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Governo e trabalhadores
montam o quebra-cabeça
das carreiras da saúde
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LANÇAMENTOS ENSP 50 ANOS | 100 ANOS DA REVOLTA DA VACINA
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LANÇAMENTOS ENSP 50 ANOS
A vez do trabalhador
Serviço 18
Pós-Tudo
! Dias de revolta 19
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RTTA S
o envio de um exemplar.
! José Antonio Pereira Barrero, SÚMULA
Fortaleza, CE
E XEMPLAR DESPERDIÇADO
cial dos próprios índios, cabe ao Con-
cia dos leitores para publicação (car- Congresso Nacional permitir a demar- DO HANTAVÍRUS
ta, e-mail ou fax) contenha identifi- cação contínua da Reserva Raposa
cação completa do remetente: nome,
endereço e telefone. Por questões de
espaço, o texto pode ser resumido.
Serra do Sol. “Nossa única esperan-
ça é uma alteração no Estatuto dos
Povos Indígenas”, disse ele à Agência
O Centro de Pesquisa em Virologia
da Faculdade de Medicina da
USP em Ribeirão Preto montou um
Câmara. “Agora, além de uma luta so- novo laboratório, com nível de
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biossegurança 3+, para estudar me- a busca de tratamento para múscu- anos. Dirceu Barbano, coordenador
lhor o comportamento do hantavírus, los necrosados devido às injeções de do Departamento de Assistência Far-
informou o boletim da Agência Fapesp anabolizantes. “Infelizmente, o uso macêutica e Insumos Estratégicos do
(www.fapesp.br/index.php) de 30 de dessas substâncias está se banalizan- Ministério da Saúde (MS), disse à Agên-
agosto. O microorganismo, que cau- do”, disse o médico Luiz Simbalista. cia Carta Maior que pode haver dife-
sa séria infecção pulmonar, conhe- rença “em alguns casos” entre as
cida como hantavirose, foi detecta- duas categorias de medicamentos no
do no Brasil em 1993 e responsável S IMILARES NA F ARMÁCIA P OPULAR que se refere à exata reação no or-
por quase 400 casos no país. Segun- ganismo, mas o MS não tem dúvida
do o Ministério da Saúde, que reco- sobre a qualidade do que está sendo
nhece oficialmente 338 casos até vendido. “É tudo comprovado”.
2003, a taxa de mortalidade da do- De qualquer modo, é preo-
ença é de 44,5%. cupante que o governo federal “legiti-
“Em 2004, as mortes no Distrito me” algo que a própria Anvisa decidiu
Federal chamaram a atenção de to- “estrangular”, comenta o repórter
dos, mas a doença está presente em Maurício Hashizume. Os preços dos re-
todo o país”, disse o professor Luiz médios estão ligados diretamente à
Tadeu Moraes Figueiredo, da USP de qualidade da matéria-prima usada. Uma
Ribeirão Preto. Desde maio, a do- redução de contaminantes de 90% para
ença provocou 13 mortes no Distri- 99% de um princípio ativo, por exem-
to Federal e cidades-satélites. plo, custa caro e influi no preço final
Atualmente, para a detecção da do remédio.
T
da Confederação Nacional dos Traba-
rabalhadores ligados à saú- lhadores em Saúde (CNTS), José Cae- PROGRESSÃO COM CRITÉRIOS
de em todo o país estão de tano Rodrigues, integrante da comis- O presidente da Confederação
dedos cruzados diante de são. Em outras palavras: o servidor Nacional dos Trabalhadores em
uma questão que há anos é aprovado em concurso para determi- Seguridade Social (CNTSS), Irineu
reivindicada pela categoria: a criação nado cargo de nível médio, por exem- Messias de Araújo, também critica a
do Plano de Carreira, Cargos e Salári- plo, sabe que não tem condições de dificuldade de ascensão profissional
os no âmbito do Sistema Único de passar a um cargo de nível superior, a no serviço público. Para ele, um
Saúde (PCCS do SUS). No fim do mês não ser que preste outro concurso PCCS do SUS só faz sentido se garan-
de agosto e ao longo de setembro público — hoje em dia, coisa rara. tir que a progressão será ressuscita-
houve várias reuniões entre represen- Para a progressão se tornar rea- da. Irineu lembra que, no passado, a
tantes do governo e de entidades de lidade, José Caetano defende crité- ascensão existia, mas sem obedecer
trabalhadores, que compõem a co- rios como seleção interna por tempo a critérios rigorosos, o que permitiu
missão responsável pela elaboração de atividade no cargo, titulação do “progressões oportunistas”.
