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Ufa! Um ano
Nº 28 ! Dezembro de 2004
depois, fica pronto
o relatório final da Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
Rio de Janeiro, RJ ! 21040-361
12ª Conferência
Nacional de Saúde w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s
Serviço 18
Pós-Tudo
! Os limites da legalidade 19
C AR
RTTA S
S ou estudante de Enfermagem da
Universidade Estadual de Feira de
Santana, na Bahia, e gostaria de expli-
! Andréia Zanluca, Blumenau, SC
s
PreSsao sOciAl
por mAIS vErba
pAra O sUS
Aprovado, o PLC 1/03, que esta-
Wagner Vasconcelos belece para a saúde 10% das receitas
U
correntes brutas da União, vai derra-
m capítulo histórico para mar sua influência sobre os orçamen-
a saúde brasileira começou tos futuros. E haverá mudança pro-
a ser escrito no Congresso funda não só no destino dos recursos,
Nacional neste finzinho de mas sobretudo nas relações entre
2004. Depois da aprovação da Lei de população e governo e entre o go-
Diretrizes Orçamentárias (LDO) para verno federal e as outras duas esfe-
o próximo ano, os parlamentares se ras de poder.
debruçaram sobre a Lei Orçamentá- Na contagem regressiva à espera
ria Anual (LOA), que prevê para 2005 da votação da LOA e do PLP 1/03 (si-
um montante de quase R$ 40 bilhões glas, siglas...), Brasília se transformou
para a saúde. O toque diferente em numa espécie de antena de rádio que
relação a outras votações de verbas capta as mais variadas ondas eletro-
para o setor cabe à tramitação para- magnéticas vindas de todos os pontos
lela do Projeto de Lei Complementar do Brasil. A freqüência e a amplitude
1/03, regulamentando a Emenda Cons- dessas ondas têm um nome comum:
titucional 29 (EC 29), tão cara aos que pressão social. Os agentes que lutam
lutaram pela reforma sanitária brasi- pela melhoria do Sistema Único de
leira. Sua aprovação, garantem os es- Saúde, hoje como em outros momen-
pecialistas em orçamento, pode ser tos históricos, quando surfam nessas
comparada à criação revolucionária ondas ganham o poder mágico de de-
do SUS, há quase 15 anos: a área da cidir o tratamento que o Brasil dará à
saúde terá dinheiro como nunca em saúde do povo nas próximas décadas.
nossa história. Palavra dos especialistas.
RADIS 28 ! DEZ/2004
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são a previsão do que será executado para 2004. O parágrafo 2º do Artigo e da supremacia do Executivo em
até o último dia de 2004. Caso os R$ 33,2 59 da LDO 2004, obedecendo à EC- relação ao Legislativo.
bilhões sejam realmente executados, aí 29, dizia que os recursos para o Fun- — No dia em que se tornar al-
os R$ 35,3 serão insuficientes para atin- do de Erradicação da Pobreza, para guma parte do orçamento obrigató-
gir o cumprimento da emenda. o pagamento das dívidas da saúde e rio, em vez de autorizativo, será
Lembrem-se de que precisamos dos inativos — ou seja, os gastos ex- mudada a correlação de forças na
somar aqueles três gastos já mencio- tra-SUS — não poderiam ser consi- questão orçamentária entre esses
nados. Para facilitar: supondo que para derados como ações e serviços de dois poderes. Diminuirá a importân-
2005 seja aprovado um total de R$ 35,2 saúde. Ou seja, não poderiam ser cia do Executivo e aumentará a do
bilhões, e que em 2004 sejam executa- retirados daquilo que é destinado Legislativo. Isso, numa determinada
dos os R$ 33,2 bilhões, o que aconte- exclusivamente ao SUS. Mas o pre- medida, pode ser bastante saudá-
ce? “Para não se cair numa ilegalidade sidente vetou esse parágrafo. A po- vel para a vida política nacional que
vai ter de ser usado o recurso da lêmica foi grande e as reclamações, trata da coisa pública.
