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Nº 117 - Ano 09/10

ISSN 0103-8109

A V A L I A Ç Ã O D E P R O J E T O S D E L E I

ORÇAMENTO 2010
D esde 1995, NOTAS analisa o pro-
jeto de lei orçamentária. Dessa
experiência resultou a identificação
sobre o real impacto da crise in-
ternacional sobre a economia bra-
sileira. A despeito dessa incerteza,
de diversas características dos or- o Executivo optou pelo otimismo
çamentos que estão presentes em na definição dos parâmetros macro-
todas essas edições de NOTAS. econômicos que serviram de base
A primeira diz respeito à rigi- para a definição dos grandes agre-
dez dos diversos orçamentos. Des- gados orçamentários.
pesas obrigatórias, como salários Esse otimismo, de resto, já se
e encargos dos servidores públi- refletia na política fiscal posta em
cos, transferências constitucionais prática em 2009 em resposta à
aos Estados e municípios, pagamen- crise. A primeira fase dessa crise
to dos juros e demais encargos in- caracterizou-se pelo rápido encur-
cidentes sobre a dívida pública e tamento das linhas de crédito ex-
benefícios previdenciários, conso- ternas. Padeceram tanto as expor-
mem a maior parte dos recursos. tações brasileiras, pela falta de las-
Parcela expressiva desses recursos tro às operações de ACC, como
consiste apenas em transferências os empréstimos bancários à ativi-
(benefícios previdenciários e paga- dade econômica interna lastreados
mentos de juros e encargos sobre nessas linhas. Contudo, a pronta
a dívida pública), efetuados com ele- reação do Banco Central liberando
vados custos pelo governo. os depósitos compulsórios, bem
A segunda característica diz res- como a intervenção dos bancos
peito à pequena parcela dos recur- oficiais, permitiram repor rapida-
sos orçamentários destinados a in- mente as linhas de crédito exter-
vestimentos de infraestrutura. Na nas perdidas.
maioria dos orçamentos analisados Choque maior deu-se quando
por NOTAS as despesas efetivadas da súbita saída da China do merca-
foram substancialmente menores do, interrompendo suas importa-
que as dotações orçamentárias. ções e causando perda de volume
A terceira característica se re- e preço dos produtos brasileiros
fere à pouca transparência do pro- destinados àquele mercado. O re-
cesso orçamentário e à persisten- torno da China normalizou os vo-
te tendência de se inflar as receitas lumes, mas a níveis de preços mais
de forma a acomodar as crescen- baixos. Complicando o quadro, a
tes despesas, quer obrigatórias, valorização do real reduziu ainda
quer discricionárias. mais as margens dos segmentos
O projeto de lei orçamentária exportadores do País.
de 2010 partilha essas mazelas A reação, do ponto de vista fis-
com os orçamentos anteriores. cal, apresentou altos e baixos. Me-
A proposta foi elaborada em didas anticíclicas de caráter transi-
meio a ambiente econômico instá- tório, como a redução do IPI so-
vel, quando ainda pairavam dúvidas bre um amplo leque de produtos,
permitiram sustentar a demanda de 2010, seria razoável supor que receitas administradas pela Receita
por segmentos industriais com a taxa Selic retomasse a tendência Federal, excetuadas as do Regime
grande impacto sobre a cadeia pro- de queda observada na maior parte Geral da Previdência Social (corres-
dutiva. Outras medidas, contudo, de 2009. Ocorre que a forte ex- pondendo esse grupo a 64% do
por seus efeitos permanentes, pansão fiscal neste ano, juntamen- total da receita); R$ 204,3 bilhões
como a manutenção do crono- te com a liquidez injetada na eco- de arrecadação do INSS (24% do
grama de reajuste dos salários dos nomia, tem levado alguns a espe- total); e R$ 103 bilhões da miríade
servidores públicos federais, tor- rar que o Banco Central eleve a taxa de outras receitas, “não administra-
naram ainda mais rígido o orça- ao longo de 2010. O orçamento das” (12% do total). Estas últimas
mento pelos próximos anos. pressupõe a manutenção da Selic um extenso rol de itens, alguns cuja
O aumento permanente de des- no patamar atual, o que pode vir a participação no total é expressiva
