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NESTA EDIÇÃO

DST/aids em BH
Novidades e balanço
mundial da epidemia

Saúde do idoso
Fase de conquistas
numa área essencial
N º 53 • Janeiro de 20 07
Reforma Sanitária Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
Militantes históricos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361
de volta ao ativismo
w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s

Controle social
A saúde pública começa a manejar
melhor esta ferramenta democrática
Em 1982, o apreço pela
informação em saúde
este 2007, o RADIS completa 25 anos
N de trajetória pioneira e ininterrupta
de comunicação em saúde. Um jubileu de
prata com muita dedicação: 88 edições da
antiga Súmula, 23 da Tema, 20 da Dados,
36 do jornal Proposta e, agora, com cinco
anos e meio de existência, 53 edições da
revista Radis.
Diz o ditado que filho bonito (mo-
destamente...) tem muitos pais. Com o RADIS não é di-
ferente. O idealizador e criador do programa, contudo, é
o economista-sanitarista e escritor Sergio Goes de Paula,
que aqui conta aos leitores como surgiu a idéia do projeto
e de suas publicações.
Em julho de 1982, aos 37 anos, Sérgio era professor
do Departamento de Ciências Sociais da Ensp/Fiocruz, e
sentia que seus alunos precisavam continuar informados
quando voltassem aos postos de origem. Daí a criação do
RADIS: eles recebiam em casa Súmula, Tema e Dados, numa
época em que “a política de informação em saúde não tinha
destaque nem valor”, diz.
Hoje, aos 61, coordenador de Assuntos Estratégicos de
Farmanguinhos, unidade da Fiocruz que produz medicamen-
tos, fala da pessoa que viabilizou os recursos para o projeto:
Mozart de Abreu e Lima, um dos mentores do Instituto Nacio-
nal de Controle e Qualidade em Saúde (INCQS), formatador
da logística dos dias nacionais de vacinação no Brasil — um
modelo internacional. O RADIS agradece a ambos.

Como surgiu a idéia do RADIS?


Entrei na fundação no fim de 1979, no Departamento
de Ciências Sociais da Ensp. Quando dava aula nos cursos de
ensino descentralizado, percebi que as pessoas voltavam a
seus lugares de trabalho e não tinham nada que as alimentasse
de informação. Pensei em publicar coisas para despertar o Quantas pessoas havia na equipe, no início?
interesse dessas pessoas. Daí surgiu a idéia do RADIS. Pensei Cinco a 10 pessoas. Acho que era mais para cinco pes-
primeiro na Súmula, como um resumo do que saía na imprensa. soas, pois todos cabiam numa sala de aula na Ensp.
Em segundo lugar, na Dados, para aqueles sanitaristas que
passavam pelos cursos e precisavam saber dos efeitos de suas E o nome do programa e das publicações, quem criou?
ações. E, em terceiro, na Tema: elegíamos um assunto para Fui eu mesmo. Pensei em RADIS (Reunião, Análise e
ser debatido na revista, como a tuberculose (agosto de 1983). Difusão de Informação sobre Saúde) porque queria trazer
As publicações eram no início enviadas às pessoas que faziam a idéia de rede.
o curso regular da Ensp e os cursos descentralizados.
Como você vê a importância do RADIS para a Saúde
Quem financiou o programa? Pública?
A escola, na época, não tinha recursos. Como havia Sou suspeito para falar disso. Mas, na época da criação,
trabalhado com Mozart de Abreu e Lima e estabelecido recebemos muitos elogios e pedidos de inclusão em nossa
uma relação de confiança com ele, que na época era mala direta. Acho que o RADIS busca até hoje a integração
secretário-geral do Ministério da Saúde, apresentei-lhe de um conjunto de categorias profissionais espalhadas país
a idéia. Veio dele o primeiro apoio significativo para afora. Creio que o grande mérito foi começar numa época em
que o RADIS acontecesse. Depois, a escola incorporou o que a política de informação em saúde não tinha destaque
programa a seu orçamento. nem valor. E foi um programa que deu certo. (K.M.)
editorial
Nº 53 • Janeiro de 2007

Almanaque
para conselheiros Comunicação e Saúde
• Em 1982, o apreço pela informação
em saúde 2
partir deste número, a revista aspectos e debates interessantes sobre
A Radis será enviada mensalmente a
cada um dos 5.585 conselhos estaduais
o tema nas 10 páginas de nossa primeira
matéria com o selo Rumo à 13a Con-
Editorial
• Almanaque para conselheiros 3
e municipais de saúde do país, com ferência Nacional de Saúde, marcada
ampliação de tiragem patrocinada para dezembro de 2007. Cartum 3
pela Secretaria de Gestão Estratégica Nas demais reportagens e ar-
e Participativa do Ministério da Saú- tigos, o estado da arte da Reforma
Cartas 4
de. Para o aperfeiçoamento de nossa Sanitária, na visão de alguns de seus
mala direta, contamos com o retorno defensores históricos, da prevenção
dos conselheiros informando qualquer à aids e demais doenças sexualmente
dificuldade no recebimento. transmissíveis, que mostra mulheres
Esta edição de janeiro parece e pobres cada vez mais atingidos pela
aqueles deveres de casa, que antiga- doença que ameaça a todos, e da luta Súmula 6
mente as professoras passavam aos pela dignidade e pelos direitos dos
alunos quando entravam de férias. idosos, em matéria que a revista Radis Toques da Redação 11
Volumosa, diversificada e densa — nor- devia aos leitores desde a Conferência
malmente a revista tem 20 páginas Nacional da Saúde do Idoso, que infe-
—, esta é quase um almanaque de in- lizmente não pudemos cobrir. Na seção Controle social
formações sobre saúde. Não qualquer Pós-Tudo, artigo sobre a obesidade • A gestão autoritária cede espaço, pouco
saúde, mas aquela de sentido amplo, dos brasileiros, socialmente produzida a pouco, à práxis democrática 12
politizado, saúde coletiva. pelo mercado e pela mídia. • Radis adverte 18
Nosso assunto principal é o Con- Este mês, o idealizador do Progra- • Entrevista: Francisco Batista Júnior
trole Social, tema que nossos novos ma RADIS nos confidenciou que nunca “O controle social é um projeto em
leitores, os conselheiros, dominam e imaginou que o projeto seguiria ativo construção” 20
praticam. Mas nunca é demais lembrar por tanto tempo. Nessa primeira revis-
que para a Saúde Pública a expressão ta de 2007, quando o RADIS completa
controle social assume o significado 25 anos de atividade, é com o maior
nobre de “ação organizada dos diversos prazer que trazemos uma pequena mas
segmentos da população na formulação afetiva entrevista com Sergio Goes. 6º Congresso Brasileiro de Prevenção
das políticas e na decisão pública”, Começando pela página ao lado, tenha das DST e Aids
diferentemente do tradicional conceito uma boa leitura. • Feminização e pauperização, os
das ciências sociais, de sentido contrá- desafios da prevenção 22
rio, o de controle sobre a sociedade Rogério Lannes Rocha • Entrevista: Mariângela Simão
exercido pelo Estado. São muitos os Coordenador do Programa RADIS “É preciso entender que todos nós que
temos vida sexual ativa podemos contrair
o vírus” 26

Cartum Direitos da pessoa idosa


• Uma sociedade mais velha e com saúde 28

Doutor,
a gente quer
nosso filho com
a cara do
tio sam. Debates na Ensp/Fiocruz — Reforma Sanitária
• A saúde na política e a política na saúde 30

Serviço 34

Pós-Tudo
• Obesidade: consumo e produção 35

Capa e ilustrações Aristides Dutra (A.D.)


Ilustrações Cassiano Pinheiro (C.P.)
RADIS 53 • JAN/2007
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cartas

