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Os Segredos

e a Arte de
Contar Histórias
Professor Osmar Lima
2007©

Copyright © Osmar lima

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Correspondências para o autor:


Professor Osmar Lima
E-mail: artolimacub@yahoo.com.br
Website: http://br.geocities.com/artolimacub

Página n° 2
ÍNDICE

PREFÁCIO ................................................................................................... 4

PREÂMBULO ............................................................................................... 5

O INSPIRADOR DE JOSIMAR....................................................................... 6

JOSIMAR - SEU PERFIL ............................................................................... 8

QUALQUER PESSOA PODE CONTAR UMA HISTÓRIA .................................... 9

IMPORTANTE LER MUITAS HISTÓRIAS E OBSERVAR AS ESTRATÉGIAS .... 11

CONHECER OS OUVINTES ......................................................................... 13

A PREFERÊNCIA DO PÚBLICO ................................................................... 16

INSTRUIR OS OUVINTES .......................................................................... 19

O ENVOLVIMENTO DE QUEM OUVE A HISTÓRIA ....................................... 20

O DOMÍNIO DA LÍNGUA ............................................................................ 21

A MORAL DA HISTÓRIA ............................................................................ 22

MEMORIZANDO A HISTÓRIA..................................................................... 24

COMO INICIAR A HISTÓRIA ..................................................................... 28

DESCREVENDO OS PROTAGONISTAS ........................................................ 30

DESCREVENDO AS SITUAÇÕES.................................................................. 32

AMBIENTAÇÃO.......................................................................................... 34

CENÁRIOS PRINCIPAIS E CENÁRIOS OCULTOS ........................................ 36

O TEMPO NA HISTÓRIA ............................................................................ 38

CONTANDO A HISTÓRIA ........................................................................... 40

DIÁLOGOS BEM CLAROS ........................................................................... 42

O CORPO TAMBÉM FALA............................................................................ 44

O SUSPENSE ............................................................................................. 46

FINALIZANDO........................................................................................... 48

HISTÓRIA: EDUCAÇÃO, FLORES E PEDRAS ............................................... 49

HISTÓRIA: O FANTASMA DA AVÓ ............................................................. 51

Página n° 3
PREFÁCIO

Este livro tem caráter de ferramenta. Ele não oferece normas rígidas
de como se deve construir uma história, para que ela seja perfeita. E não
existe história perfeita porque com o tempo ela pode perder o sabor, pois
os sabores desejados pelas pessoas modificam-se constantemente.

Ela pode até sobreviver através de adaptações, aclimatações e


atualizações. Muitas vezes, com estas metamorfoses ela fica ainda melhor,
ou melhor, mais saborosa.

Uma história pode ser útil numa atividade de treinamento, numa


aula, num trabalho de evangelização, mas se não for saborosa, não
sensibilizará os ouvintes. Há boas histórias que não produzem sabor porque
foram mal formatadas e mal contadas. E há histórias bem simples, que com
o tempero do escritor e do contador tornam-se deliciosas e inesquecíveis,
produzindo influências.

Neste livro, procuramos transmitir sugestões para orientação dos


desejosos em aprender a contar histórias. Estas sugestões não são feitas
através de esquemas enfadonhos para serem compreendidos, memorizados
e implementados. São feitas através do melhor recurso pedagógico adotado
por mestres, líderes e comunicadores: A HISTÓRIA.

Contamos uma história mostrando como nosso protagonista Josimar


aprendeu as técnicas e estratégias para contar histórias. E junto com ele,
podemos aprender também.

Professor Osmar Lima

Página n° 4
PREÂMBULO

– UMA OCASIÃO...

Estas palavras pareciam mágicas, quando pronunciadas pelo Sr.


Arnaldo, ou melhor, “Seu Arnardo” como era melhor conhecido na pequena
cidade do interior. Ele era um notável contador de histórias ou “causos”
como se falava ali. Era o grande astro dos velórios. Encantava as pessoas
com suas histórias, distraindo os “veladores de defunto” na longa noite de
vigília, entre bolinhos, café e até umas pinguinhas.

Estas palavras eram o anúncio de mais uma de suas histórias e,


quando as pronunciava, produzia-se um silêncio geral. Todos ficavam
atentos e eletrizados para ouvir mais um “causo do Seu Arnardo”. Com o
Sr. Arnaldo presente, as horas passavam rápidas.

Ele fez um discípulo, Josimar, jovem professor de História do colégio


local, que viu na virtude do Sr. Arnaldo um recurso pedagógico riquíssimo
para tornar suas aulas mais produtivas.

A história de Josimar é um “causo” que vamos contar e como ele


aprendeu a contar histórias. Enquanto ele aprende, o leitor aprende
também.

Aprende a aprender contar histórias.

Aprende a iniciar uma história, fazer suspense, encantar os ouvintes,


construir cenários, descrever situações e protagonistas, etc.

A arte de contar histórias pode ser um dom. Pode-se mesmo ter


nascido com esta vocação, com esta facilidade de memorizar as histórias e
contá-las com sabor, encantando uma platéia. Mas pode-se muito bem
aprender a contar histórias. Basta que se conheçam as estratégias para
iniciar, desenvolver e concluir com um bonito desfecho. Também podemos
aprender a técnica do suspense, das expressões faciais e da gesticulação,
que enriquecem a história.

E para aprender, o querer é fundamental.

Página n° 5
O INSPIRADOR DE JOSIMAR
O “SEU” ARNALDO

O velório estava cheio de gente. E permaneceu cheio por toda a


madrugada. Ninguém arredou pé da sala onde se achava o caixão com o
finado.

Ele era assim tão querido que todos choraram sua morte por toda a
madrugada? Por acaso os bolinhos e o café tradicional destes momentos no
interior eram assim tão atraentes?

Nada disso. É que lá estava presente o melhor freqüentador de


velórios da cidade, o “Seu “ Arnaldo.

Ele era uma verdadeira atração nestas reuniões fúnebres. Religioso?


Quase. O que ele era mesmo é um notável contador de “causos”. Quando
morria alguém nas vizinhanças, Josimar procurava saber se o “Seu”Arnaldo
estaria lá e, diante da afirmativa, não titubeava. Rumava para lá para
passar a noite ouvindo suas histórias.

Eram histórias simples de negociação, traição, malandragem, de


alguém que havia sido apanhado na própria armadilha, ingenuidade ou
esperteza de caipiras, etc.

Muitas vezes, a história já havia sido contada várias vezes. Todos os


ouvintes já conheciam o desfecho. No entanto, pediam ao “Seu” Arnaldo
para contá-la mais uma vez.

Era a história do ferroviário que pusera laxante da garrafa de café


para pegar quem a roubava todos os dias. Ou o “causo” da mulher que
roubou a galinha da vizinha, mas foi descoberta porque as penas foram
vistas no seu lixo. Contava ainda o caso do viúvo que espalhou pólvora na
soleira da porta onde um gozador costumava defecar à noite e deixar um
bilhete. Era mesmo um sabor, quando ele, em detalhes, contava como o
viúvo acendeu a pólvora.

Então, quando lhe pediam, ele não se negava e começava sempre


com o mesmo chavão:

Página n° 6
– Uma ocasião...

Parecia uma palavra mágica. Fazia-se um silêncio total. Todos os


ouvintes se esfregando de emoção, preparados, para ouvir um “causo” do
“Seu” Arnaldo.

No dia seguinte algumas pessoas tentavam em vão reproduzir as


histórias contadas. Ninguém achava graça.

O próprio Josimar já tentara várias vezes sem sucesso. E ele tinha


muita vontade mesmo de contar histórias como o “Seu”Arnaldo.

Josimar era muito inteligente. Achava que não havia nada de mágico
com aquele notável contador de histórias. O que havia mesmo era o jeitão
de contá-las, sua estratégia.

Então, por vários velórios, deixou de ficar atento às histórias quando


estavam sendo contadas, fixando sua atenção no jeito como ele começava,
desenvolvia e terminava a história. Depois do enterro, ia para o trabalho
com sono, mas na volta para casa, tomava nota daquilo que fora
observado. Como iniciava a historia, os trejeitos, as pausas, enquanto
enchia e acendia o cachimbo ou tomava um cafezinho.

Nos capítulos seguintes, vamos conhecer o que Josimar anotou,


formando um verdadeiro manual de instruções para contar e escrever
histórias.

Página n° 7
JOSIMAR - SEU PERFIL

Josimar era professor de História. Havia concluído a faculdade há dois


anos e já lecionava na mais considerada escola pública da região. Esta
escola era muito bem administrada por competentes educadores.
Conseguira a cadeira através de concurso. Apesar de serem muito
disputadas as vagas naquela escola, teve o privilégio de escolhê-la dado à
excelente colocação no concurso.

Havia escolhido esta matéria porque era mesmo apaixonado por


História Geral. E foi através das aulas de história no ensino fundamental,
ministradas por um professor entusiasmado, que apaixonou-se e decidiu-se
por este caminho.

Na sua opinião, os alunos não a valorizavam com justiça porque não


compreendiam bem a sua essência. Isto porque a maioria dos professores
lecionava contemplando apenas o seu aspecto científico, desprezando o
aspecto da emoção, do sabor. Achava que se tornasse a aula saborosa os
alunos estariam mais motivados a absorver os conhecimentos e
compreender o seu valor, sua essência.

