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APOSTILA DE SOCIOLOGIA 2005 COMPLEMENTAR

PRIMEIRO DOCUMENTO

INTRODUÇÃO À TEORIA DO CONHECIMENTO

Como qualquer ser vivo o homem luta pela sobrevivência. Pertencendo ao


reino animal, algumas das suas funções são mantidas por matrizes genéticas que lhe
garantem o funcionamento de alguns sistemas biológicos vitais. Outras atividades ele as
aprende e as mantém através de reflexos condicionados. Mas, seu alto grau de
complexificação, faz com que sua trajetória seja direcionada por um processo
interpretativo dependente do grande cérebro da espécie.
A sobrevivência humana dependente, sobretudo, dessa capacidade de
apreensão da realidade, fruto da atividade do seu grande cérebro que de lhe deve
possibilitar conhecimento sobre ela. A partir desse conhecimento desenha-se em cada um
de nós uma visão de mundo altamente influenciada pelo modelo de pensar reinante, que
contém às ideologias imperantes na realidade social em que vivemos. A aventura
humana é quase que totalmente dependente do conhecimento da realidade, havendo,
assim, uma relação estreita entre o conhecimento e a própria sobrevivência do homem na
face da Terra (Greco, 1984).
A primeira questão a ser formulada relaciona-se, portanto, com a obtenção
do conhecimento e com a sua natureza, já que, para sobreviver, cada um de nós tem de
ter uma soma razoável dele.
Se perguntarmos a um grupo de pessoas ocasionalmente reunidas em uma
reunião social o que é um oboé1, seguramente a maioria delas confessará que não
conhece. Se, em seguida, perguntarmos se alguém conhece um violino, todos,
prontamente, saberão do que se trata.
Qual a diferença, em termos de conhecimento, entre as pessoas que
conhecem e as que não conhecem o oboé?
Simplesmente uma questão de registro mental. Aqueles que tiveram
contato com o instrumento musical, pelo som, pela visão ou até mesmo pela sua simples
descrição, terão no seu cérebro um registro, uma imagem, um símbolo - um referencial -
do objeto que lhes dará a sensação do conhecimento. Os outros, por não terem um
referencial do mesmo confessarão não conhecê-lo.

1 O oboé é um instrumento musical de sopro, feito de madeira, com palheta dupla, de


timbre semelhante ao clarinete mas, levemente nasal.

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Poderia dizer-se, então, que o conhecimento decorre de uma relação


entre um sujeito e um objeto. Nela, o sujeito "apreende", "capta", "apodera-se" da
realidade do objeto e a registra em sua mente. Esse registro, quando evocado, dá ao
sujeito a capacidade de tratar o objeto como algo conhecido.
Se considerarmos que a sobrevivência humana, dada a complexidade do
nosso sistema vital, é grandemente dependente do que conhecemos sobre a realidade em
que vivemos, podemos dizer que a aventura humana é grandemente ditada pelo conjunto
de registros que temos do mundo, guardados em nossa mente, e da forma como
organizamos esses registros, para trabalharmos com eles – de como construímos o nosso
referencial para conhecer a realidade e para sobreviver.

O Sujeito contém o REGISTRO


DO REAL

O objeto é o real

A obtenção do conhecimento a respeito dos objetos que compõem a


realidade faz-se por diversas vias:
- Pela via sensorial, é como se conhece o gosto do morango, comendo-o.
- Pela via racional, é como se aprende como funciona um videocassete,
pelo estudo do seu manual.
- Pela intuição, é quando, sem saber exatamente como, acabamos por ter
consciência de que conhecemos algo.
- Pela reflexão, é quando, a partir de conhecimentos que já temos, pelo
exercício de operações mentais, produzimos novos conhecimentos. Sabemos, por exemplo,
que, se duas coisas tiverem o mesmo peso de uma terceira terão pesos iguais entre si,
sem necessitarmos de uma constatação empírica.
Para trabalhar com o conteúdo do conhecimento, a mente configura os
registro sob a forma de conceitos - objetos pensáveis. Na medida em que o oboé
registrou-se em nossa mente é possível pensá-lo. Ao pensá-lo nós nos utilizamos do
conceito oboé.
Só que, ao pensar o oboé, é natural que o dimensionemos em termos de
espaço, tempo e qualidades: o oboé um instrumento musical de sopro. É quando se
forma um juízo, acerca do objeto.
Os juízos nos permitem estabelecer um raciocínio e compor um argumento
como este:

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- Todos os instrumentos musicais de sopro fazem parte das orquestras sinfônicas


(premissa maior).
- O oboé um instrumento musical de sopro (premissa menor).
- Logo, o oboé um instrumento de orquestra sinfônica (conclusão).

A esse processo de estabelecer regras para as operações do pensamento,


denomina-se lógica formal.
É importante perceber que a lógica refere-se apenas às corretas
operações do pensamento, sem preocupar-se com a verdade emitida por suas conclusões.
No caso citado, por exemplo, um dos termos do argumento, sua premissa maior, não é
verdadeiro, pois nem todos os instrumentos musicais de sopro fazem parte de orquestras
sinfônicas (o saxofone não faz, por exemplo). Mas, mesmo com uma premissa falsa,
chegou-se à uma conclusão verdadeira, pois o oboé, efetivamente, é um instrumento de
orquestra sinfônica.
Daí, conclui-se que, para um conhecimento efetivo dos objetos do mundo
real, tem de se ir além das operações do pensamento, da lógica e da razão. Há mesmo
quem diga que a lógica é a prostituta da razão por, através de corretas operações do
pensamento, poder induzir-nos ao erro. Assim, temos de, concomitantemente com essas
operações mentais, realizar a aplicação dessas operações de acordo com a matéria e a
natureza dos objetos a serem conhecidos, agora sim, em busca da verdade, o que se faz
em ciência, através da Metodologia Cientifica.

1- Tipos de conhecimento.

Em termos de conhecimento, há, pelo menos, 3 tipos de enfoques.


A observação da realidade pode-nos levar ao conhecimento de que todas as
coisas que não têm um suporte caem - um conhecimento de senso comum. Porém,
alguém pode explicar que o acontecido deve-se ao fato de "a matéria atrair a matéria no
sentido direto de suas massas e no inverso do quadrado das distancias que as separam",
um conhecimento que ultrapassa o senso comum, tentando penetrar no âmbito das
causas e da regularidade dos fatos, aí teremos o conhecimento cientifico. Mas,
considerando-se que a matéria atrai a matéria, que matéria e energia são duas faces da
mesma realidade e que tudo é formado de matéria e de energia, inclusive nós homens,
pode-se concluir que a grande lei que nos rege é a de que "tudo se liga a tudo" e de que a
lei maior é a da solidariedade humana. Nesse âmbito não-experimental, mediato, não-
sensível é que se produz o conhecimento filosófico.

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.2. O conhecimento científico.

Para uma abordagem científica de qualquer realidade há que se considerar


a complexidade do seu objeto de estudo. Inclusive para a classificação das ciências, um
dos critérios é o da exatidão das mesmas, ou seja, quanto mais complexo for o objeto de
estudo de uma ciência menos exata ela será.
Dentro desse critério as ciências podem ser classificadas em:

Formais: objetos de estudo que, do ponto de vista do conhecimento, podem ser


considerados independentemente do seu conteúdo, da matéria que os compõem ou da
situação concreta a que se aplicam – portanto de exatidão absoluta: matemática e
lógica formal.

Fatuais: objetos de estudo que se referem a fatos, entes efetivamente existentes, reais
e que, portanto, são dimensionados no tempo e no espaço – logo, de exatidão variável
de acordo com a sua complexidade. Estas ciências se classificam em:
Exatas: mecânica, engenharia, química – objetos de estudo simples, logo, muito
exatos.
Biológicas: biologia, medicina – objetos de estudo mais complexos do que as exatas e,
portanto, menos exatas que as anteriores.
Humanas e Sociais: psicologia, sociologia, pedagogia, história, direito – que têm por
objetos de estudo o homem, sua história, suas relações, etc, sendo portanto de
grande complexidade e de grau menor de exatidão.

Não significa que as ciências humanas e sociais sejam ciências menores em relação às
outras, apenas, por serem mais complexas, exigem cuidados muito especiais para o enfrentamento do grande
número de variáveis que intervêm nos seus estudos.
Tomemos por exemplo a Sociologia.
A Sociologia tem um objeto de estudo observável fatualmente, que, para ser
cientificamente conhecido, depende de pesquisa experimental e envolve tentativas de
formular teorias e generalizações que darão sentido aos fatos. Como o seu objeto de
estudo é altamente complexo dificilmente se criará uma teoria que o possa explicar sob
todos os seus aspectos.
Assim, como nos ensina Edgar Morin, ao sociólogo cabe saber juntar o que
deve estar junto num determinado espaço e num determinado tempo, para explicar o que
se deseja.

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Para a compreensão da dinâmica social (âmbito da Sociologia) temos de ter uma atenção
especial para enfrentar o seu extremo grau de complexidade, pois não há fatos sociais simples - todos são
extremamente complexos.
Desta forma, é praticamente impossível criar-se um referencial
teórico global, que abarque a totalidade dos fenômenos sociais. Alguns enfocam os
aspectos mensuráveis ou verificáveis experimentalmente como o positivismo, outros o
conflito inerente a eles como o marxismo, outros a estrutura e o funcionamento social,
como o estruturo-funcionalismo, e outros ainda, como o referencial weberiano, tentam
captar a motivação que têm as pessoas participantes do fenômeno social, tentando
captar-lhes o sentido de sua ação.
Em vista disso, a proposta de explicar a sociedade e sua dinâmica é apenas
a de tentar elaborar uma das explicações possíveis, aquela em que o autor acredita, mas
certamente não a única.

3. A Sociologia como ciência.

Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e efeitos das relações


que se estabelecem entre os indivíduos organizados em sociedade. Assim, o objeto da
sociologia são as relações sociais, as transformações por que passam essas relações,
como também as estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem
sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem biológica,
psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse focaliza-se no todo das
interações sociais e não em apenas um de seus aspectos, cada um dos quais constitui o
domínio de uma ciência social específica. As preocupações de ordem normativa são
estranhas à sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais ou a
responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de medidas que visem à
transformação das condições sociais.

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SEGUNDO DOCUMENTO

O ESTUDO DE SOCIOLOGIA NO CURSO DE DIREITO

O estudo de Sociologia no curso de Direito destina-se a


proporcionar ao aluno o estabelecimento de uma relação entre o processo
de desenvolvimento das sociedades e o estabelecimento de suas normas
jurídicas.
O fato jurídico integra-se no contexto sociológico dentro de
uma relação de interdependência, onde, para se conhecer e interpretar
um, há que também se levar em conta o outro.
Essa interdependência manifesta-se através de uma relação
que, para ser entendida, passa por um contexto interdisciplinar,
abrangendo diversos campos do conhecimento humano, reunindo
principalmente: Direito, Antropologia, Sociologia e Filosofia.
Os seres humanos são seres sociais pela própria natureza
genética de sua constituição e, portanto, produtos de um processo
evolutivo que passou por antigos antropóides, também seres sociais.
Assim, as sociedades humanas guardam na sua essência o determinismo
genético para a vida social dos seus componentes e algumas das suas
principais características, como a ação cooperativa, a noção de
territorialidade, uma protocultura, a existência de estratificação social, de
hierarquia e um comportamento gregário padronizado.
Isso tudo pode ser perfeitamente também colocado em termos
das sociedades humanas que, como todas as sociedades, para se
manterem em equilíbrio necessitam de uma padronização do
comportamento dos seus membros.
No nível humano, entretanto, essa padronização depende de
uma série de condicionantes que ultrapassam em muito os determinismos

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da espécie, pois decorrem das atividades altamente desenvolvidas do


grande cérebro do “homo sapiens”*.
Dessa forma, embora existam condicionantes genéticos
subjacentes na constituição das sociedades humanas, elas só mantém a
necessária padronização dos comportamentos dos seus componentes, a
partir de processos genuinamente humanos, como a Educação, a
Comunicação e o Direito.
De um lado, os seres humanos precisam aprender o
comportamento adequado à vida em sociedade, na sociedade em que
vivem. Devem, portanto, aprender as agendas, praxes, símbolos, crenças,
valores e sanções que nela vigoram, exatamente para poderem conviver em
harmonia com os demais componentes dela. É o processo denominado
socialização, que faz parte de todas as sociedades, de todos os tempos e
de todas os lugares do planeta. Esse processo de socialização cabe às
“organizações educacionais**, como família, escola, igreja e também, em
grande parte, aos veículos de comunicação.
É claro que cada sociedade socializa (e depois tenta educar) de
acordo com o seu modelo de padronização de comportamentos. A
sociedade iraniana socializa e educa diferentemente da sociedade
brasileira, e ambas diferem também, em seus processos, de uma sociedade
asiática ou africana.
Assim, a educação, através das suas organizações formais e
informais, ensina aos membros de uma sociedade, seus usos e costumes
estabelecendo quais são os comportamentos aceitos e os inaceitáveis,
alguns até punidos com duríssimas sanções.
Se um polo cabe à Educação, a modelagem dos indivíduos
para o exercício da vida em sociedade, o outro cabe ao Direito, através das

*
Segundo Edgar Morin a complexidade da natureza humana, que leva o homem a fazer, desde as coisas mais
edificantes até as mais repugnantes, deveria fazer com que a sua desigmação como espécie não fosse a de
homo sapiens, mas de homo saoiens demens (sábio e louco simultaneamente).

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organizações públicas regidas pelo aparelho do Estado, que fazem a


regulamentação jurídica desse comportamento, estabelecendo dentro do
inaceitável, o que deve ser punido e como deve ser punido. Indiretamente,
também estabelece o que é aceitável, pois tudo o que não é juridicamente
proibido é juridicamente permitido.
Os meios de comunicação, pôr sua vez, pela importância da
influência que exercem sobre a sociedade, funcionam como instrumentos
auxiliares desse processo de padronização dos comportamentos
necessários à vida social.
Dessa forma, Educação, Meios de Comunicação e Direito se
completam no processo de padronização dos comportamentos sociais,
tendo assim, pela sua própria origem, características conservadoras,
cabendo aos que os estudam e praticam, contribuir para que não se
tornem reacionárias.

Se as sociedades humanas fossem estáticas, a questão da


padronização dos comportamentos determinaria o seu equilíbrio de forma
mais ou menos permanente; porém não o são. Aliás, se tomadas da
Antiguidade até os tempos atuais, parecem submetidas a um aumento da
aceleração dos seus processos de mudança, tanto por fatores externos
como internos, que obrigam tanto a Educação como o Direito a se
adaptarem a elas, o que confere a ambos um caráter extremamente
dinâmico.

Em termos da Ciência do Direito, por exemplo, há que


acompanhar o desenvolvimento e as transformações sociais, adequando
suas interpretações e a criação de novas leis às novas realidades
produzidas dentro do contexto social, objetivando evitar e solucionar
conflitos, fazendo justiça, sem desestabilizar o equilíbrio social. É nesse

**
Não se deve confundir socialização com educação. Esta vai além as socialização, abrangendo todas as
etapas da vida humana, transcendendo, assim, ao simples processo de aprendizagem dos elementos mínimos
para a convivência social.

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particular que o Direito, enquanto ciência, se relaciona com a


Sociologia, pois a esta cabe estudar e contribuir para a verificação

da eficácia das normas jurídicas,

dos efeitos das normas jurídicas,

da adequação das normas às suas finalidades: sua aplicação,


aceitação e obtenção de resultados efetivos,

bem como da realização de pesquisas de campo no âmbito


jurídico.

Da mesma forma é nesse momento que o Direito se relaciona


com a Filosofia, que ao se preocupar com a questão do valor da norma
jurídica, enfoca a questão fundamental: em que medida a norma jurídica
propicia para que se faça justiça.

Estabelece-se, assim, uma relação triádica entre Ciência do


Direito, Sociologia Jurídica e Filosofia do Direito, estudada pelo jurista
Miguel Reale sob a denominação de Teoria Tridimensional do Direito,
que possibilita uma análise ampla e relacional do fenômeno jurídico.

O esquema abaixo mostra três concepções do fenômeno


jurídico, geradoras, portanto, do Direito:

Direito como expressão de normas - juspositivismo;

Direito como expressão de uma evolução social em busca


de justiça - jusnaturalismo;

Direito como expressão de uma relação dinâmica entre fato,


valor e norma – tridimensionalismo.

JUSPOSITIVISMO JUSNATURALISMO

NORMA: a lei JUSTIÇA: o valor

TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

RELAÇÃO: entre o fato (social), o valor e a norma

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Para entender a relação entre o processo de evolução social e a


construção das normas jurídicas, pode-se tomar como exemplo o que nos
ensina Fustel de Coulanges em “A cidade antiga”, que trata da religião,
do culto, do Direito e das instituições na Grécia e em Roma, na
Antiguidade, para aquém do século VII aC.

Segundo nos descreve esse autor, os antigos acreditavam que


a vida continuava após a morte em baixo da terra. Assim, os túmulos de
seus mortos eram construídos dentro da propriedade familiar e neles eram
feitas oferendas materiais (comida e bebida) para ajudar os falecidos na
“nova vida”, sendo que a eles eram prestados cultos solicitando proteção;
enfim, eram transformados em deuses familiares. Cada família possuía
seus deuses, que a protegiam e que dela recebiam o culto. Desse simples
fato decorrem aspectos jurídicos para a sociedade da época, envolvendo o
direito de propriedade, a herança, o modelo de casamento, o poder
paterno, os privilégios do primogênito, o papel da mulher e dos filhos
dentro da família, o conceito de cidadania, etc.

Nesse tipo de sociedade o Direito ligava-se à família através


da religião, conferindo até direito ao pai sobre a vida do filho, como juiz do
território familiar. A regulamentação do casamento fazia com que a
mulher, ao deixar a propriedade paterna para casar, renunciasse ao culto
dos seus deuses, passando a cultuar os da família do marido. A união
entre famílias pelo casamento possibilitou a formação de tribos, que
passaram a prestar cultos a deuses tribais, criados a partir de mortos
veneráveis cujos feitos em vida fossem altamente significantes para a tribo,
alargando-se, assim uma ordenação jurídica a todos os membros da
tribo.

A noção de nação não existia e a de cidadania limitava-se


apenas à cidade, pois com a união das tribos, mais tarde novos deuses e
novas leis passaram a governar um outro território, o da cidade, onde a

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unidade religiosa mantinha-se subjacente às unidades política e jurídica.


A cidade permaneceu como única unidade até que sua estrutura foi
destruída pelas conquistas de Roma que, depois de muitos anos,
possibilitou a extensão da cidadania romana, e das suas prerrogativas,
aos povos conquistados.

Este é apenas um exemplo de como a transformação social é


acompanhada pela transformação do Direito e vice versa, pois, como se
sabe, determinadas leis, como por exemplo as que aumentam a tributação
e provocam recessão, também alteram a conformação social, geralmente
fazendo com que aumentem as distâncias entre ricos e pobres.

Do ponto de vista do aprendizado de uma Sociologia Aplicada


ao Direito, há que se considerar alguns aspectos importantes:

1. O da necessidade de alguns conhecimentos básicos sobre a


Sociologia como ciência – noções de estrutura e
funcionamento do sistema social; questões relativas ao
conhecimento a respeito do fato social e da ação social; a
importância da descoberta de tendências e regularidades no
comportamento social e da sua possibilidade de expressão
quantitativa; a manifestação do conflito em âmbito social e
a abordagem da Ecologia e do Ambientalismo dentro de um
enfoque também sociológico.

2. A importância da relativização do conhecimento sociológico,


que envolve um objeto de estudo altamente complexo – a
sociedade, o homem e suas complexas relações –
possibilitando sempre a produção de um discurso nem
sempre exato.

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3. A questão da relação entre o fato social e o fato jurídico,


relação dotada de alta complexidade e onde causa e efeito
nem sempre se manifestam de forma linear.

