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qual bicho-do-mato,
E agora, José? sem teogonia,
A festa acabou, sem parede nua
a luz apagou, para se encostar,
o povo sumiu, sem cavalo preto
a noite esfriou, que fuja do galope,
e agora, José? você marcha, José!
e agora, Você? José, para onde?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos, Lagoa
que ama, protesta?
e agora, José? Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
Está sem mulher, não sei se ele é bravo.
está sem discurso, O mar não me importa.
está sem carinho,
já não pode beber, Eu vi a lagoa.
já não pode fumar, A lagoa, sim.
cuspir já não pode, A lagoa é grande
a noite esfriou, E calma também.
o dia não veio,
o bonde não veio, Na chuva de cores
o riso não veio, da tarde que explode
não veio a utopia a lagoa brilha
e tudo acabou a lagoa se pinta
e tudo fugiu de todas as cores.
e tudo mofou, Eu não vi o mar.
e agora, José? Eu vi a lagoa...
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre, Mãos Dadas
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro, Não serei o poeta de um mundo caduco.
seu terno de vidro, Também não cantarei o mundo futuro.
sua incoerência, Estou preso à vida e olho meus companheiros
seu ódio, - e agora? Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
Com a chave na mão O presente é tão grande, não nos afastemos.
quer abrir a porta, Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
não existe porta; Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
quer morrer no mar, não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na
mas o mar secou; janela.
quer ir para Minas, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Minas não há mais. não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
José, e agora? O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,
Se você gritasse, a vida presente.
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Memória Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
Amar o perdido A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu
deixa confundido esperava.
este coração. Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido O mundo é grande.
apelo do Não. Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros
As coisas tangíveis carne e algodão.
tornam-se insensíveis Viste as diferentes cores dos homens,
à palma da mão. as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar
Mas as coisas findas, tudo isso
muito mais que lindas, num só peito de homem... sem que ele estale.
essas ficarão. Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
Meninos Suicidas tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
Um acabar seco, sem eco, tão calma! vai inundando tudo...
de papel rasgado Renascerão as cidades submersas?
(nem sequer escrito): Os homens submersos – voltarão?
assim nos deixaram antes Meu coração não sabe.
que pudéssemos decifrá-los, Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
ao menos, ao menos isso, só agora descubro
já não digo... amá-los. como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
Assim nos deixaram e se deixaram
ir sem confiar-nos um traço desaprendi a linguagem
retorcido ou reto de passagem: com que homens se comunicam.)
pisando sem pés em chão de fumo, Outrora escutei os anjos,
rindo talvez de sua esbatida as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
miragem. Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Não se feriram no próprio corpo, Outrora viajei
mas neste em que sobrevivemos. países imaginários, fáceis de habitar,
Em nosso peito as punhaladas ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e
sem marca - sem sangue - até sem dor convocando ao suicídio.
contam que nós é que morremos
Meus amigos foram às ilhas.
e são eles que nos mataram.
Ilhas perdem o homem.
(in As Impurezas do Branco) Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo
todos os dias,
MUNDO GRANDE entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Não, meu coração não é maior que o mundo. Entre o amor e o fogo,
É muito menor. entre a vida e o fogo,
Nele não cabem nem as minhas dores. meu coração cresce dez metros e explode.
Por isso gosto tanto de me contar. – Ó vida futura! nós te criaremos.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
No Meio do Caminho Por aquelas, mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho Se em toda parte o tempo desmorona
tinha uma pedra aquilo que foi grande e deslumbrante,
no meio do caminho tinha uma pedra. o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas. Mais ardente, mas pobre de esperança.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
tinha uma pedra e resplandece no seu canto obscuro,
Tinha uma pedra no meio do caminho tanto mais velho quanto mais amor.
no meio do caminho tinha uma pedra.
O Amor Bate na Aorta
Nota Social
Que quer a voz? encantá-lo. Dez, doze ou mais: o tempo não importa
Que quer o ouvido? Embeber-se quando aperta o desejo brasileiro
de gritos blasfematórios de ter no prato a preta, amiga vagem.
até que dar aturdido.
Camburões, patrulhinhas te protegem
Que quer a nuvem? raptá-lo, e gás lacrimogêneo facilita
Que quer o corpo? solver-se, o ato de comprar a tua cota.
delir memória de vida
e quanto seja memória. Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
Que quer a paixão? detê-lo. não o leves a mal: é por teu bem.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo O feijão é de todos, em princípio,
para na treva fundir-se. tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.
Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos. Bocas oitenta mil vão disputando
Que quer o homem? salvar-se, cada manhã o que somente chega
ao permeio de uma canção. para de vinte mil matar a gula.