Era da opinião de que, mais importante que os nomes e as datas,


eram os fatos. É claro que os grandes vultos não poderiam nunca ser
relegados ao esquecimento, mas de que adiantaria saber o nome deles sem
conhecer-lhes as grandes realizações? Sem lembrar das razões porque as
realizaram? Sem avaliar as suas conseqüências? Eles se imortalizaram
mesmo pelo que fizeram.

Por isso, dava destaque a narrativa dos fatos. E o que desejava


mesmo era amealhar a técnica de contar histórias para dar aulas de
História, relatando os fatos no formato de estória. Os alunos poderiam
torcer o nariz para a ciência História, mas todos eles, como todo mundo,
gostavam de estórias. Este era o caminho, na perspectiva de Josimar. Por
isso, desejava ardentemente aprender a contar histórias. E concretizou o
seu sonho com as forças da vontade e da dedicação.

Página n° 8
QUALQUER PESSOA
PODE CONTAR UMA HISTÓRIA

Qualquer pessoa pode contar uma história porque há histórias curtas,


simples e histórias longas e mais complexas, repletas de detalhes.

A criança, quando relata à mamãe como foi que se machucou, está


contando uma história. E, se acrescentar algo que na verdade não ocorreu,
estará usando a imaginação. Neste momento, estará criando uma história.

Muitas vezes, machucou-se fazendo alguma traquinagem, fazendo


algo que a mamãe havia proibido. Desta forma, terá que criar alguma
fantasia para justificar o machucado. Então é criado um cenário, onde
vários personagens interagem, tudo conduzindo os elementos para alcançar
o momento mais importante, o desfecho, o acidente.

– Mamãe, foi o cachorro da vizinha que me assustou. Eu corri para


passar o portão, mas tropecei e, na queda, raspei o joelho naquele
muro rústico.

A verdade mesmo é que a criança havia trepado no muro e, quando


foi descer, esfregou o joelho no muro rústico. Ela contou uma história, que
criara naquele momento. Uma história curtinha, simples, mas criara uma
história.

Dizem que os mentirosos são bons para contar histórias, mas isto é
mesmo generalização. Nem todos os mentirosos sabem contar histórias, por
isso caem sempre em contradição, revelando a mentira.

Autores de histórias também não são mentirosos, porque a história


não chega a ser uma mentira. É uma fantasia, declarada que é uma
fantasia e, portanto, não é uma mentira.

Muitas vezes o autor participa da história como protagonista, mas fica


claro, desde o princípio, de que se trata somente de uma história e não de
um relato de acontecimento real. Então, ainda assim, não se trata de uma
mentira.

Página n° 9
Também, quando vamos ao médico, fazemos um relato sobre nossa
enfermidade: como começou; onde sentimos o desconforto pela primeira
vez; em que condições é que passamos a sentir a dor; etc. E até mesmo
fantasiamos um pouco para que o médico não nos censure. Mentimos que
tomamos os remédios receitados, que fizemos a dieta recomendada etc.

A rigor, estamos mesmo contando histórias ao médico, que por sua


vez, apenas nos respeita fingindo acreditar, porque bastando nos examinar,
descobre a verdade. Faz novas recomendações reiterando que a cura
depende da disciplina do paciente.

Às vezes, conta um caso parecido com o nosso para encartar a


importância da disciplina na busca da cura. Conta uma história real ou
inventada naquele momento mesmo da consulta.

Página n° 10
IMPORTANTE LER MUITAS HISTÓRIAS
E OBSERVAR AS ESTRATÉGIAS

Josimar perguntava-se onde teria o Sr. Arnaldo garimpado tantas


histórias. É bem verdade que sua idade já passava dos setenta. Mesmo
assim, não havia muitas pessoas nesta idade com conhecimento de tantos
“causos” como ele. E, se dependesse de idade para conhecer muitas
histórias, não haveria muita chance para Josimar, que tinha somente vinte
e cinco anos.

Então ouvia programas de rádio onde eram contadas histórias e


também passou a ler alguns jornais que as publicavam.

Procurou livros com histórias infantis, histórias para a juventude e


para a idade adulta.

Passou então a observar as estratégias com que os escritores


formatavam os contos, para manter cativo o leitor.

Começava por um título sugestivo, apelando para a curiosidade do


leitor. Ele mesmo se apanhara escolhendo as histórias, seduzido pelo título.

Mas não bastava um bom título. O título tinha a finalidade de obter-


se a atenção. Era preciso depois sustentar o interesse do leitor para que ele
fosse até o fim da história.

Alguns escritores são mestres nesta arte – pensava Josimar –. Ficou


mesmo apaixonado por uma história, onde um prisioneiro está para ser
decapitado, embora seja amado por toda a sua comunidade.

O autor faz mistério da razão de sua condenação, até o fim da


história. O livro tinha mais de trezentas páginas e Josimar não foi para a
cama enquanto não chegou ao fim da história.

Ele procurava achar um meio de converter aquelas estratégias de


escrever em estratégias para contar. Ele não achava muito difícil fazer isto.
Principalmente porque para contar histórias, havia muito mais recursos do
que para escrever.

Página n° 11
Contar histórias é um discurso onde podemos utilizar o colorido da
modulação tonal, as pausas, a gesticulação, os trejeitos, as expressões
faciais e, até mesmo, a interação com os ouvintes.

Assim, ele lia histórias procurando construir em sua mente os


cenários, os personagens e o desenrolar das cenas como se estivesse
assistindo a um filme.

Não raras vezes, até podia modificá-la dando-lhe algo para


enriquecê-la, pois conhecia-lhe a essência.

Página n° 12
CONHECER OS OUVINTES, O QUE
GOSTAM, O QUE ACHAM ENGRAÇADO,
O QUE LHES ESTRATÉGICO.

Josimar percebeu logo que a platéia do “Seu” Arnaldo era quase


sempre a mesma. Isto lhe facilitava muito as coisas.

Ele, o Sr. Arnaldo, conhecia a maioria das pessoas que freqüentavam


velórios. Sabia do que gostavam de ouvir, o que achavam engraçado e o
que achavam trágico. Conhecia bem a cultura deles porque também era a
sua cultura. Convivia com eles desde a infância.

Quando contava um “causo” era como se estivesse contando para si


mesmo. De nada adiantava tentar imitá-lo. Era preciso conquistar a sua
própria platéia. Como as pessoas já o conheciam e o valorizavam, bastava
iniciar com o chavão “uma ocasião” para obter toda a atenção.

Então ele começou a fazer uma experiência.

Logo após o Sr. Arnaldo ter acabado de contar um de seus “causos”,


Josimar emendava com uma história de mesmo gênero.

Se tinha sido uma história de fantasma, observava o impacto


produzido e contava uma história de fantasma também, aproveitando
algumas palavras típicas do Sr. Arnaldo e, até mesmo explorando a sua
presença como referencial. Exemplo:

– E, no dizer do “Seu”Arnaldo, ele ficou espiando a moça “de fianco”,


“na moita” enquanto ela “muito coió” tirava toda a roupa pensando
que estava lá só ela e Deus.

A técnica de usar as palavras do Sr. Arnaldo e ofertando-lhe o


crédito, tornava Josimar simpático àquela platéia.

E inventou também um chavão. “Eu tenho uma história parecida”.


Quando o pronunciava, todos lhe davam atenção.

Página n° 13
Até o Sr. Arnaldo, depois que Josimar a contava, a respaldava com
um novo “causo “ do mesmo gênero ou fazia um comentário sobre a
história do discípulo.

Josimar percebera que “atrelado” ao “Seu” Arnaldo conquistara uma


platéia à sombra do notável contador de histórias.

Então aconteceu a consagração.

Numa noite de velório, o Sr. Arnaldo não pode comparecer. Estava


viajando. Fora ao casamento de um sobrinho em outra cidade. Meio sem
jeito, Josimar compareceu ao velório. Tomou um café, comeu um bolinho e
ficou ali, em silêncio como todas as outras pessoas.

Então alguém disse:

– Que pena que o “Seu” Arnaldo não está aqui.

E alguém arrematou:

– Ainda bem que o Josimar veio.


– Ei, Josimar. Conta uma história para nós – pediu outro.

Mais uma vez, Josimar iniciou a história, à sombra do Sr. Arnaldo:

– Uma vez, eu estava num velório e o Sr. Arnaldo contou a seguinte


história...

Todos se acomodaram, se esfregando de emoção, porque sabiam que


lá vinha uma boa história e que era uma do Sr. Arnaldo.

Aos poucos, Josimar foi se libertando do apoio do seu inspirador e


impondo seu próprio estilo, sem descuidar-se de obter a atenção e o
interesse da platéia, que agora conhecia bem.

Josimar lia muito, conhecia muitas histórias e as adaptava para


agradar aquela platéia.

Agora tinha diante de si um novo desafio. Conquistar outras platéias


com cultura e interesses diferentes da platéia do Sr. Arnaldo.

Página n° 14
Porém já havia obtido o conhecimento da importância de conhecer-
lhes os sentimentos e o que valorizavam para selecionar ou adaptar
histórias que os sensibilizassem.

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A PREFERÊNCIA DO PÚBLICO

Despertar o interesse do público para a história que contava era bem


mais difícil do que descobrir antecipadamente que tipo de histórias os
diversos públicos preferem.