pesas em 2009 se refletirá no or- revelar-se otimista do ponto de vis- e tem aumentado rapidamente nos
çamento de 2010 e nos orçamen- ta das despesas com juros sobre a últimos exercícios (compensações
tos dos anos vindouros. É sobre dívida pública, caso o BC venha a financeiras, dividendos, contribui-
esse pano de fundo que foi monta- necessitar subir a Selic no segundo ção para o salário educação, con-
do o orçamento para 2010, anali- semestre de 2010 para conter tribuição dos servidores para o
sado nesta edição de NOTAS. pressões inflacionárias em 2011. seu plano de seguridade e conces-
4. Projeta-se uma expansão da sões). As receitas com operações
OS PARÂMETROS massa salarial de 10,5% em rela- com ativos estão estimadas em
ORÇAMENTÁRIOS ção ao valor estimado para essa R$ 1,3 bilhão.
variável em 2009. Os analistas consideram a pre-
As principais hipóteses utiliza- 5. Parece superestimada a co- visão da receita como extremamen-
das na elaboração da proposta or- tação média do câmbio contida no te otimista, tanto para 2009 – que
çamentária foram as seguintes: projeto de lei orçamentária para serviu de base para as estimativas
1. As previsões para o cresci- 2010 (R$ 2,00). As estimativas cor- da receita em 2010 – como as pró-
mento do PIB se alteraram profun- rentes do mercado, contidas no prias previsões para 2010.
damente ao longo do ano, afetan- Boletim Focus do Banco Central Em primeiro lugar, a previsão
do a elaboração do orçamento. No em 16/11/2009, são de um valor ignora a queda expressiva da arre-
final de 2008 o governo imaginava bastante inferior (R$ 1,75). cadação em 2009, retomando a
que o País estava blindado contra a projeção a trajetória observada nos
crise externa, considerada então OS GRANDES NÚMEROS anos anteriores à crise, como se ela
uma “marolinha”. Constatada a re- DO ORÇAMENTO não tivesse ocorrido.
cessão técnica pela queda sucessiva Além disso, os valores adotados
do PIB em dois trimestres, optou- A receita primária. O projeto para os parâmetros orçamentários
se afinal por uma estimativa de de lei prevê receitas primárias de (comentados anteriormente) contri-
crescimento do PIB de 1% em R$ 853,6 bilhões (25,7% do PIB), buem para superestimar a receita. É
2009, com uma forte recuperação correspondente a um aumento de particularmente expressiva a es-
do crescimento em 2010 (4,5% 15% sobre a estimativa dessas re- timativa de crescimento para a ar-
para o ano como um todo). ceitas para 2009. A se materializar recadação do IPI (aumento de
2. Os cenários dos principais essa estimativa, estaremos nova- 40%), como se a eliminação dos
analistas mostram uma tendência mente diante de um aumento benefícios tributários dos produtos
de queda na inflação de 12 meses significativo da carga tributária, beneficiados (veículos, linha branca)
no final de 2009 e início de 2010. drenando recursos do setor priva- não afetasse a demanda por esses
Com o IGP-M negativo em 2009 e do produtivo para o governo. Com produtos. E, como apontaram ana-
ausência de pressão sobre os alu- efeito, esse aumento poderá che- listas, “parece imprudente supor
guéis, os preços administrados gar a 1,3% do PIB entre 2009 e que R$ 31,5 bilhões de receitas ad-
mostram tendência de estabilidade, 2010 e de 1,8% do PIB tomando- ministradas pela RFB, ou 6% do
pelo menos no primeiro semestre se por base 2007. Observe-se que total desse grupo, possam cor-
do próximo ano. Em razão disso, a esse brutal aumento poderá dar- responder a receitas extraordiná-
estimativa para a inflação (me- se a despeito das desonerações rias. Incluindo a arrecadação líqui-
dida pelo IPCA) é razoável (4,5%, tributárias promovidas pelas me- da do INSS, receitas que não se jus-
a mesma estimativa constante da didas anticíclicas tomadas para en- tificam por efeito de mudanças
LDO). frentar a crise. legislativas e variações de preço e
3. Com todos os indicadores As receitas previstas no orça- quantidade somam R$ 36,1 bilhões”.
apresentando tendência de queda, mento para 2010 estão assim dis- A despesa primária. O orça-
pelo menos no primeiro semestre tribuídas: (1) R$ 545 bilhões de mento estima que a despesa primá-