PSF E EQUIPE MÍNIMA que no município no qual estou traba- DOUTRINA DO SUS
lhando foi implantado recentemente o
PSF, e ainda estamos em fase de mu- ostaria de ver debatido o assunto
danças, reestruturações para melhor
nos adequarmos e também porque
G “doutrina do SUS”, pois acredito
que sem entendimento da filosofia do
sempre há algo novo para implantar sistema seja muito difícil aplicá-lo.
ou algo a modificar para melhorar e Principalmente no interior do Bra-
qualificar o serviço. O PSF conta com sil, não são respeitadas as mínimas
uma rede de apoio na Unidade Básica condições de aplicação do sistema,
de Saúde: pediatra, ginecologista, sendo o PSF visto como fonte de
assistente social, nutricionista (ambos renda para o município.
de forma itinerante). E também há uma • Marco Antônio Andrade de Sousa,
rede de serviços no município, como médico, Almenara, MG
Centro de Reabilitação e Fisioterapia,
Centro de Atendimento Psicossocial Caro Marco, temos matéria sobre
(CAP) adulto e infantil, Centro de o assunto na página 32.
Especialidades Odontológicas e Clínica
de Especialidades. Na unidade em que CAOS EM ITABUNA
trabalho ainda contamos com uma
auxiliar administrativa, e o dentista preciso falar que a saúde de Ita-
também compõe a equipe. O
município localiza-se em Mi-
É buna (município-sede da 7ª Dires)
está um CAOS. O pronto-socorro da
nas Gerais, próximo a Belo Santa Casa fechou, o Hospital de Base
Horizonte (40 minutos), e demitiu mais de 40 funcionários e
ou leitora da revista tem aproximadamente 42 trabalha sem material mínimo (luva
S Radis e, após ler a
matéria "Equipe mínima,
mil habitantes.
Gostaria de parabenizá-
de procedimento é um luxo!). Tudo
isso porque a Prefeitura não repassa
dilemas e respostas" (Radis los pela matéria e pedir que as verbas, dizem que o dinheiro de
51), de novembro de 2006, enfatizem mais e sempre o PSF. alguns meses simplesmente sumiu
resolvi enviar este e-mail para informar • Fabiana Machado, Itabirito, MG e ninguém faz nada para protestar
contra o "coroné".
É um absurdo, as unidades básicas
de saúde estão abrindo nos fins de
expediente semana para atender as emergências
— já que o PS da Santa Casa fechou por
falta de repasse das verbas. Só que não
Edição Marinilda Carvalho
Reportagem Katia Machado (subeditora),
há a mínima condição. Não há material
Adriano De Lavor e Bruno Camarinha para curativo, nem sequer medicação
Dominguez para dor. As unidades ficam ligando
Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia- uma para a outra para ver quem tem
RADIS é uma publicação impressa e on- no Pinheiro (estágio supervisionado) diclofenaco “pra arrumar".
line da Fundação Oswaldo Cruz, editada Documentação Jorge Ricardo Pereira,
pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e Como eu sei disso? Sou gradu-
Laïs Tavares e Sandra Suzano
Difusão de In for ma ção so bre Saú de), ando de Enfermagem da Uesc. Estou
Secretaria e Administração Onésimo
da Es co la Na ci o nal de Saú de Pú bli ca cansado dessa situação caótica da
Gouvêa, Fábio Renato Lucas, Cícero
Sergio Arouca (Ensp). saúde de Itabuna. O Ministério Pú-
Carneiro e Mariane Gonzaga Viana
Periodicidade mensal (estágio supervisionado) blico acabou de fazer uma auditoria
Tiragem 56.000 exemplares Informática Osvaldo José Filho e Mario (ou brincou de fazer), mas não vi ne-
Assinatura grátis Cesar G. F. Júnior (estágio supervi- nhuma atitude ser tomada. Alguém
(sujeita à ampliação do cadastro) sionado)
Endereço
tem de fazer alguma coisa! Colo-
Presidente da Fiocruz Paulo Buss
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos quem isso na Radis. Sou assinante,
Rio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361 essa revista é o máximo.
Ouvidoria Fiocruz Tel. (21) 3882-9118 • Gefferson Santos Almeida, estudan-
Telefax (21) 3885-1762 Fax (21) 3882-9119
Site www.fiocruz.br/ouvidoria te, Itajuípe, BA
E-Mail radis@ensp.fiocruz.br
PROGRAMA RADIS Site www.ensp.fiocruz.br/radis ESPECIAL ABRASCÃO
Coordenação Rogério Lannes Rocha Impressão
Subcoordenação Justa Helena Franco Ediouro Gráfica e Editora Ltda.
uero parabenizar toda a equi-
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis
pode ser livremente utilizado e reproduzido em
responsáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos
aos veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo
Q pe da Radis, em especial pela
edição primorosa do número 50. Um
qualquer meio de comunicação impresso, radiofôni- de nossas publicações que enviem para o Radis um trabalho dificílimo de manter, sabe-
co, televisivo e eletrônico, desde que acompanhado exemplar da publicação em que a menção ocorre, as
dos créditos gerais e da assinatura dos jornalistas referências da reprodução ou a URL da Web. mos disso, e eu, como um dos 50 mil
RADIS 53 • JAN/2007
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leitores, me sinto muito agradecido implantação nos municípios conforme Saibam que estão contribuindo de-
por fazer parte dessa comunidade. determina a Lei 8.080/90. masiadamente para este país e para
A nota na Súmula sobre o diclofe- Só que a lei foi rejeitada em minha formação profissional.
naco (muito usado pela população) 16 e 23/10 por cinco vereadores • Juliana Rodrigues Miranda, Guaçuí, ES
e a magnífica reportagem sobre os e aprovada por apenas três, cujos
reflexos da globalização nas políticas nomes faço questão de citar: Artur
sociais bem demonstram o porquê do Teixeira Rabelo, Alair Antônio Borges ou enfermeira do PSF. Gostaria de
sucesso da revista.
• Sidnei Nobre da Silva, zootecnista,
e José Maria Domingos.
Quero manifestar aqui minha
S agradecer por estar recebendo a
Radis em minha casa. É uma alegria
Rio de Janeiro indignação com esse resultado, quando ela chega. E já tem contribuído
pois os vereadores que a reprova- muito para minha vida profissional.
ram, tenho certeza, não basearam • Rachel de Sousa Pinho, Fortaleza
tal atitude no conhecimento, ou a
rejeitaram por questões políticas.
Só que saúde coletiva não deve ser ou fã incondicional da revista, a qual
encarada como questão partidária
ou eleitoreira, mas sim de forma
S é fundamental para nós, gestores. Por
abordar assuntos de nossa realidade,
respeitosa e responsável. colaborando na elucidação de problemas
Quero solicitar que nas próxi- enfrentados diariamente.
mas edições seja publicada matéria • Ivete Maria Lorenzi, secretária munici-
voltada para o poder legislativo mu- pal de Saúde de Chopinzinho, PR
nicipal, explicando o que é Vigilância
Sanitária e as conseqüências que ela PRÁTICAS INTEGRATIVAS DE SAÚDE
acarreta à saúde coletiva dos muní-
cipes. E, se for possível, que enviem ostaríamos de sugerir aos editores
mensalmente à Câmara Municipal um
exemplar da revista para que os vere-
G desta prestigiosa revista a inclu-
são de uma matéria sobre a Política
adores saibam como caminha a saúde Nacional de Práticas Integrativas de
no Brasil e possam tomar decisões Saúde, que vem sofrendo investidas
sensatas e fundamentadas em prol de da corporação médica e demais inte-
uma melhor saúde coletiva. ressados na manutenção da hegemonia
• Priscila Rabelo, Japaraíba, MG da lógica da “doença”.
O precedente brasileiro de uma
Cara leitora, na edição de fevereiro política pública para implementar
iquei muito feliz em ser pre- teremos cobertura do 3º Simpósio outras racionalidades médicas é
F senteado com a Radis n° 50
e de ter contribuído para que se
Brasileiro de Vigilância Sanitária. E
cadastraremos a Câmara Municipal.
um risco para os grandes interesses
econômicos que estão envolvidos
chegasse aos 50 mil leitores. E não neste setor. Neste sentido, só com a
poderia ser melhor. Ter recebido RADIS AGRADECE mobilização da população interessada
o "Especial Abrascão" foi como se poderemos contribuir para reforçar
eu tivesse participado de todos os ostaria de agradecer a todos os a perspectiva democrática desta ini-
debates do congresso. Parabenizo
a equipe da Radis por mais essa ex-
G envolvidos na edição da revista
Radis que, a cada número, me sur-
ciativa ministerial — passo necessário
para eliminação da iniqüidade presen-
celente cobertura de informação. preende com suas excelentes repor- te neste campo dos direitos à saúde.
A n° 50 estava 1.000. E como não tagens de qualidade e que tanto vêm É relevante considerar que não se
quero ficar de fora de todo esse a contribuir com o nosso dia-a-dia de trata apenas de garantir o direito
processo histórico-informativo, enfermeiro. Parabéns a todos. de opção terapêutica mas, funda-
gostaria de continuar tendo acesso • Ildineia Batista de Faria, enfermeira, mentalmente, de garantir o direito à
às informações da Radis. Parabéns Bom Jesus do Itabapoana, RJ diferença, de assegurar o direito de
e felicidade a todos. se ser minoria. Este tem sido o en-
• Dilermando Mota Sales, Belém foque de nosso trabalho quando nos
ou conselheira de Saúde e num referimos ao caráter democratizante
DECEPÇÃO EM JAPARAÍBA S evento ganhei algumas edições da
Radis. Fiquei encantada com todo o
desta política de direitos.
Certamente que sob este ponto
nicialmente quero parabenizar pelo conhecimento que adquiri. Está próxi- de vista, esta questão já poderia ter
I excelente conteúdo da revista. Sou
chefe do Departamento Municipal de
mo ao Natal e pode acreditar, ela foi
meu Papai Noel. Obrigada.
sido levantada e o debate ampliado.
No entanto, só após a publicação da
Saúde de Japaraíba (MG) e estudan- • Sonia Regina Cavalcanti Cardoso, PNPIC e da necessidade de defendê-
te do 4º período de Enfermagem da Juiz de Fora, MG la dos ataques é que aprofundamos
Unipac/Bom Despacho. Em agosto de as reflexões que nos levaram a per-
2006 enviamos à Câmara Municipal a ceber esta questão como um regime
legislação que criava a Vigilância Sani- lá, quero agradecer e parabe- de exclusão de direitos que afeta
tária no município. Fizemos excelente
campanha em parceria com o Conse-
O nizar a todos que fazem parte
da produção desta revista. Estava
interessados, usuários, estudantes,
profissionais, simpatizantes etc.
lho Municipal de Saúde, mostramos muito ansiosa para recebê-la e agora A grande maioria da população
a importância da ViSa e falamos da chegou o meu segundo exemplar. e dos formadores de opinião não tem
necessidade e obrigatoriedade de sua Quero agradecer a todos vocês. ciência das implicações da PNPIC
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(Portaria de 3/5/2006). Raros os cida-