Josimar, que contava histórias para diversos públicos, recebendo


muitas vezes sugestões para contar ou ainda repetir esta ou outra história,
não demorou muito para saber o que os sensibilizava.

As crianças geralmente gostavam de ouvir as histórias que


envolvessem encantamentos. Então eram sempre solicitadas as histórias de
duendes, anões, feiticeiros, fadas, etc.

Ficavam mesmo eletrizadas quando Josimar começava a contar pela


quarta ou quinta vez uma mesma história em que começava assim:

– Lembram-se daquela história da princesa que ganhou um ovo de


presente de um príncipe do oriente?

E vinha a resposta em coro:-

– Lembramos sim.

Então Josimar perguntava:

– Vocês se lembram do que havia dentro do ovo? Lembram-se que


ela tentou quebrar o ovo e não conseguiu? Lembram-se que em
sonho ela viu o que havia dentro do ovo?

– Lembramos sim – diziam as crianças se esfregando de emoção.

Então Josimar, após uma pausa, caminhando entre as crianças


começava a narrar a história do pequeno príncipe que fora aprisionado
dentro do ovo.

As crianças já conheciam de sobra o desenvolvimento e o desfecho


da história. No entanto, havia a magia da voz, da expressão facial, da

Página n° 16
expressão corporal, da musicalidade da entonação, do ritmo que Josimar
promovia à história. Então, tudo se renovava.

Os jovens, por sua vez, gostavam mais de histórias de aventuras, de


ação.

Josimar não gostava de contar aos jovens alunos histórias que


envolvessem assassinatos e atrocidades. Então contava histórias que
envolviam heróis enfrentando desafios.

Contava como se preparavam, como lutavam contra as adversidades,


o medo, as maquinações dos inimigos, as pequenas derrotas e, no final, o
sucesso. Eram histórias de marujos, astronautas, atletas, pilotos de avião,
pilotos de motocicletas, cachorro, etc.

As mocinhas adoravam histórias românticas. Sendo assim, como o


público jovem era composto do elemento masculino e também feminino,
mesclava o conto com ação, aventura e romance. Aprendeu isto lendo
romances para a juventude.

Religiosos gostavam de histórias de pessoas santas e abnegadas.

Josimar não cansava de contar para um grupo de idosas a história de


Francisco de Assis, o milagre de Lourdes, o milagre de Fátima, etc. Elas já
conheciam de sobra o enredo todo, mas ficavam enlevadas quando Josimar
descrevia o cenário, as aparições, os milagres e como os circunstantes se
emocionaram em Lourdes.

As palavras de Josimar, não raro, levavam as velhinhas às lágrimas


de júbilo. E ele também se emocionava por ter causado tanta alegria.

Homens adultos já gostavam de histórias de pessoas que obtiveram


sucesso na vida, em seus negócios, em seu reconhecimento pela sociedade.
Josimar contava sobre as dificuldades enfrentadas com coragem, as
estratégias, a seriedade e lealdade, os valores temperando as ações e a fé
em Deus. Gostavam de ouvir como os grandes magnatas se fizeram a partir
do zero, usando a coragem, a operosidade, a fé e a criatividade.

Já, as vovós, adoravam histórias de crianças. De forma alguma a


história poderia terminar sem um final feliz.

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Josimar conseguiu ser muito bem sucedido nesta carreira de contador
porque era também um notável pesquisador. Estava sempre atento ao que
as pessoas gostavam e precisavam.

Este binômio é a alavanca do interesse e da atenção.

Página n° 18
INSTRUIR OS OUVINTES

Para que os ouvintes possam entender e valorizar certos momentos


da história, eles têm que obter certos conhecimentos.

Josimar observou isto, quando o Sr. Arnaldo começava a contar uma


história que envolvia alguns conhecimentos que os ouvintes ainda não
dominavam. Por exemplo:

Um dia, ele estava contanto um “causo” de como atravessara com


muito medo a ponte por onde passava um trenzinho e que dava acesso à
fábrica onde sua irmã trabalhava. Ele levava marmita para ela e indo pela
ponte encurtava muito o caminho. Teve então que descrever a ponte, que
não tinha sido preparada para pedestres e, quem quisesse atravessá-la
teria que ir pulando de dormente em dormente. Teve também que explicar
que o trenzinho apitava a uns trezentos metros antes de chegar àquela
ponte.

Todas estas explicações porque ele sabia que bem poucas pessoas
haviam transitado por ali.

Josimar também viu isto num filme que contava a história de um


vampiro.

No filme, um dos protagonistas instrui alguém sobre as


características dos vampiros. Explica como as pessoas se transformam em
vampiros e como se deve combatê-los. De sorte que, quando uma jovem se
recusou terminantemente a receber de presente um crucifixo, o público já
ficou informado de que ela havia sido mordida pelo vampiro.

Também, no momento em que a cortina é rasgada deixando entrar a


luz do sol, todos já sabiam que isto significava o fim do vampiro.

Assim, quando Josimar estava planejando a narração, levava sempre


em conta o nível de conhecimento do seu público.

Página n° 19
O ENVOLVIMENTO DE QUEM OUVE A HISTÓRIA
IDENTIFICAÇÃO

Josimar descobriu através da observação que algumas pessoas se


emocionavam mais que outras, mas, em geral, dependendo da estratégia
aplicada, todos se envolviam, identificando-se com os protagonistas da
história. Podiam mesmo quase experimentar suas sensações.

Um dia, ele contava uma história em que a mãe explicava à filhinha


de quatro anos a diferença entre o limão e a laranja. Esta não era a parte
mais importante da história, mas contou, em detalhes, como o limão fora
cortado, como exalou o seu aroma e como a mãe mordeu o limão aberto,
demonstrando que o limão era azedo, mas que não fazia mal. Depois,
deixou que a filha desse uma leve lambida no limão verde.

Neste momento, Josimar percebeu que todos os ouvintes estavam


com a boca cheia de água e rindo do fato.

Mais tarde, ninguém comentava o desfecho da história. Era


comentado mesmo o momento em que todos ficaram com a boca cheia de
água.

Por medo, superstição, ambição, desejo de vingança, inveja,


altruísmo, fé religiosa, sensualidade, generosidade, sadismo, insatisfação ou
amor viajamos na emoção desencadeada pela história.

Josimar, então, tratava cuidadosamente dos detalhes para construir


na mente dos ouvintes as situações que o protagonista enfrentava e mais, o
mais importante, como ele se sentia, em função de suas características
psicológicas.

Assim, os ouvintes, ao se identificarem com o protagonista, sentiam


todas as suas emoções, transmitidas pela magia da voz do notável
contador.

Página n° 20
O DOMÍNIO DA LÍNGUA

Josimar lia muitas histórias e todas elas eram escritas em bom


Português, isto é, respeitando as regras gramaticais. Mas uma coisa é
escrever uma história, outra é contar uma história.

A linguagem que se deve usar ao contar uma história tem de estar


alinhada ao tipo de público ouvinte.

No caso do contador, Sr. Arnaldo, o público dele era quase


exclusivamente de pessoas pouco letradas. Ele também não tinha grandes
conhecimentos da língua. Mal cursara os quatro anos primários e apenas
conseguira alfabetizar-se. Pouco lia e as histórias que contava ele as haviam
ouvido de outros contadores ou mesmo presenciado alguns fatos.

Como tinha excelente memória para detalhes, era dono de aguda


observação e gostava muito de contar histórias, tornou-se um contador
notável. Contudo, o linguajar simples, jocoso, próprio das pessoas do
campo, encantava a sua platéia.

Bem cedo, Josimar percebeu que para contar histórias àquela platéia,
teria que ajustar o seu modo de falar sem, entretanto, imitar o Sr. Arnaldo
porque aí ficaria falso e as pessoas perceberiam.

Assim sendo, adotou o meio termo. Nem eufemismo, nem caipirismo.


Poderia sim, usar o termo “de fianco” para falar oblíquo, “de fasto” para
falar retroagir, “buiento” para falar ruidoso, “trem” para falar elemento,
“eslargá” para falar ampliar, etc., que eram palavras bem conhecidas.

Pornografia, nem pensar. Embora muito simples, eram muitos


respeitosos e religiosos. Já, em aula, Josimar tinha que contar as histórias
em bom Português porque tinha que dar bom exemplo aos alunos.

Página n° 21
A MORAL DA HISTÓRIA
O OBJETIVO DA HISTÓRIA

Josimar aprendeu que quando se conta uma história, alguma coisa se


aprende e alguma coisa se ensina, porque a maioria dos ouvintes se
identifica com os protagonistas e o envolvimento pode ser muito grande.
Aliás, o grande interesse de Josimar era mesmo utilizar o conto como
recurso pedagógico em suas aulas de História.

Assim, se o protagonista é bem sucedido através de certas


estratégias, elas ficam arquivadas na mente dos ouvintes, que poderão
aplicá-las nas oportunidades que surgirem em sua vida real.

Desta forma, ele aprendeu a tomar muito cuidado para não transmitir
maus exemplos que viessem no futuro produzir comportamentos
incompatíveis com os valores consagrados por sua comunidade.

Ele teria também que evitar que pessoas do meio, com certas
características dos personagens, fossem rotuladas.

A narração de uma história pode ter vários objetivos. Para obter riso,
ela tem que ser engraçada.