suplementação orçamentária ao longo devido à perda de recursos, foram
do exercício seguinte”, esclarece Elias. generalizadas. Diante de toda a con- OS PASSOS DO DINHEIRO
A LOA então deve ser votada antes trovérsia, o governo voltou atrás e
do prazo para aplicação dos recursos garantiu os recursos que antes do
de 2004. Elias explica que, exatamente veto estavam previstos para ações
por isso, no debate da regulamentação e serviços de saúde. Segundo os es-
da EC 29 foram discutidas algumas hipó- pecialistas, caso o veto tivesse vi-
teses sobre a vinculação dos recursos gorado, o SUS teria perdido, em
federais distinta da variação nominal do 2004, cerca de R$ 3,5 bilhões. De
PIB, porque a própria variação nominal acordo com projeções deles, ao fim
do PIB de 2004 sobre 2003 só será co- dos quatro anos de governo, as Empenho, execução, liquidação
nhecida ao longo do exercício de 2005 ações e os serviços de saúde teri- e outros termos herméticos assim
(o PIB varia, e o que se previu ontem am perdido uma média entre R$ 20 sempre estiveram ligados às notícias
não se realiza hoje: esse fantas- bilhões e R$ 22 bilhões. sobre orçamento a que tivemos aces-
ma tem assombrado o ministro da Elias atenta para alguns detalhes so. Mas agora chegou o momento de
Saúde ao longo do ano). em relação à noção de orçamento e entendê-los. Para isso, nada melhor
A lei obriga que estados à atenção dada a alguns aspectos do do que mais um exemplo da nossa vida
e municípios vinculem os in- assunto. De acordo com ele, as pes- prática, dado pelo próprio Elias, que
vestimentos em saúde às re- soas prestam muita atenção no pro- é, lembre-se, diretor de Economia da
ceitas. Estados, 12% do total dos im- duto, e mais ainda ao menos impor- Saúde do Ministério da Saúde.
postos estaduais; municípios, 15% da tante: a discussão do projeto no Suponha que você entre numa
receita. A 12ª Conferência Nacional Legislativo. Para ele, o que é funda- loja e, bem-atendido por um sorri-
de Saúde aprovou, e o PLP 1/03 de- mental e relevante é o processo de dente vendedor, escolhe um produ-
fende exatamente isso, que a União, execução dos recursos. “Não adian- to: uma geladeira. Se escreve no ca-
em vez da traiçoeira variação nomi- ta nada constar na lei se não for nhoto do talão de cheque o valor
nal do PIB, aplique na saúde 10% das executado”, alerta. “Nesse aspecto, do produto, você ainda não entre-
receitas correntes brutas. “Aí terí- é evidente que o Executivo tem muito gou o cheque ao vendedor, mas já
amos um grau de precisão maior importância do que o está abatendo o preço da geladeira
maior, porque o Congres- Legislativo, porque compete de seu saldo bancário. “Orçamenta-
so estaria votando uma a ele formular a proposta ori- riamente” falando, você “empenhou”
previsão de receitas e, por- ginal e depois executá-la”. sua palavra com o vendedor de que
tanto, uma previsão de re- A Lei Orçamentária, é vai fazer aquela compra.
cursos para a saúde da importante esclarecer, tem O vendedor, então, faz alguns
mesma forma que se exige caráter autorizativo. Isso acertos com você e manda entregar
de estados e municípios”, quer dizer que, caso haja o produto em sua casa. Quando você
diz Elias. a receita, o Poder Execu- assina a nota fiscal dizendo que re-
— Isso daria um espec- tivo fica autorizado a fazer cebeu a geladeira, parabéns, você
tro mais isonômico. A Ploa a despesa. Mas aí surge acabou de fazer uma “liquidação”.
que está no Congresso não levou em uma polêmica. Estar “autorizado” Ou seja, reconheceu sua dívida. Es-
conta isso. Levou em conta a estima- não significa estar “obrigado”. E já tando ela reconhecida, o cheque
tiva atual de variação nominal do PIB. existem discussões avançadas em re- entregue ao vendedor, você não só
lação a isso. De acordo com Elias, reconheceu a dívida como deu a ele
AVANCOS
, E PODERES há uma proposta em discussão no um instrumento para que possa re-
Congresso — capitaneada pelo se- ceber o dinheiro referente ao pro-
nador Antônio Carlos Magalhães duto. Mas o fato de entregar o che-
(PFL-BA) — de criar a figura da que significa que o processo ainda
“obrigatoriedade”. está na fase de liquidação. Enquan-
“Em 1990, foram introduzidas to o vendedor não levar esse che-
emendas no orçamento para que, que no banco e o dinheiro não for
em alguns tópicos, em vez do uso transferido para a conta dele, o pa-
do termo fica autorizado a fosse gamento não foi feito.
