You are on page 1of 4

1

O INTERESSE DO CONHECIMENTO DA ANATOMIA PARA OS


ARTISTAS

1. INTRODUÇÃO
A anatomia humana foi objecto de estudo de artistas em diferentes períodos da
História. Não só porque ela era considerada uma ferramenta essencial para o
desenho, a pintura e a escultura, mas também por razões históricas e culturais. O
que tradicionalmente unia a arte à anatomia era um certo ideal artístico que tinha
no corpo humano o centro indiscutível da expressão plástica e o ideal máximo de
beleza.
Pensamos que a anatomia artística, no seu sentido clássico, pressupunha, para
além de uma procura de correcção plástica, uma aposta estética baseada no
conceito clássico de beleza. A representação do nu constituía, nas correntes mais
clássicas e ancestrais, um meio de afirmar a fé na perfeição última da natureza
consubstanciada na beleza da forma humana.
São exemplos desta convicção antiga na beleza da figura humana os trabalhos dos
artistas gregos que, levados pelo seu desejo de elegância, cuidavam na sua
produção artística de uma proporcionalidade correcta (utilizando normalmente o
cânone de oito cabeças) e evidenciavam um perfeito domínio do pormenor
anatómico e da expressão do movimento. Com as suas estátuas, os escultores
gregos procuravam a perfeição anatómica (proporção e pormenor) imprimindo-
lhe, também, fácies expressivos, atitudes equilibradas e movimentos graciosos.
A proeminência artística do nu como centro de criação plástica e,
consequentemente, a importância do conhecimento da anatomia humana, teve o
seu apogeu máximo, no mundo moderno, durante o Renascimento. Esse
protagonismo manteve-se fortemente durante o Barroco, o Neoclassicismo e o
Romantismo.
A mudança no “ensino académico” da arte, que teve início com o impressionismo
e se acentuou com o aparecimento das vanguardas históricas, veio retirar à
anatomia o lugar privilegiado que ocupava desde o Renascimento, no seio da
pedagogia artística. Os movimentos vanguardistas do século XX radicalizaram
2

ainda mais este movimento de rebelião anti-académica, questionando não só os


temas artísticos tradicionais como também a própria natureza da representação
pictórica.
A pintura cubista inaugurou um caminho de abstracção progressiva que conduziu
muitos pintores a uma arte não figurativa em que as formas e as cores não
representam coisas ou figuras reais. É lógico que a anatomia artística entendida
de forma mais académica e clássica não podia ter qualquer interesse para estes
pintores. Daí que, segundo alguns teóricos, a arte dos nossos dias deixou pouco
espaço para o ensino da anatomia.
2.VANTAGENS DO CONHECIMENTO DA ANATOMIA
No entanto, a anatomia continua a ser uma disciplina essencial e de indiscutível
utilidade na formação de qualquer artista. É evidente que a figura humana já não é
o centro temático da criação artística actual. Mas muitos artistas das correntes
vanguardistas continuam a trabalhar a partir do nu e levaram este tema para
campos distintos dos tradicionais. O tema da figura humana continua a mobilizar
as energias criativas da arte moderna. Todavia surgem novas abordagens que,
libertas de algum academismo restritivo, constituem ferramentas para inovar,
inventar novas representações e realizar obras mais arrojadas e pessoais fora das
limitações das escolas da anatomia artística tradicional.
Nalgumas obras de arte moderna o conhecimento perfeito da anatomia esconde-se
atrás de exageros intencionais, distorções voluntárias e disfunções só
aparentemente arbitrárias, evidenciados na representação da figura humana. Tais
representações traduzem-se cada vez mais por contrastes cromáticos
representativos de formas anatómicas e por novidades compositivas em que se
transfiguram e realçam os velhos e clássicos conhecimentos anatómicos.
Aliás o desenvolvimento do projecto e o aparecimento de novas licenciaturas
diferentes das clássicas artes plásticas veio dar novo incremento ao ensino de
anatomia nas escolas de arte.
3. CONCEITOS GERAIS SOBRE ANATOMIA ARTÍSTICA
Para a figuração do corpo humano no desenho, no esboço preliminar de uma
escultura, na estrutura-base de uma pintura, são necessárias noções anatómicas
3

básicas. É importante o conhecimento científico para que o artista seja capaz de


utilizar, de maneira pessoal, a forma e o movimento como processos de transmitir
a sua interpretação individual das posturas e atitudes, de forma a expressar os
seus sentimentos e pensamentos.
Falando em termos gerais, a anatomia com interesse artístico pode dividir-se em
quatro partes:
anatomia óssea
anatomia muscular
dinâmica do movimento
antropometria.
A anatomia óssea (osteologia) é a parte da anatomia artística que se refere ao
conhecimento dos ossos. O seu objectivo é o estudo da constituição dos diversos
segmentos esqueléticos, dos pontos ósseos de referência mais importantes, do
estudo das inserções esqueléticas dos músculos (amarras dos músculos), dos
volumes relativos do esqueleto, etc. De uma forma genérica podemos dizer que o
a osteologia com interesse artístico deverá ter como objectivo o estudo da
estrutura sobre que se organizam as formas.
A anatomia muscular (miologia) é a parte da anatomia artística que se refere ao
estudo dos músculos. Eles são o vector de qualquer movimento e relacionam os
diversos segmentos do esqueleto. É importante o conhecimento das depressões e
das saliências mais significativas que as massas musculares determinam no
tronco, no abdomen e nos membros. De grande interesse para o artista, a
anatomia muscular determina, de forma muito importante, a forma externa do
corpo humano.
A dinâmica do movimento tem como objectivo o estudo do esqueleto, apoio de
alavancas organizadas para a função, e das massas musculares, vectores do
movimento, e das articulações como sede da cinética articular. Tal dinâmica é
diferente consoante a articulação envolvida e o segmento articular que se encontra
em movimento. Só o conhecimento científico da artrologia e da fisiologia
articular poderá permitir ao artista conhecer as posições de equilíbrio, os jogos de
agonistas-antagonistas, as posturas e as diversas atitudes corporais.
4

A antropometria é a disciplina que estuda a morfologia do corpo humano em


bases comparativas. Dá a conhecer a dimensão dos diversos segmentos corporais
e as suas variações anatómicas adulto-criança e homem-mulher. Tais
conhecimentos constituem uma ferramenta básica e essencial para um projecto de
qualidade, permitindo a adequação da dimensão anatómica do homem aos
diversos espaços projectados.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o atrás exposto somos de opinião que os conhecimentos básicos
de anátomo-fisiologia são necessários na formação artística, na medida em que
permitem "ver" melhor a figura humana, estabelecendo uma maior "intimidade"
com as formas corporais e o movimento, permitindo ao artista a compreensão
completa das diversas posturas, atitudes e movimentos do corpo humano.
Se a interpretação artística da forma é, segundo alguns autores, uma questão
pessoal entre o artista e a página em branco, o conhecimento anatómico é uma
arma preciosa quando se quer dar ênfase a certos pormenores. A própria
realidade pode ser modificada sempre que se quer dar força, subtileza a um
desenho, ao esboço preliminar de uma escultura ou à estrutura-base de uma
pintura, representativos do corpo humano.
Nesta conformidade, o conhecimento da anatomia humana pode ser uma
ferramenta expressiva ao serviço da criatividade e da sensibilidade pessoal e
constitui, cada vez mais, a base imprescindível para a formação do artista
plástico.

You might also like