Para motivar aperfeiçoamento de comportamento ela tem que ser


exemplar. Para encartar um argumento ou um ensinamento, ela tem que
apresentar, no mínimo, uma metáfora pertinente, que desperte o interesse.
Para obter adesão a um movimento, sociedade ou empreendimento, ela
tem que contar a saga de alguém que aderiu a movimento similar e que
obteve êxito.

Josimar aprendeu isto, vendo alguns comerciais na televisão, onde se


contavam pequenas histórias de alguém que usou o produto que estava
sendo oferecido e ficara satisfeito.

Assim sendo, Josimar aprendeu que toda história carrega consigo


um objetivo que precisa ser identificado no momento de selecioná-la.
Numa festa, numa roda de amigos, não se conta algo triste que venha a
esvaziar toda a energia que produzia alegria do encontro. Também não se

Página n° 22
conta uma história super hilariante em meio a um sermão em ambiente
religioso, produzindo gargalhadas.

Em atenção ao objetivo enunciado, têm-se que destacar, de forma


estratégica, os aspectos alinhados a ele. Tem-se mesmo que ficar bem claro
o porquê da história que está sendo narrada para que, ao final, nem seja
necessário dizer qual a moral que ela encarta.

Josimar aprendeu isto, quando, algumas vezes, após o término da


narração, alguém lhe perguntava:

– E aí, Josimar, o que você quer dizer com esta história?

Quando isto ocorria, ele já sabia que faltara algo a ser destacado e,
então, de volta para casa, avaliava o ocorrido, identificava a falha e
aperfeiçoava a história.

Página n° 23
MEMORIZANDO A HISTÓRIA

Há histórias com poucos detalhes, há histórias com muitos detalhes.

Há detalhes que pouca influência pode oferecer, entretanto, há


alguns que são mesmo imprescindíveis e, caso sejam omitidos, isto pode
enfraquecer a história. Então tem-se mesmo que memorizá-los muito bem.

Josimar sentiu isto na pele, quando contava uma história aos alunos
e, de repente, percebeu que estava omitindo elementos importantes. E o
pior, não conseguia mesmo lembrar-se deles. Passou então a dar grande
importância o processo da memorização.

Achava incrível esquecer de alguma coisa na história porque a


narração é sempre seqüencial, um fato puxa outro e ela vai assim até o fim.
Entretanto, quanto aos detalhes, tem-se mesmo que memorizar muito bem.
Mas como fazer isto com segurança?

Uma coisa é contar uma piada ou uma história breve a um grupo de


amigos no bar, num vestiário ou num ônibus. Outra coisa é narrar para uma
platéia com mais de cinqüenta pessoas, onde é normal estar-se sob a
pressão da emoção.

Se não tiver a história firmemente memorizada, pode-se


esquecer de detalhes importantes e perdê-la num vazio.

Josimar comprou livros que ensinavam a turbinar a memória e


também fez um curso por correspondência. Não acreditava nestes
processos para melhora da memória, mas preferiu tomar contato com eles
ao invés de desprezá-los precipitadamente, sem verificar primeiro a sua
validade. E não é que funcionou?

Ele não prestou muita atenção aos exercícios todos de memorização,


mas aprendeu que, na história, a ferramenta da associação caia como uma
luva. Comparou-a com a deixa no teatro, quando o ator sabe o que tem que
falar porque esta fala está associada à última palavra que foi dita pelo
interlocutor. Às vezes a deixa é um som ou mesmo um gesto, uma entrada
de outro ator. Aprendeu as leis da associação. Exemplo:

Página n° 24
Se quisermos enumerar todas as coisas que observamos no caminho
de casa, basta seguirmos a seqüência como se estivéssemos caminhando
para casa. Vamos então lembrar de cada esquina, padaria, posto de
gasolina, igreja, etc.

Podemos também associar as coisas por padrões. Exemplo:

• Alho, cebola, sal, pimenta - padrão temperos;


• Alicate, chave de fenda, martelo, prego – padrão ferramentas;
• Lápis, borracha, caderno, caneta, livro - padrão escola;
• Tesoura, tecido, agulha, linha botão – padrão costura;

Também podemos associar pelos contrastes:

• Bem, mal - baixo, alto - noite, dia - claro, escuro.

Josimar pôde então, através destas associações, memorizar com


segurança os detalhes. Por exemplo:

Quando ele contava uma história em que depois de morto ouvia-se o


chinelo do avô arrastando-se no corredor, era muito importante citar os
detalhes do chinelo arrastando-se e fazendo o ruído característico. Então
associava fraqueza das pernas do ancião caminhando com dificuldade, isto
é, arrastando... O que? Ora, o chinelo... Que fazia o que? O ruído de
arrastar-se. De que forma poderia ser ouvido? Pelas janelas que davam
para o corredor. A palavra corredor lembra janelas porque são elementos
que pertencem ao padrão residência. Se estes detalhes fossem omitidos, a
história ficaria sem sentido.

Mas e a seqüência da história, como mantê-la perfeitamente alinhada


quando narrá-la? Como memorizar tudo isto?

Josimar aprendeu a dividir a história em vários blocos, à maneira de


um livro dividido em capítulos, mesmo que a história fosse curta. Desta
forma, memorizava perfeitamente cada bloco, deixando armada uma deixa,
uma palavra para iniciar o próximo com segurança.

Uma história poderia ter quatro, cinco ou mais blocos, que todos
seriam lembrados com todos os seus detalhes porque estavam interligados
por uma deixa, uma chave.

Página n° 25
Eis uma história que Josimar contava sempre com muito sabor e
sempre lhe pediam para repeti-la:

“EDUCAÇÃO, PEDRAS E FLORES” 1 - Resumo: A história de um


menino de doze anos que fora apanhado pela professora, quando mexia em
sua bolsa para roubar. A professora perseguiu-o, mas como não conseguiu
apanhá-lo, indignada atirou uma pedra. Mesmo sem intenção, acertara as
costas do menino. O menino então procurou uma pedra e guardou-a para
atirá-la na professora na primeira oportunidade. Contudo, não conseguiu
perpetrar a vingança, quando conheceu melhor a professora num episódio
onde ela revelou toda a sua ternura.

PRIMEIRO BLOCO: Trata do perfil do menino Manoelzinho e como ele


começou a roubar. Na história, ele interage com a professora. Desta
forma, Josimar terminava o primeiro bloco com a palavra
PROFESSORA. Era a deixa para entrar no segundo bloco, que traçava
o perfil da professora.

SEGUNDO BLOCO: Trata do perfil da professora. Sua pouca idade,


beleza, impulsividade, energia com os alunos, principalmente com o
Manoelzinho que ela já percebera muito levado. Ele terminava este
bloco com a palavra LEVADO, deixa para o terceiro bloco.

TERCEIRO BLOCO: O flagrante. O momento em que o menino é


apanhado roubando. A perseguição e a pedrada sem intenção, mas
que acertara o alvo. Terminava o bloco com a deixa PEDRA.

QUARTO BLOCO: A dor nas costas, o desejo de vingança, o


planejamento. Como ele planejara acertar a professora numa manhã
de domingo, a deixa era MANHÃ.

QUINTO BLOCO: O cenário da manhã, a professora abrindo a janela e


o menino a espreitando carregando a sacola com algumas pedras. Na
janela havia flores. Como o detalhe flores é muito importante na
história, então Josimar as punha em destaque para o bloco seguinte
A deixa era então FLORES.

SEXTO BLOCO: A professora está linda na janela beijando as flores.


Manoelzinho desiste da vingança e volta para casa. Como vai

1
História: EDUCAÇÃO, PEDRAS E FLORES, vide página 49.

Página n° 26
enfrentar a professora no dia seguinte? A deixa agora é DIA
SEGUINTE.

SÉTIMO BLOCO: A cena em que Manoelzinho, no dia seguinte, pede


desculpa à professora e promete nunca mais roubar.

Assim, Josimar preparava a narração e não esquecia nenhum


detalhe, nem se perdia na seqüência da história. Tinha então liberdade para
tratar cada bloco com todo molho, observando a reação da platéia, sem o
risco de perder seqüência da história.

Página n° 27
COMO INICIAR A HISTÓRIA

Josimar, observando outros contadores de histórias, aprendeu que só


existem duas formas de iniciar a narração, isto é, a boa e a ruim.

Havia contadores que faziam uma longa preparação, descrevendo os


personagens, os cenários e a situação reinante, para somente, bem depois,
iniciar o relato das ações.

Isto tornava o preâmbulo muito monótono e acontecia mesmo que


algumas pessoas começavam a conversar e até deixar o recinto.

Então ele estudava bem a história, começando muitas vezes pelo


final, pelo desfecho.

A história é que iria contar como as ações dos personagens, em


interação com o ambiente e com as situações, teriam desembocado ali,
produzindo aquele final.

Ele, por exemplo, começava assim:

– Vou contar a história de um homem, que de tantos erros que


cometeu, acabou riquíssimo...

É claro que todos os ouvintes desejavam agora saber que erros


teriam sido estes afinal. Pronto! O interesse já havia sido conquistado.

Ou então:

– A história que vou contar é de um garoto de quinze anos que


estava apaixonado pela professora de quarenta e decidiu empregar
todos seus esforços para conquistá-la, pois tinha certeza de que ela
gostava dele... Ela tinha um grave defeito na face, mas isto não
fazia diferença alguma porque o menino era cego...