O avanço em relação à LDO para usada a expressão fica obrigado a”, Outro detalhe importante: se
2005 é que ela não veio acompanha- lembra. A iniciativa, no entanto, não você não gastar o dinheiro com a com-
da do que Nelsão e Elias classificam prosperou, embora o relator a te- pra fica com seu saldo intacto. Pois
de “problema original”, verificado nha acatado. O que ela traria como bem, é assim que funciona com o go-
quando da discussão da proposta conseqüência? A quebra do poder verno. Ele analisa onde vai aplicar os
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REPRODUÇÃO DA RADIS 18
te, mas para aquele exercício ele está
incinerado”, explica Elias.
Agora que você já é praticamen-
te um especialista em orçamento
público, e deve estar se perguntan-
do sobre os dados referentes ao que Fonte: Gilson Carvalho
foi gasto ao longo deste ano, vamos a
eles. Bem, como o ano ainda não ter-
minou, os dados não estão fechados. restos a pagar”, ensina Nelsão. “É representavam os usuários, os paci-
Uma simples consulta à página do dotação orçamentária deste ano, entes e até do empresariado, como
Conselho Nacional de Saúde (http:// mas que será executada financeira- a Federação Nacional de Agricultu-
conselho.saude.gov.br/) pode ser mente no ano seguinte”. ra, a CNI. A partir daí, parlamenta-
bastante útil. Lá se sabe, por exem- res eram abordados nos fins de se-
plo, que até junho deste ano foram OS 54 TELEFONEMAS mana em suas casas, em suas
liquidados R$ 15,5 bilhões, o que cidades e nos corredores do Con-
corresponde a 42,44% do orçamento gresso. “E isso foi feito de monte:
do Ministério da Saúde. Até o fecha- tínhamos plenárias de saúde com 800
mento desta reportagem da Radis, conselheiros, a CNBB mantinha seis
uma reunião do CNS, na qual dados bispos rodando pelos corre-
mais atualizados seriam discutidos, dores do Congresso, ao lado
ainda não havia sido realizada. da CUT, da CGT, da Força Sin-
No boletim Em Questão de 8 de dical, da Contag”, continua
outubro, entretanto, a Secretaria de É no grau de mobilização e orga- Nelsão. “A emenda 29 foi a so-
Comunicação da Presidência da Re- nização da sociedade civil que Nelsão ciedade civil mobilizada”.
pública informa que até 30 de setem- ampara sua esperança na aprovação Na opinião dele, depois do proces-
bro haviam sido comprometidos 78,4% do PLP 1/03. Essa mobilização resulta so eleitoral já é necessário dar muito
dos recursos reservados aos ministé- em pressões populares e de entida- subsídio para essa mobilização. “E não
rios para custeio e investimento em des representativas, que favorece- só para aprovar o projeto, mas para
2004, “a melhor execução orçamen- ram, por exemplo, a aprovação dos aprová-lo em caráter de urgência” —
tária desde 1998”. No Ministério da princípios da Reforma Sanitária na seguindo diretamente para o Plenário
Saúde, para empenho até dezembro Constituição Federal de 1988 e a cri- da Câmara. O pedido de urgência, da
havia R$ 29.009.955; empenhados, ação do SUS em 1990. “Isso voltou a Frente Parlamentar de Saúde, não en-
23.638.810, e liquidados, R$ 20.152.556. acontecer em vários momentos de controu eco até 10 de novembro, quan-
Por sinal, é grande a diferença entre crise nos anos 90, mas com muita cla- do foi aprovado pela Comissão de Finan-
os recursos da saúde e os das demais reza no ano 2000, com a aprovação ças e Tributação. Diz Nelsão:
áreas do governo: a Educação tem da emenda 29”, lembra Nelsão. O grau — Pela primeira vez um projeto
verba empenhada cinco vezes menor de mobilização e organização pela EC separa e identifica com clareza o que
(R$ 6 bilhões); o Desenvolvimento So- 29 foi muito menor do que lá trás, são ações e serviços públicos de saú-
cial e Combate à Fome tem R$ 5,8 bi- quando da criação do SUS, “mas foi de e o que eles representam para
lhões empenhados, e a Defesa, R$ 4,6 suficiente para descolar a aprovação efeito de financiamento do SUS. Isso
bilhões. Ainda assim, o investimento dela, que sofria resistências do rolo quebra um grande sofisma, porque
do Brasil na saúde é baixo, se compa- compressor do governo da época — tudo interessa à saúde: educação, ali-
rado a outros países (ver quadro). Ministério da Fazenda, Casa Civil e Pa- mentação, transporte, trabalho e
Nelsão prevê que, assim como lácio do Planalto”. merenda se refletem na saúde, mas
novembro, dezembro será um mês Sobre isso, Nelsão conta um são de outros setores do Estado e de
de grande execução orçamentária. caso, que ficou conhecido como “os governo. Não é porque determinam
Deve ficar como restos a pagar um 54 telefonemas”. O Ministério da Fa- condições de saúde que devem en-
volume significativo de recursos. Se zenda fez 27 telefonemas para 27 se- trar no orçamento do SUS.