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ria atinja R$ 660,7 bilhões em mensal vitalícia, vinculadas ao salá- obrigatórias e a estimativa da re-
2010, aumentando R$ 68 bilhões rio mínimo, crescem como per- ceita, de forma a aumentar o mon-
em relação ao contido na re- centual do PIB (em seu conjunto, tante de recursos disponíveis para
programação do orçamento de essas despesas saltam de 1,2% do gastos discricionários.
2009. PIB em 2007 para 1,5% do PIB no Esses mesmos analistas apon-
Esses valores não incorporam orçamento de 2010). tam que as despesas primárias cor-
todas as despesas conhecidas Esse cálculo está esmiuçado na rentes deverão crescer entre 2006
(como quase R$ 4 bilhões de com- apresentação do orçamento pelo e 2010 em quase 2% do PIB. A
pensações pelo governo central aos ministro do planejamento, onde se maior parte do crescimento des-
estados exportadores) nem os res- estima que para cada R$ 1,00 de sas despesas se dará com gastos
tos a pagar que se acumularam no aumento do salário mínimo aumen- obrigatórios – particularmente sa-
exercício de 2009 – e que passam ta o déficit do Regime Geral da Pre- lários e encargos e despesas
automaticamente para o exercício previdenciárias – que deverão au-
seguinte. mentar 1,3% do PIB de 2006 para
Dentre os componentes que 2010. Já as despesas discricionárias
explicam o crescimento da despe- “O ANO DE 2010 – entre elas os repasses para o SUS
sa primária há que ressaltar o cres- É ANO ELEITORAL. e os gastos o programa bolsa famí-
cimento das despesas com pessoal lia – poderão passar de 3% do PIB
e encargos da União. Indicador do COMO TAL, A em 2006 para mais de 3,5% do
crescimento continuado dessas LEGISLAÇÃO IMPÕE UM PIB em 2010.
despesas, pela primeira vez proje- Os investimentos cresceram
GRANDE NÚMERO DE acentuadamente nos orçamentos
ta-se que a folha da União ultrapas-
sará a barreira dos 5% do PIB – RESTRIÇÕES A GASTOS da atual administração, embora os
de um PIB que se projeta crescer NOVOS, LIMITANDO O dados da execução do orçamento
4,5% em relação ao valor atingido não reflitam as dotações orçamen-
em 2009. Isso se deve à conces- PERÍODO DO ANO EM tárias. Eles correspondiam a 1% do
são anterior de diversos benefícios QUE NOVAS OBRAS PIB em 2008 e esse percentual
aos servidores e ao impacto do poderá atingir 1,2% em 2009, com
POSSAM SER INICIADAS
pagamento da terceira parcela dos cerca de R$ 38 bilhões os recur-
reajustes concedidos em 2008. (NOVOS CONVÊNIOS E sos empenhados. Como os dados
Também é significativo o au- REPASSES FICAM disponíveis mostram desembolsos
mento das despesas com benefícios bem aquém desse total, haverá um
previdenciários, decorrente da cor- PROIBIDOS NOS TRÊS montante expressivo a desembol-
reção do piso nacional de salários MESES QUE ANTECEDEM sar em 2010 – o ano eleitoral.
bem acima dos diversos índices de AS ELEIÇÕES).” Tanto o PPI – Plano Piloto de
inflação, particularmente do IPCA Investimentos – como o seu su-
– adotada que foi a regra de cor- cessor, PAC – Programa de Acele-
reção do salário mínimo pela repo- ração do Crescimento – padecem
sição da inflação mais um fator de vidência Social em R$ 96,5 milhões; de uma grande subutilização de
correção correspondente à taxa de e implica desembolso adicional de recursos, embora os montantes
crescimento real do PIB de dois R$ 40,4 milhões para a LOAS/RMV aplicados possam ser excluídos do
anos anteriores. No projeto, o e R$ 59,5 milhões para as despe- cômputo do superávit primário.
reajuste do salário mínimo está es- sas com abono e seguro-desempre- Tem sido assim nos últimos anos.
timado em 8,8% – 3,54% corres- go. Dados esses números, e tendo
pondentes à reposição da inflação em vista o aumento do salário mí- PROBLEMAS COM
acumulada e 5,08% correspon- nimo previsto em 8,8%, a despesa A EXECUÇÃO DO
dentes ao crescimento real do PIB adicional com esses três itens ORÇAMENTO DE 2010
em 2008. A esse fator de corre- orçamentários é da ordem de R$
ção adiciona-se o rápido envelhe- 8 bilhões. O ano de 2010 é ano eleitoral.
cimento da população e a enorme Como tal, a legislação impõe um
informalidade no mercado de tra- DESPESAS CORRENTES E grande número de restrições a gas-
balho brasileiro. INVESTIMENTO tos novos, limitando o período do
Finalmente, as despesas rela- ano em que novas obras possam
cionadas com a LOAS – Lei Orgâ- É recorrente a observação de ser iniciadas (novos convênios e
nica da Assistência Social, com o analistas de que o Executivo supe- repasses ficam proibidos nos três
seguro-desemprego e com a renda restima as despesas correntes meses que antecedem as eleições).