Era assim que ele começava o relato, com um ritmo forte, desde o
início, com muita ação.

Página n° 28
Não era fácil fazer isto. Era necessário estar muito seguro de como se
sucediam todas as ações, sem cometer nenhuma incoerência, sem omitir
aspectos importantes responsáveis pela clareza da história. Mas o seu
repertório era composto de histórias muito bem construídas para serem
contadas com toda segurança.

Onde ele aprendeu isto? Assistindo a filmes que tinham um início com
muita ação para logo após vir o elenco resumido.

O elenco em detalhes, contemplando todos os créditos, ficava para o


final, para quem tivesse o interesse e a paciência de assisti-lo. Quando
ocorria o contrário, ficava mesmo maçante, assistir a um elenco todo
detalhado para depois dar-se início ao filme, à história.

Página n° 29
DESCREVENDO OS PROTAGONISTAS

Há muito que explorar descrevendo os personagens. Pode-se falar do


físico, idade, saúde, do caráter, da situação social, padrão de vida, sonhos,
desejos, ansiedade, traumas, etc.

A descrição dos personagens é extremamente importante, pois a


força da história está no relacionamento entre as suas características e as
situações que se sucedem, em razão de suas atitudes ou independente
delas.

As situações podem ser criadas pelo personagem ou acontecerem


fora do seu controle. Mas, de qualquer forma, a força da história está na
forma com que o personagem é atingido pelas situações e como reage,
conforme as suas características. Assim sendo, as características que
devem ser destacadas são aquelas que influenciam os fatos ou
através das quais o personagem é influenciado.

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS: Velho, jovem, criança, adulto, etc.;


Gordo, magro, atlético, baixo alto, gigantesco, anão, forte, fraco, doente,
saudável, cabeludo, calvo, barbudo, ágil, lento, atlético, etc.; Bonito, feio,
elegante, relaxado, perfumado, mal cheiroso, refinado, asseado, desleixado,
etc.

Não basta, por exemplo, dizer que o cabelo da donzela era sedoso. O
narrador tem fazer com a mão o movimento de tocá-lo com carinho, como
que sentindo-lhe a textura delicada entre seus dedos. Há que fazer com que
o público sinta também.

CARACTERÍSTICAS SOCIAIS: Rico, pobre, miserável, mendigo,


trabalhador, desocupado, aposentado, bom profissional, picareta, religioso,
ateu, respeitável, respeitoso, colaborador, atencioso, etc.

PROFISSÕES: Conforme a profissão, assim o personagem se


relaciona com o mundo. Um professor prestigia a Educação. Um
bibliotecário prestigia o livro. Um engenheiro, a construção. Um esteticista,
a beleza.

Página n° 30
Estas características têm que ser muito bem destacadas se tiverem
relação com as situações.

CARÁTER: Bondoso, maléfico, honesto, desonesto, verdadeiro,


mentiroso, responsável, leviano, trabalhador, preguiçoso, colaborador,
indiferente, religioso, ateu, desapegado, sovina, comilão, comedido,
respeitador, irreverente, sábio, bronco, etc.

Durante a narração, não basta dizer que fulano é honesto. Terá que
ser contada uma passagem de sua vida em que ele demonstrou isto.
Exemplo:

– Quando André encontrou a carteira recheada de notas altas,


imediatamente concluiu que havia sido perdida por alguém muito
rico. Com aquele dinheiro, André poderia sair de algumas situações
difíceis em que se encontrava naquele momento.

Mas depois pensou:

– Será que quem perdeu este dinheiro não estaria numa situação
muito pior que a minha? Se eu não a entregar, como ficará minha
consciência?

Então remexeu toda a carteira até achar um documento que


identificava o dono dela. Não o conhecia, mas procurou-o e entregou-lhe o
achado. O dono quis dar-lhe algum dinheiro pela honestidade, mas André
não aceitou.

Com este fato, ficava patente na história que André era honesto.

Página n° 31
DESCREVENDO AS SITUAÇÕES

Foi lendo muitos romances que Josimar aprendeu a descrever as


situações que envolviam os personagens de suas histórias.

Aprendeu que não basta relatar as situações com que o protagonista


se defronta. Tem que ser relatado, com muita habilidade, como ele a vê,
como a interpreta, como se sente diante dela, o que passa pela sua mente,
o que mais deseja naquele momento, se deseja fugir ou aproximar-se.

Tudo isto tem que ser relatado com muita riqueza, mas também com
muita habilidade para não escorregar na incoerência. Além disso, a reação
do personagem, exteriorizada ou interiorizada, é deixa para a continuidade
da história.

Muitas vezes, as situações que enfrenta podem modificar o caráter do


personagem para melhor ou, então, revelar a sua fraqueza ou torpeza de
alma.

Tudo isto pode ser relatado em detalhes, levando o personagem a


fazer uma retrospectiva de sua vida em poucos segundos e agir bem ou
mal, com coragem ou esvaziado dela.

É claro que as situações se modificam no curso da história com a


influência das ações do protagonista.

Desta forma, tem-se que tornar o relato muito claro porque, muitas
das vezes, um pequeno detalhe é que faz a diferença e se não for bem
destacado, pode-se perder o sabor da história.

Havia uma história que Josimar contava e que envolvia o uso de uma
escova para cabelo. Ela surgia várias vezes durante o relato. Então, ele a
descrevia na cor, no formato, na leveza das cerdas, na anatomia do cabo,
nos arabescos dourados que a decoravam, etc. Dando um toque de
sensualidade, comparava-a com o corpo de uma bailarina.

E mais, como era sentida pelo tato do personagem, que muito a


valorizava por ter pertencido a uma pessoa extremamente querida por ele,
o detalhe escova ficava fortemente gravado na mente dos ouvintes, que

Página n° 32
compreendiam bem o poder de influência que ela exercia. Assim, cada vez
que o personagem tocava na escova, o público também lhe sentia a
influência.

Os filtros através dos quais os personagens interagem com as


situações é que enriquecem as situações.

Página n° 33
AMBIENTAÇÃO

Josimar aprendeu no cinema, no teatro e nos livros de contos a


importância de se construir o cenário onde ocorre a história.

Estava sempre atento, observando essas estratégias e tomando nota.


É claro que todos os fatos ocorrem no tempo e no espaço.

Para que uma história seja boa, o espaço e o tempo têm que se
harmonizar com ela. Tem que dar-lhe o colorido pertinente.

O contador de histórias tem livre trânsito no passado, no presente e


no futuro. Quanto ao cenário, pode construí-lo com toda a propriedade da
imaginação, enriquecendo a história.

Para dar força ao conto, Josimar tinha que navegar ora ao passado
imediato, ora ao passado remoto. Muitas vezes tinha mesmo que viajar
para o futuro.

Contar uma história de assombração que se passa numa praça pode


até ser boa. Mas quando Josimar contava uma história de assombração, ele
a ambientava no cemitério ou numa igreja em ruínas ou, ainda, num
casarão antigo abandonado, com muita poeira, móveis em péssimo estado
corroídos pelo tempo ou por cupins. Descrevendo as janelas, as descrevia
caindo das dobradiças, com os vidros embaçados pela poeira e muitos deles
quebrados. Lá fora, aquilo que fora jardim, agora era um matagal
tenebroso. O único banco que sobrara estava apodrecendo. O telhado todo
quebrado produzindo muitas goteiras. E, para arrematar, a presença de
alguns morcegos que adotaram a residência.

Os circunstantes, caso o protagonista interagisse com eles, eram


sempre misteriosos. Josimar os descrevia com roupas e atitudes inusitadas,
exóticas. As cores? Sempre cinza e preto.

Também era explorado o cheiro que o ambiente exalava, umidade,


podridão.

O tempo? A hora? Eram sempre altas horas da noite.

Página n° 34
O protagonista? Pobre dele. Estava sempre sozinho, desprotegido,
amedrontado, obrigado a permanecer naquele ambiente.

A temperatura ambiente? Fria, gélida. Lá fora, vento forte, uivante.

Assim, Josimar construía o cenário para uma história horripilante.

Depois, ao final da narração, desmontava todo este cenário,


produzindo um final hilariante e contando, em seguida, uma historia alegre,
engraçada envolvendo bichos, crianças, música, dança, etc.
Agora o cenário já era outro. Muita luz, muita cor, flores, perfume,
limpeza, etc.

Ele achava que, com isto, desarmava os pensamentos mórbidos que


a história poderia ter produzido na mente dos ouvintes.

Página n° 35
CENÁRIOS PRINCIPAIS,
CENÁRIOS OCULTOS

O cenário, onde transcorre a história, tem parte ativa, através dos


elementos que o compõem, influenciando as ações dos protagonistas,
ofertando recursos para que os ouvintes as interpretem, as avaliem e
compreendam as sutilezas dos fatos que estão sendo relatados.

Há cenários materiais e cenários abstratos, sociais, psicológicos,


existenciais etc. Eles se misturam às situações que se formam com ou sem
o concurso dos personagens, sendo muitas vezes a razão da história.

Mas nem sempre os cenários estão todos revelados. Há um cenário


principal e, muitas vezes, um cenário oculto, influenciando todo o contexto.