4. Finalmente a questão dos referenciais sociais. Mais


importante do que a adoção de um referencial sociológico
pelo professor, sempre tendente para a ideologização, é
importante que o aluno construa o seu referencial, para a
análise dos fatos sociais e do estabelecimento das relações
com o fato jurídico, a partir de várias abordagens
conhecidas.

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TERCEIRO DOCUMENTO

O DIREITO PORTUGUÊS E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA


SOCIEDADE BRASILEIRA

I. Considerações iniciais.

A explicação do processo de evolução do Direito no Brasil,


deve levar em consideração os aspectos ligados à sua origem, pois foi
juntamente com a formação de um povo que nele se implantou uma
cultura e, dentro dela, um Direito.
O Direito, como os demais traços da cultura brasileira, não foi
decorrente de um processo de evolução histórica ou de uma experiência
comunitária partilhada ao longo dos tempos, mas como imposição de todo
um conjunto de tradições culturais estrangeiras. direito, língua, religião,
sistema político, hábitos e costumes, uma herança social e uma cultura
em estágio de desenvolvimento do século XVI, foram transplantados,
através de um projeto colonial, para uma região habitada por
agrupamentos humanos em estágio neolítico de desenvolvimento.
O processo de colonização que gerou os povos-novos2, como o
povo brasileiro, caracteriza-se pelo não estabelecimento de raízes do
colonizador na nova terra. Muito diferente do que ocorreu nos povos-
transplantados3, que efetivamente emigraram para refazer suas vidas e se
estabelecerem numa nova pátria. Nos países em que surgiram os povos-
novos, o colonizador estava de passagem, como num exílio temporário em
que, movido pelo interesse de enriquecimento rápido, desejaria retornar
triunfalmente à metrópole, onde ficaram os seus laços afetivos, sociais e
culturais, a não ser que uma perseguição de natureza política ou religiosa
o fizesse permanecer na terra nova. Assim, o colonizador português, que se
espalhou por inúmeros pontos do litoral brasileiro, tinha os olhos voltados
pala além-mar. Afinal, de lá vinham seus víveres, instrumentos de
trabalho, objetos de adorno, munição, vestimenta e notícias de seus
parentes e amigos. Lá estava sua pátria - aqui ele estava de passagem.

II. Antecedentes históricos.

Portugal tornou-se independente em 1139 após a vitória de


Alfonso Henriques na Batalha de Ourique.

2
Expressão criada por Darcy Ribeiro
33
Como os que se originaram em países como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

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Uma das singularidades da história portuguesa foi a


unificação precoce que permitiu o estabelecimento de uma monarquia,
enquanto em outras regiões da Europa a dispersão feudal ainda reinava.
O processo de unificação realizado precocemente possibilitou a
Portugal as condições que lhe permitiram a conquista territorial contra os
árabes e a irrupção de um surto de desenvolvimento mercantil que cedo
lhe deram destacada importância, embora aspectos nitidamente feudais
ainda existissem como características econômicas, culturais e sociais. Nela
havia um sólido grupo mercantil que, apoiando a monarquia, abriu
perspectivas para que uma nação, que internamente ainda guardava
nítidas características feudais, se lançasse à busca da conquista de
territórios. A luta que havia unido os senhores feudais para a expulsão
dos árabes e que cimentou as bases da unificação portuguesa e de sua
monarquia, foi o alicerce que possibilitou o apoio para as conquistas
territoriais futuras através das expedições náuticas, agora apoiadas por
esse grupo mercantil, formado por todos quantos possuíssem capital para
impulsionar suas atividades comerciais.
Iniciado o novo ciclo, em que Portugal se afirma como nação,
para nós é importante a sua evolução jurídica, pois ela tem tudo a ver com
o que se passou aqui, na Colônia.

A evolução jurídica de Portugal se fez em duas fases:


1ª fase: leis gerais
forais4
2ª fase: ordenações

1ª fase
Na primeira fase, os reis portugueses consolidaram a
monarquia através da promulgação de leis excepcionais, que se
impunham de maneira geral sobre uma imensa variedade de usos e
costumes - leis gerais - e de forais concedidos aos burgos que se
libertavam do domínio árabe.

2ª fase
Numa fase seguinte, quando essas leis se tornaram bastante
numerosas, foi necessária a sua sistematização através da sua reunião em
ordenações. O caráter dessas ordenações era o de compilação de leis
enunciadas na primeira pessoa do plural, com caráter sagrado, onde se
dava grande importância ao Direito Eclesiástico e se refletiam os
privilégios de uma sociedade estamental (de privilégios de determinados
grupos).

4
Foral: carta de lei que regulava a administração de uma localidade ou concedia privilégios a
indivíduos ou corporações

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D. Afonso (1461), D. Manuel I (1521) e D. Felipe III da


Espanha e II de Portugal (1603) foram os grandes compiladores das leis
gerais sob a forma de ordenações, todas elas divididas em 5 livros:
lo. Direito político, administrativo e fiscal;
2o. Direito eclesiástico;
3o. Da organização judiciária e do processo;
4o. Direito privado;
5o. Direito penal

Observação: O Direito Penal tinha um grande número de crimes


religiosos e com regulamentação de penas de rigor desigual, de acordo
com a condição social a que pertencesse o réu.

Foi esse Direito absolutista, sagrado e estamental que se


transplantou para o Brasil Colônia, para .ser aplicado de acordo com as
necessidades e modificado de acordo com a vontade das elites
colonizadoras.
Para o Brasil transplantou-se o Direito Português, junto
com a língua, os costumes, a cultura e a religião.

III. O Direito Colonial Brasileiro.

O empenho colonial repercutiu no processo legislativo da


metrópole, forçando-a a formular um Direito para a direção e a
organização do empreendimento colonial, constituído de:
leis especiais,
cartas de doação,
forais das capitanias,
alvarás,
regimentos dos governadores gerais (1549) e dos
funcionários da colônia, através dos quais a metrópole
desenvolvia o empreendimento colonial.

III.I. O exemplo das capitanias hereditárias.

Eram divididas pela linha da costa.


Eram autônomas.
Eram inalienáveis, no todo ou em parte.
Eram hereditárias.
Formavam um sistema descentralizado politicamente5.

5
São Paulo era a capital da Capitania de São Vicente

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Observação: as conseqüências da divisão em capitanias hereditárias


existem até hoje na estrutura fundiária brasileira.

III.I.I. Obrigações do donatário.


Colonizar e defender a capitania com seus recursos

III.I.II. Regulamentação das relações entre Coroa e donatário.

O donatário recebia da Coroa, uma carta de doação e, através


de um foral, regulamentava-se a relação entre ambos.

- O donatário podia:
- exercer a justiça,
- escravizar o indígena,
- dar terras (sesmarias6) aos cristãos,
- fundar vilas,
- receber a redízima sobre a produção da terra (1%),
- receber o décimo do quinto sobre metais preciosos.
- A Coroa podia:
- reter a propriedade das minas, pau-brasil e pescado,
- cunhar moedas,
- cobrar o dízimo sobre a produção da terra ( 10%).

EM RESUMO: UM SI STEMA DE CARACTERÍ STICAS MEDIE VAIS

III.II. A vinda da Família Real para o Brasil.

A providência de estabelecer em 1549 o sistema centralizador


de Governo Geral, com capital em Salvador, teve também a finalidade de
proteção do projeto colonial português, sobretudo no que diz respeito à
economia açucareira e de incentivo à povoação da terra, agora, para tal,
incluindo-se a introdução da escravidão negra.
Entre 1580 e 1640, Portugal e Espanha estiveram unidos
sob a monarquia espanhola (D.Felipe III de Espanha e II de Portugal), o
que fez com que, na prática, desaparecesse o Tratado de Tordesilhas
facilitando a penetração para o interior, mas fazendo com que Portugal
herdasse as rivalidades que a Espanha tinha na Europa, com Inglaterra,
Holanda e França, expondo a Colônia à uma série de agressões e de atos
de pirataria.

6
Sesmaria: lote de terra inculta e abandonada que os reis de Portugal cediam aos que se dispusessem a
cultivá-la.

16
17

Desde o fim da União Ibérica (1580-1640) em que Portugal e


Espanha estiveram unidos por uma só coroa, as pretensões expansionistas
da Espanha sempre estiveram entre as principais preocupações da política
externa portuguesa. Particularmente, receavam-se as conseqüências de
uma aliança entre a Espanha e a França, que tornaria iminente o risco
de uma invasão. Foi o que ocorreu em 1795, durante uma das coligações
que opuseram a Inglaterra à França, após a Revolução de 1789.
Daí em diante, Portugal procurou sustentar uma posição de
neutralidade, chegando mesmo, mais tarde a buscar obedecer as
exigências francesas de fechar os portos do continente as embarcações
britânicas (1802), sem contudo romper inteiramente os tradicionais
vínculos que o uniam à Inglaterra. Essa estratégia conciliatória, até então
eficaz, caiu por terra em 1805, quando nova aliança franco-espanhola
condicionou o apoio de Madri à ocupação do território português.
Como conseqüência, em 1807, as tropas napoleônicas acabaram por
cruzar a fronteira portuguesa e, sem encontrar grandes resistências,
rapidamente avançaram sobre Lisboa.
O embarque da Corte em direção ao Novo Mundo, embora
precipitado pela invasão, constituía uma opção para a Coroa portuguesa
desde os tempos difíceis da Restauração. Considerada sempre como última
saída em momentos de crise. Essa proposta, porém, adquiria nesse
momento uma outra dimensão. Entre 1796 e 1803, o secretário do
ultramar e depois presidente do Tesouro Rodrigo de Souza Coutinho,
advogara com vigor a concepção de um império luso-brasileiro, com o
qual pretendia eliminar os riscos de uma independência do Brasil, o mais
rico dos territórios da monarquia, concedendo à colônia na América uma
posição de igualdade em relação a Portugal. Embora sem ter sido posta em
prática de maneira efetiva, essa idéia calou fundo em muitos espíritos dos
dois lados do Atlântico. '
Assim, ao decidir transplantar-se para o Rio de Janeiro, a
Coroa não endossava propriamente o projeto de D. Rodrigo, mas
emprestava-lhe um alcance muito maior. Doravante, enquanto
perdurasse a crise na Europa, era o Brasil que se transformava em
metrópole, enquanto Portugal reduzia-se a colônia. As conseqüências
seriam enormes.
Por fim, o plano contava ainda com o apoio da Inglaterra.
Além de representar uma vitória diplomática contra Napoleão, a
conservação da autoridade real sobre o Brasil, para o governo inglês,
significava a abertura das portas do comércio colonial, as quais, por seu
turno, ficariam bloqueadas para a França. Essa conjunção de interesses,
somada à virtual impossibilidade de resistir com êxito a um ataque francês
por terra comandado pelo General Junot, acabou por determinar a
partida da Corte para o Rio de Janeiro em novembro de 1807,
chegando o Príncipe à Bahia em janeiro de 1908, com 36 navios (cerca de
15 mil pessoas) escoltados pela esquadra inglesa.

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Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, todo um


conjunto legislativo ou foi transplantado para o Brasil ou foi criado
para a manutenção da situação colonial, pois esta legislação era sempre
elaborada de acordo com o plano colonizador da metrópole - era manifesta
a proteção ao projeto colonial na legislação portuguesa da época. Nela se
incluía o ímpeto de povoar a colônia a qualquer custo, devido às
ameaças de invasão desta por países europeus, a ponto de o Livro V das
Ordenações Filipinas difundir fartamente penas de degredo para o Brasil e
conceder aos donatários o direito de dar refúgio e terras "a pessoas de
qualquer condição, desde que sejam cristãos".
A todo esse acervo legislativo vieram a se juntar leis e Cartas
Régias especialmente aplicadas ao Brasil, durante a estada da família
real aqui na Colônia, estabelecendo:

1. a abertura dos portos (1805),


2. a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal,
3. a criação de numerosa regulamentação essencial à
presença da corte no Brasil,
4. a nomeação de D. Pedro como Príncipe Regente ( 1821 )

Todo esse conjunto legislativo ou foi transplantado para o


Brasil ou foi criado para a manutenção da situação colonial, pois era
sempre elaborado de acordo com o plano colonizador da metrópole - era
manifesta a proteção ao projeto colonial na legislação portuguesa da
época.

IV. O processo de emancipação política.

A vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808 e a


imediata abertura dos portos realizou um velho sonho da elite
dominante que vivia na colônia, misto de burguesia e feudalìsmo,
enriquecida pela exploração latifundiária e escravocrata da terra e pela
exportação do que aqui se produzia. .
A colônia entrava no século XIX com uma série de problemas,
para os quais, a vinda da corte portuguesa era esperança do encontro de
soluções.
Premido pelos interesses das elites dominantes da colônia, e
da Inglaterra, que tinha dificuldades na Europa, e atendendo à realidade
de um Portugal ocupado, D. João, através de uma Carta Régia abriu os
portos do Brasil às nações amigas.
Com a permanência da corte portuguesa no Brasil e em
decorrência da situação portuguesa e das medidas adotadas pelo
monarca, novas perspectivas abriram-se para a Colônia:

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Portugal deixou de ser o intermediário entre o Brasil


outras nações.
Decretou o monarca lei estabelecendo a liberdade
industrial
Banco do Brasil é criado, para atender ao sustento da
corte.
Em 1810 firmaram-se tratados entre Portugal e
Inglaterra que estabeleceram taxas privilegiadas para
as mercadorias britânicas, o que fez com que os ingleses
tomassem conta do mercado brasileiro e se abortassem
novas tentativas de industrialização.
Melhorou-se o Rio de Janeiro, com a Biblioteca Nacional,
a Fábrica de Pólvora, a Imprensa Régia, o Erário Régio, o
Arsenal Real e o Jardim Botânico.
Em 1515 o Brasil foi elevado à categoria de reino
Unido a Portugal.
Em 1816 D. João é coroado rei de Portugal como D. João
VI.
Em l820 estourou em Portugal uma Revolução
Constitucionalista, como reflexo do descontentamento
das elites portuguesas pelo abandono do país pela sua
corte e, sobretudo, pela situação de inferioridade
econômica a que estavam relegados pela situação que
perdurava desde 1808, obrigando D. João a retornar em
1816, deixando seu filho D. Pedro como Regente e abrindo
perspectivas concretas para a futura independência
brasileira em 1822.

Vendo escapar-lhe a colônia, as cortes portuguesas, após a


volta do monarca à metrópole, tentaram apertar novamente os laços de
dependência, fazendo retornar o reino unido à condição de simples
colônia.
A tal regresso não poderia sujeitar-se a elite brasileira que
preferiu optar pelo apoio à causa da independência. Esta, no fundo, foi
decorrente do conflito entre duas elites dominantes: a brasileira e a
portuguesa.

ELITE COLONIAL BRASILEIRA X ELITE METROPOLITANA


PORTUGUESA

Proclamada a independência, havia necessidade de


elaboração de um sistema jurídico autônomo, uma vez que o Direito
Português vigente no pais até então, dirigido todo ele pelo empenho
colonizador, não poderia compactuar com o novo status político e
econômico do pais.

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Na impossibilidade de elaborar de improviso todo um corpo


legislativo para regular a vida de uma tão vasta nação, a Assembléia
Constituinte, convocada para dar ao país uma constituição, decretou a
vigência das Ordenações Filipinas, em tudo o que não tivesse sido
revogada pelo fato normativo da revolução da independência e iniciais
providências legais que D. Pedro levara a efeito em matéria penal.
Era a ratificação em bloco de toda a transplantação
jurídica realizada pela metrópole.
E outro caminho naquela hora não havia.
O Brasil só teria sua primeira constituição em 1824,
outorgada pelo Príncipe Regente e modelada de acordo com a nova
configuração das forças políticas então emergentes na nova nação
soberana.

V. O processo de emancipação jurídica.

A revalidação da legislação portuguesa pelo governo brasileiro


em 1823 não poderia passar de uma providência provisória e transitória,
destinada a sanar a falta de um ordenamento nacional que regulasse a
vida jurídica da nova nação. A velha legislação portuguesa deveria ir dando
lugar gradativamente à brasileira, à medida em que uma nova legislação
fosse criada para a ordenação da vida nacional.
E um lento processo de emancipação jurídica iniciou-se com a
Constituição de 1824, concluindo-se com o Código Civil de 1916,
quando se dá o fim da regência das Ordenações na legislação
brasileira.
O primeiro aspecto da regulamentação jurídica que devia
sofrer os efeitos imediatos da Independência teria de ser o Direito Público.
A constituição de 1824 foi a resposta a essa urgência da nossa
circunstância social. Mas também o corpo do Direito Penal foi afetado
deixando para trás o Livro V das Ordenações Filipinas, trocando o arbítrio
pela legalidade, pessoalidade, igualdade e moderação das penas, fazendo
com que o Brasil juridicamente passasse de uma sociedade de
estamentos para começar a se constituir numa sociedade de classes.
A liberdade religiosa, embora limitada pelo respeito à religião oficial do
Império e à moral pública, revogou numerosos dispositivos legais da
Ordenação portuguesa, especialmente nos títulos referentes aos crimes
religiosos. Tudo isso convergiria para o Código Criminal de 1830, em que
se consideram inovações liberais como os motivos subjetivos do delito, a
cumplicidade, o atenuante da menoridade, e para o Código de Processo
Criminal em 1832, que traz a inovação liberal do "habeas corpus".
Embora a pena de morte permanecesse, conquanto sem os
processos cruéis das Ordenações, o Imperador passou a comutar em
prisão perpétua todos os casos de pena de morte.
O passo seguinte seria o Código Comercial de 1850. Para
uma sociedade burguesa, latifundiária e comerciante, importava mais a

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regulamentação da atividade comercial do que a atividade civil,


regulamentada apenas em 1917.
Os processos civil e comercial encontraram suas
regulamentações no Regulamento 737, passando, na República, a ser
regulado por leis estaduais, um dos aspectos do federalismo que o Estado
Novo reduziu ao centralismo através do Código de Processo Civil e do
Código Comercial de 1939.
O Código Civil foi o parto mais demorado e laborioso da nossa
emancipação jurídica, permanecendo nesse âmbito, por mais larga
vigência os ditames das Ordenações. Muito tempo depois de em Portugal,
já existir um código civil, as Ordenações ainda estavam em vigor no Brasil,
apenas promulgado durante a República, em primeiro de janeiro de 1916,
O QUE DEMONSTRA O POUCO CASO QUE AS ELITES
DIRIGENTES NACIONAIS, JÁ NAQUELA ÉPOCA, TINHAM PARA COM A
CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA DO POVO BRASILEIRO.
O Código Penal de 1940 e a Consolidação das Leis do
Trabalho de I943 são consonantes com as modificações sociais
decorrentes de uma sociedade que se urbanizou, se industrializou e teve
um processo de modernização reflexa produzido pelo influxo de idéias
oriundas da Europa, sobretudo após as duas guerras mundiais.
As Constituições de 1946 (social-democrata), de 67 (ditada
pelo regime militar) e de 88 (consolidando a redemocratização)
acompanharam o desenvolvimento histórico brasileiro na segunda metade
do século XX.

Nota 1:
O Feudalismo
Em regiões dominadas pela aristocracia, servos trabalhavam a
terra dentro de uma estrutura estamental (de privilégios explícitos).
No fim da Idade Média, os mercadores adquiriram força
comercial e econômica, provocando a decadência da estrutura feudal,
favorecendo o poder real e gerando novas hierarquias sustentadas pelos
capitalistas da fase mercantil.
Segundo Darcy Ribeiro, Os brasileiros, o feudalismo foi uma
estrutura de regressão do capitalismo mercantil, que não conseguiu se
estabelecer, mas não pode retroagir ao escravismo.
Em Portugal, a luta contra os árabes facilitou a formação da
monarquia, pela união com os capitalistas mercantis e possibilitou as
conquistas ultramarinas.
Nota 2:
Ordenações
1823 – Decretação das ordenações provisoriamente para a
ordenação jurídica da nação recém independente.
1824 – Constituição outorgada por D. Pedro I
1917 – Fim das ordenações no Brasil – Código Civil

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Nota 3:
Constituições Brasileiras
1824 – Outorgada
1891 – Republicana
1934 – Social democrata/ Revolução de 30
1937 – Estado Novo (fascistoide)
1946 – Redemocratização
1967 – Imposta pela Junta Militar
1988 – Constituição atual

Bibliografia:

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Você conhece sociologia jurídica? São Paulo:


Forense, 1991.