das diretrizes que nortearão o traba- servidor e avaliação do desempenho
lho na área da saúde. Uma última reu- na função por uma comissão especi-
nião em fins de setembro daria o to-
que final no documento com as
almente selecionada para este fim.
Outro problema apontado por A moralização das carreiras do
serviço público, antiga ban-
deira da esquerda brasileira, foi
propostas da comissão. Progressão na José Caetano é o desvio de função.
carreira, terceirização e precarização Servidores de determinadas funções contemplada pelo Artigo 37 da
foram algumas das vertentes princi- exercem, na prática, atividades dife- Constituição Federal de 1988,
pais dos debates. rentes, mas não são remunerados por e regulamentado pela Lei 8.112,
A Radis registrou uma das reuni- isso. “É uma exploração da inteligên- de 11 de dezembro de 1990 (a
ões, em 27 de agosto, ouviu integran- cia do profissional”, afirma. do Regime Jurídico Único), que
tes do grupo e vem acompanhando Os servidores também querem dispõe sobre o regime jurídico
as discussões paralelas no Congresso critérios claros para a migração, o dos servidores públicos civis da
e no Ministério Público (MP). Um dos trânsito entre as esferas de governo União, das autarquias e das fun-
pontos mais polêmicos é a almejada federal, estadual e municipal. A luta dações públicas federais, pos-
progressão no serviço público. “Os é para que não haja perda do vínculo teriormente consolidada.
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Hoje, tal risco não mais existi- isso precisam de uma jornada me-
ria, pois a sociedade dispõe de me-
canismos de fiscalização, como o MP,
além de sindicatos e organizações de
A s principais propostas aprova-
das na 12ª Conferência Naci-
onal de Saúde no Eixo Temático 7,
nor”, defende Sanny, representan-
te na comissão da Confederação dos
Trabalhadores Públicos Municipais
trabalhadores mais fortes e atuantes. O trabalho na saúde: a jornada (Confetam).
Irineu cobra ainda a criação de pro- de 30 horas, a regulamentação Irineu Araújo, da CNTSS, lem-
cessos permanentes de capacitação da lei sobre agentes comunitári- bra que a redução da jornada de
e qualificação do trabalhador. os de saúde, a rejeição do Ato trabalho para 30 horas semanais
O governo também está preo- Médico, o trabalho no SUS foi uma diretriz estabelecida na
cupado com a questão da progres- como carreira essencial de Es- 12ª Conferência Nacional de Saúde,
são dos servidores, um assunto que, tado e o piso para todas as ca- realizada em dezembro do ano pas-
segundo Maria Helena Machado, di- tegorias do SUS. sado. “Mas precisamos debater os
retora do Departamento de Gestão impactos econômicos dessa medida,
e da Regulação do Trabalho em Saú- vas políticas, que precisariam abran- pois não queremos prejuízos à po-
de, do Ministério da Saúde, não é ger toda a diversidade nacional. “Há pulação”, reflete.
discutido há duas décadas. “Restau- questões diferentes entre estados e Oito dias antes da última reunião
rar a carreira para o trabalhador é o municípios”, argumenta. da comissão do PCCS do SUS, o secre-
objetivo número um do governo”, tário-geral da CNTS, José Caetano
afirma ela. A JORNADA DE 30 HORAS Rodrigues, em conversa com a Radis,
Para Maria Helena, até agora o Uma experiência no município disse recear que alguns dos pleitos dos
SUS criou identidade apenas para os paulista de São José do Rio Preto é trabalhadores, entre eles a redução
estabelecimentos, mas não para o apontada como exemplo útil à comis- da jornada de trabalho, provavelmen-
trabalhador, que fica identificado são quando o assunto é carga horá- te não seriam contemplados no docu-
como da esfera federal, estadual ou ria. Lá, a jornada de trabalho passou mento da comissão.