dãos que compreendem o significado
desta política para a democratização Súmula
de nosso país. Poucos têm ciência
de que existem 15 mil profissionais
homeopatas atuando na clínica pri- cardápios dos restaurantes, em auxílio
vada, segundo a Associação Médica DUAS FACES DE NOVA YORK ao controle da obesidade. A Associação
Homeopática Brasileira, e apenas 517 Nacional dos Restau-
nos serviços públicos em todo o país, rantes reagiu mal,
segundo o Ministério da Saúde. segundo a Folha: “É
Estes dados deixam claro que é a uma engenharia
população que depende dos serviços social mal condu-
públicos de saúde a parcela excluída zida por um grupo
do direito a ter acesso à homeopatia médico que não
e às outras práticas integrativas. entende a indústria
De modo análogo, quase todos os alimentícia”.
diversos profissionais de saúde que Os ácidos gra-
se formam no país não têm acesso a xos não-saturados,
informações sobre a efetividade des- como também as
tas práticas, sobre a maneira como gorduras saturadas,
contribuem para restituir saúde aos elevam o nível de
indivíduos, ainda que a OMS reco- colesterol “ruim” e
mende, desde 1980, sua inclusão nos o risco cardíaco. O
programas de saúde pública. problema com eles
Com esta portaria, o Ministério da é que só passam do
Saúde atende à recomendação da OMS estado líquido ao
e, também, às sucessivas deliberações sólido pela hidroge-
das Conferências Nacionais de Saúde a nação. Esses ácidos
este respeito. Agora, as faculdades de entram na receita da
Ciências da Saúde, bem como os cursos margarina, de bolos,
profissionalizantes, precisarão ensinar biscoitos, pães, sor-
estas práticas de cuidado e tratamen- vetes, batata frita,
to. No entanto, a Portaria 971 está salgadinhos e nume-
incompleta, deixando lacunas no que A.D.
rosos outros produ-
se refere à discriminação de fontes de tos industrializados.
recursos e parâmetros para monitorar Prefeitura de Nova York proibiu o Nos Estados Unidos, lei federal do
a sua implementação.
Assim, visando dar conseqüência a
A uso de gordura trans nos 20 mil
restaurantes e lanchonetes da cidade,
início de 2006 determinou que todos
os produtos que contenham gordura
este compromisso democrático e traba- informou a Folha de S. Paulo de 6/12 trans tragam no rótulo a expressão
lhando pela defesa do direito da popula- — uma medida de impacto em saúde “ácidos graxos trans”.
ção, a Ação Pelo Semelhante, como orga- pública que a transforma na primeira No Brasil, a Agência Nacional de
nização da sociedade civil com a missão metrópole americana a cortar este Vigilância Sanitária (Anvisa) obriga
de democratizar o acesso à homeopatia, malsinado ingrediente da dieta. Por as lanchonetes a informarem o valor
convocou um abaixo-assinado de apoio à outro lado, análise química das águas nutritivo do alimento que servem e, a
Portaria 971. Está em todas as farmácias do Rio Hudson, que corta a cidade, indústria, o teor de gordura trans nas
de homeopatia do país e também em indicou, pela concentração da substân- embalagens. Um alimento só pode, se-
www.semelhante.org.br/. cia benzoilecgonina, que a população gundo a Anvisa, ser considerado “zero
No dia 8/11 esta proposta foi ex- nova-iorquina é a maior consumidora trans” quando contiver, no máximo,
posta no Centro de Estudo da Ensp/Fio- de cocaína do mundo. A benzoilecgo- 0,2 grama de gordura hidrogenada.
cruz no contexto de um debate sobre nina está na urina dos consumidores da A sanitarista e pesquisadora Gul-
“Práticas Integrativas e Complemen- droga e é levada aos rios pelo esgoto, nar Azevedo e Silva Mendonça, coor-
tares no SUS: direito de cidadania”, como informou a edição 1.985 da revis- denadora de Prevenção e Vigilância
como noticiado no Informativo Ensp ta Veja (data de capa de 6/12). do Instituto Nacional de Câncer, no
www.ensp.fiocruz.br/informe/materia. O prefeito Michael Bloomberg de- Rio de Janeiro, avisa que quanto mais
cfm?matid=2036. cidiu que a partir de julho de 2007 fica crocante o alimento industrializado
• Hylton Sarcinelli Luz, presidente da vetado o uso de óleos para fritura que mais gordura trans ele contém.
Ação pelo Semelhante contenham a gordura trans e, a partir “Aqueles biscoitinhos em pacotes
de julho de 2008, nenhum alimento coloridos que parecem estar sempre
vendido na cidade poderá incluí-la fresquinhos são os piores, que a
NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
na receita. O objetivo da medida é criança brasileira consome todo dia”,
A Radis solicita que a correspondência a redução da incidência de doenças alerta. Nas padarias, é bom fugir dos
dos leitores para publicação (carta, cardíacas. “Pessoas não morrem mais pães e doces muito cremosos feitos
e-mail ou fax) contenha identificação de febre tifóide, morrem de doenças com gordura hidrogenada, e nas
completa do remetente: nome, en- do coração”, afirmou o secretário local lanchonetes, da popular coxinha de
dereço e telefone. Por questões de de Saúde, Thomas Frieden. galinha que, além da massa com alto
espaço, o texto pode ser resumido. E mais: o valor calórico e nutri- teor de amido, é fritada em litros de
tivo dos alimentos deverá constar dos gordura saturada.
RADIS 53 • JAN/2007
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Essa fast-food recheada de somente em doadores sadios. Compa- Lei 4.699/04, do ex-deputado Ivan
gordura trans está presente no dia- radas, foram descobertos os biomarca- Paixão, que prevê a notificação com-
a-dia das populações das grandes dores, ou seja, as proteínas que podem pulsória dos casos de violência pela
cidades, e tem papel relevante no definir um portador da doença ou não. rede de saúde pública. O objetivo é
conjunto de fatores de risco não só A descoberta pode auxiliar os espe- combater a violência contra crianças
para as doenças coronarianas, mas cialistas a evitarem as fases agudas e mulheres. A legislação brasileira
também para o câncer (Radis 51). da doença. O trabalho foi publicado não estabelece procedimentos para
Por sua vez, o Instituto para Pes- na revista americana Biochimica et atendimento nos prontos-socorros às
quisa Biomédica e Farmacêutica, de Biophysica Acta (BBA, v. 1764). vítimas de abuso e violência física.
Nuremberg, na Alemanha, analisou a Os profissionais de saúde têm papel
água dos rios de 24 cidades da Europa importante no combate à violência,
e dos Estados Unidos para descobrir VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, NOVA CAMPANHA pois estão em contato direto com as
o tamanho do mercado de cocaína. O vítimas, afirmou o autor. “Além da
resultado da pesquisa fez da cidade devida ação profissional, eles podem
de Nova York a campeã mundial: 16,4 contribuir para a apuração do crime
toneladas da droga são consumidas e a punição dos responsáveis.”
por ano, contra as 2 toneladas das Texto substitutivo do relator,
estimativas oficiais, que se baseiam deputado Guilherme Menezes (PT-BA),
nas apreensões no estado de Nova enumerou os principais elementos que
York. O segundo lugar ficou com a devem constar da notificação, como
pequena Miranda de Ebro, no norte relato médico sobre as condições da
da Espanha — porta de entrada do vítima, descrição detalhada das ca-
narcotráfico na Europa. racterísticas e gravidade das lesões.
Os alemães pesquisaram a con- A identidade do profissional de saúde
centração da benzoilecgonina nas deve ser, sempre que possível, preser-
chamadas águas servidas a partir de vada, para evitar-se qualquer atitude
amostras coletadas entre quinta-fei- de vingança por parte do agressor.
ra e sábado — para evitar variações A proposta tramita em caráter
de fim de semana, quando o uso da conclusivo, mas ainda será analisada
droga é reconhecidamente maior. O pela Comissão de Constituição e Justi-
estudo tem o mérito de identificar, ça e de Cidadania da Câmara.
pela primeira vez com um método
científico, como o consumo da dro- Organização Pan-Americana de
ga é distribuído ao redor do globo.
Tradicionalmente, diz a Veja, a
A Saúde (Opas/OMS) lançou em 21
de novembro, Dia Internacional pela
CORRUPÇÃO E TEMPERO SENSACIONALISTA

estimativa de consumo se baseia Eliminação da Violência contra a atéria publicada no Estado de


em entrevistas com usuários e nos
volumes de droga apreendidos.
Mulher, campanha que visa a cons-
cientização da necessidade de se dar
M S. Paulo em 1º de novembro,
auge do "escândalo das sanguessugas"
fim ao problema nas Américas. Uma — sobre compra fraudulenta de am-
em cada três mulheres na América bulâncias — sugeria intenção da Or-
INCA FAZ DESCOBERTA SOBRE LEUCEMIA Latina e no Caribe já foi vítima de ganização Mundial da Saúde de iniciar
violência sexual, física ou psicológica pelo Brasil um programa de avaliação
Agência Fapesp informou que pes- por parte de parceiro ou parente. da corrupção. “O projeto faz parte
A quisadores do Instituto Nacional
do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro,
Na Bolívia, por exemplo, 53% das
mulheres sofreram violência física,
de uma iniciativa da agência da ONU
para atacar a corrupção que afeta os
descobriram um gene importante no e 12%, violência sexual. O mesmo sistemas de saúde em todo o mundo”,
processo de evolução da leucemia ocorre em outros países. Peru (2004): e “o primeiro passo será implementar
mielóide crônica (LMC) para a fase 42% sofreram violência física, 10%, o mecanismo no Brasil e em outros
aguda, após identificarem proteínas sexual; Colômbia (2005): 39% e 12% países das Américas”, dizia o texto, do
em pacientes e doadores sadios. Re- respectivamente; Equador (2004): correspondente do jornal na Suíça. “A
sultante de lesão adquirida (não-here- 31% e 12%; Haiti (2000): 29% e 17%. decisão foi tomada em Genebra nesta
ditária) no DNA de uma célula-tronco “Além de violação dos direitos semana por técnicos que negociarão
da medula óssea, a LMC se caracteri- humanos e enorme problema de saúde com o governo brasileiro a forma pela
za, na maioria dos casos, pela presen- pública, a violência contra a mulher qual a avaliação será feita”.
ça do cromossomo Philadelphia (Ph), é um pesadelo que compromete o O estranho é que o programa
anormalidade genética descoberta desenvolvimento dos países, pois as não é novo, já avaliou vários países
nos Estados Unidos em 1960. Agora, o vítimas ficam impedidas de contribuir asiáticos e as várias informações
grupo, da Divisão de Laboratórios do plenamente para suas comunidades”, sobre o tema no site da OMS (www.
Centro de Estudos de Medula Óssea do disse o especialista da Opas Alberto who.org) não mencionavam o Brasil.
Inca vem dando passos significativos Concha-Eastman. A organização mantém desde 2002 um
no estudo da LMC — responsável por programa de “boa governança” para os
15% das leucemias. sistemas de saúde, especialmente na
Num primeiro momento, o gru- NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA, MAIS UM PASSO área de compras de medicamentos,
po, liderado pela biofísica Eliana sujeita a corrupção, fraude e desvio de
Abdelhay, identificou 22 proteínas Comissão de Seguridade Social recursos. Em cooperação com a Trans-
específicas de pacientes com a doen-
ça e outras nove proteínas expressas
A e Família da Câmara dos Depu-
tados aprovou em 6/12 o Projeto de
parência Internacional, ONG com sede
em Berlim que monitora a prestação de
RADIS 53 • JAN/2007
[ 8 ]

contas de governos e instituições, vem 400 milhões de pessoas no planeta e lhante à média da China; os ricos
lançando relatórios periódicos sobre o mata 1 milhão por ano. O objetivo da experimentaram crescimento no
tema. No de fevereiro de 2006, afirma-se iniciativa é orientar políticas públicas. nível da Costa do Marfim, na África.
que os sistemas de saúde são vulneráveis O mapa foi lançado em maio, mas em 5 A comparação é de Ricardo Paes
à corrupção seja qual for o país. de dezembro os responsáveis publicaram de Barros, especialista em política
Procurado pela Radis, o Ministério artigo sobre a nova ferramenta na PLoS social do Instituto de Pesquisa Eco-
da Saúde confirmou que recebeu cor- Medicine, periódico da Public Library of nômica Aplicada (Ipea). “Para que
respondência da OMS. Mas a assessoria Science, informou a Agência Fapesp. as desigualdades sejam reduzidas,
de imprensa da Organização Pan-Ame- O mapa, sempre atualizado, asso- o crescimento dos ricos tem que
ricana da Saúde, braço da OMS nas cia dados coletados por pesquisadores ser menor”, disse ele no seminário
Américas, nega que se pretenda co- locais, convocados ao longo de 2006 internacional “O desafio da redução
meçar as ações do projeto pelo Brasil. a colaborar com os organizadores, a da desigualdade e da pobreza”, em
Em texto enviado à redação da Radis, mapas do Google Earth (http://earth. novembro. “Daí a sensação deles de
o assessor Carlos Wilson de Andrade google.com/), de fotografia por saté- que o país está estagnado”.
Filho confirmou que a OMS promoveu lite. O Projeto Atlas da Malária (MAP, Segundo a Agência Carta Maior,
em Genebra a reunião “Transparency sigla em inglês) é fruto da associação Paes de Barros informou que o incre-
in medicines regulation and procure- entre o Grupo de Epidemiologia e mento da renda per capita tem atingido
ment”, onde se discutiu uma meto- Ecologia Espacial da Universidade de a média de 1% ao ano para o conjunto
dologia, “ainda em desenvolvimento, Oxford, na Inglaterra, e o Centro de da população. “Para a metade mais
portanto, não-certificada”, de avalia- Medicina Geográfica, no Quênia. pobre, o crescimento foi de 3,7% ao
ção da vulnerabilidade dos sistemas de Segundo os coordenadores, Simon ano. Para os 20% mais pobres, 6%; e
regulação e compra de medicamentos Hay e Robert Snow, os dados sobre a de impressionantes 8% ao ano para o
e práticas antiéticas e corrupção. malária no mundo não são nada confi- segmento dos 10% mais pobres”.
Nega, porém, que a avaliação áveis. O Quênia, por exemplo, região Para alcançar o nível médio
começará pelo governo brasileiro: de grande incidência, registrou apenas de desigualdade do conjunto dos
“Essa metodologia já foi testada 135 mortes por malária em 2002. O países em desenvolvimento, será
em 8 países da Ásia e em nenhum projeto é financiado pelo fundo de necessário que o Brasil siga no mes-
momento foi citado pelos nossos pesquisa médica Wellcome Trust, do mo ritmo de redução nos próximos
consultores que haja qualquer apli- Reino Unido, e o site, em inglês, com 25 anos. Paes de Barros afirma que
cação prevista no Brasil”. versões em espanhol e francês e alguns o caminho está traçado: o canal de
textos em português, fica no endere- relacionamento entre o Estado e a
ço www.map.ox.ac.uk/index.htm/. parte mais pobre da população já foi
A MALÁRIA NO MUNDO criado e consolidado com o cadastro
único do Bolsa-Família, e agora é
uarenta anos depois do primeiro FIM DA DESIGUALDADE: MAIS 25 necessário agregar outras políticas
Q mapeamento da malária no mun-
do, pesquisadores britânicos lançaram ara a parcela mais pobre da
ANOS
sociais, além de eleger prioridades.
“O Bolsa-Família veio para ficar.
um mapa na internet das regiões com
alto risco para a doença, que infecta
P população brasileira, o aumento
de renda per capita tem sido seme-
Transitória é a permanência da fa-
mília no programa”.