RIBEIRO, Darcy. Os brasileiros. Petrópolis: Vozes, 4a. ed.


1978.

MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica. São Paulo:


Saraiva, 6a. ed.1957.

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QUARTO DOCUMENTO
TEORIAS SOBRE A GÊNESE DO DIREITO

Terá o Direito apenas uma teoria


para explicar-lhe a origem?

É interessante, para o estudo do controle social, a reflexão de


como surgiu o Direito; de como as sociedades humanas fizeram emergir
esse fato que produz a regulação imperativa da vida social. Para tanto, ao
longo dos tempos, têm sido formuladas várias teorias por filósofos,
teólogos, juristas e sociólogos. Teorias entre si controvertidas e,
conformadas como "escolas", cada uma delas, por seu ângulo, tentando
explicitar a gênese do Direito.
Sergio Cavalieri Filho (1991,1), ajuda-nos a percorrê-las:

1. Escola Jusnaturalista ou do Direito Natural (Antigüidade).

Para essa escola, o Direito é um conjunto de idéias ou


princípios superiores, eternos, uniformes, permanentes, imutáveis,
outorgados ao homem por Deus quando da criação, com a finalidade de
traçar-lhe um caminho e ditar-lhe a conduta a ser mantida. Existiria,
assim, um Direito Natural, inspirado por Deus, com o qual iluminou-se
eticamente a trajetória da humanidade.
As principais características do Direito Natural seriam,
portanto, a estabilidade e a imutabilidade, já que seriam princípios
imanentes ao próprio cosmos e cuja origem estaria na própria divindade.
Estes princípios, o Criador os teriam implantado na consciência dos seres
humanos, tornando-se referência para que soubessem discernir o bem do
mal, o justo do injusto, o certo e o errado. Seriam, portanto a base de

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todas as leis humanas, vigorando para todas as nações e para todos os


tempos.
Essa concepção aparece nos filósofos Heráclito, Sócrates,
Platão, Aristóteles, na Grécia, sendo adotada por Cícero, em Roma.

1.1. Os direitos humanos e o direito natural.

É importante que se reflita ao abordar o direito natural, a questão


dos direitos humanos. Segundo Bobbio (1992, p. 5) os direitos humanos,
por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por luta em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, nem
todos de uma vez nem de uma vez por todas.
Dos direitos pessoais, denominados de primeira geração, a
liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis,
da luta dos parlamentos e do povo rebelado contra soberanos absolutos; a
liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e
amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos
camponeses com pouca ou nenhuma terra e dos pobres, que exigem dos
poderes públicos, não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das
restrições do Estado à sua conduta, mas também a proteção contra o
desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo,
depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos
que ricos proprietários, e mesmo o Estado, poderiam satisfazer por si
mesmos. Isso, ao lado dos direitos sociais, que foram chamados direitos
de segunda geração, os direitos ligados ao meio ambiente, chamados de
terceira geração. Hoje já se fala em direitos de quarta geração,
relacionados com a proteção do homem diante do avanço tecnológico,
como o que decorre das pesquisas genéticas.

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Os direitos humanos, enquanto direitos naturais, embora


naturais, são descobertas históricas e produtos da evolução da consciência
da humanidade, nada tendo de permanentes nem de imutáveis.

1.2. Os direitos humanos e o direito natural.

Alguns acontecimentos marcaram historicamente o


reconhecimento de direitos (Altavila, 1997). Dentre eles, destacam-se:

Direitos de primeira geração - pessoais:


Direito Antigo:
Código de Hamurabi (Babilônia)
Código de Manu (Índia)
Lei Mosáica
Lei das Doze Tábuas
Cristianismo
Patrística
Alcorão
Direito Moderno:
1215 – Carta Magna
1764 - Dos delitos e das penas – Beccaria
1776 – Revolução Americana
1789 – Revolução Francesa
1946 – Declaração Universal dos Direitos do Homem

Direitos de segunda geração - sociais:


1912 – Revolução Mexicana
1917 – Revolução Russa
1956 – Declaração de Argel

Direitos de terceira geração - ambientais:


1990 – Carta da Terra (Rio de Janeiro)
1992 – Agenda 21

Direitos de quarta geração – biológicos, genéticos.

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2. Escola Teológica (Idade Média).

A Escola Teológica coexistiu com a Jusnaturalista durante


toda a Antigüidade, pois as duas em muito se assemelham. Ambas
concebem o Direito como um conjunto de princípios eternos e imutáveis. A
diferença é que, ao invés da inspiração divina, há a outorga direta da lei
por Deus, através das escrituras.
Deus teria elaborado Ele mesmo as primeiras leis, entregando-
as à humanidade através de intermediários, lideres religiosos como Moisés,
Hamurabi, Manu, Solon, etc. Com o surgimento do Cristianismo, o Direito
continuou a ser considerado manifestação da vontade divina.
Para Sto. Tomás de Aquino existiriam 3 categorias de Direito:
O Direito Divino, baseado nas Escrituras e nas decisões
dos Papas e dos Concílios,
O Direito Natural, captado pelos seres humanos por
intuição, mas semelhante à concepção jusnaturalista e
O Direito Humano, produzido pela humanidade e que
deveria ter por fundamento os dois anteriores.

3. Escola Contratual ou Racionalista (séculos XVI e XVII).

Para os racionalistas são duas as categorias do Direito:


Direito Natural, originado na natureza racional dos seres
humanos, estável por toda parte e imutável diante de
qualquer vontade divina ou humana.
Direito Positivo, fundamentado no Direito Natural e
decorrente do contrato social a que os seres humanos foram
levados a celebrar para viver em sociedade.

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Deveria haver entre o Direito Natural e o Direito Positivo uma


íntima relação, sempre levando-se em consideração que o primeiro é
fundamento para o segundo Thomas Hobbes, Montesquieu, John Locke
e Jean Jacques Rousseau, são as figuras mais notáveis dessa escola que,
pela primeira vez, deslocou a fonte do Direito, de Deus para a própria
razão do homem. Aranha e Martins (1986, 240) assim descrevem as
quatro concepções de contrato social.

O contrato social segundo Hobbes (1588 - 1679):

A situação dos homens deixados a si próprios é de anarquia,


geradora de insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas
predominam, e o homem se torna um lobo para o outro homem. As
disputas geram a guerra de todos contra todos e as conseqüências desse
estado de coisas é o prejuízo para a indústria, a agricultura, a navegação,
a ciência e o conforto dos homens.
O contrato:
O homem, não sendo sociável por natureza, o será por
artifício, por pacto. É o medo e o desejo de paz que o levam a fundar um
Estado Social e a autoridade política abdicando dos seus direitos em
favor do soberano que, por sua vez, terá um poder absoluto. A
transmissão do poder deve ser total, caso contrário, se conservar um
pouco que seja da liberdade natural do homem, instaura-se de novo a
guerra. Esse poder se exerce ainda pela força, pois só a iminência do
castigo pode atemorizar os homens. Os pactos sem a espada não são mais
que palavras. Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, sobre o
justo e o injusto; ninguém pode discordar, pois tudo o que o soberano faz
é resultado do investimento da autoridade consentida pelo súdito. Hobbes
usa a figura bíblica de um monstro o Leviatã, que representa um animal
monstruoso e cruel, mas que, de certa forma, defende os peixes menores
de serem engolidos pelos mais fortes. É essa figura que representa o

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Estado, um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram


o cuidado de os defender.
Investido de poder, o soberano não poderá ser destituído,
punido ou morto. Tem o poder de prescrever as leis, de julgar, de fazer a
guerra e a paz, de recompensar e punir, de escolher os conselheiros.
Hobbes preconiza ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões e
doutrinas contrárias à paz. E quando, afinal, pergunta-se se não é muito
miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui-se que
nada se compara às misérias que acompanham a guerra civil ou a
condição dissoluta de homens que levam a vida sem senhor.

O contrato social segundo John Locke (1632 - 1704):

Como Hobbes, também Locke considera que apenas o pacto


torna legítimo o poder do Estado, só que considera os homens em estado
de natureza como seres livres, iguais e independentes. Para Locke, no
estado natural, cada um é juiz da sua própria causa, fazendo com que se
tornem grandes os riscos de paixões e de parcialidade, que podem
desestabilizar as relações entre os homens. Por isso, visando a segurança e
a tranqüilidade necessárias ao gozo da propriedade, as pessoas consentem
em instituir o corpo político. Os direitos naturais dos homens não
desaparecem em conseqüência desse consentimento, mas subsistem para
limitar o poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à
insurreição O poder é um depósito confiado aos governantes, em relação
de confiança, e, se estes não visarem o bem público, é permitido aos
governados retirá-lo e confiá-lo a outro.
A guerra de independência dos Estados Unidos da América, e
as normas jurídicas dela decorrentes, foram grandemente influenciadas
pelo pensamento de Locke.

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O contrato social segundo Rousseau (1712 - 1778):

Assim como seus antecessores, Hobbes e Locke, Rousseau


desenvolve seu pensamento a partir da hipótese do homem em estado de
natureza e procura resolver a questão da legitimidade do poder nascido do
contrato social. No entanto, sua posição é, num aspecto, inovadora, na
medida em que distingue os conceitos de soberano e governo, atribuindo
ao povo a soberania inalienável.
“ Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas
rústicas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas
suas roupas de peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o
corpo com várias cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a
cortar com pedras agudas algumas canoas de pescador ou alguns
instrumentos grosseiros de música - em uma palavra: enquanto só se
dedicavam às obras que um único homem podia criar e a artes que não
solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e
felizes quanto o poderiam ser por sua natureza e continuaram a gozar
entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o instante
em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que se
percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a
igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e
as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs
regar com suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a
miséria germinarem e crescerem com as colheitas”.
Rousseau parece demonstrar um extrema nostalgia desse
estado feliz em que vivia o bom selvagem. Mas a propriedade introduz a
desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre,
entre o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância da
lei do mais forte. O homem que surge é um homem corrompido pelo poder
e esmagado pela violência. Trata-se de um falso contrato que coloca os
homens sob grilhões. Há que se considerar a possibilidade de um

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contrato verdadeiro e legítimo, pelo qual o povo esteja reunido sob uma
só vontade.
O contrato social, para ser legítimo, deve se originar no
consentimento necessariamente unânime. Cada associado se aliena
totalmente, ou seja, abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor
da comunidade. Mas, como todos abdicam igualmente, na verdade cada
um nada perde pela sua inserção no que se pode considerar um corpo
moral coletivo, composto por tantos membros quantos são os votos da
assembléia. Pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas, sendo ele
próprio, parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer a lei obedece a
si mesmo, e portanto é livre. Para Rousseau o contrato não faz o homem
perder sua soberania, pois este não cria um Estado separado de si
mesmo. O próprio soberano é o povo incorporado. !?

A contribuição de Montesquieu (1689 - 1755):

Procurando a razão dos fatos nos próprios fatos, na relação


com os antecedentes, Montesquieu tratou a História pelo método das
ciências físicas, pela justa compreensão de que a ordem social, como
um fato natural, está submetida a leis. As leis são regularidades
naturais, não estabelecendo, porém, princípios absolutos Nega ele a
Providência Divina como diretriz. São alguns fatos constantes e gerais que
dão as direções e as formas principais ao processo de evolução histórica.
O determinismo universal é racional e baseado na experiência.
O grau de coesão social se expressa nas diversas formas de
governo: a monarquia (baseada na honra);
a república (baseada na virtude);
o despotismo (baseado no medo).
Para evitar a degeneração e a degradação da coesão social, em
decorrência do enfraquecimento dos sentimentos que suportam os tipos

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de governo, propõe ele a divisão dos poderes: executivo, legislativo e


judiciário.

OBSERVAÇÃO: com o jusracionalismo pela primeira vez a humanidade


viu a deslocação da fonte do Direito, de Deus para a própria razão do
homem.

4. Escola Histórica do Direito (séculos XVIII e XIX)

A Escola Histórica, pela primeira vez, rebelou-se contra a


existência de um Direito Natural, permanente e imutável. Para ela, o
Direito é um produto histórico, decorrente da consciência nacional
dos povos, formado gradativa e paulatinamente pelas tradições e
costumes, como resposta às necessidades de cada um, surgindo de
maneira tão espontânea e natural quanto a própria linguagem.
Assim, cada povo em cada época teria o seu próprio Direito,
como expressão natural da sua evolução histórica, de seus usos, costumes
e tradições7.
Ao formular a visão do Direito como um produto histórico da
consciência nacional dos povos e não como algo estabelecido
arbitrarianente pela vontade dos homens, nem revelado por Deus, nem
pela razão, a Escola Histórica do Direito abre a perspectiva para a
percepção do caráter social dos fatos jurídicos, com seus dois
elementos fundamentais: continuidade e transformação. Mostrou ela,
que os fundamentos do Direito se encontram na vida social.
Surgida na Alemanha, em pleno apogeu do neo-humanismo,
quando o Direito era considerado mera criação da razão humana, teve a
Escola Histórica do Direito como principais expressões Frederico Charles
Savigny e Gustavo Hugo.

7 Note-se que o Direito Brasileiro não foi produto de evolução histórica mas de
transplante político e cultural.

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5. Escola Marxista (1818 - 1883)

Para essa escola, que teve em Marx e Engels suas figuras


máximas, o Direito pressupõe o Estado. Surge somente quando há uma
sociedade política, jurídica e economicamente organizada, como fonte
emanadora do preceito jurídico e tendo um órgão, o Estado, capaz de
impor o cumprimento de suas prescrições.
Fixa o Direito, acima de tudo, as relações econômicas que
predominam em certo momento histórico, razão pela qual, Marx o
considerava a expressão do interesse da classe dominante, instrumento
ideológico de dominação da burguesia sobre o proletariado. Portanto, não
haveria Direito sem Estado e nem Estado sem Direito. Para ela o Direito
tem sua origem no Estado 8 e não na sociedade, pois ele apenas sanciona
as relações existentes de dominação de uma classe pela outra.

6. Escola Sociológica - Durkheim - (1858 - 1918)

As relações entre Direito e Sociologia foram formalmente


iniciadas por Herbert Spencer (1820 - 1903) em "Princípios de Sociologia"
(“ A sociedade é um organismo que surgiu como fase da evolução global,
apresentando evolução do homogêneo para o heterogêneo”) e
definitivamente estabelecidas por Émile Durkheim, que no final do século
XIX evidencia o caráter eminentemente social do Direito.
Para a Escola Sociológica, o social se explica pelo social.
Assim sendo, o Direito é um fato soclal, e tem sua origem nas inter-
relações sociais (o fato social é coisa, para Durkheìm e deve ser observado
de forma objetiva). A sociedade humana é, pois, o meio onde o Direito
surge e se desenvolve. As normas do Direito são regras de conduta para

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Dentro da concepção marxista, na Antiguidade e na Idade Média não havia Estado, mas sim uma
organização política e de poder, mas não o Estado, como nós o concebemos. O Estado é uma expressão do
sistema econômico de mercado, onde se separam as relações econômicas das relações políticas.

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disciplinar o comportamento do indivíduo no grupo durante o


estabelecimento de relações sociais. São normas ditadas pelas próprias
necessidades e conveniências sociais, mutáveis e variáveis em consonância
com a própria evolução dos grupos humanos e destinadas a disciplinar o
comportamento do indivíduo no grupo, ditadas pelas próprias
conveniências da sociedade. Não haveria, portanto, Direito sem sociedade.

7. A gênese do Direito e a abordagem pelo referencial da


hipercomplexidade.

Na medida em que, neste trabalho, há a proposta de


construção de um referencial integrador para a análise dos fatos sociais,
uma primeira verificação que se pode fazer é a de perceber que se pode
compreender a gênese do Direito com o estudo de praticamente todas as
escolas. Para os que acreditam, não se afasta a contribuição do
Jusnaturalismo e da Escola Teológica. Quem pode contestar a
contribuição da razão e do contratualismo para a elaboração do Direito?
Será possível, por outro lado, negar os contextos histórico e sociológico da
conformação do Direito? E como negar seu uso pelo Estado nas mãos dos
poderosos para explorar os oprimidos, nestes tempos de flagrante
desigualdade social construída pela humanidade?
De cada escola aprendemos alguns aspectos importantes que,
no seu conjunto, podem nortear nossa formulação sobre a gênese do
Direito, nunca deixando de considerar que, como um produto evolutivo,
o Direito não terminou sua gênese; ela continua e continuará
indefinidamente.
Não nos esqueçamos que, hoje, sabe-se que o homem é social
porque é geneticamente programado para sê-lo. Tem matrizes genéticas
que conformam o seu comportamento social básico. E esse componente
genético determina uma série de comportamentos sociais fundamentais
ligados à noção de territorialidade, de reprodução, de estabelecimento de

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hierarquias, de normas e até de elaboração de protoculturas e bioclasses,


propiciando até o surgimento de uma especialidade cientifica para estudar
as conseqüências genéticas no comportamento social humano - a
Sociobiologia (E.Wilson,1981).
É, portanto, a partir desse comportamento social básico, que cada
agrupamento humano, dentro da sua dimensão ecológica, geográfica,
histórica, social, política, cultural e econômica, constrói o seu Direito,
usando sempre bases racionais - pois todas as manifestações culturais
do planeta têm uma fundamentação lógica.
No estudo da gênese do Direito, sentimos a complexidade do
fenômeno humano. Os seres humanos, por terem uma dimensão social,
para sobreviverem como grupo e até como espécie, precisam construir
sistemas estáveis de convivência social e, para mantê-los, necessitam da
regulação dos seus próprios comportamentos. E, para a construção desses
sistemas estáveis de convivência social há uma contribuição considerável
do Direito e da Educação. Esta pela socialização e aquele pela
normatização institucional dos comportamentos, fazem com que haja uma
regularidade no comportamento social, só alterada pela instabilidade dos
sistemas humanos, permanentemente afetados por conflitos das mais
diversas naturezas.

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QUINTO DOCUMENTO

EVOLUÇÃO SOCIAL e HISTÓRICA dos DIREITOS HUMANOS

1. Do Direito Natural à concepção histórica do Direito.

A mais antiga concepção de Direito é a que conhecemos como Direito


Natural. Nela, o Direito é concebido como um conjunto de idéias ou princípios superiores,
eternos, uniformes, permanentes, imutáveis, outorgados ao homem por Deus quando da
criação, com a finalidade de traçar-lhe um caminho e ditar-lhe a conduta a ser mantida.
Existiria, assim, um Direito Natural, inspirado por Deus, com o qual iluminou-se
eticamente a trajetória da humanidade. É o que se conhece como Jusnaturalismo.
As principais características do Direito Natural seriam, portanto,
a estabilidade e
a imutabilidade,
já que seriam princípios imanentes ao próprio cosmos e cuja origem
estaria na própria divindade. Estes princípios, o Criador os implantara
na consciência dos seres humanos, tornando-se referência para que
soubessem discernir o bem do mal, o justo do injusto, e o certo do
errado. Seriam, portanto a base de todas as leis humanas, vigorando
para todas as nações e para todos os tempos.
Essa concepção aparece nos filósofos Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles,
na Grécia, sendo adotada por Cícero, em Roma.
Durante toda a Antigüidade o Jusnaturalismo coexistiu com a concepção
teológica, em que Deus, além da inspiração, também outorgou diretamente a lei para os
homens, através das Sagradas Escrituras.
Deus teria elaborado Ele mesmo as primeiras leis, entregando-as à
humanidade através de intermediários, lideres religiosos como Moisés, Hamurabi, Manu,
Solon, etc. Com o surgimento do Cristianismo, o Direito continuou a ser considerado
manifestação da vontade divina.
Para Sto. Tomás de Aquino existiriam 3 categorias de Direito:

O Direito Divino, baseado nas Escrituras e nas decisões dos Papas e dos Concílios,
O Direito Natural, captado pelos seres humanos por intuição, mas semelhante à
concepção jusnaturalista e

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O Direito Humano, produzido pela humanidade e que deveria ter por fundamento os
dois anteriores.
Pôr volta dos séculos XVI e XVII surge uma concepção racionalista do
Direito Natural. Segundo essa concepção, existiriam duas categorias de Direito:

Direito Natural, originado na natureza racional dos seres humanos, estável por toda
parte e imutável diante de qualquer vontade divina ou humana.