municipal — e não um trabalhador a ser de 30 horas semanais depois de Caetano acredita que a discus-
do SUS. “Há várias normas bem-sucedidos seis meses de teste. são sobre o assunto se dará na Mesa
operacionais, portarias e notas téc- A diretora do Sindicado dos Ser- Nacional de Negociação Permanente
nicas que padronizam ações e servi- vidores Municipais de São José do do SUS (portal.saude.gov.br/saude/
ços de saúde para os estabelecimen- Rio Preto Sanny Lima Braga vê na area.cfm?id_area=386), etapa que pre-
tos”, registra. “Porém, quanto aos redução da jornada de trabalho — cede a avaliação do documento final
trabalhadores, até o momento tem- sem redução do salário — a preser- pelo Ministério da Saúde. Ou-
se muito pouca orientação em rela- vação da saúde mental do trabalha- tro pleito é o estabelecimento
ção às políticas públicas referentes dor. De acordo com ela, estudos da de um cargo único, proposta
à gestão do trabalho”. Organização Mundial de Saúde (OMS) dos trabalhadores que possibi-
Outra gestora, a subsecretária mostram que trabalhadores subme- litaria a progressão dos servi-
de Saúde do Estado do Rio, Neuza tidos a jornadas superiores a 30 ho- dores sem a necessidade de no-
Moysés, que representa na comissão ras estão sujeitos a grande desgaste vos concursos. Mas as propostas a
o Conselho Nacional de Secretários físico e psicológico. “São trabalha- serem avaliadas pela comissão devem
de Saúde (Conass), propõe um olhar dores que lidam com muito sofrimen- ser as que defendem a criação de dois
distinto segundo a região para as no- to, inclusive com a morte, e que por ou até três cargos.
José Caetano: desvio de função é Irineu: a jornada de 30 horas foi Sanny: trabalhador da saúde precisa
exploração da inteligência aprovada pela 12ª CNS ter preservada a saúde mental
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Tripartite, a Comissão Intergestores de Proposta de Emenda Constitucio- munitários de saúde por proces-
Bipartite, a Mesa Nacional de Nego- nal, só passa pela CCJ e por essa co- so seletivo público”.
ciação Permanente do SUS e levado missão especial antes de ser votada Maurício Rands ressaltou na
à consulta pública. em dois turnos pelo plenário. No Se- justificativa da proposta que com o de-
Isso não impede que sejam pro- nado, a mesma coisa. senvolvimento do SUS surgiu a profis-
postas alterações à versão inicial, A idéia original do deputado são do agente comunitário de saúde,
uma vez que o objetivo é estimular Maurício Rands era que a PEC alte- reconhecida pela Lei nº 10.507, de 10
o debate entre gestores, trabalha- rasse o Inciso II do Art. 37 da Cons- de julho de 2002. E os problemas apa-
dores e o controle social do SUS. A tituição Federal, que diz que “a receram desde então. Além da falta de
partir do momento em que estas di- investidura em cargo ou emprego regulamentação, que lhe garantiria os
retrizes forem pactuadas, o Minis- público depende de aprovação pré- direitos trabalhistas, o ACS sofre com a
tério da Saúde deverá iniciar um tra- via em concurso público de provas indefinição do modelo de vínculo com
balho de assessoramento a estados ou de provas e títulos, de acordo com a administração pública. “Ora são
e municípios que a elas aderirem. a natureza e a complexidade do car- engajados nos termos de parceria en-
go ou emprego, na forma prevista em tre uma Organização da Sociedade Ci-
O CONGRESSO lei, ressalvadas as nomeações para vil de Interesse Público (Oscip) e a ad-
FAZ A SUA PARTE cargo em comissão declarado em lei ministração, ora por contratos
O Congresso, por sua vez, pode de livre nomeação e exoneração”. A temporários, ora por cooperativas”.