Pesquisa e ano
1985-1989
1990-1994
1995-1999
2000-2006

Locais de incidência do Plasmodium falciparum


RADIS 53 • JAN/2007
[ 9 ]

Tiveram papel fundamental na sendo identificados os fatores que in-


queda pensões e aposentadorias (26%), terferem em sua capacidade protetora RESTRIÇÃO À PROPAGANDA
Bolsa-Família (12%) e Benefício de contra a doença. Com o seqüenciamento DE BEBIDA ALCOÓLICA
Prestação Continuada — pagamento de será possível aumentar a segurança e a
um salário mínimo a idosos e pessoas capacidade da vacina. O estudo abre Anvisa promoveu audiência
com necessidades especiais sem outras
fontes de renda (11%). A soma dessas
caminho para a elaboração de vacinas
recombinantes, ou seja, que contenham,
A pública em dezembro para dis-
cussão do texto final da resolução
iniciativas foi responsável por metade inseridas no BCG, genes que codifiquem que institui novas regras para a
(49%) da redução. antígenos relacionados a outras doenças, propaganda comercial de bebidas al-
como tétano e varicela. coólicas. Pela proposta, os anúncios
de bebidas a partir de 0,5 grau Gay
RASTREAMENTO DA FIBROSE CÍSTICA Lussac (GL), como a cerveja (Radis
SENADO APROVA ATO MÉDICO. 52), não poderão sugerir o consumo
partir de dezembro, o Rio de Ja- MAS COM MUDANÇAS
A neiro tornou-se o quarto estado
do Brasil, depois de Paraná, Santa
com cena, ilustração, áudio ou vídeo
que apresente a ingestão do produto,
nem associar o efeito do consumo a
Catarina e Minas Gerais, a incluir no estereótipos de sucesso e integração
teste do pezinho o rastreamento para social. Também não poderão usar
fibrose cística, doença genética que recursos gráficos e audiovisuais do
compromete gravemente pulmões universo infanto-juvenil.
e pâncreas e afeta uma em cada Anúncios de bebidas de teor
10 mil crianças nascidas vivas. Os alcoólico acima de 13 graus GL,
bebês com suspeita da doença serão como conhaque, cachaça e uísque
encaminhados ao Instituto Fernandes — permitidos apenas entre 21h e 6h
Figueira (IFF), unidade materno-infan- —, não poderão associar o consumo
til da Fiocruz, para o teste do suor, à prática de esportes, a celebrações
exame-padrão de diagnóstico preciso ou à condução de veículos. Também
da doença. A novidade foi anunciada fi cam vedadas as associações com
no seminário “Triagem neonatal: idéias de êxito ou sexualidade e o
programa Primeiros Passos, mais um uso de imperativos que induzam ao
passo”, em dezembro. consumo, como “experimente!”. Em
O Primeiros Passos de Triagem toda propaganda será obrigatória a
Neonatal, criado em 2001, é o maior inserção de mensagens de adver-
programa mundial de diagnóstico tência sobre dependência física,
precoce em recém-nascidos, infor- Plenária Final da 12ª Conferência psíquica e química.
mou a Fiocruz. No IFF, que diagnos- Nacional de Saúde, dezembro de As mensagens também de-
2003 (Radis 18)
tica 20 novos casos da doença a cada verão informar que o consumo é
ano, há 120 crianças e adolescentes Comissão de Assuntos Sociais do Se- causa, entre outros fatores, de
em tratamento. Para que o programa
tenha sucesso no Rio, as secretarias
A nado aprovou, por unanimidade, o
substitutivo ao PLS 268/2002, que mo-
doenças e acidentes no trânsito.
Os modelos de advertência de-
municipais de Saúde precisam se dificou o polêmico Ato Médico. Os quase verão ser veiculados em todos os
comprometer a fazer o teste do pe- três anos de debates realizados enquan- meios de comunicação. Segundo a
zinho entre o terceiro e o sétimo dia to a matéria tramitou permitiram que OMS, o Brasil é um dos países que
de vida do bebê, e a segunda coleta, o substitutivo, da senadora Lúcia Vânia mais consomem álcool no mundo.
no 28º dia de vida. (PSDB-GO), refletisse um consenso que Apresentado em novembro, o 2º
levou, segundo a relatora, ao abandono Levantamento Domiciliar sobre Uso
do conceito inicial de “ato médico”, de Drogas Psicotrópicas no Brasil,
GENOMA COMPLETO DO BCG substituído pela definição do campo de com dados colhidos em 2005 pela
atuação do médico e, nesse campo, das Secretaria Nacional Antidrogas,
Fundação Ataulpho de Paiva (FAP)
A e a Fiocruz lançaram em novem-
bro o genoma completo do BCG More-
atividades privativas de médico. “Tudo
foi delimitado de forma a não interferir
nas 108 cidades brasileiras com
mais de 200 mil habitantes, 12,3%
das pessoas entre 12 e 65 anos são
com as demais profissões de saúde,
au RDJ, cepa usada na vacina aplicada cujas atribuições são resguardadas”, dependentes de álcool. O primeiro
no Brasil contra a tuberculose. A afirmou a senadora. “Isso representou levantamento indicava 11,2%. O
partir do estudo, que levou dois anos um avanço significativo em relação ao percentual de dependentes entre
para ser concluído, pesquisadores PLS nº 25 de 2002 e trouxe mais segu- 12 e 17 anos era, em 2001, de 5,2%;
poderão aumentar a eficácia da vaci- rança às categorias profissionais que em 2005, de 7%.
na, diminuir seus efeitos colaterais e atuam na área de saúde”. A o t r a ç a r o 1 º Pa d r ã o d e
ampliar o controle de qualidade nos Como não houve recurso para Consumo de Bebidas Alcoólicas no
processos de produção. exame em Plenário, o projeto seguiu Brasil, em que 3 mil pessoas foram
Nos últimos anos, cresceu muito para a Câmara dos Deputados, infor- ouvidas em 143 cidades, o Centro
o conhecimento científico sobre o mou a Agência Senado. A categoria Brasileiro de Informações Sobre
genoma de bactérias semelhantes à dos médicos era a única da área da Drogas (Cebrid) da Universidade
Mycobacterium tuberculosis, causa- saúde com atribuições ainda não regu- Federal de São Paulo (Unifesp)
dora da tuberculose, e estabeleceu-se lamentadas em lei. Outras mudanças constatou que 96% dos entrevista-
uma “genealogia” das diferentes cepas poderão ser discutidas ao longo da dos apóiam as restrições à propa-
de BCG (bacilo de Calmette e Guérin), tramitação na Câmara. ganda de bebidas alcoólicas.
RADIS 53 • JAN/2007
[ 10 ]