Um exemplo de cenário principal sendo influenciado por um cenário


oculto é aquele do caso de um vendedor de imóveis se debatia tentando
encontrar argumentos para vender uma casa a um casal, que até desejava
fazer a transação, mas nunca se resolvia a fechar o negócio. Este era o
cenário principal, clarificado, de primeiro plano.

Então, um outro vendedor mais experiente procurou verificar se havia


algum cenário oculto e descobriu que, por traz do interesse do casal, havia
a influência da mãe do rapaz, que detestava a idéia de que fossem morar
longe dela. Sem conhecer este cenário, o vendedor inexperiente não sabia
que argumentos poderia utilizar para convencer o casal.

A venda se concretizou, quando através de hábeis manobras, foi


produzida a negociação com a presença da mãe, que se convenceu que a
casa em negociação não era assim tão distante.

Com base neste fato, Josimar construía uma história partindo do


cenário principal, deixando os ouvintes intrigados com a forma com que a
história fluía.

Somente, depois, com o desenvolvimento da narração é que ia, aos


poucos, fornecendo pistas para que os ouvintes percebessem que havia algo
por traz dos fatos, influenciando-os.

Página n° 36
Muitas vezes era o caráter do personagem, cujas ações eram
incompatíveis com o modelo que aparentava, sendo influenciadas por uma
experiência anterior, que produzira traumas difíceis de reverter. Doutras
vezes eram os interesses espúrios que os personagens não revelavam no
início do conto.

Enfim, fatos, experiências, interesses, medos ocultos influenciando o


cenário principal, que às vezes se apresentava como um jardim florido,
porém ocultando serpentes entre as flores.

Estes cenários ocultos, quando por fim eram revelados, davam um


toque de mestre na história com o elemento surpresa.

O mais curioso é que, quando Josimar contava este tipo de história, a


pedido dos ouvintes que já a conheciam, eles ficavam atentos, ansiosos
pelo momento em que Josimar revelava o cenário oculto, que já lhes era
conhecido e vibravam com o final.

Josimar comparava isto com o fato de crianças adorarem assistir ao


mesmo filme várias vezes.

Quando a pedido, ele começava a repetir uma de suas histórias e


algumas pessoas exclamavam:

– Esta história eu já conheço!

Mas ficavam atentas até o final da narração. Rindo, quando ela era
engraçada ou comentando a moral da história com os outros ouvintes.

Página n° 37
O TEMPO NA HISTÓRIA

A história ocorre no tempo. Não há como dissociar isto. Então, o


tempo é um elemento extremamente importante na história e deve ser
muito valorizado.

Josimar não sabia como fazer com o que os ouvintes sentissem o


passar do tempo em toda a sua dimensão, em toda a sua força.

Foi vendo um filme que aprendeu isto. O filme conta a história de um


soldado que permanecera na atividade da guerra, fora do seu país, durante
mais de cinco anos e depois retornando para casa, onde se defronta com
situações inesperadas em razão das mudanças ocorridas enquanto esteve
no exército.

Ficaria muito vazio, simplesmente mostrá-lo indo para o campo de


luta e voltando em seguida, após decorridos os cinco anos.

O filme não mostra de pronto como as mudanças vão se realizando


na sua cidade e em casa, com sua família, durante aquele tempo. O
impacto é justamente este. Ele se faz, quando da volta do soldado.

Mas, como foi que o tempo passou?

O filme, para demonstrar o tempo passando, vai relatando o que


ocorre em cada um dos cinco anos, nas batalhas, nas trincheiras, nas
vitórias, nas derrotas, nas fugas, no relacionamento entre soldados e
superiores, entre eles e os inimigos prisioneiros.

Mas isto daria apenas um filme de guerra, que não é o objetivo


principal do filme. A essência da história, porém, é o impacto da sua volta.
Mas como preparar isto?

Bem, enquanto o soldado está na guerra, recebe correspondência de


casa, com fotos da família, lembranças, fotos, etc. Isto faz com que
espectador esteja informado da angústia dele com a expectativa da volta.
Ele também sonha com sua casa e a companhia da esposa.

Página n° 38
Toda a dimensão do passar do tempo, então, é sentida pelo
espectador.

A forma como as coisas mudaram em sua cidade e em sua casa é


mostrada depois, através de uma retrospectiva, comparando-a numa forma
de sincronismo com o que ocorria na guerra no mesmo tempo.

Assim, quando Josimar contava uma história e falava do tempo que


passara, nunca dizia de forma resumida:

– Passaram-se cinco anos.

Ou ainda:

– Depois de cinco anos...

Ele valorizava cada ano que passava, com alguns fatos.

– Depois de um ano, aconteceu... No segundo ano, foi feito isto... No


terceiro ano, ele já pensava diferente, pois passou a agir... Então,
passados cinco anos, fez um balanço do que ocorrera neste tempo
todo...

O tempo passado não pode ser relatado em interação somente com o


personagem principal, mas também com todos os envolvidos na história. Às
vezes tem-se mesmo que relatar ocorrências do passado para explicar
certas situações, certos desfechos. E ainda, por vezes, reservar estas
explicações como elemento surpresa.

Página n° 39
CONTANDO A HISTÓRIA

Josimar aprendeu logo que para contar uma história com êxito,
teria que conhecê-la, detalhe por detalhe, para não ficar indo e vindo a todo
o momento, isto é, voltando para um momento anterior porque lembrou-se
dele agora que a seqüência da história o reclama, para ter sentido.

Observou isto quando uma pessoa contava a história de um violinista


não valorizado pelo próprio pai:

– Então... o violinista levou seu pai ao concerto, sem que ele


soubesse que o concertista seria o filho que o levava... Há!... mas
antes, lá em casa o pai lhe dissera...

Esta parte em negrito é o que o contador esquecera de relatar e


estava retornando por se tratar de parte importante do relato. O ritmo fôra
então quebrado e a parte seguinte perdeu o vigor.

Ele também aprendeu a usar a voz na medida certa, com bom


volume, de acordo com o tamanho da sala e atento à acústica. Às vezes,
sentia que tinha que posicionar-se no centro da sala, para que todos
pudessem ouvi-la.

Aí complicava um pouco, pois tinha que virar-se a todo o momento


para dar atenção a todos.

A velocidade da narração também tinha que ser adequada. Se muito


lenta, ficava monótona e, se muito rápida alguns ouvintes não conseguiam
acompanhá-la.

O ritmo é muito importante. São os contrastes entre rápido e


lento, baixo volume e volume mais alto. Tonalidades diversas
acompanhando a emoção do relato é que dão colorido à apresentação.

Mas a pronúncia tem que ser bem articulada. Josimar fez tantos
exercícios de articulação que chegou a ter câimbras no maxilar.

Página n° 40
Os braços e as mãos têm que acompanhar a fala, pois também falam.
Às vezes, o contador utiliza apenas um gesto e ele tem muito mais
expressão que a fala na história.

A expressão facial também tem que acompanhar a exposição.


Contador tem que aprender a fazer cara de triste, alegre, arrogante,
invejoso, desconfiado, medroso, raivoso, satisfeito, assustado, surpreso,
sensual, indiferente, aborrecido, etc.

Josimar aprendeu depressa a usar estes recursos para enriquecer os


momentos em que contava as histórias. E foi mesmo observando as
pessoas, na vida real, em diversas situações é que aprendeu isto.

Dentro da seqüência da história, tem que se tomar muito cuidado


para não incorrer em certas incoerências. Por exemplo:

Numa história em que o protagonista fica muito rico, o contador


escorregou quando, referindo-se a um momento em que ele estaria ainda
muito pobre, disse que teria adquirido muitas terras. Esta parte somente
ocorreu quando ele já teria iniciado a ganhar sua fortuna.

O contador se perdera no tempo e, quando percebera o erro, teve


que retificar, perdendo energia e comprometendo a narração.

Josimar, aprendiz aplicado, tomou nota da gafe.

Página n° 41
DIÁLOGOS BEM CLAROS
EXPLICITAR DE QUEM É A FALA

Uma das coisas que dificultam a compreensão na história é o relato


imperfeito dos diálogos.

Muitas vezes, lendo histórias, Josimar tinha que retornar várias linhas
atrás para entender bem as situações porque o escritor era econômico em
informar de quem tinha sido a fala, nos diálogos, limitando-se somente a
escrever o que fora dito. Por exemplo:

– Acho que vou sair daqui agora - disse Roberto.


– Não vai não porque eu não vou deixar.

Reinou-se então um clima extremamente desagradável e as


discussões prosseguiram:

– Estou cansado de suas mentiras, de sua deslealdade.


– Como ousa falar assim comigo?

Depois de falar do clima, quem é que falou? O leitor fica confuso.

No caso da leitura, o leitor pode sempre retomar a leitura linhas atrás


para compreender, mas durante a narração não há como a não ser que
alguém interrompa o contador para perguntar de quem é a fala afinal.

O contador tem que dar explicações e pode ocorrer uma quebra de


ritmo. É claro que ficaria muito cansativo estar todo o tempo dizendo
“fulano falou, sicrano respondeu, fulano falou outra vez, sicrano retrucou“.

Mas há vários recursos para evitar estas repetições.

Uma delas é, diante de uma afirmação de fulano, descrever primeiro


a reação de sicrano para depois dizer o que ele respondeu. Por exemplo:

– Então André afirmou:

– Seu trabalho está sendo inútil em razão de sua incompetência.