acelerar uma solução para os agen- esse texto, seria acrescentado: “(...) O processo seletivo é um trâ-
tes comunitários de saúde. A Comis- bem como as contratações dos agen- mite mais simplificado, que difere do
são de Constituição e Justiça da Câ- tes comunitários de saúde integra- concurso público pela maior agili-
mara dos Deputados aprovou, em 15 dos ao Sistema Único de Saúde que dade na contratação. O processo é
de setembro, a Proposta de Emenda serão admitidos através de processo aberto a todos, e não apenas àque-
Constitucional nº 07 de 2003 (PEC 07/ seletivo público”. les que já exercem a função de ACS.
03), que autoriza os municípios a con- Mas o relator da proposta, depu- As formas de contratação ainda seri-
tratarem agentes por processo sele- tado Luiz Couto (PT-PB), propôs um am discutidas.
tivo público, contemplando um con- substitutivo aprovado pela CCJ, para
tingente de cerca de 90 mil pessoas que, em vez de modificar o texto do Mais informações
sem carteira assinada. Artigo 37, seja acrescentado um quar- Seminário Nacional sobre Política de
A PEC, do deputado Maurício to parágrafo ao Artigo 198 da Consti- Desprecarização das Relações de Tra-
Rands (PT-PE), terá o mérito julgado tuição (que trata diretamente de balho no SUS na internet:
por comissão especial a ser formada ações e serviços públicos de saúde do http://portal.saude.gov.br/saude/
pela presidência da Câmara e deve ir SUS), “permitindo a contratação pela arquivos/pdf/relatorio_seminario_
a plenário neste ano. Por se tratar administração pública de agentes co- desprecarizacao2.pdf
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A
Saúde (MS). Sua representação foi das Hanseníase (Morhan), com assento no
3ª Conferência Nacional de mais paritárias: 447 delegados eram CNS. “Ela vem em boa hora porque é
Saúde Bucal (CNSB), realizada usuários (o equivalente a 50,63%), 228 uma política prioritária do ministério e
entre os dias 29 de julho e eram trabalhadores (25,82%) e 208, do conselho e porque há uma política
1º de agosto, ocorreu em gestores e prestadores de serviço do nacional de saúde bucal em debate”.
clima de celebração. Depois de 12 anos Sistema Único de Saúde (23,55%). Os Para Flávio Furtado de Faria, de-
de expectativa, 1.007 pessoas se demais 124 eram convidados e obser- legado-usuário do Piauí, “essa confe-
reuniram no Minas Tênis Clube, em vadores, sem poder de voto na ple- rência específica para a saúde bucal
Brasília, para apontar as diretrizes que nária final. A paridade entre as três é importante porque as doenças nes-
servirão de base para a construção categorias é prevista na Lei 8.142/90, se setor são amplas, atingindo uma
de uma política efetiva e eficiente de sobre a participação da comunidade larga margem da população, sobretu-
saúde bucal no país. Foram encami- na gestão do SUS. do nas periferias e camadas mais po-
nhadas e aprovadas cerca de 300 pro- Prevista originalmente para o iní- bres”. Um dado confirmado em pes-
postas e 34 moções. Nos debates, não cio de julho, a 3ª CNSB ocorreu “num quisa recente do Ministério da Saúde.
