O documento discute a avaliação de redações de alunos e propõe uma mudança de perspectiva. Ao invés de avaliar se o aluno segue as regras da escola, deve-se considerar a redação como expressão do aluno e respeitar sua palavra. Isso permitiria que o aluno se desenvolva como sujeito em vez de funcionário, e a escola ajudaria no acesso a diferentes variedades linguísticas de forma respeitosa.
O documento discute a avaliação de redações de alunos e propõe uma mudança de perspectiva. Ao invés de avaliar se o aluno segue as regras da escola, deve-se considerar a redação como expressão do aluno e respeitar sua palavra. Isso permitiria que o aluno se desenvolva como sujeito em vez de funcionário, e a escola ajudaria no acesso a diferentes variedades linguísticas de forma respeitosa.
O documento discute a avaliação de redações de alunos e propõe uma mudança de perspectiva. Ao invés de avaliar se o aluno segue as regras da escola, deve-se considerar a redação como expressão do aluno e respeitar sua palavra. Isso permitiria que o aluno se desenvolva como sujeito em vez de funcionário, e a escola ajudaria no acesso a diferentes variedades linguísticas de forma respeitosa.
A arte de narrar est definhando por que a sabedoria o lado pico da verdade est em extino. Walter Benjamin Provavelmente o leitor procurar obter aqui alguns critrios que lhe permitam melhorar seu desempenho de professor na correo e na avaliao de redaes de seus alunos. Uma das questes mais freqentes precisamente: como avaliar redaes?. O ttulo deste texto justifica essa expectativa. Revertamo-la de imediato. De fato, minha preocupao ser pr em questo precisamente a questo: como avaliar redaes?. Tentarei recuperar alguns dos problemas prvios a essa questo, e que, como tais, podem iluminar as causas que no s levam a respostas diferenciadas mas tambm produzem a prpria questo. Parceria entre sujeitos _________________________ Como espero poder demonstrar, a pergunta bem colocada: avaliar redaes. Porque a ningum ocorre avaliar o editorial de um jornal, uma conversao informal ou o discurso de um poltico. Normalrnente, discordamos ou concordamos com um editorial; acrescentamos argumentos a favor ou contra uma idia defendida num discurso; questionamos a oportunidade de tratar de um assunto ou ainda nos perguntamos pela validade ou pelos efeitos concretos de uma conversao, etc. Sei que, neste momento, o leitor est se perguntando: e isso no avaliar? Eu responderia que sim. Mas h uma diferena fundamental: quando ns, professores, nos perguntamos como avaliar redaes?, tenos en nente precisamente o exerccio simulado da produo de textos, de discursos, de conversaes: a redao. Isso porque na escola no se produzem textos em que um sujeito diz sua palavra. Mas simula-se o uso da modalidade escrita, para que o aluno se exercite no uso da escrita, preparando-se para de fato us-la no futuro. a velha histria da preparao para a vida, encarando-se o hoje como novida. o exerccio. Qualquer proposta metodolgica a articulao de uma concepo de mundo e de educao e por isso uma concepo de ato poltico e uma concepo epistemolgica do objeto de reflexo no nosso caso, a linguagem com as atividades desenvolvidas em sala de aula. O primeiro deslocamento a fazer, de um lado, o da funo-aluno que escreve uma redao para uma funo-professor que a avalia e, de outro lado, o prprio ato de produo escolar de textos. Por qu? Porque impossvel manter uma coerncia concebendo o aluno como aquele que se exercita para o futuro, exigindo ao mesmo tempo que use com adequao a modalidade escrita da linguagem, j que esta, nas palavras de Benveniste, to profundamente marcada pela expresso da subjetividade que ns nos perguntamos se, construdas de outro modo, poderia ainda funcionar e chamar-se linguagem. Ao descaracterizar o aluno como sujeito, impossibilita-se-lhe o uso da linguagem. Na redao, no h um sujeito que diz, mas um aluno que devolve ao professor a palavra que lhe foi dita pela escola. Percival Leme Britto, estudando as condies de produo do texto escolar, conclui que esta marcada, em sua origem, por uma situao muito particular. onde so negadas lngua algumas de suas caractersticas bsicas de emprego, a saber, a sua funcionalidade, a subjetividade de seus locutores e interlocutores e o seu papel mediador da relao homem-mundo. O carter artificial desta situao dominar todo o processo de produo da redao. sendo fator determinante de seu resultado final. Para mantermos uma coerncia entre uma concepo de linguagem como interao e uma concepo de educao, esta nos conduz a uma mudana de atitude enquanto professores ante o aluno. Dele precisamos nos tomar interlocutores para, respeitando-lhe a palavra, agirmos como reais parceiros: concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando, etc. Note-se que, agora, a avaliao est se aproximando de outro sentido: aquele que apontamos em relao ao uso que efetivamente, fora da escola, se faz da modalidade escrita.