Direito Positivo, fundamentado no Direito Natural e decorrente do contrato social a


que os seres humanos foram levados a celebrar para viver em sociedade.

Deveria haver entre o Direito Natural e o Direito Positivo uma íntima


relação, sempre levando-se em consideração que o primeiro é fundamento para o
segundo. Thomas Hobbes, Montesquieu, John Locke e Jean Jacques Rousseau, são
representantes desse pensamento que, pela primeira vez, deslocou a fonte do Direito,
de Deus para a própria razão do homem.
Durante os séculos XVIII e XIX a denominada Escola Histórica do Direito,
pela primeira vez, rebelou-se contra a existência de um Direito Natural, permanente e
imutável. Para ela, o Direito é um produto histórico, decorrente da consciência
nacional dos povos, formado gradativa e paulatinamente pelas tradições e costumes,
como resposta às necessidades de cada um, surgindo de maneira tão espontânea e
natural quanto a própria linguagem.
Assim, cada povo em cada época teria o seu próprio Direito, como
expressão natural da sua evolução histórica, de seus usos, costumes e tradições.
Ao formular a visão do Direito como um produto histórico da consciência
nacional dos povos e não como algo estabelecido arbitrariamente pela vontade dos
homens, nem revelado por Deus, nem pela razão, a Escola Histórica do Direito abre a
perspectiva para a percepção do caráter social dos fatos jurídicos, com seus dois
elementos fundamentais:

continuidade e
transformação.

Mostrou ela, que os fundamentos do Direito se encontram na vida social.


Surgida na Alemanha, em pleno apogeu do neo-humanismo, quando o
Direito era considerado mera criação da razão humana, teve a Escola Histórica do Direito
como principais expressões Frederico Charles Savigny e Gustavo Hugo.

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2. Os direitos humanos como direitos históricos.

É importante que se reflita ao abordar o direito natural, sobre a questão


dos direitos humanos. Segundo Bobbio (1992, p. 5) os direitos humanos, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por luta em defesa de novas liberdades contra velhos
poderes, e nascidos de modo gradual, nem todos de uma vez nem de uma vez por todas.
Dos direitos pessoais, denominados de primeira geração, a liberdade
religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos e
do povo rebelado contra soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais,
do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores
assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra e dos pobres, que exigem
dos poderes públicos, não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das restrições do
Estado à sua conduta, mas também a proteção contra o desemprego, os primeiros
rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a
velhice, todas elas carecimentos que ricos proprietários, e mesmo o Estado, poderiam
satisfazer por si mesmos. Isso, ao lado dos direitos sociais, que foram chamados direitos
de segunda geração, os direitos ligados ao meio ambiente, chamados de terceira
geração. Hoje já se fala em direitos de quarta geração, relacionados com a proteção do
homem diante do avanço biotecnológico, como o que decorre das pesquisas genéticas.
Os direitos humanos, enquanto direitos naturais, embora naturais, são
descobertas históricas e produtos da evolução da consciência da humanidade, nada tendo
de permanentes nem de imutáveis.

3. A descoberta dos direitos humanos.

Alguns acontecimentos marcaram historicamente o reconhecimento de


direitos (Altavila, 1997). Dentre eles, destacam-se:

Direitos de primeira geração - pessoais:

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Direito Antigo:
Código de Hamurabi (Babilônia). Hamurabi (1792 a 1750 a.C) passou à história
sobretudo como legislador original. Consolidou a tradição jurídica, harmonizou os
costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. O código não é uma
coletânea sistemática de leis, mas um agrupamento de disposições casuísticas, de
ordem civil, penal e administrativa. É um corpo de leis dividido em 282 artigos,
escrito em língua e estilo oficial e preciso: suas disposições concernem à família,
ao cultivo dos campos, ao comércio, ao trabalho e à compra de escravos. A base de
seu direito penal é a lei de talião9, enraizada nas civilizações antigas, que consiste
em infligir ao criminoso o mesmo dano causado por ele.
Código de Manu (Índia). Conjunto de leis da época clássica hindu que trata da
prática do bem ou do mal e suas conseqüências na vida futura. Redigido em
sânscrito em forma de versos. Sua autoria é atribuída a Manu, herói mitológico e
exemplar legislador.
Lei Mosáica. O Deuteronômio (capítulo do Velho Testamento) significa "segunda
lei", por ser uma recapitulação da lei de Moisés. Foi elaborado por sacerdotes e
profetas que se consideravam continuadores da obra de Moisés. É o quinto e
último livro do Pentateuco sendo uma constituição político-religiosa do Velho
Testamento. Aborda questões variadas como justiça, educação, cultura, descanso
semanal, direito, etc.
Lei das Doze Tábuas (450 aC). É o mais importante legado jurídico da
antigüidade -- o direito romano -- constituiu-se progressivamente, de acordo com
as diferentes formas de governo que se sucederam em Roma. No período da
república, deu-se a mais antiga codificação do direito romano, a Lei das Doze
Tábuas, que a tradição situa entre 451 e 450 a.C. As Doze Tábuas foram escritas
sob a pressão dos plebeus - todos os cidadãos, ricos ou pobres, não pertencentes à
classe dos patrícios - que se sentiam injustiçados com o controle exercido pelos
patrícios sobre as leis. Estes, efetivamente, fixavam normas legais de acordo com
uma praxe consuetudinária em que só era iniciado um reduzido grupo de
notáveis. As Doze Tábuas, porém, não representaram uma liberalização dos
antigos costumes. Assim, reconheciam as prerrogativas dos patrícios e da família
patriarcal, admitiam a escravidão pelo não pagamento de dívidas e a aplicação de
leis religiosas aos casos civis. Os romanos reverenciaram as Doze Tábuas como
sua fonte primordial do direito. Elas nunca chegaram a ser formalmente abolidas,

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apesar da inevitável obsolescência a que chegaram com a passagem do tempo. É


indiscutível, no entanto, o primitivismo jurídico da mesma: os ritos sumários,
descritos em estilo literário arcaico, e as normas processuais extremamente
rígidas dão testemunho disso. A pena capital era aplicável a poucos delitos, mas
em geral as penas previstas eram bastante rigorosas.
Cristianismo. À idéia de um Deus único e justo, enfatizada pelos últimos
profetas do judaísmo no Antigo Testamento, Jesus acrescentou uma revelação
pessoal, que não teve o conteúdo que os judeus esperavam -- um reino político --,
mas o do Messias sofredor, que daria a vida pela remissão dos pecados e pela
salvação de todos os homens que o aceitassem. A negação do mundo, uma vida de
recompensas ou de castigos, novos ritos de iniciação (batismo em vez de
circuncisão), igualdade entre todos os homens, uma vida moral e justa baseada na
soberania de Deus eram os ensinamentos que Jesus transmitia, levando uma vida
de pobreza e sacrifício, seguida, conforme os relatos do Novo Testamento, de
muitos milagres. A afirmação de Jesus sobre sua própria morte, da qual
ressuscitaria, tornou-se uma convicção comum entre seus primeiros discípulos e
se incorporou às doutrinas fundamentais estabelecidas pelo apóstolo Paulo.
Patrística (entre os séculos II e VIII). A Patrística procurou conciliar as
verdades da revelação bíblica com as construções do pensamento próprias da
filosofia grega. A Patrística é um corpo doutrinário que se constituiu com a
colaboração dos primeiros padres da igreja, veiculado em toda a literatura cristã
produzida entre os séculos II e VIII, exceto o Novo Testamento. Os maiores nomes
da patrística latina foram Santo Ambrósio, São Jerônimo (tradutor da Bíblia para
o latim) e Santo Agostinho, este considerado o mais importante filósofo em toda a
Patrística. Além de sistematizar as doutrinas fundamentais do cristianismo,
desenvolveu as teses que constituíram a base da filosofia cristã durante muitos
séculos. Os principais temas que abordou foram as relações entre a fé e a razão, a
natureza do conhecimento, o conceito de Deus e da criação do mundo, a questão
do mal e a filosofia da história.
Escolástica (durante a Idade Média e o Renascimento). Ensino teológico e
filosófico da doutrina aristotélico-tomista, ministrado em conventos, catedrais e
universidades européias durante a Idade Média e o Renascimento. Como sistema
filosófico e teológico, a escolástica tentou resolver, a partir do dogma religioso e
mediante um método especulativo, problemas como a relação entre fé e razão,

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lei de Talião : Norma jurídica de antigas civilizações, que consistia em vingar o delito impondo ao
delinqüente uma pena ou dano igual ao causado por ele. Expressa até hoje no dito popular "olho por olho,
dente por dente.

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desejo e pensamento; a oposição entre realismo e nominalismo10; e a probabilidade


da existência de Deus. A noção de filosofia cristã, embora constantemente
empregada, a rigor representa uma contradição em termos, pois o cristianismo é
religião e a filosofia é conhecimento racional. Historicamente, porém, a escolástica
consiste nesse paradoxo de uma filosofia que é, ao mesmo tempo, racional e
religiosa, motivo pelo qual seu problema mais grave é o das relações entre a razão
e a fé. Que liberdade terá a razão, se o dogma limita a priori seus movimentos?
Há, entretanto, um conteúdo filosófico na obra dos doutores da igreja e dos
escolásticos levado em conta na história da filosofia. Esse conteúdo encontra sua
última justificativa na doutrina da igreja. O pensamento devia demonstrar que a
igreja, por seu método próprio, já havia estabelecido a Verdade. Surgindo em um
mundo cristão, seus pressupostos eram as crenças básicas em que o mundo então
se fundamentava, radicalmente distintas das que configuravam o mundo antigo,
greco-romano. Os problemas que se apresentavam à filosofia eram suscitados pela
Revelação. A idéia de Deus, uno e trino ao mesmo tempo, da criação do mundo a
partir do nada, da imortalidade pessoal, do homem à imagem e semelhança de
Deus, a noção de história, implícita no relato bíblico, criação, pecado original,
redenção e juízo final são idéias religiosas que provocavam especulação
tipicamente metafísica ou filosófica.
Alcorão (por volta do ano de 612 da era cristã). A pregação de Maomé se baseia
num monoteísmo absoluto. Existe um só Deus, criador, onipotente e
misericordioso; um juízo final premiará os bons e castigará os pecadores, na vida
extraterrena. A criação reflete o poder, a sabedoria e a autoridade de Deus, mas
Deus é totalmente distinto da criação, embora nela esteja intimamente presente:
"Mais próximo do homem que sua própria veia jugular". O homem é como que o
representante de Deus na criação, mas, apesar disso, ignorante e louco. É livre --
à diferença do resto da criação -- para seguir ou não a revelação e os
mandamentos divinos; no entanto, também se salienta que Deus tem absoluto
controle dos homens, o que se pode quase interpretar como predestinação. O
Alcorão não pretendeu ser um tratado teológico, mas ofereceu o fundamento sobre
o qual filósofos e teólogos construíram sistemas coerentes, ainda que com as
variedades correspondentes às interpretações de cada seita. A partir dessa base
teológica, o Alcorão foi e continua a ser um código moral, social e político

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Nominalismo: Doutrina segundo a qual as idéias gerais não passam de simples nomes, sem realidade fora
do espírito ou da mente. Uma das principais tendências vigentes durante a Idade Média.

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Direito Moderno:
1215 – Carta Magna. Elaborada inicialmente como salvaguarda dos barões
ingleses ante o absolutismo real, a Magna Carta mais tarde passou a
paradigma das liberdades britânicas. Documento assinado pelo rei inglês João
sem Terra, a Magna Carta resultou de um movimento liderado pelo arcebispo
de Canterbury, para opor ao despotismo real os direitos dos nobres e de todos
os demais súditos ingleses. Durante os primeiros anos do século XIII, João
sem Terra procurou superar dificuldades econômicas por meio de pesados
tributos sobre a igreja e a nobreza, que reagiram com indignação. O
documento incorporou os direitos mais importantes para a época. Três deles
mantêm-se ainda vigentes entre os preceitos constitucionais contemporâneos.
O primeiro determina que o homem livre não pode ser privado da vida ou da
propriedade, a não ser em virtude de sentença judicial e de acordo com a lei.
Daí resulta que todo acusado tem o direito de ser julgado por um juiz, e assim
garantir-se contra as prisões arbitrárias. Nesse princípio baseia-se a
instituição do habeas-corpus, que existe em todos os sistemas jurídicos
democráticos. Outro princípio dispõe que a justiça não pode ser vendida,
denegada ou retardada. Em conseqüência, o poder judiciário deve ser
independente. O terceiro princípio proíbe a criação de novos impostos sem o
consentimento dos nobres. Esse postulado lançou as bases do futuro
Parlamento inglês e revive na competência privativa das câmaras para legislar
sobre matéria financeira e votar o orçamento. As legislações britânicas
posteriores e também a constituição dos Estados Unidos inspiraram-se nesse
documento.
1764 - Dos delitos e das penas – Beccaria , Cesare (1738-1794). As idéias
do jurista e economista Beccaria influenciaram o direito penal moderno,
contribuindo para a suavização das penas e a abolição da pena capital em
numerosos países. Começou a escrever Dos delitos e das penas influenciado
pelas idéias de Montesquieu, Diderot, Rousseau e Buffon. Beccaria atacava
nesse livro o uso abusivo da tortura e outras deficiências do sistema penal da
época, exprimindo os protestos da consciência pública contra a violência e a
arbitrariedade da justiça, típica da Idade Média e dos séculos subseqüentes.
Beccaria foi o primeiro adversário da pena de morte, defendendo a
proporcionalidade entre a punição e o crime. Afirmava que o critério para
medir a responsabilidade penal do agente era não a intenção, mas o dano que
seu crime causava à sociedade. Sua argumentação baseava-se no conceito

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utilitário do melhor para um maior número de pessoas, estabelecendo que a


origem do direito penal é a segurança geral da sociedade e que a prevenção do
crime é mais importante do que a pena. Essa deve ter caráter retributivo, no
sentido de reeducar e recuperar o criminoso. A obra de Beccaria inspirou
reformas judiciárias, dentre as quais a abolição da tortura, em vários países da
Europa.
1776 – Revolução Americana. A guerra da independência dos Estados
Unidos (revolução americana) abriu uma nova era na história da humanidade.
E o país surgido desse movimento libertário tornou-se modelo e inspiração
para as colônias ibero-americanas em seu desejo de emancipação das
potências colonizadoras. Origens. Dá-se o nome de revolução americana à luta
das colônias estabelecidas na América do Norte, para se tornar independentes
da Grã-Bretanha. Vitoriosas, as colônias passaram a constituir uma república
independente, estabelecida com base em princípios democráticos que, pela
primeira vez, ganhavam forma estatal. A Declaração de Independência.
Depois de um ano de debates, em 4 de julho de 1776 o Congresso aprovou
finalmente a Declaração de Independência, redigida por Thomas Jefferson,
John Adams e Benjamin Franklin. Esse documento de importância histórica
universal inspirou-se nas idéias avançadas de pensadores franceses e ingleses.
Diz a declaração em seu preâmbulo: "Consideramos evidentes por si mesmas
as seguintes verdades: todos os homens foram criados iguais e dotados por seu
criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a
busca da felicidade; para assegurar esses direitos, constituem-se entre os
homens governos cujos poderes decorrem do consentimento dos governados;
sempre que uma forma de governo se torna destrutiva desse fim, o povo tem o
direito de aboli-la e de estabelecer um novo governo..." Mais concretamente, a
declaração estipulava o direito das colônias a se tornarem "estados livres e
independentes", desligados de qualquer compromisso de obediência à coroa da
Grã-Bretanha, com a qual ficava rompida toda união política.
Bill of Rights (EUA - 1787). Nome dado às dez primeiras emendas da
constituição americana elaboradas em 1787 e adotadas de forma conjunta em
1791. Constitui uma coleção de garantias de segurança dos direitos
individuais e dos deveres do governo.
1789 – Revolução Francesa. A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de
1789, marca o início do movimento revolucionário pelo qual a burguesia
francesa, consciente de seu papel preponderante na vida econômica, tirou do
poder a aristocracia e a monarquia absolutista. O novo modelo de sociedade e

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de estado criado pelos revolucionários franceses influenciou grande parte do


mundo e, por isso, a revolução francesa constitui um importante marco
histórico da transição do mundo para a idade contemporânea e para a
sociedade capitalista baseada na economia de mercado. Sublevação política
que teve início em 1789 e se prolongou até 1815, a revolução francesa,
baseada em princípios liberais, democráticos e nacionalistas, foi a
primeira das revoluções modernas. A Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão é o documento representativo da Revolução Francesa. Por suas
conseqüências e pela influência que exerceu na evolução dos países mais
adiantados da Europa, é considerada a mais importante do ciclo de revoluções
burguesas da história. A independência dos Estados Unidos e a revolução
industrial iniciada na Grã-Bretanha são outras duas grandes transformações
que marcaram a transição da idade moderna para a idade contemporânea.
Ascensão da burguesia. Com o desenvolvimento do comércio, da indústria e
das finanças, a burguesia prosperou. Tornou-se considerável o movimento dos
principais portos franceses, enriquecidos com o comércio das Antilhas e o
tráfico de escravos. A indústria também se desenvolveu. Os produtos franceses
tinham fama em toda a Europa. Era igualmente notável o progresso das
indústrias têxtil, metalúrgica e de mineração. Embora a maior parte da
produção industrial ainda dependesse do artesanato, já começavam a surgir
as primeiras grandes fábricas capitalistas, que empregavam maquinaria
moderna. Era natural, portanto, que a burguesia não se conformasse em
permanecer relegada a uma posição secundária na vida política do país.
Ademais, a má administração das finanças públicas afetava diretamente seus
interesses. Ela ansiava por uma mudança de regime que lhe permitisse
participar da administração e era, assim, a principal interessada na revolução.
Com o progresso industrial, a classe operária cresceu e passou a reivindicar
maiores salários e melhores condições de trabalho. Mas ainda não era
suficientemente numerosa, nem dispunha de organização para aspirar à
direção do movimento revolucionário. Mais grave, porém, era o problema
agrário. O campesinato representava nove décimos da população total. Embora
a maioria dos camponeses fosse livre, somente uma pequena parcela podia
manter-se com a produção da terra e desfrutava de um padrão de vida
relativamente elevado. Os pequenos proprietários viviam esmagados pelos
impostos e eram obrigados a dedicar-se à produção artesanal para subsistir.
Os camponeses sem-terra viam-se forçados a trabalhar nas propriedades dos
grandes senhores. Fermentação revolucionária. A estrutura agrária obsoleta

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não atendia às novas exigências de uma população que se expandia com o


progresso industrial e mercantil. Reclamavam-se medidas capazes de
aumentar a produção agrícola, que mal chegava para alimentar a população.
Assim, as condições eram propícias à fermentação de idéias revolucionárias
1769-1821. Napoleão Bonaparte. Napoleão organizou o governo na França, a
administração, a polícia, a magistratura e as finanças. Tomou medidas
despóticas e antiliberais, como o restabelecimento da escravidão nas colônias,
e outras de grande importância econômica, como a criação do Banco de
França, em 1800. Napoleão dividiu a França em 91 departamentos com
prefeitos nomeados (sistema ainda em vigor no fim do século XX). Organizou o
ensino secundário e superior, com normas que vigoraram até 1969. Concluiu
com o papa Pio VII a concordata de 1801, que restabelecia a igreja na França,
embora submetida ao estado. Criou a Legião de Honra e o novo código civil,
depois chamado Code Napoléon, elaborado por uma comissão de juristas
com participação ativa dele.
1946 – Declaração Universal dos Direitos do Homem. Após a 2ª Guerra
Mundial foi aprovado um documento pela Assembléia Geral da ONU em 10 de
dezembro de 1948, que estabelece os direitos fundamentais do homem. Com
30 artigos, universalizou princípios de direitos individuais tradicionalmente
existentes nas constituições dos países ocidentais de democracia liberal, na
Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, e na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França em 1789.
1864 e 1949 - Convenção de Genebra sobre a Guerra. Tratados assinados
entre, com o objetivo de regulamentar e amenizar os efeitos das guerras.
Lançou os fundamentos da Cruz Vermelha e estabeleceu regras para o direito
de asilo, o tratamento a prisioneiros etc.