esses recursos não forem utilizados cretários estaduais de Fazenda e, em Empolgado com os 15 anos que
nem entrarem como restos a pagar, seguida, 27 telefonemas para os 27 o SUS completa no ano que vem,
corre-se o risco de “incineração” governadores. A idéia era fazê-los Elias Antônio Jorge diz que, como o
desse dinheiro. Restos a pagar, es- pressionar suas bancadas a não apro- sistema vai debutar em 2005, seria
clarecendo, é o que não foi pago varem a emenda, do contrário, o go- uma excelente valsa a aprovação do
durante um exercício, mas que foi verno não rolaria a dívida dos esta- projeto que não trata apenas da
executado do orçamento presente. dos. “Do outro lado, a sociedade se quantidade de recursos, mas sim de
“Por exemplo, você tem R$ 30 bi- organizou e se mobilizou, os conse- “uma reflexão sobre essa fantásti-
lhões e empenha R$ 25 bilhões: os lheiros conseguiram sair do seu isola- ca experiência que é a tentativa de
cinco que você não empenhou de- mento e conseguiram se empolgar, implantação e construção do Siste-
saparecem; mas, se empenha R$ 25 mobilizar as diretorias de suas enti- ma Único de Saúde”. Nelsão con-
bilhões e paga R$ 20 bilhões, esses dades”, lembra. Não só os trabalha- corda: “A aprovação do projeto é o
cinco que não foram pagos viram dores da saúde, mas as entidades que renascimento do SUS”.
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V IIG
GIL Â NC I A SA N I T
TÁÁRIA
Propaganda
de remédio faz
mal à saúde
ganda, compra, sim, medicamentos de remédio deve ser utilizado apenas por
Jesuan Xavier qualidade e efeito duvidosos”. um público específico, que realmen-
A
Entre os remédios que conside- te tenha problema fisiológico, e por
indústria farmacêutica inves- ra “pouco confiáveis”, destacou, es- indicação médica”.
te mais hoje em propaganda tão principalmente os que prometem Outro artifício recorrente da
e marketing do que em pes- emagrecimento rápido e de combate indústria farmacêutica, na tentativa
quisa. A constatação é da à disfunção erétil. “São os chamados de ludibriar o consumidor, é o símbo-
advogada Ana Paula Dutra Massera, remédios milagreiros”. De acordo com lo ISO 9000, que a indústria banalizou
da Agência Nacional de Vigilância Sa- dados da Anvisa, o Brasil está entre como suposta prova de excelência.
nitária (Anvisa). Ao lado de outros os países que mais consomem medi- “Isso nem deveria constar das emba-
especialistas no assunto, ela parti- camentos no mundo. O país ocupa lagens de medicamentos. Não faz par-
cipou em outubro do seminário Pro- atualmente o 10º lugar no ranking te dos requisitos exigidos pela
paganda de Medicamentos no Brasil, mundial do mercado farmacêutico, Anvisa”, explicou.
na Escola Nacional de Saúde Públi- com média de 1,6 bilhão de caixas ven- Ana Paula ressaltou que a Anvisa,
ca Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), no didas anualmente. dentro de suas possibilidades, tenta
Rio de Janeiro. Pior do que isso, dos remédios coibir esse tipo de propaganda. “Sa-
Segundo Ana, que chefia a Uni- de venda livre, amplamente propa- bemos que ainda é pouco, mas já te-
dade de Monitoramento e Fiscaliza- gandeados em revista, rádio, TV e jor- mos observado algum progresso: atu-
ção de Propaganda, Publicidade, Pro- nal, 20,5% não apresentavam sequer almente, aqueles folhetos de preços
moção e Informação de Produtos informações sobre contra-indicação — que são distribuídos nas farmácias não
Sujeitos à Vigilância Sanitária da item obrigatório pela legislação brasi- podem ter qualquer artifício de
Anvisa, dos cinco remédios mais con- leira —, segundo levantamento feito marketing”, contou. “Esse já foi um
sumidos no Brasil, três dispensam re- pela Anvisa no ano passado. “Essa in- grande passo no combate ao abuso”.
