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Memória sobre as colónias de Portugal situadas na costa ocidental d’África,

António de Saldanha da Gama, 1814, impresso em 1839 em Paris.

1) Cabo Verde e suas ilhas

O tráfico de escravos já há muito que terminou, pelo que a prosperidade da


colónia não se deveria ressentir por este facto. No entanto, diz-nos António Gama que
não se convence que não haja nada a fazer para aumentar e melhorar a colónia, visto o
seu estado não ser o que deveria graças aos recursos naturais que possui.
O único objectivo que parece existir é a colheita e venda da urzela; no entanto,
em vez de aumentar e melhorar a colónia, como deveria, contribui para a sua
diminuição, bem como para a humilhação dos naturais de Cabo Verde – isto traduz-se
num “estado lastimoso e abatido da colónia”.
António Gama explica o porquê disto. A fazenda real, através dos capitães-
mores dos distritos, compra a urzela por um preço fixo; e aqueles exercem o seu poder
enganando em quanto podem os vendedores: medem este produto com a sua escala e
não com as dos vendedores; não pagam em dinheiro mas em géneros prepara, causando
por vezes danos e prejuízos na ordem dos 100% a quem vende; recusando parte do
pagamento com a desculpa que a urzela não está devidamente limpa, ou que está
misturada com outras matérias, não sendo pura.
Propõe António Gama que a venda da urzela seja livre, em vez de ter estanco
real, e ter apenas um pequeno e simbólico tributo de exportação, já que na sua óptica é
esta a única maneira de ela poder competir no mercado europeu com outras descobertas
“que produzem a mesma cor, inda que inferior em qualidade, mas que sam preferidos
em razão da sua barateza”.
Segundo António Gama, há dois ramos que deveriam ser mais explorados:
1 – Cultura das plantas e árvores que são conhecidas pela abundância e
excelência dos seus óleos: mandohí, gerzeli e a palmeira de Dendé, por exemplo. Tanto
a palmeira como as plantas mencionadas produzem 3 espécies diferentes de azeite, de
grande qualidade, e que podem ser aplicados não apenas para usos culinários mas
também para o fabrico do sabão (que seria de fácil promoção num país com tanta
abundância de matéria alcalina;
2 – Pescas e salgas de peixe: as ilhas possuem sal muito bom e em muita
quantidade, bem como estão os mares em seu redor povoados de muitos peixes. É

Ana Rita Faleiro


Fevereiro de 2010
importante notar uma certa crítica que o autor faz ao facto de, independentemente de
Portugal ser um grande consumidor de peixe, não fomentar esta actividade e deixar-se
depender dos estrangeiros. O autor refere os casos da Inglaterra, França e Holanda
porque estas potências fomentam a pesca, “porque os pescadores sam a escola e o
viveiro dos marinheiros”; já Portugal, que em grande parte se sustenta de peixe salgado,
cujo território é uma grande costa, e cujas colónias oferecem tantas oportunidades de
fomentar a pesca, deixa este ramo abandonado.
Diz-nos ainda que estas ilhas produzem quase todas as frutas dos trópicos, bem
como cana-de-açúcar e café.
Possui uma manufactura de tecidos grosseiros de algodão, artigo de comércio
para os presídios de Bissau e Cacheu, sendo por isso também útil promover e
aperfeiçoar tal manufactura.

2) Bissau e Cacheu

Nestas zonas abundam gomas (como por exemplo a arábica), resinas, marfim e
madeiras, entre outros produtos que as poderiam tornar ricas.
As terras são próprias para a cultura do arroz, trabalho que é feito com gosto
pelos habitantes. Pergunta-se António Gama por que razão não poderão ser estas terras
a fornecer Portugal deste produto, visto geograficamente estarem mais próximas do
Continente.
Quanto ao ramo das pescas, estas poderiam ser promovidas, bem como a salga e
a extracção do azeite de peixe.
Florescem os vegetais dos quais se retiram óleos como o de rícino, mandobi e
palmeira de Dendé.
Conhecem-se pouco as madeiras de África; as árvores presentes são pequenas e
sólidas e muito coloridas, o que as torna próprias para trabalhos de marcenaria e
embutido.
António Gama diz pensar ser possível a prosperidade dos aromas da Ásia em
Bissau e Cacheu, e que também a pimenta, cultivada na Bahia, poder-se-ia nestas áreas
aclimatar-se.

Ana Rita Faleiro


Fevereiro de 2010
3) São Tomé e Príncipe

Encontra-se em grande estado de decadência, sendo impossível a qualquer observador


reconhecer nesta colónia o que é descrito pelos historiadores.
“Quando não há uma attenção assídua e cuidadosa sobre objectos d’esta natureza
[mapas estatísticos que possam comprovar as tendências de decadência ou progresso
da colónia], governa-se ás cegas, e entrega-se ao acaso, muitas vezes avesso, a sorte do
povo e do estado.”
Anteriormente, esta colónia floresceu e produziu muita cana-de-açúcar, muitos
engenhos, era muito povoada; porém, na altura em que o autor escreve, está arruinada,
quase despovoada e tem fama de ter um clima muito difícil.
Devido ao decréscimo da agricultura, cresceram arvoredos, cerraram-se matas, voltaram
a formar-se pântanos, e a atmosfera corrompeu-se por causa de decomposições de
detritos vegetais e animais; tudo isto tornou a ilha doentia.
Segundo o autor, isto pode estar ligado ao florescimento do Brasil, que passou a ocupar
em grande parte a atenção do governo e da nação por ser tão fértil e rico.
Refere António Gama que a aguardente poderia ser mais vantajosamente produzida,
visto ter uma venda segura nos portos vizinhos da costa de África, para além de exigir
menos despesas de trabalho e de fabrico que o açúcar.
São Tomé e Príncipe produz ainda café de excelente qualidade (“(…) que rivalisa em
seu aroma e sua superioridade com o tão afamado de Moka(…)”).
É ali preparado ainda uma espécie de sabão, próprio para lavagem de renda e objectos
delicados; quando misturado com algum aroma, poderia competir com o de Nápoles,
vendido na Europa a um preço elevado. Tendo uma consistência mole (própria para
transporte em pequenos barris), poder-se-ia dar-lhe uma consistência mais sólida para o
seu transporte ser mais fácil e económico.
Tal como em relação à urzela, o estanco do sabão deveria ser abolido, já que é
demasiadamente pesado para o povo. Isto provoca obstruções ao asseio e limpeza, “que
também sam meios e critérios de civilização, e que tem uma benéfica influência sobre a
saúde pública.”
O último bispo a estar presente na ilha produziu vinha, que deu vinho de boa qualidade;
posteriormente, esta cultura foi interdita, embora António Gama seja da opinião de que
deveria voltar a ser permitida.
Propõe ainda a introdução de certas especiarias e cacau nas produções da ilha.

Ana Rita Faleiro


Fevereiro de 2010

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