Direitos de segunda geração - sociais

1917 – Revolução Russa. Momento histórico de extraordinário impacto


mundial, a revolução russa marcou o fim de um dos últimos impérios de
monarquias hereditárias e absolutistas do mundo. Com ela, o socialismo
ascendeu pela primeira vez ao poder e a ideologia comunista passou a
exercer profunda influência no cenário internacional e mesmo na vida
interna de todas as nações. Revolução russa é a designação que se dá ao
processo que, em dois momentos no mesmo ano de 1917, derrubou o

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governo imperial da Rússia e instalou o comunismo no poder. Deu início


à história de um novo país que se chamou União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS). Em 8 de novembro o II Congresso
Nacional dos Sovietes ratificou a vitória dos bolcheviques e designou o
primeiro governo soviético. Lenin tornou-se presidente do Conselho dos
Comissários do Povo e Trotski, ministro das Relações Exteriores. O
governo soviético aprovou de imediato uma série de decretos
revolucionários. Entre outras providências, aboliu a propriedade privada
da terra e entregou-a aos camponeses que a trabalhavam e exigiu um
armistício imediato e a paz "sem anexações ou indenizações" entre todas
as nações em guerra. Depois da revolução, a União Soviética tornou-se o
centro do comunismo internacional. Movimentos revolucionários
posteriores, em suas tentativas de transformar as condições econômicas,
sociais e políticas em diversos países, tomaram como modelo a revolução
russa.
1956 – Declaração de Argel. Nações reunidas em Argel estabeleceram o
Princípio da Autodeterminação dos Povos, pondo fim à etapa imperialista
e colonialista das poderosas nações do globo. Nesse declaração fica
estabelecido que cada povo tem o direito de ser senhor do seu destino.

Direitos de terceira geração - ambientais

1992 – Agenda 21. Conjunto de deliberações tomadas após debates


realizados pelas delegações oficiais durante a conferência Eco-92
(Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento), realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Provê políticas
e programas para se atingir o equilíbrio sustentável entre consumo,
população e capacidade da Terra para suportar a vida.

Direitos de quarta geração – biológicos, genéticos

Ver capítulo dedicado à Bioética e Direito.

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SEXTO DOCUMENTO

BIOÉTICA e DIREITO

Quando foi estudada a Pirâmide de Maslow, no seu degrau inicial


encontrava-se a busca de plenivivência, ou seja, a espécie humana e seus agrupamentos,
como todas as entidades vivas, buscam, fundamentalmente, viver cada vez mais e cada
vez com melhor qualidade.

Disso decorre um apelo para a criação de estratégias, tanto para o


prolongamento da vida quanto para a melhoria da sua qualidade. Essas estratégias,
entretanto, nem sempre obedecem parâmetros de tempo, espaço e procedimentos, que
sejam compatíveis com o que deveria ser socialmente aceito.

Pôr outro lado, de longa data a humanidade vem refletindo sobre a vida,
nas suas mais diversas dimensões, e encontrado uma série de direitos fundamentais, que
deveriam fazer o contraponto dessa busca incessante de estratégias de plenivivência.

É quando surgem os mecanismos de controle social, inicialmente não-


jurídicos e, finalmente, os jurídicos, que hoje ajudam a compor um ramo do
conhecimento denominado Bioética que, dá origem à uma especialização do Direito
denominada Biodireito. É do que trata este capítulo.

1. Considerações iniciais.

Embora existam divergências conceituais a respeito do que se considera


ética e do que se considera moral, neste texto parte-se das seguintes premissas:

Ética é a parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam,
distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo
principalmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações,
presentes em qualquer realidade social. Pode também ser considerada como o estudo
das finalidades últimas, ideais e, em alguns casos, transcendentes, que orientam a
ação humana para o máximo de harmonia, universalidade, excelência ou
perfectibilidade, o que neste texto se denomina pôr plenivivência.

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Embora no cotidiano um termo costume ser usado pelo outro, até como
sinônimo, a ética diferencia-se da moral.

Moral é um conjunto de princípios, regras de boa conduta, costumes, preceitos etc.


característicos de determinado grupo social que os estabelece e defende e que são,
portanto, socialmente aceitos.
A partir dessas premissas é que se estudará a Bioética.
Bioética é uma disciplina relativamente nova no campo da filosofia e surgiu em
função da necessidade de se discutir moralmente os efeitos resultantes do avanço
tecnológico das ciências da área biológica e, em particular, da área da saúde, bem
como aspectos tradicionais da relação de profissionais destas áreas com os leigos, os
diversos grupos e comunidades e a sociedade em geral. Como tal, a Bioética é um
ramo da filosofia, mais especificamente da ética aplicada, e pode ser definida como
“o estudo sistemático das dimensões morais das decisões, condutas e políticas das
ciências da vida e dos cuidados com a saúde, empregando uma variedade de
metodologias éticas em um ambiente multidisciplinar”.

Este trabalho destina-se à iniciação aos vários aspectos que ligam a


preocupação ética nas áreas biológica e da saúde à formulação jurídica do direito à vida e
à saúde, seja quando disciplinada em lei, seja quando decidida pelos juizes
individualmente ou nos tribunais ou ainda, em termos de expectativa de direito ou de
justiça.

Interessam à Bioética e ao Direito, todas as questões relacionadas com as


áreas biológica e da saúde, particularmente no que diz respeito a problemas trazidos à
humanidade pelas inovações tecnológicas, especialmente as ligadas à biotecnologia,
como:

clonagem, natureza jurídica do embrião, manipulação genética , recombinação de


genes,

eugenia, aborto, transplante de órgãos entre seres vivos e “pós-morte” ,

genoma humano, criação e patenteamento de seres vivos,

eutanásia,

propriedade do corpo vivo e morto,

direito à saúde,

direito à condução da própria vida,

e muitos outros.

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2. O Biodireito:

Se a Bioética se refere aos problemas éticos entre profissionais das áreas


biológica e da saúde e das pessoas com elas envolvidas, seja em tratamento, pesquisas
científicas ou outro qualquer procedimento relacionado com o início, continuidade e fim
da vida, problemas estes que tenham implicações morais, éticas e sociais, principalmente
derivados dos avanços científicos e tecnológicos, o Direito vem tentar normatizar esse
assunto, visando solucionar possíveis conflitos que surgem nesse campo, partindo do
pressuposto do respeito à dignidade da pessoa humana, que é uma garantia
constitucional, tornando-se, portanto, um instrumento para os juristas destes novos
tempos.

Três são os princípios que embasam a Bioética:

Princípio da beneficência: Deve-se atender aos interesses do ser humano


submetido a tratamento ou a outro qualquer procedimento nas áreas biológica e
da saúde, evitando-se danos a ele, especialmente com tratamentos que não
sejam úteis e necessários.

Princípio da autonomia: Respeito à vontade da pessoa humana que esteja


sendo afetada por qualquer procedimento das áreas biológica ou da saúde.
Respeito a seus valores morais, crenças e intimidade, reconhecendo-se seu
direito à condução da própria vida.

Princípio da eqüidade: Exige respeito à igualdade de direitos na


distribuição de bens e benefícios, no exercício das ciências da saúde e nos
resultados das pesquisas científicas.

2.1. A legislação brasileira.

A primeira e mais importante defesa decorre de seu reconhecimento


constitucional. Assim, privacidade é inviolável, a confiança no profissional deve originar-
se na liberdade do exercício da profissão, limitada apenas pelo atendimento às
qualificações legalmente exigíveis, e o julgamento justo é buscado por vários dispositivos,
inclusive aquele que obriga à indenização do erro.

48
49

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 10, é o alicerce dos princípios


que regem a Bioética ao se referir à dignidade da pessoa humana como fundamento do
Estado de Direito.

Constituição Federal, artigo 10 : todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade.

Relacionam-se também com o Biodireito os seguintes artigos da


Constituição:

Constituição Federal, artigo 10, inciso III: ninguém será submetido a nem a
tratamento desumano ou degradante.

Constituição Federal, artigo 5º, inciso X: são invioláveis a vida privada, a


honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação.

Constituição Federal, artigo 5º, inciso XIII: é livre o exercício de qualquer


trabalho, ofício ou. profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer.

Esses direitos fundamentais são reafirmados e especialmente protegidos


na legislação penal, revelando mais uma vez a importância que a sociedade lhes atribui.
Verifica-se, então, que o Código Penal brasileiro, visando proteger a privacidade dos
indivíduos e promover a confiança nos profissionais, define o crime de violação do
segredo profissional resultante da revelação, sem justa causa, de segredo que alguém
detém em razão da profissão e cuja revelação pode produzir dano e, em busca da justiça,
isenta de pena quem para repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem usa moderadamente os meios necessários.

Em termos do que se está apresentando, é interessante observar alguns


aspectos do Código Penal:

Código Penal, artigo 21: Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se


inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

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Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a


consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
atingir essa consciência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Código Penal, artigo 22: Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a


ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da
coação ou da ordem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Código Penal, artigo 23: Exclusão de ilicitude

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)

I - em estado de necessidade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - em legítima defesa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.


(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Código Penal, artigo 24: Estado de necessidade

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de


perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-
se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o
perigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá


ser reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Código Penal, artigo 25: Legítima defesa

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Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios


necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Código Penal, artigo 154: Violação do segredo profissional.


Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

3. Considerações finais

O desenvolvimento da competência biotecnocientífica parece ser uma


necessidade para a plenivivência da espécie humana e para a qualidade de vida das
gerações futuras. É pouco provável, portanto, que as sociedades secularizadas e
complexas renunciem aos potenciais benefícios da engenharia genética, pois uma
inversão de tendência no desenvolvimento biotecnocientífico teria conseqüências
desastrosas e incalculáveis, inclusive para a própria sobrevivência da liberdade humana.

Entretanto, numa avaliação do conjunto dever-se-á também fazer as


contas com eventuais riscos, ponderando, em cada caso, a relação entre estes e os
benefícios.

A partir destas premissas duas atitudes integradas podem contribuir para


evitar os cenários não-desejáveis:

uma atitude crítica e imparcial face aos riscos e às potencialidades, ambos em


princípio enormes;

uma atitude eficazmente responsável, comprometida em acompanhar individual e


publicamente os fatos da biotecnociência, e em praticar tanto uma “sabedoria
prudencial” quanto uma prevenção eficaz (quando for necessária).

O quadro de vantagens e perigos delineado pela competência


biotecnocientífica, representada pela engenharia genética, é imenso. Do ponto de vista

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moral, ela implica numa responsabilização radical, delineada pelo paradigma bioético e
embasada, talvez, num tipo de solidariedade global, que seja ao mesmo tempo:

dialógica (entre pontos de vista diferentes);

procedural (reguladora dos conflitos de forma não violenta);

pragmática (que não pretende resolver os problemas a priori);

aberta aos afetos (que perpassam as decisões éticas racionais do


humano) e

evolutiva (capaz de mudar de idéia quando for necessário).

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SÉTIMO DOCUMENTO

O FUNDAMENTO ENERGÉTICO DA ECOLOGIA E DO AMBIENTALISMO E SUAS


CONTRIBUIÇÕES PARA UMA PERCEPÇÃO INTEGRADA DA REALIDADE

"O universo é feito de música, não de


matéria" - Heisenberg -

É impossível, na atualidade, englobar toda a realidade em um único


sistema de pensamento. Como afirma Morin (1980, 14) há que se buscar uma revolução
do pensamento. "É a viagem em busca de um modo de pensar capaz de respeitar a
multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real, e de saber que as determinações -
cerebral, cultural, social, histórica - que se impõem a todo pensamento co-determinam
sempre o objeto do conhecimento. É isso que eu designo por pensamento complexo".
Esse tipo de pensamento que envolve a máxima complexidade do real é
fundamental quando se abordam as questões da Ecologia e do Ambientalismo. Ou melhor
deve começar por eles, pois é no meio ambiente que encontramos modelos de integração
sistêmica que, pela sua clareza e simplicidade, oferecem rico material didático para a
transposição da sua realidade para a compreensão do comportamento elementar dos
sistemas humanos e sociais, e para a percepção da verdadeira trama de relações que
envolve todos os segmentos da realidade como componentes de uma unidade
fundamental.
E essa preocupação não é apenas nossa, pois tem levado autores como
Felix Guattari (1991) a propor a extensão do conceito de Ecologia a limites mais amplos.
É o que ele denomina "as três ecologias",
a do meio ambiente,
a das relações sociais e
a da subjetividade humana,
percebendo claramente que a abrangência do termo deve ultrapassar em muito o estreito
limite do ambiente não-humano.
Thompson (1990, 21) também participa das mesmas preocupações, ao
afirmar que o conceito de unidade torna-se fundamental para o entendimento da
realidade, pois a natureza é constituída de processos ao invés de objetos, e que esses
processos relacionais são sempre eventos. Capra (1982, 259) por sua vez, assumindo a
proposta de Geoffrey Chew afirma: "...parece-nos extremamente fecundo que se

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desenvolva uma abordagem bootstrap11, semelhante àquela que a Física contemporânea


desenvolveu. Isso significará a formulação gradual de uma rede de conceitos e modelos
universalmente interligados e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de organizações
sociais correspondentes.
Na construção de um pensamento complexo, seremos levados à percepção
de que, inevitavelmente, tudo se liga a tudo. Heisenberg (in Thompson, 1990, 21) vai
mais longe ao afirmar que "o universo é feito de música, não de matéria".
A realidade para ser entendida precisa de uma elaboração; e esta de
um referencial para pensá-la. Se a entendemos como um todo relacionalmente
integrado precisamos de um instrumento que realize essa integração inclusive
operacionalmente. É o propósito fundamental deste trabalho.
É nesta perspectiva que a Ecologia e o Ambientalismo nos servem de ponto
de partida para a construção de um pensamento complexo para a análise da realidade.
Assim, a nossa busca começa pelo enfoque ecológico e ambientalista, na
tentativa de defender a hipótese de que a integração dos diversos segmentos do real passa
pela organicidade das relações entre todos os seus sistemas componentes: minerais,
vegetais, animais, humanos e sociais.

1. Ecologia e Ambientalismo.

Enquanto Ecologia é a ciência e o estudo do ambiente dentro de condições


de observação sistemática e organizada, Ambientalismo é um conjunto de atividades
políticas organizadas com uma finalidade específica, em defesa da preservação do meio
ambiente.
Assim, ter uma visão ecológica traz consigo uma conotação de
conhecimentos, enquanto que uma visão ambientalista, embora não os exclua, supõe,
principalmente, uma atitude de intervenção política em favor da preservação do meio
ambiente.

11Bootstrap - Abordagem de Geoffrey Chew (1959) para a Física das partículas,


segundo a qual a natureza não pode ser reduzida a entidades fundamentais,
como blocos de construção de base feitos de matéria, mas deve ser inteirament e
compreendida como sendo autoconsistência. Segundo ela não existe nenhuma
construção fundamental na realidade - nenhuma lei, equação ou princípio
fundamental. O universo é visto como um tecido dinâmico, de eventos inter -
relacionados, onde nenhuma das propriedades de qualquer das partes deste
tecido é fundamental; elas provêm todas das propriedades das outras partes e a
consistência geral de suas inter-relações mútuas determina a estrutura do tecido
em seu conjunto (Weil, 1987, 17).

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A diferença é fundamental e importante, na medida em que o não


estabelecimento de diferenças entre eles faz com que se misturem aleatoriamente
conceitos técnicos com ideários políticos, desvalorizando, tanto os trabalhos ecológicos
como as lutas ambientalistas.
Esta reflexão sobre o fundamento energético da visão da Ecologia e do
Ambientalismo, por sua vez, tenta estabelecer princípios para uma análise global da
realidade ambiental, inclusive ligando-a diretamente à problemática social, contribuindo
para a percepção de ambas como pertencentes a um mesmo todo integrado. E mais,
mostra que o Ambientalismo, que é predominantemente uma atitude política, liga-se à
Ecologia que é fundamentalmente de natureza científica, para a compreensão da
realidade eco-bio-psico-social como um todo organizado, onde a vida humana se
desenvolve.

2. A noção de sistema energético.

Tudo o que se conhece no universo ou é constituído pôr matéria ou é


energia. Como matéria e energia podem ser transformadas uma na outra, podemos
considerar, que há uma unidade no real todo Universo) e em todo o real (mundo atômico e
sub-atômico).
Dessa forma tudo, seres inanimados e animados (plantas e animais), o ser
humano e seus agrupamentos, as nações, os blocos de nações, o planeta, para pôr aí nos
determos, absolutamente tudo é constituído pôr matéria e energia. E mais, compondo
um sistema universal de trocas de inter-relações.
A partir desse raciocínio, somos todos sistemas efetuadores de energia
participantes de um grande sistema e que assim poderiam ser assim representados
graficamente.

Ser humano Ser humano AMBIENTE

3. Premissas para a fundamentação energética da Ecologia e do Ambientalismo e


suas contribuições para uma percepção integrada da realidade.

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1- Todos os seres do planeta e do universo são sistemas energéticos.


2- Os sistemas energéticos do planeta fazem parte de cadeias de sistemas maiores,
dentro das quais, trocam energia entre si.
3- Há uma interdependência entre todos os sistemas energéticos do planeta: minerais,
vegetais, animais, humanos e sociais.
4- Todos os sistemas vivos lutam pela plenivivência.
5- Entre os sistemas energéticos, apenas os sistemas vivos têm a capacidade de
realimentar o seu processo, através de mecanismos de "feedback", possibilitando,
assim, a sua sobrevivência.
6- Para que haja sobrevivência do conjunto, uns sistemas se tornam suporte energético
para outros, fornecendo-lhes energia em quantidade suficiente para a sua
manutenção.
7- Os seres humanos, por serem sociais, mantêm relações de câmbio energético, tanto
com os demais seres da natureza individualmente, como com as organizações e
instituições sociais das quais fazem parte.
8- Os seres humanos, portanto, fazem parte da grande cadeia pela qual passa o fluxo
energético do planeta e do universo, dando e recebendo energia, na luta universal pela
sobrevivência.
9- Nessa grande cadeia, os humanos participam dos mais variados sistemas, tanto
recebendo energia em uns, como servindo de suporte energético em outros. A provisão,
a circulação e a distribuição da energia, em cada cadeia social de sistemas, depende da
organização sócio-político-econômica estabelecida.
10-Geralmente, os sistemas de menor grau de complexificação se tornam suporte
energético para os de maior complexificação, formando uma hierarquia implícita ou
explícita.
11-Essa hierarquia estabelece níveis de complexificação, verificáveis quando se observa a
realidade como um todo organizado. (ver quadro explicativo)
12-O suporte energético de um nível pelo outro tem um limite de exploração,
estabelecido por uma proporção entre o que ele cede para os níveis mais complexos e
o que ele recebe dos menos complexos, exigindo, portanto, condições e tempo para
restabelecer a sua integridade como sistema.
13-Quando esse limite de exploração é superado e se estabelece uma desproporção entre
a energia que sai do seu sistema e a que é reposta, estabelece-se um desequilíbrio que
pode levar o suportado a sofrer conseqüências, devido à fragilidade ou à reação do
suporte.