Página n° 42
– Naquele momento, Amadeu sentiu o sangue ferver. Como André se
atrevia a criticar sua competência? Como poderia falar assim de
uma experiência de mais de quinze anos? Então retrucou
espumando:

– Que condições você me ofereceu para o que trabalho saísse a


contento?

Além de evitar as desagradáveis repetições, ainda enriqueceu o clima


do diálogo.

Página n° 43
O CORPO TAMBÉM FALA

Assistindo a um filme do Zorro, Josimar observou a importância das


expressões corporais durante a narração, pois lhe dão muita força.

No filme, há um personagem, amigo do Zorro, que é mudo, mas tudo


que ele diz com gestos é compreendido pela platéia. E é justamente por
comunicar-se desta forma que fica engraçado e o torna muito simpático
para o público.

Desta forma, Josimar começou a prestar atenção às pessoas que


falam gesticulando e se expressando com o corpo.

Aprendeu que ao falar de frio, tem que encolher-se com os ombros


perto das orelhas e esfregando as mãos.

Falando de calor teria que abrir a boca, e abanar-se com as mãos.

Com medo, teria que encolher-se e ficar mexendo com a cabeça na


horizontal olhando para os lados como se esperando algo acontecer.

Com coragem, estufar o peito, levantar o queixo, lábio inferior à


frente do lábio superior e com os punhos cerrados.

Tranqüilo, recostado na cadeira e com as mãos na nuca.

Ansioso, esfregando as mãos, agitando as pernas e olhando em


volta sem fixar-se em nenhum ponto.

Sentindo um cheiro ruim, franzindo o nariz e fungando.

Sentindo um perfume, com o queixo levantado, suspirar


profundamente, com os olhos semi-cerrados.

Preocupado, inclinado para a frente, mão no queixo e olhar no


vazio.

Feliz, mãos abertas com as palmas para baixo, braços esticados,


sorriso largo.

Página n° 44
Zangado, senho franzido, dentes à mostra, ombros erguidos, cabeça
inclinada para a frente e olhar para a frente, como um animal que vai
atacar.

Bondade, braços descontraídos, cabeça levemente inclinada para o


lado.

Repulsa, tronco inclinado para traz, braços fortemente estendidos


para a frente e mãos abertas tensas.

Falando de um homem alto, erguer bem a mão como se o estivesse


medindo.

Falando de um homem baixo, baixar a mão e movê-la como se


estivesse afagando a cabeça dele.

Se falar de uma explosão, encolher-se, fechar os olhos, contrair a


face, agir como se a tivesse ouvido e se assustado.

Falando de alguém carregando um grande peso, encolher-se e


falar de forma espremida.

E teve que aprender observando a cada dia as expressões usadas


pelas pessoas enquanto falavam.

Todas as pessoas que estiverem interessadas em aprender a contar


histórias têm que desenvolver o senso de observação e estar atentas às
múltiplas expressões corporais que as pessoas apresentam a cada
momento.

Página n° 45
O SUSPENSE

No cinema ou no teatro, Josimar, que era extremamente sensível às


cenas, identificava-se intensamente com os protagonistas e lhes sentia
todas as emoções.

Numa seqüência de cenas de suspense, ele quase perdia a


respiração, transpirava e até mesmo já tinha se pegado transpirando.

Mas como extrapolar este recurso para o conto?

Foi mesmo observando o Sr. Arnaldo é que descobriu várias formas


de fazer suspense.

Foi quando ele contava uma história de fantasma 2 . A princípio


pensava-se que o fantasma era mau. Mas próximo ao final da história, já se
sabia que era um ancestral da família tentando avisá-la de um homem que
desejava prejudicá-la. Como todos fugiam dele, não conseguia avisá-los.

Ao chegar ao desfecho, quando, afinal o fantasma iria aparecer para


salvar a menina que se afogava na lagoa, ficava contando em detalhes o
que o resto da família estava fazendo em uma festa, enquanto os ouvintes
se desesperavam porque a menina estava morrendo.

Contando estes detalhes, muito devagar, interrompeu várias vezes a


narração.

Primeiro para tomar um café que lhe foi servido.

Depois foi o bolinho. Comeu e ficou falando do petisco, elogiando a


cozinheira e contando que em outro velório havia comido um bolinho com
um sabor estranho.

Enquanto isto todos ficavam reclamando a continuidade da história,


porque, afinal, a menina estava se afogando e o fantasma ainda não tinha
avisado a família.

2
História O FANTASMA DO AVÓ, vide página 51

Página n° 46
Enrolou durante mais de quinze minutos para, somente depois,
contar que o caseiro do sítio viu o fantasma e, apesar de muito arrepiado,
soube o que ocorria e correu para a lagoa salvando a menina, que tinha
sido atirada lá pelo homem inimigo da família.

Então Josimar aprendeu que, para fazer suspense, pode se


transportar para outro cenário enquanto os apuros ocorrem no cenário
principal. Ou então ficar contando minuciosamente e lentamente as cenas
que ocorrem até o esperado desfecho.

Página n° 47
FINALIZANDO

Foi com esta dedicação que Josimar tornou-se um notável contador


de histórias, não somente em velórios, mas em suas aulas também. Muitas
vezes era convidado para abrilhantar reuniões de amigos, almoços, chás
beneficente, etc.

Mais tarde, começou a ensinar a arte de contar histórias e foi


orientador de professores, pais, artistas e palestrantes religiosos.

A atividade de contar histórias é, a rigor, um trabalho de exposição


verbal. Nesta atividade, quem expõe se expõe, portanto precisa se expor
bem, com elegância, disposição e bom humor.

Tem-se mesmo que ser simpático à sua platéia porque em todo


trabalho de exposição verbal entra o processo de sedução. Se o público
gostar do contador, ouvirá com gosto até as histórias mais fracas. Em caso
contrário, as melhores histórias não sensibilizarão.

Então é preciso muito cuidado para não ferir os sentimentos de


alguém que, de repente, seja identificado com o protagonista passando a
ser alvo de chacotas dos amigos.

É muito comum contarem-se histórias onde o protagonista pertence à


determinada religião, nacionalidade ou região do país, produzindo
generalização. Pode-se com isto gerar ressentimentos, comprometendo a
imagem do contador de histórias.

De qualquer forma, se você deseja ser um contador de histórias, não


basta ler este livro somente. Terá que praticar constantemente as técnicas
contidas nos capítulos apresentados.

Não temos a pretensão de afirmar que somente através destas


técnicas que o contador obterá sucesso. É claro que há outras estratégias,
porém com estas aqui apresentadas e bem praticadas você poderá
conquistar o prazer, o enorme prazer de encantar o público com uma
magnífica narração e fazer amizades incríveis.

BOA SORTE !!!

Página n° 48
HISTÓRIA:
EDUCAÇÃO, PEDRAS E FLORES

Manoelzinho era um bom menino mas começou a descambar para o


vício de roubar. Tinha então doze anos.

Primeiro algumas frutas, alguns objetos e, um pouco mais tarde, já


estava roubando dinheiro.

Espreitando sempre uma oportunidade, mexia na bolsa das pessoas


descuidadas e surrupiava algum trocado. Ainda não tinha coragem de
roubar uma grande importância.

Um dia, foi apanhado em flagrante por sua professora, quando


vasculhava sua bolsa após a aula. Ela ficou indignada e saiu atrás dele mas
não conseguiu alcançá-lo pois o menino era veloz.

Então, já fora da escola ela lhe atirou uma pedra. Ela não percebeu
que acertara o alvo, pois nem tinha esta intenção. A pedra acertara as
costas do menino.

O impacto não produziu grande ferimento, mas a dor que ele sentiu
foi muito grande, talvez mais pela culpa ou pelo susto.

A dor acabou produzindo muita raiva. Vira sempre na professorinha a


personificação de amor e carinho e, de repente, uma agressão dessas
causou um impacto muito grande.

Voltou mais tarde à escola e tentou procurar a arma da agressão, a


pedra que o castigou. Havia no local várias pedras e , não podendo
identificar com precisão qual o acertara, levou para casa umas três. Uma
delas seria a tal.

Tinha um plano de vingança.

No dia seguinte, bem cedinho, com as pedras num pequeno saco, foi
até a casa da professora e ficou à espreita, escondido num arbusto,
defronte a janela que dava para a rua. Era domingo. Ninguém na rua tão
cedo. O momento era propício para a vingança.

Pensava: – Na hora em que ela sair à janela eu a acerto com uma


das pedras – Uma delas era aquela com que me havia acertado. - Esperou,
esperou e esperou...

Ela estava demorando muito a sair. Impaciente, pensou noutra


vingança. Na janela, em que ela sempre vinha pela manhã, havia uns vasos
de flores. - Vou destruir as flores e deixar as pedras no lugar. Ela vai
entender o meu recado.

Página n° 49
Estava ainda escondido arquitetando esta vingança, quando, de
repente a janela se abriu ruidosamente, pois era um caixilho com duas
folhas de correr, e lá estava ela.
- Meu alvo – pensou ele.

Então, com as pedras na mão ficou a observar a professorinha que


cuidava distraída das flores, sem desconfiar sequer do perigo que corria.
Não se encorajava a atirar as pedras e isto lhe dava ainda mais ódio.
Agora então, ódio de si mesmo por não ter coragem de perpetrar sua
vingança.