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Superestimação de receitas e subestimação e despesas — R$ bilhões

RECEITAS SUPERESTIMADAS OU NÃO PREVISTAS


Receitas extraordinárias 13,3
Terceirização da folha de pagamentos do Executivo 2,4
Venda de imóveis da extinta RFFSA 1,3
Tributação da caderneta de poupança 0,6
DESPESAS SUBESTIMADAS OU NÃO PREVISTAS
Lei Kandir e demais auxílios a estados exportadores 3,9
Aumento real dos benefícios acima do salário mínimo 3,0
Reajuste do teto do Judiciário 0,2
Subsídios da MP 465/09 (financiamento de bens de capital) 1,0
Despesas extraordinárias *
1,8
TOTAL 26,4
Emendas parlamentares 9,2
TOTAL GERAL 35,6
*
Fabricação de cédulas e moedas e com subsídios à Sudene/Adane/Sudam/Adam Fonte: Câmara dos Deputados. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira

Em razão desse fato ou não, jun- ou 13,6%. Já os empenhos che- 2010 padece da enorme rigidez
tamente com a expressiva queda gam a R$ 14,49 bilhões, ou 52,7% decorrente do tamanho do Estado
da receita em 2009 a execução do — indicativo de que a maioria dos e da sua incapacidade de auto-
Orçamento de 2010 já está desde pagamentos ficará para o ano que limitar-se, do excesso de encargos
agora viciada por créditos adicio- vem. que assume, da baixa produtividade
nais solicitados pelo Executivo O principal problema com os do governo e da pouca transparên-
nesse final de ano e pelo expressi- restos a pagar oriundos de crédi- cia de sua formulação e execução.
vo volume de restos a pagar em tos extraordinários é a criação do No Orçamento de 2010 alguns
2010. Somente no mês de outu- que alguns estão denominando desses problemas estão exacerba-
bro, o Executivo enviou ao Con- de “Orçamento paralelo”. As esti- dos. Por exemplo, o enorme volu-
gresso 35 pedidos de créditos ex- mativas do total desses créditos me de recursos empenhados e não
traordinários. No momento em situam-se entre R$ 47 bilhões e desembolsados em 2009 consti-
que NOTAS está sendo redigido, R$ 50 bilhões – valores expressi- tuirá restos a pagar a serem gastos
estão em tramitação no Congresso vos demais para serem ignorados, de forma discricionária pelo Exe-
créditos adicionais no valor de especialmente em um ano eleito- cutivo. O problema acentua-se por
R$ 34 bilhões. ral. Dessa forma, recursos podem se tratar de ano eleitoral.
Alega o governo que a possibi- ser remanejados e executados de Além disso, a superestimação de
lidade de não aprovação do Orça- acordo com as prioridades políti- receitas e subestimação de despe-
mento dentro do prazo legal para- cas do governo, afetando a execu- sas poderá levar a novos con-
lisa obras essenciais em anda- ção normal do Orçamento. tingenciamentos de recursos, pa-
mento. Alega mais a necessidade Outra questão se refere à su- decendo os investimentos que
de manter em execução os inves- perestimação da receita e à subes- não gozam de prioridade política
timentos. Ora, como até o pre- timação das despesas, já comenta- do Executivo.
sente a execução do PAC – Pro- da no texto. A tabela acima suma- Como está, o Orçamento é um
grama de Aceleração do Cresci- ria uma diferença de R$ 35,6 bi- retrato fiel das contradições do
mento permanece substancialmen- lhões não considerada na proposta Estado brasileiro: é grande demais,
te aquém de suas metas, abre-se orçamentária do Executivo. desempenha funções em excesso
uma janela para que os seus desem- – para as quais não tem vocação
bolsos prossigam em pleno perío- OBSERVAÇÕES FINAIS nem está equipado – e é frágil,
do eleitoral. Até 26 de outubro, E CONCLUSÕES diante das pressões do governo no
dos R$ 27,85 bilhões (valor atuali- momento do direcionamento dos
zado) destinados ao PAC foram efe- Da mesma forma que os Orça- gastos e no avanço cada vez maior
tivamente pagos R$ 3,83 bilhões, mentos que o antecederam, o de no bolso dos cidadãos.

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