(para o Kaletra) e em 2006 (para o A nota apresentou alternativas


CLONAGEM TERAPÊUTICA NA AUSTRÁLIA Tenofovir). No ano passado, o Brasil de recuperação do Orçamento da
não conseguiu licença compulsória Saúde de 2007, principalmente no
arlamentares australianos apro- para produzir esses medicamentos financiamento de procedimentos de
P varam em 6 de dezembro a
clonagem de embriões humanos
nos laboratórios públicos. Média e Alta Complexidade, que na
proposta original do Executivo teve
em pesquisas com células-tronco. redução de R$ 213,4 milhões em
O primeiro-ministro John Howard e HIV EM 2006: BOAS E MÁS NOTÍCIAS relação à Lei Orçamentária de 2006.
o maior partido de oposição defen- Segundo a proposta, é necessário um
Opas/OMS anunciou que chegou aumento de R$ 5 bilhões no montante
diam a santidade da vida, que teria
precedência sobre a ciência. Mas a
maioria dos parlamentares votou com
A a 1,95 milhão, em fins de 2006,
o número estimado de pessoas com
destinado à saúde.
Também a área de ciência e tec-
os cientistas, derrubando norma, em o HIV na América Latina e no Caribe nologia perde recursos em 2007: há
vigor há quatro anos, que vetava a — 210 mil a mais do que em 2004. redução de 0,7% no orçamento.
clonagem terapêutica. No ano passado, o número de novos
casos subiu para 167 mil, 12 mil a
mais do que em 2004. Os dados são PESQUISA COM MENOS BUROCRACIA
AÇÃO CONTRA PATENTE DE ANTI-RETROVIRAIS do relatório anual sobre a aids da NA IMPORTAÇÃO
OMS. O Caribe permanece a segunda
sub-região mais afetada pelo HIV no Jornal da Ciência, da SBPC,
N o Dia Mundial de Luta contra
a Aids (1º/12), a Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids
planeta (atrás apenas da África Sub-
saariana): 1,2% da população, ou 250
O informou que a Anvisa passou a
dispensar os pesquisadores cadastra-
(Abia), à frente de um grupo de mil pessoas, tem o HIV, um aumento dos no CNPq de reconhecer firma em
entidades, protocolou no Instituto de 0,1% em dois anos. Três quartos cartório no termo de responsabilida-
Nacional de Propriedade Industrial deles estão na República Dominicana de para as importações do Programa
(INPI) ação contra a concessão de e no Haiti. Na América Latina, a média Ciência Importa Fácil, sujeitas à
patentes sobre medicamentos anti- da prevalência é de 0,5%. anuência da agência. Outra medida:
retrovirais a laboratórios estrangei- A boa notícia é que o acesso o prazo de validade do Licencia-
ros, especificamente o Tenofovir, do ao tratamento cresceu: em junho mento de Importação foi ampliado
Gilead, e o Kaletra, da Abbott — que de 2006, 345 mil pessoas estavam de 60 para 270 dias. O Importa Fácil
compõem o coquetel de 17 drogas recebendo anti-retrovirais — 75% é um serviço do CNPq para pesqui-
para tratamento de pacientes com dos necessitados, o nível mais alto sadores que acelera a importação
aids fornecido pelo SUS. entre os países em desenvolvimento. de bens destinados a pesquisas
Os argumentos que embasam a (Cabe lembrar que metade desses científicas e tecnológicas.
ação foram levantados pelo Grupo pacientes em tratamento está no
de Trabalho sobre Propriedade In- Brasil.) No Caribe, verificou-se pela
telectual (GTPI) da Rede Brasileira primeira vez na história pequena EUGENIA ÀS AVESSAS
pela Integração dos Povos. Por queda no número de mortes pelo
HIV: de 21 mil em 2004 para 19 mil um estudo feito em 190 clínicas
exemplo, na análise dos pedidos de
patente o INPI não tem levado em
conta critérios políticos ou mesmo
em 2006. Mas na América Latina o
número de mortes subiu de 53 mil
N de reprodução assistida nos Esta-
dos Unidos, a pesquisadora Susannah
técnicos, o que resulta em prejuízo para 65 mil — o que significa que, A. Baruch e colegas da Universidade
para a saúde pública, afirmam os em média, 200 pessoas morreram Johns Hopkins constataram que 3%
advogados do grupo. De acordo com devido ao HIV na região. delas usaram técnicas de diagnóstico
a Agência Fapesp, 19 mil pacientes Outra boa notícia é que o número genético pré-implantação uterina,
tomam o Tenofovir, que custa US$ de testes aumentou. Em 2006, mais de com análise de DNA, para selecionar
1.387 por paciente/ano; e 23 mil 1 milhão de pessoas fizeram testes de embriões com características es-
tomam o Kaletra, que custa ao SUS HIV em 28 países da região. peciais como surdez hereditária ou
US$ 1.379 por paciente/ano. nanismo — geralmente, as mesmas
No caso do Tenofovir, cuja dos próprios interessados. Os resul-
patente o Gilead pediu ao INPI em ORÇAMENTO (NOVAMENTE) EM PERIGO tados do estudo serão publicados
1997, as substâncias que o com- na revista Fertility and Sterility,
ota técnica do Conasems e do Co- segundo matéria do New York Times
põem são conhecidas desde 1985,
como provam artigos científicos
publicados na época, não atenden-
N nass foi entregue em fins de no-
vembro ao relator-geral do Orçamen-
que O Globo de 8/12 reproduziu.
Para o sanitarista Volnei Garrafa, a
do assim aos requisitos de novidade to/2007 (cuja votação estava prevista Declaração Universal sobre Bioéti-
e inventividade. Para o Kaletra, o para 22 de dezembro), senador Valdir ca e Direitos Humanos da Unesco,
argumento é político. A indústria Raupp (PMDB-RO), e ao presidente da aprovada no ano passado, auxilia
farmacêutica usa estratégias va- Comissão Mista de Planos, Orçamen- na reflexão sobre questões como a
riadas para estender o prazo de vi- tos Públicos e Fiscalização, deputado eugenia às avessas, tão novas para a
gência das patentes, e o Abbott não Gilmar Machado (PT-MG), apontando o sociedade. (Radis 51, pág. 13).
foge à regra: o pedido original da estrangulamento de recursos em três
patente, que expiraria em 2015, foi áreas fundamentais do Ministério da
desdobrado. Os argumentos do GTPI Saúde: procedimentos de Média e Alta SÚMULA é produzida a partir do acompa-
reforçam os do Instituto de Tecno- Complexidade Ambulatorial e Hospi- nhamento crítico do que é divulgado na
logia em Fármacos (Farmanguinhos/ talar, Atenção Primária e Aquisição de mídia impressa e eletrônica.
Fiocruz), apresentados em 2005 Medicamentos Excepcionais.
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[ 11 ]

dirigir-se à delegacia, talvez sem saber, invasão de suas terras. Ele avisou à Funai
postulou em nome de todas nós, mulhe- que “eventuais atos atentatórios da posse
res, o direito de um viver um pouco mais da ré pelos silvícolas” poderá importar
digno”. O comentário está no blog de na revogação da liminar ou no bloqueio
MOMENTO SIMBRAVISA I — No 3º Simpó- Andréa Sá, ativista de direitos humanos dos depósitos judiciais”. Ou seja, se os
sio Brasileiro de Vigilância Sanitária, em (www.diversosdireitos.blogspot.com/). índios invadirem de novo, perdem o
Florianópolis, a painelista Márcia Martins dinheiro. Para quem não lembra: nota
Campos, do Pará, disse à platéia: “Se CABELO “BOM” E PASSADO ESCRAVISTA na Radis 52 informava que a Vale acusou
eu perguntar quem aqui trabalharia em — “A situação fica ainda mais complicada o governo de não ter "projetos estrutu-
Oriximiná, quantos de vocês levantariam quando, além de ‘não se encaixar no per- rantes" para as populações indígenas,
a mão?” Pois 60% dos presentes levanta- fil perfeito’, você ainda passa boa parte que por isso invadem as propriedades da
ram. “Falar é fácil, difícil é ficar: está a de sua vida escutando que seu cabelo empresa e causam grande prejuízo.
quatro dias de barco de Belém, tem 54 não é ‘bom’. A cultura do tal ‘cabelo Os xicrins invadiram porque que-
mil habitantes distribuídos em 109.122 bom’ tomou conta da sociedade de tal riam aumento do repasse. A Vale alegou
km², não há cinema. Mas academia de forma que o ‘ideal’ no imaginário são que paga aos índios por pura vontade de
ginástica já chegou por lá.” madeixas compridas, impecavelmente ajudar, já que não teria tal obrigação.
lisas, que balançam ao vento. Essa visão O juiz de Marabá disse que tem, sim: a
MOMENTO SIMBRAVISA II — Uma das de ‘beleza’ tem origem no passado escra- União concedeu em 1986 à então esta-
palestras mais impactantes do 3º Simbra- vista e nas relações de dominação que se tal CVRD direito real de uso de 411 mil
visa foi a de Raquel Ribeiro Bittencourt, desenvolveram como conseqüência disso. hectares para exploração de ferro em
diretora de VISA de Santa Catarina, que ‘O cabelo do negro, visto como ruim, é Carajás, “cabendo-lhe sua preservação”
falou sobre “Isto é Vigilância Sanitária?”. expressão do racismo e da desigualdade e também "o amparo das populações in-
Ela contou que inspecionou 31 presídios racial que recai sobre esse sujeito. É dígenas". O juiz lembrou que no terceiro
do estado a pedido do Ministério Público, expressão do conflito racial vivido por trimestre de 2006 a Vale teve receita
e constatou que a maioria estava em negros e brancos no Brasil’, revela Nilma bruta de R$ 11,6 bilhões, novo recorde
desacordo com as normas, da cozinha ao Lino Gomes, coordenadora do Programa trimestral, 28,8% acima de 2005, e lucro
refeitório, da lavanderia ao almoxarifado; Ações Afirmativas e professora da Fa- líquido recorde de R$ 4 bilhões. Diante
17 não tinham pátio para sol, 7 não tinham culdade de Educação da Universidade desses números, disse o juiz, a empresa
abastecimento próprio de água, 86% não Federal de Minas Gerais.” não só deve, como pode ajudar.
contavam com assistência à saúde. Trecho de “‘Ruim’ que nada, O busílis da questão indígena pa-
A VISA tem poder para interditar cabelo bonito é o seu”, da jornalista rece ser um só: os indígenas nunca são
estabelecimentos em desacordo, mas Jamile Chequer, matéria de capa da consultados. É o que pensa, segundo a
como fechar um presídio? Raquel entre- edição nº 138 do Jornal da Cidadania, revista ComCiência (www.comciencia.br),
gou seu relatório ao MP e à Secretaria de de 28/11/2006 (íntegra em www. Ricardo Verdum, assessor de Políticas
Segurança, e também um manual com ibase.org.br/modules.php?name= Indígena e Socioambiental do Instituto
orientações. Segundo ela, esta é uma Conteudo&pid=1583). de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
área pouco trabalhada, embora já nor- Ele comentou o anteprojeto de Lei de
matizada, exigindo ações interssetoriais. “EXPROPRIAÇÃO ORGANIZADA” — O juiz Mineração em Terras Indígenas, que
E comentou: “Nós, brasileiros, temos federal Carlos Henrique Borlido Haddad, tramita no Congresso. “A ausência no
atitudes hipócritas quanto a temas polê- da Subseção de Marabá (PA), concedeu no texto das noções de participação e con-
micos. Dizemos que somos contra a pena dia 4/12 liminar que obriga a Companhia trole social indígenas torna evidente a
de morte, mas fechamos os olhos para a Vale do Rio Doce (CVRD) a restabelecer preocupação mercantil e arrecadadora
situação nos presídios. E não podemos o repasse mensal de R$ 569.915,89 aos da iniciativa”, o que poderá “confi-
deixar de nos importar.” A cobertura do índios xicrins (R$ 243.578,29 para os gurar uma expropriação organizada,
3º Simbravisa estará na Radis 54. xicrins do Cateté e R$ 353.337,60 para na prática, de territórios e riquezas
os do Djudjecô), que suspendeu após a indígenas”. Simples assim.
UMA LUZ NA BAHIA — O jornal A Tarde,
de Salvador, noticiou que a polícia de
Madre de Deus, no interior da Bahia,
prendeu dois estupradores. Até aí nada As mineradorAs
demais. A questão é que a vítima era já têm seu "projeto
uma garota de programa, categoria que estruturante" de
costuma ser desrespeitada pela própria expropriação das
polícia. Pois o delegado não só ouviu a nossas terras.
queixosa com todo o respeito, como cor-
reu atrás e prendeu a dupla de bandidos.
“Parabéns a todos os outros delegados
que assim procedem todos os dias e
não saem nos jornais. (...) Esta mulher
corajosa soube se fazer respeitar e, ao
RADIS 53 • JAN/2007
[ 12 ]

Controle Social

A gestão
autoritária
cede
espaço,
pouco
a pouco, à práxis
democrática

ção Nacional dos Trabalhadores em


Bruno Camarinha Dominguez
Seguridade Social da CUT, venceu a
disputa com 76% dos votos dos con-
dia 8 de novembro de 2006 selheiros. “Tenho absoluta clareza de

O entrou para a história do


controle social na saúde.
Pela primeira vez em 70
anos de existência, o Conselho Na-
cional de Saúde (CNS) elegeu seu
que a eleição de um presidente do
CNS, por si só, não é garantia de que
vamos superar todos os problemas e
dificuldades, mas deve ter como con-
seqüência imediata o fortalecimento
presidente (Radis 52). O farmacêutico da organização, da independência, da
Francisco Batista Júnior, representan- democratização e da mobilização”,
te dos trabalhadores pela Confedera- diz Júnior — como é conhecido.
RADIS 53 • JAN/2007
[ 13 ]

FOTO: BRUNO CAMARINHA DOMINGUEZ


Francisco Júnior fala no CNS no dia da posse: pelo
"fortalecimento da organização e da mobilização”