houve grandes polêmicas, nem mes- momento favorável”, avaliou Rosângela
mo atrasos. Tudo aconteceu no tem- Fernandes Camapom, da Confedera- ESFORÇOS CONJUNTOS
po exato, na medida certa, sob o ção Interestadual dos Odontologistas Desde a mesa de abertura da
tema central “Acesso e qualidade, su- e integrante do Conselho Nacional de conferência ficou evidente a
perando a exclusão social”. Com foco Saúde (CNS), “a primeira com apoio interação da saúde bucal com outras
em duas diretrizes básicas do SUS, a total do ministério e do CNS”. As con- áreas sociais do governo. Estavam pre-
universalidade e a integralidade, o ferências anteriores foram iniciativas sentes o assessor especial de
evento foi dividido em quatro temas: de entidades e universidades, sem Mobilização Social da Presidência da
1) Educação e construção da cidada- apoio oficial, lembrou. E mais, hoje República, Roberto Guimarães, o mi-
nia; 2) Controle social e gestão existe uma política de saúde bucal. nistro do Controle e da Transparên-
participativa; 3) Formação e trabalho; “Precisamos apenas discutir essa po- cia, Valdir Pires, o ministro das Cida-
e 4) Financiamento e organização da lítica, referendar alguns pontos e des, Olívio Dutra, o ministro interino
atenção em saúde bucal. propor mudanças em outros”. Para da Educação, Fernando Hadad, o mi-
A 3ª CNSB ficará marcada na his- Rosângela, isso é muito importante: nistro-chefe interino da Casa Civil,
tória das conferências temáticas “Antes eram reivindicações de movi- Swedenberger Barbosa, e o ministro
como uma das mais democráticas. mentos sindicais, e esta diferença da Saúde, Humberto Costa. Integra-
“Além do grande número de inscri- talvez amplie a perspectiva de o go- vam ainda a mesa representantes de
tos, houve conferências preparató- verno implementar o que foi propos- entidades profissionais.
rias em todos os estados e no DF e to na conferência.” “Falar de saúde bucal é falar so-
em 2.542 municípios, reunindo mais O mesmo ressaltou o delegado- bre o ter de comer. É trabalhar lado
de 90 mil pessoas”, informou o coor- usuário mineiro Eli Carajá, representan- a lado com a Secretaria de Desenvol-
denador do evento, Gilberto Pucca, te do Fórum Nacional de Entidades de vimento Social, é ampliar o direito a
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E N T R E V I S TA
N
É preciso entender que nós não
este momento delicado, somos a locomotiva da história do país,
em que a instituição do somos talvez um fermento, que ace-
Ministério Público é ques- lera os processos, que cataliza, que
tionada em diversas esfe- tenta ordenar. Mas nada de panacéia,
ras, o procurador da República heroísmo, nossa função é viabilizar o
Humberto Jacques de Medeiros, 36 campo para que o jogo possa ser jo-
anos, apega-se antes de mais nada às gado, e não jogar pelas pessoas. Mi-
tarefas que a Constituição atribui à nha tarefa é o interesse da socieda-
MP: zelar pelo regime democrático, de, mas eu não posso substituí-la.
fiscalizar o cumprimento da lei e de-
fender os direitos coletivos. São ta- O que as pessoas envolvidas na saú-
refas elevadas, mas nem por isso ele de devem entender para usar melhor
vê no MP o salvador da pátria. “Nos- o MP?
sa função é viabilizar o campo para A Constituição diz que cabe ao Mi-
que o jogo possa ser jogado, e não nistério Público zelar pelo serviço de
jogar pelas pessoas”. relevância pública, e também diz que a Na saúde, quando o MP é mais enér-
Ainda mais na área em que saúde é um serviço de relevância públi- gico?
Humberto atua: pioneiro na luta do ca. É indiscutível que nós temos que A integralidade é ponto sagrado.
MP Federal pelo cumprimento das trabalhar com saúde. Mas a questão é Quando o sistema corre risco, temos
diretrizes do Sistema Único de Saú- que reagir de pronto. Temos mais ou
de, ele prega, antes de uma atua- menos duas estratégias de atuação.
ção interventiva do Ministério Pú- Nos casos de violência contra a
blico, a democracia participativa Minha tarefa universalização, barreiras de domicí-
em defesa do SUS. A atuação do é o interesse lio para uso do sistema, exclusão de
MP é hoje uma máquina azeitada, minorias a gente reage imediatamen-
empurrada por uma centena de da sociedade, te. Em outros problemas procuramos
procuradores da saúde em todo o mas eu não posso trabalhar pedagogicamente.
país, que contribuem para a cons-
trução de um sistema de saúde
substituí-la Qual é a forma de atuação dos pro-
mais justo para a população brasi- curadores e promotores que traba-
leira. “A integralidade é ponto sa- como trabalhar. A Constituição designou lham na área?