O direito palavra _______________________
Feitas essas breves consideraes, tomo-as como pontos de partida para a reflexo sobre dois textos (ou um texto e uma redao?) de crianas: 1. A casa bonita. A casa do menino. A casa do pai. A casa tem uma sala. A casa amarela. 2. Era uma vez umpionho queroia ocabelo dai um emninopinheto dapasou um umenino lipo enei pionho a pasou um emnino pionheto da omenino pegoupionho da amunhr pegoupionho da todomundosaiogritdo todomundo pegou pionho di at sofinho begoupionho. Ambos os textos so de crianas em seu segundo ano de experincia escolar. Que dizer de tais textos? Os dados a propsito dos alunos nos mostram, no mnimo, um critrio de avaliao da escrita, tal como ela se d, em termos gerais, na escola. O autor do texto 1 foi aprovado no ano anterior; o autor do texto 2 repetiu a primeira srie e foi, portanto, considerado como no-alfabetizado. luz das consideraes que vnhamos fazendo, o autor do primeiro texto entendeu o jogo da escola: seu texto no representa o produto de uma reflexo ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita, estabelecer uma interlocuo com um leitor possvel. Ao contrrio, trata-se do preenchimento de um arcabouo ou um esquema, baseado em fragmentos de reflexes, observaes ou evocaes desarticuladas. Ele est devolvendo, por escrito, o que a escola lhe disse, na forma como a escola lhe disse. Anula-se, pois, o sujeito. Nasce o aluno-funo. Eis a redao. O autor do segundo texto, ao contrrio, usa a modalidade escrita para contar uma histria. Ainda que no outro plo do processo de interlocuo a leitura possa ser prejudicada por problemas ortogrficos e estruturais, h aqui de fato um texto, e no mera redao. Na verdade, o autor ainda no aprendeu o jogo da escola: insiste em dizer a sua palavra. Foi reprovado e repete a primeira srie. O fato de considerarmos a seqncia 1 como redao e a seqncia 2 como texto, e portanto avaliarmos positivamente este e negativamente aquele, no quer dizer que tal texto no apresente problemas. Que fazer com eles? O problema mais bvio o relativo ortografia oficial, e a prtica da produo e da leitura de outros textos ajudar o aluno a ultrapassar suas dificuldades. Apenas para facilitar, fao uma traduo em ortografia oficial do texto: Era uma vez um piolho que roa o cabelo de umn menino piolhento da passou um menino limpo sem piolho a um menino piolhento da o menino pegou piolho da a mulher pegou piolho da todo mundo saiu gritando todo mundo pegou piolho da at seu filhinho pegou piolho.
Mais interessante do que os problemas ortogrficos, neste texto, so as influncias da oralidade
na escrita, repeties, uso de conectivos como da, estruturao da narrativa, etc. claro que entre este texto, tal como produzido, e um texto na modalidade escrita, variedade padro, h um caminho a percorrer. Isto se aceitarmos a hiptese de que o compromisso poltico da aula de lngua portuguesa oportunizar o domnio tambm desta variedade padro, como uma das formas de acesso a bens que, sendo de todos, so de uso de alguns. Para percorrer este caminho, no entanto, no necessrio anular o sujeito. Ao contrrio, abrindo-lhe o espao fechado da escola para que nele ele possa dizer a sua palavra, o seu mundo, que mais facilmente se poder percorrer o caminho, no pela destruio de sua linguagem, para que surja a linguagem da escola, mas pelo respeito a esta linguagem, a seu falante e ao seu mundo, conscientes de que tambm aqui, na linguagem, se revelam as diferentes classes sociais. devolvendo o direito palavra e na nossa sociedade isto inclui o direito palavra escrita que talvez possamos um dia 1er a histria contida, e no contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas pblicas. E tal atitude, parece-me, d novo significado questo como avaliar redaes? apontando, no mnimo, para critrios diferentes daqueles que reprovaram o autor do texto, e aprovaram o autor da redao. 1 O primeiro texto de um aluno que em 1983 frequentava a segunda srie do primeiro grau; o segundo texto do aluno que estava, em 1984, repetindo a primeira srie. Os textos foram motivos de reflexo dos professores envolvidos nos projetos Estratgias de leitura e produo de textos (1983) e Desenvolvimento de prticas de leitura e produo de textos (1984) no Programa de Integrao do Ensino de Primeiro Grath Unicamp-IEL/MEC-Sesu. 2 Conforme Cludia Lemos (1977). Nesse artigo a autora considera e analisa as estratgias de preenchimento utilizadas por vestibulandos em suas redaes. 3 evidente que corm isso no estou querendo dizer que a criana que produziu a seqncia 1 deva ser reprovada. Ao contrrio, preciso devolver-lhe o direito de dizer a sua palavra. Talvez, com a devoluo, seus textos percam o asseio a que nossos olhos se habituaram...