Entidades e movimentos so- E em várias frentes, inclusive O médico-sanitarista Antônio Ivo


ciais também foram escolhidos em a conceitual: a simples referência de Carvalho, diretor da Escola Nacio-
eleição, ficando garantida a parti- à expressão “controle social” pro- nal de Saúde Pública Sergio Arouca
cipação dos movimentos estudan- voca arrepios em alguns, que logo o (Ensp/Fiocruz), complementa:
til, da população negra, de gays, associam a autoritarismo. É que na “Sociologicamente, a expres-
lésbicas, transgêneros e bissexuais, sociologia esse termo polissêmico são caracteriza a idéia de um
de ambientalistas, de defesa do tem significado oposto ao que lhe controle do Estado ou dos
consumidor e dos direitos humanos. atribui o amplo campo jurídico, segmentos dominantes sobre o
“O conselho dá uma demonstração constitucional e de cidadania. “O conjunto, estando associada à
do aprofundamento do processo de- primeiro designa o Estado contro- idéia de domar, de conter as forças
mocrático quando estabelece como lando a sociedade; o segundo, a e dar uma certa homogeneidade à
regra que o presidente e as entida- sociedade controlando o Estado”, população”. Autor do livro Conselhos
des serão definidos num processo resume a socióloga Soraya Vargas, de Saúde no Brasil — Participação
democrático, transparente, direto”, professora do Departamento de Pós- cidadã e controle social (Editoras
destaca o secretário de Gestão Graduação em Sociologia da Univer- Fase e Ibam), ele observa que, ao
Estratégica e Participativa do Mi- sidade Federal do Rio Grande do Sul longo do tempo, o termo ganhou
nistério da Saúde, Antônio Alves de e integrante do Conselho Municipal designação pluralista, que inspirou
Souza, ele próprio conselheiro eleito de Saúde de Porto Alegre. as formas mais recentes do controle
do CNS. “Com certeza servirá de do Estado pela sociedade.
modelo para o resto do país, forta- “Na Reforma Sanitária Brasileira,
lecendo o controle social”. essa noção ganhou um peso muito
Estou estudando profunda- grande”, lembra, “significando a ação
CONCEITO POLISSÊMICO mente o Fundo Estadual e organizada dos diversos segmentos da
O evento de novembro justifica população na formulação das políticas
um balanço deste processo crescen- Municipal da Saúde, e per- e na decisão pública”. Na prática, o
te de participação da sociedade nas cebendo que os conselhos controle social na saúde abrange todos
diversas instâncias de poder, um estaduais e municipais os mecanismos que, de alguma forma,
processo em permanente construção, não têm treinamento sobre controlam, interferem e fiscalizam as
como já disse a secretária-executiva decisões dos governos no setor. Os con-
do Conselho Nacional de Saúde, Eliane assuntos de finanças. selhos e as conferências de saúde são
Cruz: “O controle social não é algo • Antonio Elias N. Ferreira de Morais, os braços mais conhecidos do controle
que a sociedade brasileira assuma auditor contábil do Tribunal de Con- social, mas o processo ainda abarca
como seu, há vitórias e derrotas. É tas de Mato Grosso do Sul, Campo iniciativas de caráter coletivo e indivi-
uma luta que ainda está para ser ga- Grande — Radis 22 dual, como conselhos locais ou conse-
nha na sociedade” (Radis 42). lhos gestores, fóruns de trabalhadores,
RADIS 53 • JAN/2007
[ 14 ]

A distribuição das vagas é paritária, O Conselho Nacional de Saúde


Outro dia, em conversa com ou seja, 50% de usuários, 25% de organizou banco de dados próprio,
uma colega um pouco des- trabalhadores da saúde e 25% de com o Cadastro Nacional de Conse-
motivada, ela dizia: “Não prestadores de serviço e gestores. lhos de Saúde: em fins de 2006 as
informações de 91% dos conselhos
entendo o que você ga- já estavam no site www.conselho.
nha por participar tanto tinham caráter deliberativo. Ou seja,
o âmago do controle social — a parti- saude.gov.br/ (Radis 50).
de conferências, reuniões cipação da sociedade civil organizada
de conselho, cursos sobre — não era contemplado. ticipativa do SUS, coordenada pelos
controle social... No fim do A representação da população pesquisadores Marcelo Rasga e Sarah
mês seu pagamento é igual brasileira em entidades só surgiu na Escorel, da Ensp/Fiocruz.
8ª Conferência Nacional de Saúde, O estudo surgiu a partir de uma
ao de todos. Vale a pena tudo em março de 1986, que reuniu cinco demanda da Secretaria de Gestão
isso?” Respondi: “É verdade, mil pessoas. Com a promulgação da Estratégica e Participativa (Segep)
não ganho, porém todos Constituição Federal de 1988, a parti- do Ministério da Saúde pelo mape-
ganham, ou você acha que cipação popular passou a ser valoriza- amento e a avaliação da estrutura,
da e percebida como de fundamental da normatização, da organização, do
o SUS seria o mesmo sem a importância para a construção de um funcionamento e do orçamento dos
efetiva participação de toda modelo público de saúde. O processo conselhos estaduais e municipais de
a sociedade por meio do culminou na Lei nº 8.142, que dispôs saúde. “Quando começamos, percebe-
controle social? sobre a participação da comunidade mos que não havia informação alguma,
na gestão do Sistema Único de Saúde, não se sabia sequer quantos conselhos
• Irene Rodrigues dos Santos, téc- estabelecendo em 4 anos a perio- existiam no Brasil”, conta Marcelo.
nica em higiene dental do SUS, dicidade das conferências — com a Hoje já se sabe que temos — além
Curitiba — Radis 41 função precípua de avaliar a situação de um conselho nacional, 26 estaduais
de saúde e propor diretrizes para a e um do Distrito Federal — 5.559 mu-
formulação da política de saúde nos nicipais. Para chegar a esses números
Ministério Público, ouvidorias, gestão níveis correspondentes — e criando os foi necessário cadastrar informações
participativa, pressão popular sobre o conselhos permanentes, deliberativos como endereço, telefone e e-mail
Congresso, entre outras. e paritários, para atuarem na formu- de contato de cada conselho. Os
Esses mecanismos de democra- lação de estratégias e no controle da pesquisadores ainda precisaram criar
tização são relativamente recentes. execução da política de saúde. uma estrutura de atualização desses
Os “novos” conselhos e conferências, dados, fechados pela primeira vez em
por exemplo, foram instituídos em CONHECENDO OS CONSELHOS fevereiro de 2004.
1990. “Novos” porque a cria- Passados 16 anos de sua criação, “Aí, sim, pudemos passar à
ção do veterano Conselho Na- os conselhos de saúde conseguiram primeira etapa do projeto, de cons-
cional de Saúde data de 1937, se organizar no Brasil, mas ainda trução do perfil dos conselhos”, diz
e as “velhas” conferências enfrentam dificuldades relacionadas Marcelo. Foi elaborado um formulário
começaram a ser organizadas a estrutura física, equipamentos e or- com 58 questões a ser preenchido pe-
em 1941. A diferença é que çamento, o que limita sua autonomia. los presidentes dos conselhos. “Temos
ambos restringiam a participação a Esta é uma das conclusões da pesquisa as respostas dos 26 estaduais, do dis-
especialistas em Saúde Pública e não Monitoramento e apoio à gestão par- trital e de cerca de 3 mil municipais
— 55% do total — em nosso banco de
dados”, informa.
Os pesquisadores cruzaram as in-
Perfil dos conselhos municipais formações para identificar as situações
mais comuns (ver box). “Poucos têm
Respostas mais comuns de 2.994 • Não tem equipe de apoio admi-
sede própria ou acesso a itens básicos
conselhos municipais de saúde às nistrativo
como telefone, fax, computador e im-
principais questões do formulário da • Promove reuniões ordinárias men-
pesquisa “Monitoramento e apoio à pressora, o que os torna dependentes
sais, divulgando as datas à população
gestão participativa do SUS” das secretarias de Saúde”, analisa
e facultando-lhe a participação e o
Rasga. Por outro lado, é possível
• Criado entre 1991 e 1997 direito a voz
perceber que a democratização nos
• Composto por 12 conselheiros • Não cancelou reuniões por falta de
colegiados tem aumentado. “Muitos
titulares quórum em 2004
já promoveram eleições para definir
• Não é paritário • Localiza-se em município com seus presidentes, principalmente os
• Presidido por representante do Plano Municipal de Saúde, de cuja
fundados depois de 1998, mas os ges-
segmento dos gestores, de sexo elaboração e aprovação participou
tores ainda dominam”.
masculino, com idade entre 40 e 49 • Não tem orçamento próprio
Para Soraya Vargas, que pesqui-
anos, com nível superior e eleito por • Não tem autonomia no gerencia- sa o tema e dele tratou no concorrido
votação aberta nominal mento de recursos painel Conselhos de Saúde: O falso
• Tem regimento interno • Não tem sede dilema entre democratização e ins-
• Não tem mesa diretora • Não tem computador titucionalização, no 8º Congresso
• Não tem comissões permanentes • Usa linha telefônica compartilhada Brasileiro de Saúde Coletiva (Radis
• Não tem secretaria-executiva • Não tem acesso à internet 50), essa assimetria de poder é
reflexo da desigualdade da própria
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[ 15 ]

sociedade. Historicamente, afirma, dores de deficiência e patologia (12%) uma vez uma movimentação para ter
existe a preocupação de reduzi-la, ou grupos religiosos (9%). Um ponto o direito de entregar um abaixo-as-
limitando a presença de gestores nos positivo é que a maioria permite a sinado”, lembra, sem saudosismo do
postos de liderança ou a participação presença da comunidade nas reuniões, período em que os defensores da saúde
de entidades empresariais e de médi- garantindo-lhe direito a voz. Mas há se organizavam para o confronto, pois
cos. O que, segundo a socióloga, tem quem se queixe de que os conselhos não havia possibilidade de diálogo.
um lado bom, mas também um ruim: não garantem a participação efetiva “A luta foi tão vitoriosa que o Estado
“Quando o gestor não é o presidente, dos movimentos sociais. acabou abrindo poros oficiais,
corre-se o risco de ele não se com- “Já é pedir demais...”, brinca So- espaços de presença permanen-
prometer com as questões que estão raya. E propõe uma reflexão: “O proble- te e institucional dos diversos
sendo decididas ali”, exemplifi ca. ma é dos conselhos ou da nossa socieda- segmentos da sociedade nos
“Os médicos também passam a pro- de, desigual, altamente hierarquizada, momentos de decisão”.
curar outros espaços para continuar autoritária, com marcas clientelistas e “O que aconteceu e muitas
influindo nas políticas”. patrimonialistas?” A socióloga frisa que, vezes acontece até hoje”, prossegue,
como o número de cadeiras é limitado, “é que a maturidade da população para
PARTICIPAÇÃO EFETIVA acaba sendo impossível abrigar todas as escolher seus representantes e ter uma
Nos conselhos de municípios com entidades. Logo, o espaço fica restrito às vida minimamente organizada não é
mais de 100 mil habitantes, grande de maior visibilidade nacional.
parte dos conselheiros usuários re- Antônio Ivo vai além, ao afirmar
presenta associações de moradores e que os conselhos hipertrofiam a repre-
bairros (21%), sindicatos (20%), porta- sentação dos que não têm tanto poder Sugiro matéria referente
no Estado. “Por exemplo, os usuários aos Conselhos Municipais
têm garantida participação paritária, de Saúde, mostrando as
Informação e comunicação e não posso dizer que o poder deles dificuldades no desem-
nas outras instâncias de governo seja
são fatores essenciais para igual”. Segundo ele, os conselhos penho desta função de
construção e implemen- foram concebidos justamente para relevância pública, e como
tação de um Sistema de dar mais voz e vez aos que, sem essa superá-las, pois com certeza
Saúde Básico, principal- arena, não teriam tanta possibilidade a experiência de um servirá
de interferir no Estado, dependeriam
mente quando ele objetiva dos anéis de poder aos quais não têm
para muitos, ajudando na
fortalecer a participação acesso. “Portanto, são uma estrutura difusão de métodos para o
popular, reconhecendo sua contra-hegemônica”, afirma. enfrentamento de problemas
importância no campo do O sanitarista discorda da tese como cooptação, ameaças,
de que os espaços institucionalizados
controle social. tenham esvaziado o movimento social,
discriminação etc.
• Rosana Almeida de Moraes, assistente como querem alguns, e citou sua ex- • Carlos Alberto Alves dos Santos, con-
social, Recife — Radis 45 periência de juventude numa organi- selheiro de Valente, BA — Radis 44
zação de Nova Iguaçu (RJ). “Fizemos
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[ 16 ]