grado”, diz. “Quando o sistema ao MP três tarefas: zelar pelo regime Primeiro tentamos valorizar to-
corre risco, temos que reagir de democrático, fiscalizar o cumprimento das as instâncias. Quando chega
pronto”, aproveitando visita ao Rio da lei e defender os direitos coletivos. uma demanda, indagamos se o quei-
de Janeiro. Mas eu não posso trabalhar com o sis- xoso já passou pelas etapas regula-
Nascido em Juiz de Fora (MG) e tema de saúde de uma maneira tão res. Ou seja, queremos saber se ele
formado na Universidade de Brasília, interventiva, que eu suprima a demo- está começando pela promotoria
descobriu a vocação de “combaten- cracia participativa que já existe, que ou se já tentou resolver seu pro-
te” da saúde em São Paulo, mas fi- torne ociosa a atividade social. De for- blema com o gestor, pelo conselho
cou célebre no exercício da função ma alguma posso dizer para você ficar de saúde etc. A gente espera que
em Porto Alegre. Extremamente fran- quieto no seu canto, que eu vou com- o sistema consiga resolver seus pro-
co, bem-humorado até ao falar dos prar sua briga. Minha função é incenti- blemas. Só quando essas instâncias
obstáculos da carreira, Humberto es- var a democracia participativa dentro não operam adequadamente é que
teve na redação da Radis para esta do sistema de saúde. entramos no processo.
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Quando se começa a trabalhar com a extinção do Inamps, perce- dual celebrarem um pacto, a Carta de
na área, o procurador normalmente beu-se que não havia condições de Palmas, firmando um compromisso em
comete um erro, o de tentar o cami- ter uma comissão de saúde baseada favor da defesa do SUS.
nho mais simples para resolver um em Brasília. Aí acionamos vários co-
problema individual. Demora-se um legas federais nos estados, para que E como aconteceu a divisão de tarefas,
tempo para perceber que atuações eles também tivessem iniciativas na entre o MP Federal e os estaduais?
pontuais podem desorientar o siste- área. Hoje somos mais de uma cen- Como os MPs estaduais estão em
ma coletivo. Por exemplo, ao rece- tena que trabalha com saúde. Ou- todos os municípios, estão sempre nas
ber a queixa de alguém que não con- tro marco foi quando o então minis- linhas de frente. Mas os meus cole-
segue marcar uma consulta, o tro da Saúde, Adib Jatene, celebrou gas federais nos estados sentam com
procurador acaba ligando para o se- convênios com todos os MPs esta- o MP estadual e acertam: “Você toma
cretário de Saúde, que o atende na duais para que eles trabalhassem na conta disso e eu daquilo”. É dessa
hora. Essa é uma solução tentadora, fiscalização do sistema de saúde. forma que funciona.
mas que não resolve. A gente já apren-
deu que não pode ser assim. O indiví- Os promotores recebem qualificação
duo é apenas uma ponta do iceberg, Os conselhos se especial?
que pode indicar onde é que está Com certeza. A construção do
furado o sistema. Eu tenho que abrir queixam mais do Programa Nacional de Capacitação do
uma investigação para saber por que sistema de controle MP em Direito Sanitário, financiado
não está havendo resolutividade. Eu pelo Banco Mundial, foi extremamen-
trabalho com direitos coletivos, não
social. Os gestores de te importante para isso. Daí aconte-
com direitos individuais. saúde reclamam ceu um boom de qualificação dos
gente quer que seja assim por isso Deveria haver controle social sobre
ou aquilo. Isso obriga o gestor a res- a rede privada também? Como a ini-
ponder com fundamentos, iguais ou E em relação às denúncias de desvios? ciativa privada pode ser alcançada
melhores. Aí, se for o caso de en- A gente cobra o funcionamento pelo exercício do direito à saúde?