ceita médica — Novalgina, Neosaldina fração, seguida de perto pelos produ- Para corroborar sua afirmação,
e Cataflan (versão spray e pomada). tos que nem têm registro no Ministé- ela exibiu dados do Ministério da Saú-
Ou seja, o consumidor, influenciado rio da Saúde, é a mais freqüente”. de, pelos quais se pode constatar a
pelo marketing, acaba comprando Ana citou outros abusos na pro- evolução nos autos de infração. “Se
medicamentos às vezes sem nem pre- paganda de remédios. “A do Viagra, pegarmos o ano corrente até setem-
cisar. “Não estou dizendo que é o por exemplo, dava conotação de uso bro, verificamos que houve 254 noti-
caso específico desses remédios, mas recreativo do produto”, lembrou. ficações de infrações; em 2000, esse
o consumidor, por causa da propa- “Isso era um absurdo. Esse tipo de número foi de apenas 36”.
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MULTAS IRRISÓRIAS
Ao seu lado na mesa de deba-
tes, o jornalista Álvaro Nascimento, No vácuo do Vioxx, o oportunismo
da Ensp/Fiocruz, defendeu uma am-
pla reformulação na lei que regula-
menta a propaganda de medicamen-
tos no Brasil, porque a atual é
A suspensão da venda do antiinfla-
matório Vioxx (laboratório Merck)
em 80 países, por gerar risco de
verdade, já que se houver abuso ou
mau uso pode causar úlcera ou he-
patite”, disse Ana. A Roche terá pra-
insuficiente. “Já ficou demonstra- enfarte e derrame, mostrou como zo de defesa e, se mantida a deci-
do que multas irrisórias e posterio- a indústria farmacêutica pode ser são da Anvisa, deverá ser multada
res à veiculação do produto na mídia oportunista. Na ânsia de conquis- em até R$ 1,5 milhão.
não resolvem. O modelo regulatório tar o público que ficou órfão de O Vioxx foi retirado das farmá-
é errado, pune depois, quando o um dos remédios mais consumidos cias em 30 de setembro, após divul-
mal já está feito”. no mundo, algumas empresas ten- gação de estudos recentes da FDA
Segundo ele, a indústria farma- taram se aproveitar desse vácuo e (a Anvisa americana). O medicamen-
cêutica investe em publicidade no erraram a mão. to pode ter provocado 27 mil ata-
país cerca de R$ 3 bilhões anualmen- No Brasil, foi o caso do labora- ques cardíacos e derrames nos Es-
te — 20% do faturamento do setor. tório Roche, cujo anúncio do napro- tados Unidos — alguns resultando
“Se pegarmos dados da própria Anvisa, xeno sódico 275 mg (Flanax) foi em mortes.
as multas aplicadas entre 2001 e 2004 suspenso logo que passou a ser vei- A agência americana liberou o
chegaram a R$ 9 milhões”, informou. culado na mídia. “A Anvisa abriu pro- remédio antes do término desses es-
“Ou seja, não representaram nada cesso contra a Roche por conside- tudos. Por que a Anvisa também libe-
para essas empresas que gastam tan- rar que a propaganda poderia rou o Vioxx?, perguntou a Radis. “A
to em propaganda” confundir o consumidor”, informou liberação de um remédio como esse
Em sua dissertação de mestrado, Ana Paula Massera. se dá com base em estudos científi-
Álvaro analisou 100 anúncios, entre O anúncio “Existe uma alter- cos”, disse Ana. “E todos os estudos
outubro de 2002 e julho de 2003. “Ne- nativa confiável contra as inflama- feitos com o Vioxx, na ocasião do lan-
nhum deles cumpria todas as reco- ções” foi publicado em revistas e çamento, indicavam que o medica-
mendações da Anvisa”. Segundo sua jornais, e sugeria que o naproxeno mento era confiável. Tanto que era
pesquisa, a maior parte dos anúncios não traz risco algum. “O que não é vendido em dezenas de países.”
não mencionava contra-indicação.