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14-A circulação energética entre os níveis mineral, vegetal e animal respeita essa
proporção - é quando se pode falar em equilíbrio ecológico e ambiente preservado.
15-Quando, no ambiente, há a interferência dos humanos, essa proporção sofre as
influências da ação das estruturas de poder e tende a ser apenas um elemento a mais
no jogo pelo poder que se desenvolve, e que vai muito além dos limites sobrevivenciais
que imperam nos níveis não-humanos. É quando quebra-se o equilíbrio ambiental,
retirando-se dos níveis mineral, vegetal e animal, desmedidamente, e sem a
proporcional reposição, a energia que é utilizada no nível humano. É quando a
Ecologia começa a se ligar ao Ambientalismo, pois já há variáveis de natureza política
na equação ecológica.
16-Da mesma forma que nas relações com os níveis mineral, vegetal e animal, os seres
humanos quebraram desproporcionalmente esse equilíbrio, também as romperam
nas relações entre si, através da exploração desmesurada das camadas mais pobres e
menos organizadas da população (menos complexas), pelos níveis mais poderosos,
ricos e organizados da sociedade (mais complexos). Como se trata também de
circulação de energia entre sistemas não há razão alguma para que se mude o
referencial para examiná-lo. Apenas há que tratá-lo com a especificidade que o seu
grau de complexificação exige. É um processo de natureza social e com conotações
fundamentalmente políticas, pois nele se manifesta o jogo do poder, mas faz parte de
um mesmo sistema de circulação energética que também degrada o ambiente. E
produz a pior das degradações: a degradação humana.
17-Em todas as sociedades os direitos fundamentais das pessoas são respeitados na
razão direta da sua capacidade de organização para defendê-los. Quanto mais
organizado for um grupo social mais possibilidades terá de fazer valer os direitos dos
seus componentes. Isso nos leva à uma concepção de democracia onde o componente
organização da sociedade civil é literalmente fundamental.
18-Tanto os problemas ambientais como a maioria dos problemas sociais podem ser
vistos unitariamente através de um mesmo referencial, pois quase sempre há um
processo de predação de um sistema energético pelo outro. Uma exploração que se
pode resumir através da palavra desproporção.

4. A hierarquia da complexidade dos sistemas energéticos.

Como já foi visto, todo o real, bem como o real todo, são
constituídos por sistemas energéticos formando cadeias onde há um permanente
intercâmbio de energia, e onde os de menor complexificação acabam, quase sempre se
tornando suporte para os de maior complexificação.

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Essa cadeia poderia ser assim esquematizada, com a singeleza com que se
apresentam os esquemas, sempre mais comprometidos com a proposição de uma idéia do
que com a exatidão dela.
No esquema que se segue, a energia flui "de baixo para cima", dos
sistemas de menor complexidade para os de maior. Esse fluxo é regulado por um critério
de proporcionalidade, nos sistemas não-humanos e pelo jogo do poder nos sistemas
humanos, sempre na luta pelo controle dos meios para sobrevivência.
Até o nível dos sistemas humanos há uma regulagem natural e
proporcional do ambiente, feita pela própria natureza. A partir desse nível a
proporcionalidade é perdida, ou seja, excedem-se os limites de captação de energia dos
níveis mais simples, não se repondo em quantidades e em tempo razoáveis a energia que
foi retirada. Daí o desequilíbrio que vai desde a poluição, atinge a fauna e a flora, até
chegar aos próprios sistemas humanos, refletindo-se em exploração, miséria,
subdesenvolvimento e injustiça social.

ESFERA INTERNACIONAL DA ECONOMIA GLOBALIZADA


ESFERA DE PODER INTERNACIONAL
ESFERA de PODER NACIONAL - (impostos)
ESFERA DE AGRUPAMENTOS (empresas, escolas, clubes, igrejas, etc)
ESFERA FAMILIAR
ESFERA HUMANA INDIVIDUAL

Mecanismos de controle estabelecidos pelas


estruturas de poder, através de políticas ESFERA
maximocráticas que produzem HUMANA
desproporcionalidade na circulação dos recursos
e na distribuição da energia.

ESFERA DA VIDA ANIMAL


ESFERA DA VIDA VEGETAL
ESFERA MINERAL

Mecanismos naturais de controle proporcionados ESFERA


pela natureza, com proporcionalidade na NÃO
circulação de recursos e de energia HUMANA

Assim, Ecologia não é um estudo restrito ao ambiente em si e


Ambientalismo não pode se deter na defesa de plantas e bichos: ambos têm como ponto
de convergência a vida e, sobretudo, a vida humana. É quando o seu universo
referencial se amplia, pois, o ambiente apenas reflete de maneira brutal a forma pela
qual os humanos não conseguiram tratar o problema do conflito e da regulagem do jogo
do poder em todas as esferas da vida social.

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Durante mais de dois milhões de anos a humanidade viveu


cooperativamente, como ainda hoje vivem inúmeras comunidades de coletores e
caçadores, impropriamente chamadas de primitivas. O ser humano aprendeu, foi treinado
para ser esse predador indiscriminado a partir do ciclo agrícola e pastoril, onde se
desenvolveu a urbanização e, com ela, se aprimoraram as estruturas de poder da
sociedade, que canalizaram as fontes de energia para as mãos de minorias, que acabaram
por desenvolver fundamentos ideológicos para justificar esse processo desproporcional de
expoliação.
Teria o homem uma vocação para o desvario?
Morin (1973, 117) atribui ao inacabamento cerebral dos humanos, ao seu
processo de abertura constante e de juvenilização permanente, as características que
fazem com que tenhamos de encarar o homo sapiens também como homo demens,
conjugando sabedoria e demência no mesmo cérebro e na mesma criatura da mesma
espécie. E só pode ser devida ao lado demens do homo essa desmesurada corrida pelo
poder e pela incessante busca pelo controle das fontes de energia do planeta.
Da estratificação social dos tempos antigos "evoluiu-se" para a
manifestação de uma estratificação planetária, como a que se manifesta na atualidade,
mas obedecendo sempre os mesmos mecanismos de predação de um nível de sistemas
energéticos menos complexos (e menos organizados), pelos outros mais complexos (e
mais organizados).
Onipresentes, comandando esse processo predatório, estão sempre as
estruturas de poder, da família, dos grupos, das organizações, das instituições, das
sociedades, das igrejas, do Estado, dos organismos internacionais e, atualmente, supra-
nacionais. A finalidade delas é sempre a mesma: controle das fontes de energia para
atender à enlouquecida e desproporcional maximização sobrevivencial, agora tornada
definitivamente sem limites. E estabelecendo o controle de todas as fontes de energia:
físicas, químicas, biológicas, psicológicas, artísticas, místicas, estéticas, éticas, científicas,
culturais, etc.
Qualquer outra finalidade alegada para esse exercício do poder é pura
racionalização, justificação ideologizada para o controle dessas fontes de energia pelos
que detêm a capacidade de ordenar a comutação da cadeia de sistemas sob seu jugo, de
forma tal que a energia seja sempre drenada em seu benefício. Quem está no poder
ordena, controla, regula e distribui a energia do sistema sempre
maximocraticamente, aproveitando o máximo para si e mantendo os níveis subalternos
no limite mínimo sobrevivencial, sempre justificado pela ideologia da escassez. Alguém se
lembra de algum tempo em que algum governante não dissesse que estávamos
atravessando um período difícil? Ou que não estávamos em crise? Ou em escassez de

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alguns bens ou serviços fundamentais para a vida humana e social? Algum governante
ofereceu, espontaneamente e sem pressão, mais salário ou mais liberdade? Alguém se
lembra de algum governo que tenha realizado ou incentivado um trabalho de organização
dos estratos mais pobres da sociedade? Por que os "segredos de Estado" são tão secretos
que só podem ser revelados para as gerações futuras?
Toda essa desproporcional drenagem de energia dos níveis menos
complexos pelas estruturas de poder dos níveis mais complexos, passa pelo processo de
justificação ideológica, de conceituação formal pelas ideologias adequadas ao momento,
que os detentores do poder se encarregam de elaborar e fazer inserir no espírito das leis e
das instituições sociais, sempre resguardadas pelo poder judiciário, pela polícia e pelas
forças armadas. E implantar também a resignação no seio das consciências, através de
crenças, normas, valores e praxes, geralmente com a colaboração do poder religioso,
exercido por lideranças que se prestam a utilizar as igrejas, centros e seitas, para tal
finalidade.

5- A hipótese do proporcionalismo.

Que há uma desproporção na utilização dos recursos do planeta, que


beneficia os segmentos mais organizados em detrimento dos menos organizados, é algo
que ficou claramente exposto no referencial proposto. Proporção e desproporção, quando
se utiliza um referencial de fundamentação energética, e que pretende ser integrador de
diversos segmentos da realidade, vêm substituir conceitos abstratos como justiça e
injustiça, exploradores e explorados, etc, trazendo para bases racionais (e até passíveis de
verificação) o processo de predação a que estão submetidos imensos contingentes
humanos em quase todas as latitudes do planeta.
Da mesma forma, a questão da desproporção nos levaria ao seguinte
questionamento: Qual seria a proporção, para o relacionamento no nível humano, que se
aproximaria daquele equilíbrio orgânico do mundo não-humano?
Gregori (1990, 56) formula uma hipótese sobre o assunto, apresentada
aqui como tema para uma reflexão e um aprofundamento maior sobre o assunto.
A hipótese de Gregori pode ser assim resumida:
Para entender o perverso modelo de expoliação que se apresenta nas mais
diversas esferas sociais, representa-se a relação entre o poder e a distribuição dos meios
para a sobrevivência de toda a população. Segundo Gregori a proporção ideal estaria
contida no que a cultura renascentista descobriu e denominou relação áurea, ou ponto
de ouro, que existiria em todas as dimensões da natureza, e que esse autor sugere que
também seria ideal para regular as relações sociais:

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a relação entre 38% e 62%.

Desta forma, o equilíbrio das relações sociais se manteria quando o sistema


de poder possibilitasse uma distribuição de recursos em que 62% dos bens estariam
regularmente distribuídos por 38% da população e, consequentemente, os 38% restantes
distribuídos por 62% das pessoas.
Quando o modelo social se aproximasse dessa relação haveria
proporcionalidade na distribuição dos recursos e, consequentemente, equilíbrio social.
Quanto mais se afastasse dessa proporção mais tenderia para o desequilíbrio.
Embora esse autor não nos aponte caminhos para atingir essa
proporcionalidade, acena com uma hipótese interessante. Se há uma relação áurea na
constituição da natureza, não seria ela a que estabeleceria o ponto de equilíbrio também
nas relações sociais?
A hipótese de Gregori tem o mérito de estabelecer números, que poderiam
ser pontos referenciais para a verificação, em bases concretas, dos processos de suporte
energético e de espoliação nas relações entre os diversos segmentos sociais. Já que a tão
sonhada igualdade, ideal de todos os que se revoltaram com as injustiças sociais,
sucumbiu com o fim do "socialismo real", e que o capitalismo, agora travestido de
neoliberalismo tem contribuído para o aumento crescente da desproporcionalidade na
divisão dos meios para sobrevivência por toda parte, a hipótese de Gregori parece merecer
um estudo mais profundo.
Talvez esteja na natureza a chave para uma compreensão integrada da
realidade; nela incluindo a realidade social. O estudo do comportamento do ambiente e
dos seus ecossistemas talvez nos possam levar a perceber que todos, minerais, plantas,
bichos, homens e organizações, estamos indefectivelmente interdependentes, num mundo
em que tudo se liga a tudo.

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OITAVO DOCUMENTO: Crises políticas e crises econômicas


O PIB e outros indicadores no Brasil desde 1960
Variação do Taxa de
Ano Inflação anual (%) Regime político Mudanças no poder
PIB desemprego
1960 9,4% 32,20 n.d. Juscelino
1961 8,6% 43,51 n.d. Jânio/Jango
1962 6,6% 61,73 n.d. Jango
1963 0,6% 80,53 n.d. Jango Economia patina
1964 3,4% 85,60 n.d. Castelo Golpe militar
1965 2,4% 41,20 n.d. Castelo
1966 6,7% 46,29 n.d. Castelo
1967 4,2% 25,33 n.d. Castelo / C. e Silva
1968 9,8% 25,22 n.d. Costa e Silva
1969 9,5% 22,58 n.d. C. e Silva / Junta
1970 10,4% 17,46 n.d. Junta / Médice
1971 11,3% 20,60 n.d. Médice
1972 11,9% 17,46 n.d. Médice
DITADURA
1973 14,0% 13,97 n.d. Médice MILITAR
1974 8,2% 33,05 n.d. Médice / Geisel
1975 5,2% 29,26 n.d. Geisel
1976 10,6% 38,07 n.d. Geisel
1977 4,9% 41,10 n.d. Geisel
1978 5,0% 39,91 n.d. Geisel
1979 6,8% 67,19 n.d. Geisel / Figueiredo
1980 9,2% 84,77 6,50% Figueiredo
1981 -4,3% 90,87 7,90% Figueiredo Regime militar entra em crise aguda
1982 0,8% 94,63 6,30% Figueiredo
1983 -2,9% 164,09 6,70% Figueiredo
Campanha Diretas-já
1984 5,4% 178,56 7,10% Figueiredo
1985 7,9% 228,22 5,30% Figueiredo/Sarney Regime militar perde a Presidência
1986 7,5% 68,08 3,60% Sarney
1987 3,5% 367,12 3,70% Sarney
1988 -0,1% 891,67 3,80% Sarney Sarney se enfraquece
1989 3,2% 1.635,85 3,30% Sarney / Collor Collor se elege
1990 -4,2% 1.639,08 4,30% Collor Collor bloqueia poupanças
1991 1,0% 458,61 4,80% Collor Collor se enfraquece
1992 -0,5% 1.129,45 5,70% Collor / Itamar Collor sofre impeachment
1993 4,9% 2.490,99 5,30% Itamar
1994 5,9% 1.172,96 5,10% Itamar / FHC
1995 4,2% 23,17 4,60% FHC
1996 2,7% 10,04 5,40% FHC
1997 3,3% 4,83 5,70% FHC
1998 0,1% -1,79 7,60% FHC - reeleito
1999 0,8% 8,64 7,60% FHC crise cambial; real se desvaloriza
2000 4,4% 4,38 7,10% FHC
2001 1,3% 7,13 6,20% FHC FHC se enfraquece
2002 1,9% 9,90 7,10% FHC Lula se elege
2003 -0,2% 8,18 12,30% Lula
2004 4,0% a 5% 5,59 11,70% Lula 1ª crise política de Lula - Waldogate
Fonte: Site de Fernando Rodrigues – Folha de S. Paulo – UOL Período FHC – 1995 – 2002 – PIB médio de 2.05 %

62
63

NONO DOCUMENTO
O BRASIL NO SÉCULO XX E NO INÍCIO DO XXI

Com o que foi estudado no primeiro semestre, percebe-se que


a infraestrutura econômica de uma sociedade reflete-se, condiciona ou até
determina o que acontece na superestrutura política, jurídica, ética e
ideológica (ideologias, crenças, justificativas, teorias, modos de pensar) da
mesma.

SUPERESTRUTURA POLÍTICA, JURÍDICA, ÉTICA e IDEOLÓGICA


IDEOLÓGICA: ideologias, crenças, justificativas, teorias explicativas,
modos de pensar, etc.
ÉTICA: construção da moral social

JURÍDICA: construção da ordem jurídica, da legislação e dos julgamentos

POLÍTICA: conformação das estruturas de poder e direcionamento da ação


dos seus agentes
(Base simbólica da sociedade)

INFRAESTRUTURA ECONÔMICA ( base material da sociedade )


Produto Interno Bruto
Renda per capita
Renda nacional
Inflação
Juros
Capital - Remuneração do capital
Trabalho - Remuneração do Trabalho
Impostos - Taxas
Lucros – Renda
Demografia
Saúde pública
Emprego – População economicamente ativa – Informalidade
Gastos públicos
Mercado financeiro
Comoditties – Manufaturados –aprodutos de maior valor agregado
Importação / Exportação
Reservas - Meio circulante
Etc.

63
64

Produto Interno Bruto (PIB) é o principal indicador da


atividade econômica, exprimindo o valor da produção realizada dentro das
fronteiras geográficas de um país, num determinado período,
independentemente da nacionalidade das unidades produtoras. O PIB
sintetiza o resultado final da atividade produtiva, expressando
monetariamente a produção. A soma dos valores é feita com base nos preços
finais de mercado. A produção da economia informal não é computada no
cálculo do PIB nacional.

A variação anual do Produto Interno Bruto é adotada,


indistintamente, como o principal indicador para medir o desempenho
econômico de um País, Região ou Unidade Federativa. Sua taxa de
crescimento é obtida pela comparação entre tudo o que se produziu em um
ano com o total do ano anterior: taxas positivas indicam que a economia
está em crescimento; nulas, estagnação; e negativas, recessão.

As metodologias de avaliação do PIB procuram formas de


correlações físicas (quantificações), mas sempre são expressas em valores
monetários para facilitar análises e comparações. Por esta razão, os dados do PIB
brasileiro são geralmente colocados em dólares ou reais.

Obs. Os gráficos demonstrativos têm os dados corretos mas não são precisos na
sua elaboração pois foram feitos a partir do “Word” e não do “Excel”.

64
65

PRODUTO INTERNO BRUTO


CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL
DOS SALÁRIOS NA RENDA NACIONAL

CARGA TRIBUTÁRIA
BRASIL 1900 - 2004
DADOS IBGE

Hab % % do PIB
PIB Renda Impostos
177

160

49
140 40,01
planos econômicos
47

120 10 38
45

100 8.5 36
43 choque do petróleo

80 7 34
41

60 5.5 32
39 crise do café

40 4 30
37

20 28
2.0 35
1ª guerra mundial
0 26.87

1900 /5 /10 /15 /20 /25 /30 /35 /40 /50 /55 /60 /65 /70 /75 /80 /85 /90 /95 2000 2002 2004
Fonte: IBGE
Estatísticas do Século XX

Getúlio Período Militar Período FHC


“República Velha” Vargas Democracia Redemocratização
DUAS “DÉCADAS PERDIDAS”

65
66

Pode-se observar que durante o século XX, as curvas que


representam os crescimentos demográfico e do PIB são
aproximadamente proporcionais apenas entre 1900 e o final
da década de 70, quando se inicia um distanciamento entre
ambas, produzido por uma diminuição do crescimento do PIB
em relação ao crescimento demográfico, por duas décadas.

