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A alienao uma das fontes do prazer da leitura. Por meio dela sou
capaz, ainda que por um curto espao de tempo, de sair de minha realidade e
viver a realidade do outro. Ainda ontem, relendo a parte final do livro Zorba,
comecei a chorar. O feitio da leitura faz com que eu me esquea de meu mundo
e me transporte para o lado de Zorba. Esse exerccio voluntrio de alienao
parte da boa sade mental, e quem no consegue faz-lo porque est meio
enlouquecido.
Mas aquilo que remdio, no varejo, vira veneno, no atacado.
Schopenhauer continua: " Da se segue que aquele que l muito e quase o dia
inteiro, e que nos intervalos se entretm com passatempos triviais, perde,
paulatinamente, a capacidade de pensar por conta prpria. Porque quanto mais
lemos menos rastro deixa no esprito o que lemos: como um quadro negro, no
qual muitas coisas foram escritas, uma sobre as outras. Assim, no se chega
ruminao: s com ela que nos apropriamos do que lemos, da mesma forma
como a comida no nos nutre pelo comer mas pela digesto".
Ele continua: " por isso que, no que se refere as nossas leituras, a arte de
no ler sumamente importante". Por vezes, ao ver as listas de livros indigestos e
sem sabor que os professores obrigam seus alunos a ler, tenho vises infernais de
um buffet imenso, centenas de pratos - que os alunos so obrigados a comer
(digerir e assimilar outra coisa. Via de regra a refeio acadmica termina em
vmito ou diarria. O engolido esquecido).
"Esse o caso de muitos eruditos: leram at ficarem estpidos. Porque a
leitura continua, retomada a todo instante, paralisa o esprito ainda mais que um
trabalho manual contnuo, j que neste ainda possvel estar absorto nos prprios
pensamentos".
Nietzsche pensava o mesmo. Eis o que ele disse no Ecce Homo: "Os
eruditos, que hoje nada mais fazem que dedar livros (ir virando as pginas com o
dedo), acabam por perder inteiramente a capacidade de pensar por eles mesmos.
Enquanto vo lendo no pensam. Os eruditos gastam todas as suas energias
dizendo Sim e No na crtica daquilo que outros pensaram - eles mesmos no tem
mais a capacidade de pensar. Vi com meus prprios olhos: pessoas bem-dotadas
e com liberdade de esprito que, aos trinta anos, j haviam lido a ponto de se
arruinar..."
um equvoco imaginar que a quantidade de livros lidos desenvolve a
capacidade de pensar. Comida ingerida em grande quantidade prova
perturbaes digestivas ou obesidade. Eruditos, com freqncia, so obesos de
esprito.