Então, enquanto espreitava a professorinha observou o carinho que


ela dedicava às flores da janela.

Ficou mesmo boquiaberto quando a viu beijando as flores. Ela parecia


ter se levantado há pouco, pois ainda estava vestindo um roupão e com os
cabelos meio despenteados. E como ficara lindo aquele quadro de quem
parecia ter-se levantado para beijar suas flores. Despertou-lhe algo que
nunca ainda havia sentido.

Manoelzinho sentiu algo pesado batendo em seu pé. Olhou para baixo
e, com espanto, percebeu que era o saco com as pedras que distraído,
olhando deslumbrado a professora, deixara cair.

Não, não, como poderia ele atirar uma pedra numa pessoa que
estava beijando as flores?

Saiu de mansinho, ainda oculto pela folhagem e já a caminho decidiu


voltar.

Retornou ao lugar e apanhou uma das pedras. Levou-a consigo para


casa e guardou-a na gaveta onde conservava suas coisas mais valiosas.

Na segunda-feira, foi pedir desculpas à professora, mas não revelou o


episódio do dia anterior, defronte a casa dela. Então ficou sabendo que a
professora ignorava tê-lo acertado com a pedra. Ficou mesmo surpresa e o
abraçou comovida.

A pedra ficou guardada em sua gaveta e, por muito tempo,


conservou-a como lembrança daquele momento. Agora, era uma grata
lembrança.

Professora, pedras e flores, nunca saíram da cabeça de Manoelzinho.

Deixou de roubar.

Página n° 50
HISTÓRIA:
O FANTASMA DA AVÓ

Não me lembro do nome dele. Nós o conhecíamos por Alemão, talvez por
ser muito loiro e ter a pele muito clara.

Éramos colegas num curso noturno. Saíamos das aulas por volta das onze
da noite e voltávamos para casa a pé, pois não era tão longe. Formávamos um
grupo de umas dez pessoas. O Alemão morava perto da escola, por isso, quando
passávamos por sua casa, nosso grupo estava ainda completo.

O Alemão morava com a família numa belíssima casa com jardim


contornando todo o prédio. Ele era rico.

Depois que seu avô faleceu, o Alemão começou a ficar com medo de
atravessar o jardim, à noite. Pedia que ficássemos lá na frente até que ele passasse
pelos canteiros da frente, subisse a pequena escada que dava para uma varanda
estreita de mais ou menos quinze metros, atravessasse essa varanda e alcançasse
por fim a porta de entrada. Essa porta dava para a sala principal da casa.

Do lado esquerdo dessa varanda ficavam as janelas dos três dormitórios, do


lado direito uma balaustrada que dava para o jardim. De dia, muito bonito, mas à
noite o cenário ficava meio tétrico. A iluminação era precária. A única luz que ficava
acesa era aquela em cima da porta da sala principal.

Não condenávamos o Alemão por ter medo de passar por ali. Nós nem
mesmo arriscávamos acompanhá-lo porque depois teríamos que voltar por ali
sozinhos. Afinal de contas, o avô do Alemão havia morrido há poucas semanas.

Uma coisa estranhávamos. O Alemão nunca se revelara medroso. Por que


agora todo esse pavor?

Isto durou pelo menos um mês. Repentinamente, quando chegamos uma


noite em frente a casa, o Alemão não nos pediu para encorajá-lo, como vinha
fazendo. Despediu-se e entrou descontraído.

Ficamos confusos. O que afinal acontecera? Porque o Alemão sentira medo?


Porque ele estava tão desassombrado de repente?

Página n° 51
Na cantina da escola, quando um professor faltou e ficamos aguardando a
próxima aula, o Alemão revelou o que havia acontecido. Fora a assombração do
avô.

- Assombração? – perguntamos curiosos –.

Morava com a família o avô, um ancião de oitenta anos. Tinha vários


problemas de saúde e quase não saía de casa. Dividia um dos quartos com seu filho
solteiro, um tio do Alemão. O tio dormia no quarto do velho para assisti-lo, pois
precisava dar-lhe medicamentos várias vezes à noite.

Salvo estas pequenas preocupações, o velho não incomodava. Era até


divertido. Jogava cartas com os filhos e netos e roubava no jogo. Depois que fazia
isto, revelava que tinha roubado e chamava a todos de ingênuos, rindo muito.
Também tinha muitas histórias para contar, com exagero, é claro.

Ultimamente, tinha insônia e, de madrugada, saía para o jardim da casa.


Ouvia-se então, muitas noites, o ruído do seu chinelo se arrastando pela varanda.
Às vezes, aquele “chek... chek... chek...” do chinelo, de madrugada chegava a
incomodar, principalmente ao tio que cuidava dele. Como as janelas dos
dormitórios davam para a varanda, todo mundo na casa se aborrecia com o
“chek... chek... chek...”

Uma noite, de repente o ruído do chinelo cessou.

- Puxa! Graças a Deus ele entrou para dentro da casa. - pensaram -. Mas
logo cedinho, quando a mãe do Alemão ia sair para ir à padaria, um susto. Gritou
em pânico. Todos se levantaram assustados.

O tio estava morto, estendido, de pijama e chinelo, no chão da varanda. Não


queriam alarmar os vizinhos, mas foi duro levá-lo para dentro da casa. Apesar de
estar doente ele era corpulento.

Foi sepultado no mesmo dia. O quarto onde dormia foi fechado. Ninguém
queria mais dormir lá. O tio passou a dividir o quarto com o Alemão.

Então o terror. Logo na segunda noite após o passamento, o Alemão pensou


ouvir um ruído que vinha da varanda. E parecia mesmo “chek... chek... chek...”.

Página n° 52
- Não, não. – pensou – Trata-se apenas de uma impressão. – Mas parecia
que o “chek... chek...” era mesmo real...

O terror ganhou corpo mesmo quando no dia seguinte, à mesa do café, o pai
do Alemão perguntou:

- Vocês ouviram, nesta noite, um ruído na varanda?

Esta pergunta gelou o sangue de todos, que perderam totalmente o apetite.


Nem precisavam responder. Estavam todos pálidos. Todos ouviram naquela noite o
“chek... chek...”. Concluíram que era o ruído do chinelo do vovô.

E agora? O que fazer? Decidiram esperar por uns dias e depois chamar o
padre para benzer a varanda. Passou-se a semana e o ruído continuava. Falaram
com o padre. Este assegurou que, após a missa do sétimo dia isto cessaria, pois
que a alma do avô já estaria salva e não precisava ficar assombrando as pessoas
no mundo.

Foi feita a missa. Foi feita uma novena na varanda. Todas as noites a família
se reunia para uma oração, mas o “chek... chek...” prosseguia e cada vez mais
forte. Havia mesmo momentos em que o cessar de repente do ruído era tido como
o momento em que o avô caia morto. Pensaram em mudar de casa.

- Então, num sábado à noite, – contou o alemão – cheguei em casa por volta
da meia-noite. Esta hora me apavorava ainda mais. Tinha que atravessar aquela
varanda sozinho, sem vocês para me encorajar no portão. Era terrível o meu medo.
Entrei. Passei pelos primeiros canteiros do jardim, aqueles que tem as palmeiras e
alcancei a varanda. Comecei a rezar baixinho. Já estava chegando perto da porta
de entrada, quando ouvi atrás de mim o “chek... chek...” do chinelo. Fiquei
extático, todo arrepiado, o coração a mil, não conseguia respirar direito, não sabia
o que fazer. Mas, de repente, resolvi olhar para trás. Resolvi enfrentar. Afinal que
mal poderia me fazer o meu avô?

Voltei-me e olhei. E o que vi? Nada. Mas o ruído continuava, bem forte,
parecia até que se aproximava de mim. Mas observando melhor, vinha lá de perto
da escada. Fui até lá. O ruído estava cada vez mais forte, mas nada de ver o meu
avô. Cheguei à escada e percebi que o ruído vinha do jardim, dos canteiros da
frente. E então, quando olhei para cima... lá estava ele... agora eu podia ver...,
pendurado na palmeira... lá em cima.

- O fantasma do seu avô? – perguntamos de olhos arregalados –.

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- Sim, o fantasma... o fantasma do fantasma... - disse rindo -.

- Como assim? Fantasma do fantasma?

- O fantasma que nossa superstição e medo criaram. – falou, apertando a


boca e balançando a cabeça como quem conclui um raciocínio -. Nada do vovô,
apenas a explicação, por fim, do tal ruído que nada tinha a ver nem com chinelo
nem com vovô.

E, concluiu o Alemão:

- Uma folha seca da palmeira, que não havia se soltado, agitava-se ao vento
produzindo o tal ruído. Não deixei por menos. Acordei toda a família, dizendo que
tinha visto o vovô e convidando a todos para vê-lo. Foi uma farra. Ninguém queria
sair, mas depois que mostrei a palmeira todos rimos tanto que até acordamos o
vizinho do lado. Só minha mãe não aceitou a explicação. Talvez desejasse que o
ruído continuasse para sentir mais de perto o finado pai.

Quem diria? Quem diria que uma folha de palmeira ao vento tivesse causado
tanto terror? É claro que árvores não assustam ninguém. As pessoas é que se
assustam com elas quando as associam com suas superstições. É bem possível,
segundo o Alemão, que o tal ruído , quando o velho ainda vivia, vinha da palmeira
e não do chinelo.

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