1. O PIB brasileiro

Entre 1901 e 2000, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 110 vezes
(mantendo-se, ao longo do século XX, numa taxa média de 4,8% ao ano), feito
que poucas economias conseguiram superar, destacando-se Japão, Taiwan,
Finlândia, Noruega e Coréia.
o PIB per capita (índice obtido através da divisão do PIB pela população
total),foi de quase 12%, com crescimento geométrico médio de 2,5% ao ano.
Nas duas primeiras décadas, quando o café ainda era a atividade econômica
predominante, o PIB per capita permaneceu estagnado.
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

De 1920 a 1980, no entanto, a urbanização e a industrialização fizeram o


índice praticamente dobrar a cada 20 anos.
As duas décadas de intervalo democrático, entre 1946 e 1964, caracterizaram-
se por um momento único de diversificação de bens produzidos e de
intenso crescimento. No final dos anos 50, com o Plano de Metas de JK, a
aceleração do crescimento destacou-se no segmento produtor de bens
duráveis de consumo modernos, especialmente veículos e eletrodomésticos.
1945 - 1964 – PERÍODO DEMOCRÁTICO – Dutra, Getúlio, Juscelino, Jango
- GOLPE MILITAR DE 1964

A determinação dos governos militares de tornar o Brasil uma "potência


emergente" e a disponibilidade externa de capital aceleraram e

66
67

diversificaram o crescimento do país entre 1968 e 1974, a chamada época do


"Milagre Econômico", com elevado endividamento externo.
Na década de 70, o PIB cresceu mais de 10% ao ano, ultrapassando, em
1973, a marca de 14%, atingindo o auge do período. A vulnerabilidade a
choques externos, no entanto, não diminuiu, como se viu na crise mundial
do petróleo (1973/78), provocada pelo embargo do fornecimento aos
Estados Unidos e às potências européias pela Opep, de maioria árabe. A
alta internacional dos juros, aliada à crise, desacelerou a expansão
industrial a partir do ano seguinte.
Em 1978, o governo amargou os efeitos
o da crise do petróleo,
o da recessão internacional e
o do aumento das taxas de juros, que colocaram a dívida externa
brasileira em patamar muito elevado.
o Em 1979, a crise econômica agravou-se ainda mais.
ACELERANDO A QUEDA DA DITADURA - REDEMOCRATIZAÇÃO

Já nas duas últimas décadas do século, a economia estagnou-se


novamente. Neste período, o PIB per capita aumentou pouco mais de 1,1%,
apresentando quedas drásticas em alguns anos.
A década de 80 foi dominada pela questão do
 endividamento externo e suas implicações e por uma nítida
aceleração das taxas de
 inflação. Uma das conseqüências dessa década, a “década
perdida”, foi a
 perda das fontes de financiamento do desenvolvimento e
uma inflação cronicamente elevada, que dificultou a gestão
pública nestes anos.
 queda de 12% do PIB per capita. A crise de 1981/1984 foi a
mais severa, com enquanto que a de 1988/1994, a mais
prolongada.
O PIB per capita parte de valores muito pequenos em 1900 (R$ 497,00),
crescendo aceleradamente por 80 anos até chegar a R$ 6.011,00 em 1980.

67
68

A partir da década de 80 o desempenho do país em termos de


crescimento econômico é mais lento: taxa de 0,34% ao ano, até 2000. A
década de 90 teve também um crescimento bastante modesto.
COLLOR, ITAMAR ( FHC ministro da Fazenda ) – FHC Presidente

Em 1994, tivemos a implantação do Plano Real. A partir de então, com


política de bandas cambiais (flutuação da taxa de câmbio
dentro de um intervalo prefixado) e de
juros elevados, aliada às
crises do México em 1994, do Sudeste Asiático em 1997 e da
Federação Russa em 1998,
os índices de crescimento ficaram estacionados num nível
medíocre.
Entre os anos 80 e 90 o crescimento do PIB foi de 2,1% 0,4% per capita e,
entre 1995 e 2002, mandatos de FHC, o crescimento do PIB foi modesto –
2,3% e em termos per capita de somente 0,9.

POPULAÇÃO RESIDENTE NO BRASIL – 1990/2004


CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO BRASILEIRO EM MILHÕES DE HABITANTES

180
177

160

140

120

100

80

60

40

20

0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2004

68
69

Fonte: IBGE – Estatísticas do Século XX


CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
TAXA GEOMÉTRICA DE CRESCIMENTO ANUAL
– BRASIL - 1990/2004
CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO BRASILEIRO EM PERCENTUAIS

3.5

3.0

2.5

2.0

1.5

1.0

0.5

0.0

1900/1920 20/1940 40/1950 50/1960 60/1970 70/1980 80/1991 1991/2000 2004 2009
Fonte: IBGE – Estatísticas do Século XX

TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB E DESEMPREGO


METROPOLITANO – BRASIL - 1995/2003
Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro

14

12

10

95 96 97 98 99 00 01 02 03
Fonte: IBGE e Banco Central

PIB
Desemprego – antiga metodologia

69
70

Desemprego – nova metodologia

2. Os dados de um século de Brasil mostram o descompasso entre


crescimento econômico e atraso social.

O que se queria dizer é que o PIB real cresceu cerca de cem


vezes de 1901 a 2000, pois a população cresceu 9,45 vezes e a parcela do
PIB a que cada brasileiro teoricamente tem direito aumentou 11,2 vezes.
Não parece mal, pode-se pensar, se levarmos em conta que, no mesmo
período, o PIB mundial cresceu 18,65 vezes, a população 3,86 vezes e a
renda per capita 4,83 vezes.

Se observarmos em detalhe o comportamento da renda per


capita ao longo do século, porém, o quadro começará a parecer ainda mais
preocupante. Nos últimos 23 anos, oscilou para cima e para baixo, mas,
em média, marcou passo. Pode-se concluir, que a renda per capita do
ano 2000 é praticamente igual à do início dos anos 70.

Praticamente todo o crescimento da renda per capita deu-se nos


primeiros oitenta anos, principalmente na segunda metade desse
período (1940 a 1980).

70
71

O crescimento médio da renda per capita ao longo do século


aproxima-se de uma exponencial com crescimento de 2,9% ao ano.
À atual taxa de crescimento da população (1,63% ao ano), o
Produto Interno Bruto precisaria crescer hoje 4,6% ao ano apenas
para a renda per capita não se afastar ainda mais de sua trajetória
histórica.

3. A carga tributária
Evolução da Carga Tributária Brasileira em % do PIB

44

42
40,01%
°
40 governo LULA

38 final FHC

36

34

32

30 início FHC

28
período Itamar/FHC

26 ° 26,87%
1993 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04

40,01 – 26,87 = 13,14 pontos O atual governo em 18 meses já


percentuais aumentou a carga em mais de 1%

71
72

4. A Herança do Século XXI

1º Elevada dívida externa, pulverizada.

2º Elevada dívida interna em aplicações populares

3º Queda da renda per capita

4º Baixo PIB há 20 anos ( em torno de pouco mais de 2,..% em média)

5º Altos índices de desemprego (urbano em torno de 18%)

6º Elevada dívida social – 30 milhões de pessoas / 11 milhões de


famílias – no nível de miséria.

7º Ameaça de retorno da inflação

8º Dólar a R$ 4,00,

9º Risco Brasil acima de 1200 pontos

72
73

5. Caminhos propostos

1- Política monetarista de Malan, Palocci, Estado de São Paulo e


outros

2- Política monetarista menos conservadora – Carlos Lessa,


Dirceu(?), Mercadante, Folha de S. Paulo, Delfim Netto, Paulo
Nogueira Batista Filho e outros

3- Política desenvolvementista – Serra, João Sayad, Mangabeira


Unger e outros

4- Política do calote – esquerdas radicais

6. Fontes de consulta

COELHO da COSTA, A L. M. Porque não me ufano tanto – Site - Buscador


UOL: assunto PIB – 16/7/2004

IBGE Estatísticas do século XX., 2004

DUPAS, Gilberto Renda, consumo e crescimento. São Paulo: Publifolha,


2004

IBRE Instituto Brasileiro de Economia – site – Buscador UOL: assunto PIB


16/7/2004

8. Considerações complementares

Em que ponto começaram a descarrilhar? Se compararmos no


mesmo gráfico a medida em que o PIB per capita afastou-se do ritmo
secular de crescimento e a evolução das dívidas nacionais (dívida interna
da União e dívida externa), três tropeços ficam nítidos.

73
74

Se deixarmos de lado a crise relacionada à

interrupção das exportações de café pela I Guerra Mundial, o


primeiro tropeço sério do século XX ocorre no final dos anos 20: o
rápido crescimento das importações e da dívida externa devido à
valorização do café na primeira metade da década acaba em desastre
quando

a crise de 1929 fez o principal produto de exportação da República


Velha reduzir-se a um terço do seu valor.

Foi preciso uma década para a recuperação, trazida pelo

surto de industrialização desencadeado durante a II Guerra


Mundial. Os recursos financeiros necessários à implantação de uma
infra-estrutura industrial, até então negados, foram proporcionados
pela adesão de Getúlio Vargas à causa aliada. Iniciou-se então o

primeiro ciclo de crescimento acelerado: de 1940 a 1952, a renda


per capita triplicou e a economia cresceu a mais de 10% ao ano.

Nos doze anos seguintes, de 1952 a 1964, o crescimento,


ainda que menos espetacular, foi invejável pelos padrões de hoje: cerca de
4% ao ano, com uma melhora de mais de 10% na renda per capita.

Três anos depois do golpe militar, iniciou-se o então


denominado

“milagre brasileiro”:

o o PIB cresce a taxas próximas de 10% anuais e a renda per


capita dobra. Mais uma vez a euforia acaba em

o endividamento excessivo, desta vez para financiar grandiosos


projetos industriais e de infra-estrutura que deveriam construir o
“Brasil Potência” sonhado pela ditadura.

74
75

Muitos deles, porém, ficaram inacabados ou enferrujaram na


ociosidade.

Em 1979, o segundo choque do petróleo foi acompanhado pela

elevação brusca das taxas de juros devido à decisão dos EUA de


recuperar o controle das finanças mundiais.

Foi o segundo tropeço: o sonho dos generais foi interrompido


tão bruscamente quanto o dos oligarcas do café, cinqüenta anos antes.

Desta vez, porém, dez anos não bastaram para uma retomada
convincente. Uma boa oportunidade foi perdida em 1986, quando o
presidente Sarney jogou pela janela o sucesso inicial do Plano Cruzado
para garantir resultados eleitorais de curto prazo. O comprometimento da
credibilidade da política monetária fez o País continuar a rolar ladeira
abaixo por anos e anos.

Em 1994, o Plano Real significou outra oportunidade para


colocar a casa em ordem.

A condução imprudente do câmbio e das finanças públicas, porém,


fizeram o endividamento crescer em disparada. Novamente, as
expectativas de um crescimento acelerado foram abortadas por uma

crise internacional – só que, desta vez, antes mesmo de se iniciar o


ciclo de crescimento que supostamente se basearia no investimento
estrangeiro globalizado.

Depois que as autoridades econômicas dos EUA e do FMI


acabaram de persuadir as economias frágeis do mundo –

Consenso de Washington – incluindo o Brasil – a liberalizar seu


mercado financeiro, a conseqüência foi a

generalização de crises financeiras e monetárias que inibiram o


investimento nos países afetados, elevaram o custo de suas dívidas e
forçaram a maior parte do mundo a acumular reservas cambiais,

75
76

investindo nos EUA e invertendo o fluxo de recursos que a globalização


supostamente traria aos países “emergentes”.

Não seria tão ruim se a

concentração de renda não tivesse se agravado nos mesmos


períodos. Para aferi-la, costuma-se usar o

índice Gini. Esse índice é igual a zero quando a distribuição é


perfeitamente igualitária e igual a 1 quando é absolutamente
concentrada12.

Segundo a ONU, os países com melhor distribuição de renda,


como Suécia, Japão, Hungria e Finlândia, têm esse índice perto de 0,25.
Os EUA e a China estão perto de 0,40. Hoje, o país com renda mais
concentrada é a Namíbia, com índice Gini de 0,70.
O Brasil, em 1960, tinha um Gini de 0,497 – um pouco melhor que os
índices do México ou da Nigéria de hoje. Em 1970, porém, esse índice já tinha saltado
para 0,565 – pior que o da Colômbia e da Guatemala – e, em 1977, às vésperas da
consumação do “milagre”, para 0,625.

Desde então, o índice do Brasil tem oscilado entre 0,60 e 0,64, na


embaraçosa companhia de países como Botsuana e Serra Leoa.

Ao contrário do que se propalava em 1994, o Plano Real não teve efeito


significativo sobre a distribuição de renda que, em 2000, voltou a piorar ligeiramente
(de 0,60 para 0,61).

Como o IBGE não tem dados para calcular índices Gini antes
de 1960, a análise do que se passou nas décadas anteriores é mais difícil.
Pode-se, porém, recorrer aos dados sobre a participação dos salários na
renda nacional, que contam uma história não muito diferente. De 1947 ao
início dos anos 50, cerca de 42% do PIB eram destinados aos assalariados.
Nos anos JK, cerca de 46%, ainda bem abaixo do que se vê nos EUA, onde
os salários giram em torno de 60% da renda nacional desde os anos 30.

76
77

Em 1970, porém, os empregados retinham apenas 40% do PIB


e, em 1975, 36%. A redemocratização esboçou uma recuperação desse
índice, mas a inflação veio a galope para corroê-la, em poucos anos. O
Plano Real congelou o número onde o encontrou: em cerca de 38%. "É
preciso primeiro crescer o bolo, para depois dividi-lo", dizia-se durante a
ditadura militar. Não é preciso dizer que parar de crescer não ajudou a
dividir o bolo.

Há uma guerra não declarada, refletida nas galopantes


estatísticas criminais – 41.802 em 1998, ante 11.194 em 1979 – e um
crescente mal-estar com a longa estagnação, que se reflete na falta de
perspectivas de progresso pessoal e ascensão social, principalmente para
os jovens brasileiros.

12
Em 15 de Julho de 2004 foi publicado o último Índice Gini, onde o Brasil, com 0,775 encontra-se em 72°
lugar entre os 177 países pesquisados pela ONU.

77
78

DÉCIMO DOCUMENTO

DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO

Conceituar desenvolvimento não é muito simples, visto que não


há consenso a respeito do assunto e a classificação dos países segundo os
estágios de desenvolvimento é arbitrária. Uma delas, alias a mais simples, é
a seguinte:

os de renda „per capita‟ mais elevada são considerados "desenvolvidos" e


os demais "subdesenvolvidos".

Entretanto, a questão deve ser ampliada.


Após o término da II Guerra Mundial, a temática sobre
desenvolvimento e subdesenvolvimento passou a ocupar espaço
preponderante no campo das Ciências Sociais, da Política e da Economia,
principalmente diante das transformações ocorridas nos países que se
tornaram presentes no cenário contemporâneo, em virtude de razões como:
No plano social, houve a tomada de consciência dos países que
passaram a ser denominados "subdesenvolvidos" diante das explorações de
que eram vítimas por parte dos países que se denominaram "hegemônicos".
No plano político, verificou-se a descolonização progressiva
ocorrida na África e na Ásia, acarretando movimentos de luta pela auto-
determinação;
surgimento de um conjunto de idéias, denominado "Doutrinas Socialistas" como um
novo caminho para o desenvolvimento, em oposição às clássicas doutrinas capitalistas
no campo econômico;
a criação da ONU (24/10/45) como órgão de debates' e decisões a respeito dos
conflitos internacionais;

78
79

a tomada de posição por parte de instituições internacionais, como a Igreja Católica


através das Encíclicas sobre as Questões Sociais de modo especial em favor dos povos
oprimidos e das classes exploradas;
a Declaração de Argel – conjunto de deliberações tomadas que confluíram para o
“princípio de Autodeterminação dos Povos”, através do qual fica estabelecido que cada
povo tem o direito de ser senhor do seu destino.
No plano econômico ocorreu a tensão entre a economia de
países "desenvolvidos", e a economia de países "subdesenvolvidos",
provocada pelos empréstimos, que passaram a se constituir nas "dívidas
externas", com:
a crescente deterioração de
preços dos produtos agrícolas e da matérias-primas no mercado
Internacional;
a dependência dos países
subdesenvolvidos em relação ao consumo de massa e aos produtos
importados;
a implantação de companhias
multinacionais nos países subdesenvolvidos, com o objetivo de explorar
as matérias-primas e a mão se obra, a baixo custo;
a transferência de tecnologia e
seus elevados encargos financeiros impostos aos países
subdesenvolvidos.
Uma das conseqüências do subdesenvolvimento é a forma com
que se dá a propagação do progresso técnico, sempre no sentido DOS
PAÍSES CENTRAIS para os PERIFÉRICOS, com nações impondo à outras
nações novos padrões tecnológicos.
Estariam temporariamente isentos dessa subordinação técnica
apenas aqueles países que possuem um estoque de riqueza a ser explorada,
como é o caso dos emirados petroleiros.
Além de ser um desequilíbrio de padrão tecnológico entre
nações, o subdesenvolvimento é uma desarticulação interna em que o
padrão de consumo está mais avançado do que o padrão produtivo.

79
80

1. Critérios para a caracterização do subdesenvolvimento.

2. Critérios econômicos

1º - Renda per capta associada ao grau de concentração de renda. A renda per capta
mínima para que um país seja caracterizado como desenvolvido deve estar acima de 400
dólares. Ocorre que países de elevada renda per capita média, freqüentemente,
apresentam concentração de capital em mãos de pequenos grupos de pessoas ou famílias,
o que faz tal critério perder o seu significado revelador.
2º - Análise da poupança: o desenvolvimento exige capital e condições reais de poupança
no plano interno voltados para setores básicos da economia nacional. Países que não
possuem tais condições, voltam-se para capital estrangeiro, o que acaba por criar uma
dependência desses países em relação às fontes externas de capital.
3º - Análise da balança comercial: a balança de pagamento dos países subdesenvolvidos
está em desequilíbrio, uma vez que a importação de produtos industrializados é feita a
preços elevados e a exportação de matéria prima é feita, a baixo custo no mercado
internacional. Tal fenômeno torna-se um dos elementos provocadores de inflação nos
países subdesenvolvidos, uma vez que esses países compram sempre menos, com
quantidade cada vez maior de matéria-prima e produtos agrícolas exportados.

2.1. Critérios sociológicos:

1º - Atividade ocupacional: a população ativa é distribuída em três setores: Primário,


Secundário e Terciário, porém, em situação de desequilíbrio. Nos países desenvolvidos há
tendência ao crescimento da população empregada no setor terciário em decorrência da
racionalização do trabalho e do avanço da tecnologia que libera a mão-de-obra dos
setores primário e secundário. Nos países subdesenvolvidos a mão-de-obra concentra-se
no setor primário, principalmente agricultura e pecuária.
2º - Explosão demográfica: taxa de crescimento demográfico é elevada e absorve grande
parte da produtividade econômica que já é baixa. Além de crescimento vegetativo da
população, o processo migratório do campo para a cidade acarreta problemas no setor
dos serviços, além dos problemas relacionados com trabalho e moradia.
3º - Situação da mulher: nos países subdesenvolvidos o status da mulher é inferior ao do
homem, principalmente no setor rural. Sua inferioridade social, cultural e até jurídica
limita-se à atividade de procriação e criação dos filhos.

80
81

2..3. Critérios políticos:


1º - As qrandes potências, em suas áreas de influência determinam as tomadas de
decisões no plano interno e externo, pois a dependência política, de fato, ocorre como
decorrência da dependência econômica;
2º - Os partidos políticos não têm expressão ideológica: (são siglas de aluguel) nem
compromissos reais com as classes sociais que dizem representar, exceção feita à minoria
dominante (e subserviente às forças internacionais). São instrumentos da dominação,
atendendo, muitas vezes, a interesses de forças alheias aos reais interesses do pais.
3º - A fragilidade das instituições políticas impedem o pleno uso das liberdades
fundamentais, o que retarda o desenvolvimento da maturidade social e a segurança
política;
4º - No setor educacional, o elevado, índice de analfabetismo, a evasão escolar, o baixo
rendimento da aprendizagem, a falta de docentes capacitados, o0s baixos salários, são
características da escola, como instituição social.
5º - A alienação cultural, alimentada através dos meios de comunicação, coloca a
cultura nacional em situação de desprestígio e comparado aos “enlatados” importados;
6º - O setor da saúde, a assistência médico-hospitalar é insuficiente para atender as
necessidades sociais. A população está exposta às mo1éstias endêmicas e epidêmicas,
como características típicas do subdesenvolvimento.
7º - O transporte e os serviços de comunicaçâo, além de precários, são orientados em
prol dos interesses de grupos ou indivíduos e não em prol do interesse coletivo;
8º - O grau de consciência politica é controlada pôr meios repressivos de controle
social, reduzindo as oportunidades de participação no processo político;
9º - A consciência crítica é rotulada de “subversão da ordem, as entidades
representativas das categorias profissioais são consideradas como ameaças
intranqüilizadoras ao “Status quo ante”

Após o início do processo de transformação que está ocorrendo


no até então denominado 2º Mundo, que teve como símbolo e marco
histórico “a queda do muro de Berlim”, a dimensão dialética do binômio
desenvolvimento e subdesenvolvimento está sendo reconsiderada.
A presença do subdesenvolvimento, que estava velada no
mundo socialista de linha marxista, revelou-se como realidade sócio-
político-econômica desse sistema.