organizados. “Isso arrefeceu um culação e integração entre gestores. Os


Tive a honra de participar pouco aquele ânimo de participação, conselheiros reclamam: as comissões
de consciência”. sugaram o processo de decisão. “Antes
daqueles momentos tão im- as discussões passavam pelos conse-
portantes para o fortaleci- GESTORES E CONSELHEIROS lhos, agora já vêm prontas”, critica a
mento do nosso sistema As respostas recolhidas por Mar- conselheira Soraya. Embora do outro
[na 12ª CNS], porém, ao celo Rasga e Sarah Escorel indicam lado, o gestor Edmundo Costa con-
ainda uma variação curiosa entre corda. “A razão dessa crítica é a falta
retornar deparei-me com a os temas mais discutidos — de acor- de preparo de alguns secretários, que
realidade totalmente adversa do com quem preside o conselho. confundem as tarefas dos conselhos
no que concerne aos nossos Quando um gestor está à frente, são com a das bipartites”.
gestores e ao controle social. comuns as reclamações de “falta de Nem conselheiro nem secretário
capacitação” dos conselheiros, o que de Saúde, Antônio Ivo entende que,
Por tentar colocar em prática geraria uma dificuldade para avançar quanto melhor for uma bipartite em
um pouco do que vi na confe- nos debates. Quando um usuário é o termos de operação das políticas, mais
rência (maior racionalização presidente, os assuntos mais citados chance os conselhos têm de exercer o
dos recursos e mais humani- são a necessidade de prestação de seu papel. “Sei que é uma fala polê-
contas e de ampliação do exercício do mica”, brinca. E esclarece seu ponto
zação), por cobrar de forma controle social. de vista: os conselhos jamais poderiam
coerente os princípios que “Há dificuldade de entendimen- cumprir a função das bipartites, de
norteiam o SUS, fui perse- to, por parte de alguns gestores, do acordo entre gestores, assim como as
guido, expulso do conselho e papel dos conselhos, que segundo bipartites jamais poderiam cumprir
eles não deveriam ser deliberativos, a função dos conselhos, de formular
transferido de minha cidade, e também por parte de conselheiros, estratégias e fiscalizar a execução das
onde me dedicava ao controle defendendo que sejam executivos”, políticas de saúde.
da diabete, da hipertensão, resume o conselheiro Antônio Alves. Edmundo defende que o controle
da tuberculose e da hansenía- Secretário municipal de Saúde de São social seja um aliado dos gestores.
se. (...) O domínio dos conse- Luís (MA), eleito em julho de 2006 “Nessa associação, o SUS se torna de
presidente do Conselho Nacional de tal forma forte que só quem ganha é o
lhos por parte dos gestores é Secretarias Municipais de Saúde (Co- cidadão”, diz, numa fala que se soma
arma essencial para coibirem nasems), Edmundo Costa conta que à de Francisco Batista Júnior (ver en-
o controle social. recebe reclamações de conselheiros trevista na página 20). O lado positivo
contra secretários de Saúde e de se- da disputa, segundo Edmundo, é que
• José Bento Oliveira, Morro do Chapéu, cretários de Saúde contra conselhei- o SUS tende a produzir pactuação.
BA — Radis 34
ros. O intenso debate sobre o tema “Logo no começo era embate, embate,
nas reuniões do Conasems levou à embate”, lembra. “Hoje a gente tem
grande”. Ou seja, a sociedade inclusão de um artigo específico sobre embate, mas sempre mantém em men-
organizada é muito menor do o controle social em seu documento te que se quer entendimento”.
que a sociedade como um todo. Teses e planos de ação.
Antônio Ivo acredita que, em Um ponto de discordância explícito CONSELHEIRO-DETETIVE
alguns casos, a absorção da é o limite de atuação das comissões Também entram na pauta de
participação acabou sugando para intergestores bipartites e tripartite, reuniões dos conselhos questões
dentro da máquina do Estado segmen- criadas em 1993 para funcionarem como como contratação de pessoal, con-
tos da população insuficientemente espaços de negociação, pactuação, arti- vênios e compra de ambulâncias.
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Segundo Marcelo Rasga, isso mostra


que, de alguma maneira, os proble-
mas de saúde dos municípios são
detectados pelos conselheiros. “A
questão é como essa discussão está
sendo feita e a real possibilidade de
se levar a apuração adiante”, avalia.
Rasga aponta uma distorção na atua-
ção do conselheiro, que acaba tendo
que ser o agente fiscalizador.
“Ele tem a função de fiscalizar,
mas será que é a mesma coisa que
ser o agente fiscalizador?”, pergunta.
“Para mim, esse papel de detetive não
cabe ao conselheiro”. Por isso, sugere
a criação de uma rede de controle so-
cial, que envolva os conselhos de Saú-
de, o Ministério Público, o Tribunal de
Contas, a Controladoria Geral da União
e organizações não-governamentais.
“Assim, os conselhos pautariam e te- federal, estadual e municipal. “Esses as dificuldades. Então, a capacitação
riam prioridade nesses órgãos”. índices permitem que, pela primeira pode resultar em maior capacidade
Na avaliação de Soraya, os con- vez, o governo saiba exatamente as de argumentar e contra-argumentar,
selhos mais ativos têm conseguido dificuldades dos conselhos, tendo uma aumentando a possibilidade de vitória
controlar as decisões do governo, base de dados pela qual pode definir nos embates.
mas ela admite que grande parte das ações, programas e políticas”, destaca
decisões continua sendo tomada em Marcelo. Os indicadores, juntamen- CONFERÊNCIAS, O DESAFIO
outros espaços. “Quem tem controle te com outros dados e produtos da Em dezembro, os sanitaristas
sobre uma conversa durante um almo- pesquisa, serão tornados públicos pe- têm encontro marcado na 13ª Confe-
ço ou na ante-sala de um gabinete?”, lo site ParticipanetSUS, cuja versão de rência Nacional de Saúde, em Brasília.
questiona, para em seguida ressalvar teste já pode ser acessada (www.ensp. Na pauta, um desafio em especial: re-
que não vê essa situação como um fiocruz.br/participanetsus). pensar a organização das conferências
problema. “É impossível imaginar que De posse dessas informações, a do setor. “Temos que descobrir uma
o Estado vá parar e tudo passará a ser Secretaria de Gestão Estratégica e forma para que elas tenham resulta-
resolvido nos conselhos”. Participativa desenvolveu um projeto do efetivo”, defende Antônio Alves.
A partir desse perfil, Marcelo e para assegurar uma infra-estrutura O relatório da primeira etapa
Sarah produziram seis índices em que mínima de funcionamento dos conse- da Oficina Permanente Rumo
analisam a gestão, a estrutura física lhos. O principal objetivo é fazer com à 13ª Conferência Nacional de
e o equipamento, a democratização, que todos tenham computadores, Saúde, do CNS, realizada em
a autonomia, o funcionamento e a impressoras e provedores de acesso maio de 2006, reconhece que
adequação dos conselhos à Resolução à internet. “Essas ferramentas são “nestes anos de implantação
333 — que define as diretrizes para fundamentais para a criação de uma do SUS foi possível, com engajamen-
sua criação e reformulação nas esferas rede nacional de intercâmbio entre to social, garantir a realização das
os conselhos e as secretarias do Mi- conferências nacionais de saúde de
nistério da Saúde”, afirma Antônio 4 em 4 anos, mas com dificuldades
É muito bom ler algo que ins- Alves. “Só assim poderemos monito- na definição dos temas, na aplicação
rar a evolução deles”. das deliberações e na realização das
tiga os trabalhadores do SUS Outro projeto da Segep que conferências temáticas”.
a continuarmos na defesa de visa fortalecer o controle social é As conferências temáticas, aliás,
um sistema de saúde que o que garante o financiamento do são um dos maiores motivos de preo-
somente será efetivo se a programa de educação permanente cupação entre gestores e conselheiros.
dos conselheiros segundo as diretri-
participação da sociedade zes aprovadas pelo CNS. “Queremos
se der de forma objetiva, no que seja uma ação cotidiana dos
cotidiano dos serviços e com gestores, que eles tenham verba Quero (...) relatar que o
muita clareza. Os que já de- para isso e que os recursos cheguem Conselho Municipal de Saúde
fendem o SUS continuarão a via transferência fundo a fundo”, está sofrendo perseguição do
ressalta. De acordo com Soraya, a
fazê-lo. Os usuários, porém, capacitação é uma demanda dos pró-
prefeito, que por lei muni-
necessitam de apoio institu- prios conselheiros, especialmente os cipal alterou a composição
cional para compreender as representantes dos usuários. do CMS e determinou que o
nuances do sistema. Conti- “Muitos não conhecem a termino- presidente seja o secretário
logia da política de saúde, a legislação
nuamos na defesa. do setor, a história dos serviços, o que é
municipal de Saúde.
• Helga Muller Mengel e Magda Solange um orçamento, como são as relações en- • João Leopoldo Viana Vargas, presidente
Dor, Aracaju — Radis 52 tre os governos federal, estaduais e mu- do CMS de Juazeiro, BA — Radis 34
nicipais, o que é o pacto...”, enumera
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[ 18 ]