“Quando tinha, limitava-se apenas a
‘esse medicamento pode causar tomas, o médico deverá ser con- bem-elaborados e de visual atraen-
hipersensibilidade aos elementos da sultado”, presente nas embalagens te”, denunciou.
fórmula’. O que diz isso ao consumi- dos remédios por exigência da lei: De 87 medicamentos em propa-
dor? Simplesmente nada”. Na TV, re- “A indústria farmacêutica não con- gandas captadas por ela em consul-
clamou, a contra-indicação, quando seguiria melhor se tivesse pedido tórios médicos de Juiz de Fora, para
existe, aparece em letras minúscu- tal frase a seus publicitários: é uma sua dissertação de mestrado na Uerj,
las, ultra-rápido, impossível de se ler”. grande peça publicitária, pois aca- nem 10 tinham sequer registro do Mi-
Álvaro constatou a correlação ba estimulando o consumo do pro- nistério da Saúde. “O que torna o ab-
entre a falta de uma boa informa- duto”. surdo ainda maior, visto que as propa-
ção ao consumidor e os casos de gandas estavam sendo distribuídas em
intoxicação por medicamento: em O ASSÉDIO AOS MÉDICOS consultórios, lugares tidos como de
um ano, segundo dados do Ministé- A pesquisadora Rita de Cássia ‘credibilidade’.”
rio da Saúde de 2001, 12 mil pessoas Alves Vieira, da Universidade Fede- Atualmente, o nível de intoxica-
foram intoxicadas por remédios. ral de Juiz de Fora, foi além. Para ção por medicamento no Brasil supe-
“Isso quer dizer que, a cada 40 mi- ela, os profissionais de saúde estão ra os casos de acidentes com animais
nutos, uma pessoa dá entrada no sendo assediados vergonhosamente peçonhentos, produtos químicos e
SUS por causa disso”. pela indústria farmacêutica. “Agen- pesticidas. “A contra-indicação,
O jornalista condenou a tradi- tes de propaganda bombardeiam os quando presente na bula, sempre
cional frase “A persistirem os sin- consultórios com folhetos muito minimiza os riscos”.
Ética e eqüidade
diante da incerteza
do conceito de ambiente, ou seja, técnico-científicas, não consegue
de sobrevivência das espécies. Mas o analisar e responder adequadamen-
conceito avançou com a geografia, “ga- te aos problemas envolvendo riscos
nhando um enfoque jurídico-político, complexos e incertos”, alertou Firpo.
ou seja, ligando a idéia de Estado e Para ele, as tecnologias são cons-
território, e um enfoque etológico, truções sociais, que expressam inten-
que explica a territorialidade huma- ções, visões de mundo, conhecimen-
na”, disse (a etologia estuda os hábi- tos e ignorâncias. “Como citam os
tos dos animais e sua acomodação às autores Turner e Pidgeon, as organi-
condições do ambiente). No caso, os zações e os projetos tecnológicos
hábitos do homem. E conhecê-los é estão relacionados a certas inten-
essencial para que as autoridades de ções, e sua execução e os muitos ris-
saúde distribuam cada serviço ou uni- cos e desastres são produtos dessas
dade, disse Mauricio Monken. Colo- intenções”, disse o pesquisador.
car em prática tal idéia, prosseguiu, Assim, o maior entrave nesse
exige que o SUS incorpore recursos debate, na opinião do pesquisador,
metodológicos de reconhecimento de é: quem decide o que é o melhor, e
divisões espaciais, e que pesquisado- sob quais critérios? Quem ganha e
res e profissionais, que estudam as quem perde com a entrada de novas
condições ambientais e de saúde ou tecnologias e quem gerencia os ris-
atuam na área, aperfeiçoem seu tra- cos por ela gerados? Marcelo Firpo
balho de campo. acredita que as respostas a tantos
questionamentos podem estar num
NOVAS TECNOLOGIAS reencontro da prática científica com
O
No que diz respeito ao impacto os movimentos sociais, “agregando
território em que vivemos das novas tecnologias na saúde das po- valores éticos, saberes populares e
e o impacto das novas pulações, Marcelo Firpo, pesquisador ancestrais dos povos oprimidos”. Para
tecnologias em nossa vida do Centro de Estudos da Saúde do Tra- ele, avaliar tais riscos cabe a uma ci-
estiveram no centro dos de- balhador e Ecologia Humana, da Escola ência aberta ao diálogo e que pro-
bates do 3º Seminário Nacional em Saú- Nacional de Saúde Pública Sérgio mova o direito à vida, à saúde e à li-
de e Ambiente, realizado em setembro Arouca, também da Fiocruz, chamou a berdade como elementos essenciais
pela Vice-Presidência de Serviços de Re- atenção para os riscos complexos e in- na produção do conhecimento.