81
82

Antes desse fato, o subdesenvolvimento era algo que se


manifestava com clareza no mundo capitalista principalmente na relação do
Primeiro com o Terceiro Mundo.
As transformações do Leste Europeu ampliaram o campo da
discussão sobre a relação desenvolvimento X subdesenvolvimento. 0s
teóricos das Ciências Humanas e Sociais estão propensos a estabelecer
novo enunciado para a questão: o binômio desenvolvimento X
subdesenvolvimento existe em todos os sistemas socio-politico-
econõmicos em que esteja presente o jogo de poder e dominação
expresso através da relação: dominador X dominado.
Em outras palavras: desenvolvimento e. subdesenvolvimento
existiam tanto no mundo capitalista como no mundo socialista, pois tanto
em um como em outro sistema havia um pais hegemônico que exercia o
poder de dominação sobre países periféricos (relação dominador –
dominado) – de busca de plenivivência.
O que pode diferenciar é o modo através do qual se exerce a
dominação. 0 discurso ideológico procurará atenuar o conflito social que
possa ocorrer em conseqüência da dominação, construindo um discurso
político e estabelecendo mecanismos de relacionamento que tenham como
finalidade mascarar as conseqüências do poder de dominação. É
fundamental para a sobrevivência do sistema que padrões de
comportamento social sejam criados e coletivamente: assimilados para que
o jogo de poder seja exercido pelo dominador e aceito pelo dominado.
Para que isso ocorra torna-se necessário eliminar possíveis
focos de resistência pôr parte dos dominados, através de mecanismos de
controle habilmente utilizados. E isso os dominadores fazem com grande
proficiência.

3. O desenvolvimento sob a ótica de Rostow.

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Walt Whitman Rostow, economista americano nascido na


Prússia em 1916, considerou viável decompor a história do desenvolvimento
de cada economia de acordo com um determinado conjunto de
etapas. O objetivo de Rostow foi apresentar uma alternativa à teoria
marxista sobre os rumos da história. Suas idéias foram apresentadas no
livro "Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não
comunista".
Segundo Rostow todos os processos de desenvolvimento passariam pelas
mesmas etapas "etapas do crescimento econômico" e que seriem as seguintes:
l. FASE DE SOCIEDADE TRADICIONAL;
2. FASE DE DESENVOLVIMENTO DAS PRÉ-CONDIÇÕES DE ARRANCO;
3. FASE DO ARRANCO;
4. FASE DO DESENVOLVIMENTO PARA A MATURIDADE;
5. FASE DO CONSUMO DE MASSA;
6. FASE DA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL.
Contra essa teoria, Sombart afirma que "A era e a formação do capitalismo
avançado é um acontecimento histórico único 13".

Em verdade, com o processo de globalização, entramos na fase de consumo


de massa, não significando isso nenhum progresso para as sociedades subdesenvolvidas.
Ao contrário, funcionou como um fator de agravamento dos problemas sociais. Ocorreu
uma quebra da hierarquia das necessidades de consumo, onde muitos trocaram
privações de alimentos por compra de eletrodomésticos.
Do estímulo exagerado ao consumismo de correram:
inchação urbana;
aumento exponencial da criminalidade;
crescimento das importações não-essenciais;
aumento da dependência dos países periféricos.
Por outro lado, para garantir o consumo sofisticado das elites e, mesmo o
consumo padronizado da "massa trabalhadora integrada", ampliaram-se o desemprego e
a exclusão social de ponderável parcela dos trabalhadores. Por outro lado uma

13
É bom que nos lembremos de Max Weber e sua teoria sobre a singularidade dos fatos sociais e de
Maslow, com a sua teoria das necessidades humanas.

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comunidade tradicional pode não ser de consumo de massa, mas de consumo essencial,
diversificado e controlado em função de interesses maiores da sociedade.
Ta1 perspectiva foi profundamente reforçada pelo desrespeito à
consciência ecológica, pela má distribuição social dos produtos do desenvolvimento, pela
distorção das prioridades, pelo endividamento externo e pela restrição à soberania
nacional, mostrando que a questão do desenvolvimento não é apenas econômica: antes é
política.

3.1. 0 desenvolvimento econômico da América Latina e a teoria da


divisão internacional do trabalho.

Segundo a teoria da divisão internacional do trabalho, caberia à América


Latina fornecer produtos primários ao Primeiro Mundo. Acontece que essa teoria, embora
interessante, foi totalmente destruída pelos fatos reais.
A divisão internacional do trabalho baseia-se na falsa premissa
de que os benefícios do progresso tecnológico tenderiam a ser distribuídos
uniformemente por todos os países. A realidade mostra que as sociedades
industrializadas desfrutam muito mais desses benefícios, e essa diferença
dá origem os desequilíbrios entre os níveis de vida dos diferentes povos e
nações. Outro ponto a ser inicialmente destacado é que o fomento industrial
não inibe a produção de alimentos e matérias-primas. Muito pelo contrário,
as atividades demonstram acentuada complementaridade no que diz
respeito às cadeias produtivas.

3.2. Teoria da modernização.

Esta teoria enfatiza o "efeito-demonstração", que é, na geração


de muitas mentes, um desejo de aumento dos padrões de consumo
provocado pelo contato mais ou menos intenso com níveis de vida mais
elevado do que os seus. Esse efeito situa-se no que Leslie White
denomina Difusão cultural.

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Para essa teoria, 0 aumento das necessidades de consumo gera


uma pressão por investimentos econômicos, os quais dependem da
poupança nacional ou da atração de capitais estrangeiros.
Começa aí o problema. 0 crescimento da demanda, sendo
superior aos incrementos da capacidade produtiva é um fator inflacionário.
Além disso, os países subdesenvolvidos têm dificuldades em construir
infraestrutura para o crescimento de suas indústrias e, portanto, de
atender, pela produção interna, aos novos apelos de consumo da população.
Daí recorrer-se às diversas formas de capital estrangeiro, tanto para
investimentos em infraestrutura, como para a produção, para a importação
de produtos industrializados e até para a especulação – mas sempre
remunerado por altas taxas e diversas formas de retorno. Daí 0
endividamento empresarial e estatal com o capital externo e as ameaças
à soberania nacional disso decorrente.
A entrada de capital e de produtos estrangeiros sem controle
do Estado e sem que se proteja a indústria nacional de uma competição
para a qual ela não está preparada para enfrentar (doutrina neoliberal), gera
falências e desemprego nos países subdesenvolvidos (vide Argentina), que
têm incomparavelmente menos capitais, menos capacidade de oferecer
preços competitivos e de oferecer produtos com a mesma qualidade dos
importados.
A modernização dependente e conservadora realizada a partir
dos anos 60 na América Latina, provocou uma nova elitização, um notável
agravamento da distribuição de renda e uma superampliação dos
problemas sociais. As metrópoles, inchadas pela atração provocada pelas
diversas formas de expressão do efeito-demonstração e da decadência da
agricultura tradicional, tornaram-se megacidades terrivelmente
problemáticas.

3.3. Teoria da dependência.

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Julgava-se anteriormente que a industrialização iria superar o


subdesenvolvimento. Entretanto, o que ocorreu, a especialmente no Brasil,
foi o surgimento de novas formas industrializadas de subdesenvolvimento,
ou melhor, de dependência.
A teoria da dependência enfatiza os aspectos políticos, sem
esquecer a dimensão central da economia. Nesse sentido a ênfase da análise
situar-se-ia no sistema produtivo. O subdesenvolvimento seria uma
"conseqüência da expansão do capitalismo industrial que une em um
único mercado diferentes economias nacionais".
Por esta visão, as diferenças entre subdesenvolvimento e
desenvolvimento não estão situadas nas etapas ou estágios, mas na função
ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional
de produção e distribuição. O mercado se organiza em torno da
diferenciação e relacionamento entre o centro e periferia.
Assim, o sistema produtivo gera determinadas funções no mercado
internacional, causadoras, por sua vez, de um sistema de dominação e não como previa a
teoria da modernização, pois o processo de desenvolvimento das novas nações
industrializadas não trouxe o progresso social e político das primeiras nações a se
industrializarem. Por outro lado, trouxe autoritarismo, má distribuição de renda, criação
de novas elites burguesas que se aliaram a grupos estrangeiros para a defesa de
interesses comuns.
A teoria da dependência credita ao Estado um papel
significativo no processo de desenvolvimento e de industrialização,
sobretudo na formação das indústrias de base, bem como na criação de
um processo seletivo para essa industrialização, onde 0 poder das
multinacionais se torna hegemônico em uma nação de Estado fraco ou
comprometido com interesses estrangeiros.
Ao renegar a iniciativa econômica estatal o neoliberalismo enfraquece a
vontade política do país e derruba aquele que é, geralmente, o único grande investidor
nacional numa economia frágil.
É evidente que se está falando de um Estado voltado para os interesses
públicos, sem corrupção e com condições de planejar a economia, principalmente os
setores que deverão ser estatais, os que deverão pertencer a cooperativas e associações
incentivadas pelo Estado (terceiro setor), os que deverão permanecer com a iniciativa
privada e as que se delegarão ao capital estrangeiro.

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Modernamente, ao aspecto econômico soma-se também o ecológico, a.


necessidade de um desenvolvimento sustentado, o que realça, mais uma vez, o papel do
Estado.

4. A necessidade de construção de um Projeto Nacional de


Desenvolvimento para o Brasil.

A posição geopolítica do Brasil na América do Sul quase que lhe impõe uma
posição de liderança, a qual tem sido relegada a plano secundário pelos últimos governos
brasileiros que, como Collor e Fernando Henrique, o atrelaram ao projeto nacional norte-
americano, pela adesão ao modelo neoliberal entronizado pelo Consenso de Washington14
Espírito público e desenvolvimento são as palavras de ordem em todos
setores mais avançados do povo brasileiro, dos trabalhadores da cidade e do campo, da
classe média, do empresariado nacional da indústria, do comércio e da agricultura, das
forças armadas e classes estudantis.
Desenvolvimento Econômico, neste ciclo histórico e neste momento da vida
nacional, é a tarefa que surge para possibilitar vias efetivas para elevação do nosso povo.
De transformar o homem brasileiro, de mero instrumento alienado de economias
estrangeiras, sofrendo reflexamente seus embates e oscilações, fisicamente incapaz de
qualquer reação, em sujeito de seus próprios atos, que decide seu próprio destino, pela
força da riqueza e cultura próprias.
O desenvolvimento econômico é buscado através da industrialização
progressiva do país, com a criação de uma indústria de base, com o aumento da
produtividade e pela busca do pleno emprego das forças produtivas disponíveis, pela
integração ao sistema das áreas de economia não-monetária, com a resolução dos
pontos de estrangulamento e desequilíbrios no dinamismo do processo.
Para a realização destes objetivos, busca a realização de um planejamento
racional de investimento de recursos, estímulo às atividades particulares de cunho
desenvolvimentista, política cambial de proteção à indústria nacional para o exterior,
assim a submissão das empresas estrangeiras ao projeto nacional, quando participarem
de atividades de base como a eletricidade, os combustíveis, a mineração.
Como contribuição para um aprofundamento da integração nacional é
fundamental a reforma agrária, fundada no princípio do aproveitamento das terras

14
Sobre o Consenso de Washington, consultar o texto de Paulo Nogueira Batista na coletânea "Em
defesa do Interesse Nacional - Desinformação e Alienação do Patrimônio Público", ed. Paz e Terra,1994.

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improdutivas e de recursos humanos e materiais existentes, com sua distribuição


racional e amparo efetivo ao lavrador.
O Projeto Nacional de Desenvolvimento interessa praticamente a todos os
setores da nação brasileira. Ao industrial, que com ele terá possibilidade de desenvolver
suas atividades sem a concorrência esmagadora dos grupos econômicos internacionais, e
com auxilio governamental efetivo a seus empreendimentos. Às classes médias, que
podem ter ampliado o campo para atividades econômicas de pequena empresa, assim
como o surgimento de um mercado de trabalho para pessoal técnico e especializado, que
uma nação em desenvolvimento oferece, bem como às classes trabalhadoras, que veriam
a possibilidade de ampliar seu mercado de trabalho e seu nível salarial. E ao
campesinato, que com o aumento da produtividade e monetarização dos campos elevar-
se-á da condição sub-humana em que ainda hoje se submerge.
A existência. de um Projeto Nacional de Desenvolvimento surge como o
catalisador que reúne em torno de si todos os que, de uma maneira ou de outra, estão a
interessados na realização dos objetivos desenvolvimentistas, na luta política e cultural
por uma mentalidade progressista, por medidas progressistas no campo da política
interna e externa, da política cambial, no plano da educação e de equacionamento
das questões sociais.
Esta simultaneidade de interesses a que nos referimos, base para uma
frente nacional desenvolvimentista, não permite no entanto ignorar a existência de
contradições internas à nação brasileira. Unidos todos na luta pelo
desenvolvimento, cada qual procurara orientá-lo no sentido que melhor lhe aprouver.
Realmente, se afere o desenvolvimento pelo crescimento da renda per capita, este
crescimento importa varias diferenciações, e a distribuição da renda, por exemplo, será
tão importante quanto seu crescimento.
Assim, o conceito de subdesenvolvimento não será apenas um conceito
quantitativo, medido pela comparação de taxas de renda e produção das nações
subdesenvolvidas com as nações paradigma, mas implicará também nos critérios
qualitativos de auto-suficiência, auto-dinamismo e elevação geral do padrão de vida4. Não
haverá desenvolvimento, ao menos no sentido que possa interessar ao povo brasileiro, se,
aumentando a renda per cápita, continuarmos na dependência econômica de um produto
único, se nossa economia produzir apenas para a exportação de dividendos, ou se a
acumulação de capital se efetivar pela manutenção das massas populares em baixos
níveis de vida.
Às diferentes orientações qualitativas que pode assumir o
desenvolvimento econômico correspondem diferentes concepções de

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desenvolvimento, explícitas ou no mais das vezes mantidas implicitamente.


Um Plano Nacional de Desenvolvimento, como necessidade nacional,
abrange as diversas concepções, com as correntes respectivas, numa frente
única que há de conter necessariamente divergências, discussões, e
oposições sem que entretanto tais divergências levem à uma cisão
intransponível.
Dentro desse contexto também é fundamental que se crie uma Ideologia do
Desenvolvimento Brasileiro, a partir da discussão de todas as correntes conscientizadas
para a prioridade desse trabalho.

5. A Educação diante de um projeto para o Brasil

O Brasil entrou em 2003 com a sensação de que irá viver um


novo ciclo histórico. E, nesse ciclo, cada segmento da vida nacional está
sendo chamado a dar a sua contribuição. Nesta palestra eu busco refletir
sobre o papel do processo educacional – A ESCOLA - neste possível novo
ciclo.
Neste ciclo há:
emergências sociais a serem atendidas;
reformas a fazer: previdência, tributária, política, agrária;
projeto nacional a construir.
Muito se tem falado das emergências sociais e das reformas,
mas todas elas só fazem sentido dentro de um contexto mais amplo: o da
construção de um projeto nacional.
O Brasil só será uma nação expressiva no contexto internacional quando
tiver um projeto nacional. Da mesma forma que as pessoas que buscar ser alguém na
vida constróem seus projetos de vida, as nações também têm de firmar claramente:
a sua identidade: que soma língua, cultura, religião e objetivos nacionais – que até
hoje não tivemos;

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o seu modelo social – até hoje construído ao sabor de injunções e de circunstâncias de


origem interna e externa;
o diagnóstico de país que somos para a escolha do modelo de desenvolvimento que
poderemos ter.
O Brasil ocupa na América do Sul uma posição geopolítica tão
importante que certa vez o ex-presidente Richard Nixon afirmou: “Para onde
o Brasil se inclina a América do Sul se inclinará”. É só olhar o mapa e ver
como isso é evidente.
Nós não somos uma nação qualquer.
Temos:
uma posição geopolítica privilegiada em um continente;
condições geográficas, de solo, clima, costa, sol, propícias para o desenvolvimento de
uma economia de grande porte tanto industrial como agropecuária ( hoje a nona ou
décima do mundo );
uma unidade nacional, sem enclaves étnicos geradores de rivalidades internas – há
uma unidade de língua, de crenças religiosas e de sentimento nacional, embora mal
expressado na prática.
Falta-nos, entretanto, um Projeto Nacional, que inclua tudo isso
em um sistema que possa ser programado a médio e longo prazos, dando
um sentido de direção ao Brasil, independente dos governos que se
sucederem.
Exemplo claro nos é dado pelos Estados Unidos da América, onde governos
diferentes se sucedem, mas a rota nacional não se altera – mudam apenas os métodos e o
estilo.
Concordemos ou não com o seu projeto inclusivista em política interna e
brutalmente imperialista em política externa, temos de reconhecer os benefícios que um
projeto nacional trouxe para eles.
Podemos não concordar com o projeto deles, mas temos de tomar
consciência de que temos de construir o nosso, dentro das nossas características, das
nossas potencialidades e da nossa maneira de ser.
Em 1989, com a queda do muro de Berlim e o fim do socialismo real o
mundo entrou em uma nova fase, onde despontaram a hegemonia do capitalismo e da
globalização. Teria sido o momento ideal para a construção de um projeto nacional para o
Brasil, que o inserisse no novo ciclo histórico. Entretanto, houve a renúncia dos nossos
governos ( Collor e FHC ) à construção de um projeto nacional, colocando o Brasil a

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reboque do modelo ditado pelos USA para os países periféricos, denominado “O Consenso
de Washington”, cujas regras foram fielmente seguidas pelo Brasil nos últimos 12 anos.
Hoje, entretanto, não só por estarmos no Brasil com um governo novo e
que se propõe a discutir a questão, mas também pelas condições externas, que se
manifestam em todo o planeta:
inevitabilidade da globalização e dos seus efeitos;
explicitação dos limites do capitalismo, que gera riquezas mas desenvolve pobreza e
aumenta desigualdades e
busca universal por uma Terceira Via – que diante da inevitabilidade do capitalismo e
da globalização consiga minorar os efeitos perversos de ambos.
Parece que cabe ao Brasil neste momento a oportunidade de ser
um campo de prova para a construção de um modelo de Terceira Via – mas
ele passa pela construção de um projeto nacional – pois não pode ser
eventual ou circunstancial.
Esse PROJETO NACIONAL tem de ser para médio e longo
prazos e, principalmente, produto da construção de toda a sociedade civil
organizada e não só dos políticos do atual governo. Eles têm de ser os
executores e nós (sociedade civil organizada) os mentores.
E é aí, a meu ver, que entra o processo educacional – A ESCOLA - o nosso
papel como educadores e educandos, principalmente dos cursos superiores.
Precisamos:
refletir sobre o que somos e o que queremos em cada uma de nossas áreas de estudo
ou de trabalho;
tomar consciência de que somos uma parcela pequena da população que tem acesso a
esse nível de estudo e, portanto, altamente significativa;
entender que estamos construindo nossos projetos de vida pessoal, mas que devemos
nos engajar nas organizações que contribuirão para a construção do nosso projeto de
vida nacional;
procurar, dentro de cada área de estudo, o que eu posso fazer de melhor ou até de
novo para me ajudar e para ajudar nessa tarefa nacional.

A escola precisa ser neste momento um instrumento


fundamental de construção, tanto de projetos de vida pessoais como de um
grande projeto nacional.

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A sociedade atual tem 3 elementos de conformação : a


educação, o direito e mídia.
Nós somos um deles A ESCOLA.
Aqui estudamos, nos preparamos, pesquisamos, buscamos alternativas,
trabalhamos e crescemos.
Que todo esse esforço não seja em vão. Professores, alunos,
administradores escolares, funcionários, trabalhadores do ensino – todos terão
importância nesse projeto.
Ele não pertence a nenhum segmento da sociedade, seja uma classe social,
um partido ou qualquer outra organização. Construir um projeto nacional é tarefa de
todos, é tarefa de uma nação.

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