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As quatro dinastias

Por Pedro Lomba

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/19-01-2010/as-quatro-dinastias-18616823.htm

Em certo sentido, este regime em que vivemos, caduco e exangue, já produziu quatro tipos de
dinastias políticas. Talvez "não haja homens", como apregoou Vasco Pulido Valente. Mas, por
causa da dinâmica das coisas, a verdade é que os "homens" que têm existido descendem de
cada uma daquelas dinastias. É possível pensar o regime como uma sucessão sistemática de
umas para as outras. Mas atenção: a especialidade de Portugal é que a sucessão não resultou
de nenhum processo de continuidade ou herança. Cada dinastia seguinte emergiu do
esgotamento da anterior.
Comecemos pela Revolução. Derrubada a ditadura, de onde vieram os políticos que fundaram
os partidos e lideraram os primeiros governos? Evidentemente: da família dos históricos. Mário
Soares, Sá-Carneiro, Freitas do Amaral ou Álvaro Cunhal foram os chefes históricos das elites
políticas da democracia. Foram personagens da transição, com todas as suas contradições e
limites. A autoridade que eles tinham na sociedade portuguesa era vivencial e histórica.
O destino dos históricos é quase sempre senatorial. No caso de Sá-Carneiro acabou em
tragédia. Mas não existindo entre nós, como dantes se dizia, uma câmara alta, a alternativa
para o efeito passa pelo cargo de Presidente da República. O histórico Soares tornou-se
Presidente contra o histórico Freitas, porque chegar a Belém, como Manuel Alegre tentará
aproveitar nas próximas presidenciais, é também um prémio de carreira.
Estamos a mexer no baú, mas há aqui uma lição impagável. Em meados dos anos oitenta a
entronização de Soares assinalou o fim dos históricos. Mudaram-se os tempos e Portugal
precisou de uma vaga tecnocrática. Passámos então à segunda dinastia abrilista, muito ao
agrado da nossa cultura política: os professores.
Em cem anos Portugal tem mostrado queda para os professores que fazem política. Afonso
Costa ensinava Direito Comercial, Salazar Finanças Públicas. Quando foi preciso um nome
para o substituir, o Estado Novo foi à universidade estender o tapete a Marcello Caetano. Os
professores que fazem política costumam ser aclamados em Portugal por dois amargos
motivos: primeiro, carregam uma autoridade que a maioria dos portugueses, na sua incultura e
inferioridade, tem por indiscutível (os "doutores de Coimbra", como disse Almeida Santos nas
europeias); segundo, gozam de uma certa presunção de inteligência que os torna
supostamente aptos para governar. O peso dos professores-políticos é directamente
proporcional à fraqueza da sociedade civil.
Cavaco Silva pertence a esta escola da política professoral. Mesmo hoje na Presidência, para
tranquilidade dos portugueses, continua a exercer o cargo como um professor que só quer falar
do que sabe. No fundo, o Professor que dá uma aula para uma turma dividida, como todas as
turmas, entre aplicados e repetentes.
Avanço para a terceira dinastia. Que faz qualquer professor que se preze? Cria discípulos. Foi
o que tentou Cavaco: Durão Barroso foi um dos seus melhores alunos, Manuela Ferreira Leite
a sua mais fiel discípula. Mas, com a evasão barrosista e a derrota de Ferreira Leite, o facto é
que a força do cavaquismo está no dono.
Nesta História do regime, pelo meio foi crescendo a última dinastia: os "chefes de partido",
políticos puros formados nas jotas, nos gabinetes ministeriais, nas clientelas, no mercado dos
lugares. Com Sócrates, o primeiro que não possui nem a autoridade dos históricos, professores
ou discípulos, esta escola sectária e partidocrática começou a mandar no país. Talvez fosse
uma fatalidade. Mas, precisamente por isso e pela enorme suspeição que ela provoca, chegou
a altura de querer uma coisa diferente. Digo-vos que a quinta dinastia do regime deverá ser
portadora de outra autoridade. Alguém que, depois dos manobristas partidários, seja
representativo e reconhecido, não pelo partido, mas sobretudo pela sociedade.

Jurista

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