ferência e Ambiente, da Fiocruz. Afinal, certos que podem ser gerados na saú-
conhecer o processo de saúde-doen- de da população. São eles: “Os riscos OS PILARES DO DEBATE
ça de uma população é também conhe- extensivos em geral”, como os ecoló- Renaud de Plaen, especialista em
cer o ambiente em que ela vive. Esta é gicos globais decorrentes da poluição saúde ambiental do IDRC (International
uma relação cada vez mais estreita para química; “os sistemas agrícolas intensi- Development Research Centre) do
os estudos na área da saúde. vos”, que se restringem a 15 espécies Canadá, em sua palestra questionou
Especificamente, para a saúde, o vegetais e a oito animais, totalizando além: “Quem da comunidade tem aces-
território é a base para a organização 90% da produção mundial de alimen- so ou é impactado pelas novas
do SUS, pois ajuda a explicar como se tos; e “a biotecnologia e a soja tecnologias?”. Seja qual for a respos-
dá a produção dos problemas e das transgênica”. Algumas perguntas que ta, Plaen acredita que a questão-cha-
necessidades de saúde de certos gru- o palestrante sugere que a socieda- ve é a “busca da eqüidade”. Para ele
pos e de suas potencialidades. Mauri- de indague: tais produtos concentram a tecnologia em si não é suficiente.
cio Monken, pesquisador do Núcleo de renda? Ajudam a alimentar pobres do “O importante é saber como ela pode
Vigilância em Saúde e Meio Ambiente Brasil ou animais dos países ricos? contribuir para o desenvolvimento de
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Se muitos são os riscos, e mui- uma sociedade mais saudável”, ressal-
Venâncio/Fiocruz (EPSJ), destacou a tos deles desconhecidos, Marcelo vou. Nesse sentido, três são os pilares
importância do território como refe- Firpo acredita na necessidade de uma do debate: a transdisciplinaridade; a
rência para análises em saúde e ambi- ciência que promova a saúde e a jus- participação das várias partes interes-
ente, mostrando como o território vem tiça ambiental, que dê conta da sadas; e a equidade social.
sendo compreendido na saúde. sustentabilidade do ambiente e dos O desafio é amplo, as perguntas são
Segundo ele, no século 18, o ter- grupos vulneráveis. “O modelo atual muitas, o que só reforça a necessidade
ritório estava ligado à noção original de ciência, bem como as instituições de que o debate continue. (K. M.)
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DENGUE
REL AT ÓRI
ÓRIOO FIN AL D
FINAL DAA 12ª CN
CNSS
Demorou,
mas saiu!
U
mentam que foi mais lento do que o de. “Na Doze tivemos uma ampla par-
m ano depois da realiza- imaginado o processo de votação dos ticipação da sociedade, uma incrível
ção da 12ª Conferência milhares de destaques e emendas demonstração de democracia”, argu-
Nacional de Saúde, final- (cerca de 4 mil) que não puderam ser menta. Agora, não importa se o rela-
mente governo e socieda- apreciados naqueles cinco dias — e tório final demorou: o trabalho foi
de têm em mãos o relatório final do noites! — de dezembro do ano passa- feito. “Tirar isso do papel dependerá
evento (ver link no fim da matéria). Con- do, em Brasília. Um dos relatores res- de nós mesmos, pois a sociedade deve
forme compromisso dos organizadores, ponsáveis, Paulo Gadelha, vice-presi- e precisa cobrar que o governo siga
todos os 3 mil delegados receberam dente da Fiocruz, admite: “O as diretrizes ali formalizadas”. Gadelha
em casa, pelo correio, as propostas, fechamento do texto final foi muito está esperançoso. “Foi o próprio Mi-
item por item, pendentes de apreci- complicado”. nistério da Saúde que resolveu ante-
ação. O relatório final estava prome- Mas ele ressalta a importância cipar a realização da Doze, com a in-
tido para março de 2004... e como deste documento, referendado por tenção de ter um norte para a
demorou! Os coordenadores argu- diversos segmentos da área da saú- política de saúde do novo governo”.
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SE R
RVVIÇO
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