. Erros ambientais Sao provenientes da influéncia de fatores ambientais, como temperatura, umidade, vibracio, ondas de choque, pressio, corrosao etc. Duas alternativas sao vidveis para minimizar os erros ambientais: primeiramente, pela medi¢do da extensao da influéncia de tais erros e a aplicagio de fatores de correo adequados; em segundo lugar, pela selecdo de um instrumento que no seja adversamente afetado pelo ambiente. Os fatores ambientais devem ser sempre registrados durante a realizac’o das leituras obtidas, porque podem ser correlacionados com variagdes reais das grandezas medidas. Por exemplo, as variagdes da temperatura ambiente podem acarretar variacGes anuais da ordem de 0,2 mm, entre os periodos de verdo e inverno, nas hastes de um extensdmetro muiltiplo, instalado em furo de sondagem realizado a partir da superficie do terreno. Erros observacionais Surgem quando diferentes operadores (leituristas) usam técnicas de observacao diversas. Esse tipo de erro pode ser minimizado por sessdes regulares de treinamento € por cursos periddicos de atualizacao nos procedimentos de leitura. O emprego de 2 Desempenho e Caracteristicas dos Instrumentos de Medida 49 sistemas automaticos de aquisi¢ao de dados pode prevenir erros observacionais, porém, tais sistemas esto mais sujeitos aos erros ambientais, requerendo uma manuten¢gao mais cuidadosa e onerosa. Erros de amostragem Sao comuns quando se medem parametros geotécnicos, em razao da variabilidade inerente aos materiais geolégicos. Desse modo, a medio realizada em local determinado corre o risco de nao ser representativa do comportamento geral. Os erros de amostragem podem ser minimizados pela instalagdo de um ntimero adequado de instrumentos nos locais mais representativos. Erros randémicos Mesmo quando os erros forem reconhecidos ¢ remediados, as medigdes ainda serao afetadas por erros rand6micos. Esses erros séo causados por ruidos, atrito interno, histerese e fatores ambientais. Mas podem ser minimizados pela selegao de um bom instrumento ou pela realizacao de leituras miltiplas, ou mesmo ser tratados matematicamente por meio de anilises estatisticas, de modo que as leituras sejam representadas em termos da média, com 0 desvio-padrao e os limites de confiabilidade. Entretanto, 0 valor médio deve ser usado com cautela, uma vez que os valores-limite poderdo ser verdadeiros e representar uma situagZo critica ou de risco. Dunnicliff (1993), por exemplo, observa que uma pessoa com um pé em agua fervente ¢ 0 outro em Agua gelada, em termos de temperatura média, poderd ser considerada em situacao confortavel.

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