trarmos na discussão, vamos anali- de uma outra instância, do Sistema Hoje é mais fácil conversar com
sar questões objetivadas. Nacional de Auditoria (SNA), que é um os hospitais filantrópicos, são entida-
sistema de controle interno do SUS des de interesse social, sobre as quais
E em relação aos gestores? que precisa funcionar adequadamen- a lei permite, via MP ou outras ins-
Com eles a gente procura traba- te. Além do Tribunal de Contas da tâncias, essa abertura. E eles têm de
lhar a idéia do diálogo, no qual o gestor União, existe o sistema de auditoria buscar um espaço de legitimação.
não pode ocultar a verdade. Ele tem municipal, estadual e federal. O TCU Com as prestadoras 100% privadas é
que dizer claramente: não tenho di- já vem cobrando isso há muito tempo. bem mais difícil, na medida em que
nheiro para isto, isto e isto, mas tenho Quando chega alguma denúncia, a são da iniciativa privada. Mas é possí-
dinheiro para isto. Se entre gestor e gente chama um auditor para apurar. vel que o estado condicione o
conselheiro falta um diálogo amadure- Cada promotor trabalha com um audi- aporte, não de compra de serviço,
cido, entre gestor e sistema de justiça tor de sua confiança. No Programa mas de bens, ao sistema de controle.
falta um diálogo transparente. “Não Nacional de Capacitação treinamos Eu vou te emprestar dinheiro, vou te
faço isso por causa disso”. Eu digo sem- vários auditores. financiar, sob a condição de você
pre: abram a caixa-preta. Senão a ten- adotar um determinado modelo. Já
dência da Justiça é dizer que dinheiro Um dos argumentos municipalistas é tem uma lei gaúcha sobre isso, mas
tem! A peculiaridade da questão sani- de que o controle local é mais fácil. ela não emplacou.
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SE R
RVVIÇO
1º C ONGRESSO DE E CONOMIA DA
A segunda edição do encontro,
promovida pela Fundação Nacio-
nal de Saúde do Ministério da Saúde
Site www.cobem.com.br
PUBLICAÇÕES
S AÚDE DA A MÉRICA L ATINA E C ARIBE (Funasa/MS), apresenta como tema
central “Inovações tecnológicas em L ANÇAMENTO — E DITORA H UCITEC
PÓS-TUDO
Dias de revolta
— logo apelidado de Código de Tortu-
Ana Palma *
ras — interferia diretamente na vida
da população que, já tão massacrada
Artigo publicado na Revista de pelo custo de vida e sem moradia pela
Manguinhos, agosto de 2003 reforma urbana, via-se agora tolhida
no exercício de seus subempregos.
N a quinta-feira, 10 de novembro
de 1904, a cidade do Rio de Ja-
neiro amanheceu em pé de guerra.
“Esse instrumento (a lei de março
de 1904) lhe permite invadir, vistoriar,
fiscalizar e demolir casas e construções.
O motivo para tamanha irritação era Estabelece, ainda, um foro próprio,
a publicação, por A Notícia, do dotado de um juiz especialmente no-
draconiano projeto de regulamenta- meado para dirimir as questões e do-
ção da Lei de Vacinação Obrigatória, brar as resistências. Ficam vedados os
aprovada em 31 de outubro daquele recursos à justiça comum. A lei de re-
ano, após calorosa polêmica. gulamentação da vacina obrigatória, em
Para uma medida que desperta- novembro desse ano, viria a ampliar e
va tanta oposição — pelo menos 15 fortalecer essas prerrogativas, colo-
mil pessoas assinaram listas contra a cando toda a cidade à mercê dos fun-
obrigatoriedade, encaminhadas ao cionários e policiais a serviço da Saú-
Congresso —, sua regulamentação in- de Pública. Se alguém escapara dos
cendiava ainda mais os ânimos, já que furores demolitórios de Lauro Muller
não deixava qualquer saída. e do prefeito Pereira Passos, não teria
O atestado de vacina era exigido mais como escapulir aos poderes
para tudo: matrícula em escolas, em- inquisitoriais de Oswaldo Cruz”, assinala
prego público, doméstico ou nas fábri- o historiador Nicolau Sevcenko.
ARQUIVO/FIOCRUZ