Entre o ideal e o possível


A 12ª CNS aprovou, em 2003, • Conferência Nacional de Atenção As conferências realizadas:
as seguintes conferências temá- Básica em Saúde • 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal
ticas:
• 4ª Conferência Nacional de Saúde (de 29-7 a 1º-8 de 2004)
• Conferência Nacional de Seguri- Indígena
dade Social • 2ª Conferência Nacional de Ciência,
• 1ª Conferência Nacional de Edu- Tecnologia e Inovação em Saúde (de 25
• 3ª Conferência Nacional de Saúde cação Popular e Saúde a 29-8 de 2004)
do Trabalhador
• 1ª Conferência Nacional de Ges- • 3ª Conferência Nacional de Saúde do
• 3ª Conferência Nacional de Saúde
Bucal tão Participativa Trabalhador (de 9 a 12/11 de 2005)
• 3ª Conferência Nacional de Ges- • 2ª Conferência Nacional de Vigi- • 3ª Conferência Nacional de Gestão do
tão do Trabalho e da Educação na lância Sanitária Trabalho e da Educação na Saúde (de 27
Saúde • 1ª Conferência Nacional de a 31/3 de 2006)
• 1ª Conferência Nacional de DST/ Comunicação e Informação em • 4ª Conferência Nacional de Saúde Indí-
Aids/HCV/Hepatite C Saúde gena (de 27 a 31/3 de 2006)

Na 12ª, em dezembro de 2003, deli- Os conselhos municipais de Saúde vida: haveria um monopólio de vagas
berou-se pela promoção de 11 delas, também têm sido afetados, já que, se- em municípios e estados, que sempre
mas apenas cinco ocorreram entre gundo um conselheiro presente à oficina, elegem as mesmas pessoas, não per-
2004 e 2006 (ver box). “São impor- passam o ano em função da preparação mitindo a renovação?
tantes instrumentos que expressam de conferências. Outra reclamação é As críticas são variadas, mas não
a democratização das relações do quanto à repetição de discussões e vo- superam o reconhecimento dos sanita-
Estado com a sociedade, mas houve tações. “Hoje temos uma conferência ristas de que as conferências têm sido
curto espaço de tempo entre elas, nacional que discute a saúde do trabalha- determinantes para a consolidação do
gerando atropelos”, analisa. dor, e depois se convoca uma conferência SUS. “São importantes instrumentos
Na oficina Rumo à 13ª, outra específica de saúde do trabalhador”, que expressam a democratização das
reclamação: os conselhos de saúde sintetiza Antônio Alves. “As temáticas relações do Estado com a sociedade”,
foram obrigados a coordenar duas têm compartimentalizado a discussão de destaca o próprio relatório do CNS.
conferências simultâneas (Gestão do questões que são integradas e dificulta- Se, por um lado, as deliberações não
Trabalho e Saúde Indígena), do a gestão local e regional”, critica o têm poder de lei, por outro, passam
com períodos reduzidos para a encarte “SUS”, produzido pelo Núcleo a servir de recurso político de argu-
organização das etapas muni- de Gestão do Trabalho e da Educação na mentação para os defensores do SUS
cipais, estaduais e regionais. O Saúde do Conasems. e acabam tendo infl uência grande
gestor Edmundo Costa apóia tal A situação levou o CNS a decidir nos serviços, analisa Soraya Vargas.
crítica. “A organização delas é que até a 13ª não haverá conferências “As pessoas não vão às conferências
cara, onerosa. E se se faz segmento no temáticas. O colegiado ainda se com- por nada: elas sabem que aquelas
próprio setor, fica mais caro ainda”. prometeu a elaborar uma proposta a decisões vão ter repercussão”.
Resultado: muitos municípios, espe- respeito para aplicação ou deliberação
cialmente os menores, não conseguem na 13ª. Outro dilema levantado na
promover as prévias das conferências oficina do CNS é que as conferências
temáticas e têm dificuldades até para não têm mostrado alternância de É preciso ampliar os espaços
organizar a da nacional. participantes, o que gerou uma dú- democráticos para as deci-
sões de políticas públicas,
nos quais elas possam ser
Radis adverte debatidas também publica-
mente, com a participação
No Carnaval efetiva dos cidadãos. (...)
(e sempre), O próprio SUS, ao prever a
use camisinha! participação da sociedade
nos conselhos, cria condições
para identificar e promover
experiências de sucesso tam-
bém em mobilização social.
• Alberto Pellegrini Filho, secretá-
rio-executivo da Comissão Nacional
sobre Determinantes Sociais da
Saúde — Radis 45
A.D.
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[ 19 ]

MOBILIZAÇÃO, O RETORNO fiscalizador, definidor e pensado para


Antônio Ivo, entretanto, define: o coletivo, não para o individual”, Nenhuma política pública,
“Temos hoje muita participação, reitera. Ele frisa que um conselheiro
mas pouca mobilização”. Essa é uma pode representar o movimento dos em especial uma política de
queixa freqüente dos sanitaristas professores, por exemplo, mas sem saúde, pode ser formulada
— entre eles, Gilson Carvalho, que em perder de vista que faz parte de um sem efetivo controle social
reflexão-desabafo após o 7º Abrascão espaço voltado para a sociedade. “É e participação da socieda-
(Radis 13) afirmou que “os grandes lógico que ele leve a reivindicação de
aliados na defesa da implantação do seus pares, mas esta não pode ser mais de. Não imagino que uma
SUS abandonaram a luta central”, importante que a do conjunto”. política pública de saúde
ou Mário César Scheffer, que na 12ª O secretário sugere que, ao possa e deva ser implemen-
CNS exortou o movimento sanitário serem informados sobre o tema da tada de forma adequada sem
a “resgatar o ativismo na defesa da reunião plenária seguinte, os con-
saúde, esquecido desde a 8ª Confe- selheiros promovam um debate com
que o conjunto da sociedade,
rência” (Radis 18) —, agora encarada os segmentos que representam para a partir da ação do controle
de frente pela nova direção do Centro tirar uma posição coletiva. Iriam social, esteja presente.
Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) então ao plenário para defendê-la,
• Norberto Rech, da Anvisa, na 1ª Con-
(ver página 30). “e não para serem conselheiros de
ferência de Medicamentos e Assistência
O diretor da Ensp esperava que a si próprios”. Retornariam ainda ao Farmacêutica — Radis 14
ativação desses espaços de participa- seu segmento e prestariam contas
ção democrática direta, como os con- do que conseguiram aprovar ou não.
selhos e as conferências, estivesse “Ou seja, um trabalho de mão-dupla, alta”. Mas ressalva que o sistema não
alimentando e sendo alimentado por democratizando as decisões”. está perfeito, conseqüência de sua ca-
uma mobilização, o que não ocorreu. Soraya Vargas reforça a avaliação pilaridade e da capacidade da própria
Ele cita como exemplo a atitude de de que o controle social na saúde ainda população de participar, acompanhar,
pacientes renais crônicos quando não corresponde à visão utópica dos se interessar. “E não se pode querer,
se viram diante de um colapso nos pioneiros que o instituíram, mas não numa sociedade como a nossa, que
serviços de hemodiálise. Um grupo esquece que boa parte das decisões tem a história patrimonialista que
se sentou na entrada do Congresso sobre serviços e gestão da saúde é tem, o Estado fechado, baixa taxa
Nacional para que a Lei de Transplan- tomada nos conselhos e nas conferên- de índice técnico na decisão,
tes fosse aprovada. “Teve um efeito cias. “E, principal- colocar nas costas dos con-
brutal pela mobilização, não pela mente, é um canal selhos a responsabilidade
atuação no conselho”, avalia. de informação para de democratizar todo
Para o sanitarista, há uma saída: o os participantes, que um setor”. Otimista,
aumento do vínculo com a base. “Isso terminam levando as diz que em algumas
os conselhos ainda não conseguiram, discussões aos es- décadas o Brasil vai
legitimar-se como representantes da tados, às cidades”. começar a perceber
sociedade para acumular mais força E vai além: “Se não houvesse esse os resultados de uma
política”, diz Antônio Ivo. Antônio espaço, que lado sairia vencedor?” estrutura de participação
Alves é outro que defende uma repre- Entre tantas polêmicas, vale per- cidadã que é singular no mun-
sentatividade maior. “O SUS só vai se guntar: afinal, o controle social conse- do. Antônio Alves concorda:
consolidar quando o controle social for guiu democratizar a gestão da saúde? “Num país de 506 anos, um sistema
efetivo, eficaz, presente, esclarecido, Antônio Ivo responde: “SIM, com caixa de 16 ainda é muito jovem”.

PESQUISA: SANDRA SUZANO

• nº 18, fev/2004, p. 16: Controle Social e Gestão Par-


ticipativa — “A força do Sistema Único de Saúde é o
controle social”.

Controle social NA COLETÂNEA RADIS 20 ANOS

na pauta NA SÚMULA

NA RADIS
• nº 81, jul/2001, p. 4: Conselhos de saúde — Espaços
de participação social;
• nº 6, jan-fev/2003, p. 16: Entrevista — Sílvio Mendes
Filho, presidente do Conasems, fala sobre a implantação • nº 81, jul/2001, p. 6: Conselhos de saúde e controle
do SUS nos municípios, analisa aspectos da Noas e discute social.
o papel do controle social;
NA TEMA
• nº 11, jul/2003, p. 8: 12ª Conferência Nacional de Saúde
— Controle social será ponto de partida para debates; • nº 17, fev/1999, p. 26: Experiência bem-sucedida,
Hospital Sofia Feldman — Controle social ajuda na re-
• nº 12, ago/2003, p. 9: 12ª Conferência Nacional de Saúde: solutividade;
O controle social e as ‘vacas sagradas’;
• nº 20, fev/2001, p. 9: Avaliação do controle Social
• nº 13, set/2003, p. 30: Controle social: Legitimidade e — Não há como separar participação das mudanças no
liberdade para os conselhos. modelo econômico.
RADIS 53 • JAN/2007
[ 20 ]

ENTREVISTA

Francisco Batista Júnior

“O controle social é um
projeto em construção”
Como tem sido a atuação do CNS?
farmacêutico Francisco A avaliação é que o CNS, com

O Batista Júnior tomou posse


em novembro de 2006 como
presidente do Conselho Na-
cional de Saúde, ao fim de um processo
de modernização e democratização
essa reestruturação a partir de 2003,
está bem diferente, com uma atuação
bem mais incisiva naquilo que é sua
atribuição institucional, constitu-
cional e legal. Nós temos hoje, por
iniciado em 2003 e coroado pela exemplo, um trabalho de comunica-
eleição de todo o colegiado, da mesa ção inédito, que nos permite manter
diretora e da própria presidência contato permanente com todos os
— por 70 anos ocupada automatica- municípios, os estados e outras áre-
mente pelo ministro da Saúde. as de políticas públicas. Além disso,
Se essa ampla abertura ajudou o o conselho tem uma atuação mais
conselho a avançar, nem por isso os presente no acompanhamento e na
desafios à frente são simples, e Fran- definição das políticas públicas da
cisco fala deles com franqueza, seja área de saúde. Claro que não posso
da cultura autoritária que impede o afirmar que está tudo perfeito, até
gestor de ver o conselho de porque tenho absoluta clareza de que
saúde como parceiro, seja das o controle social ainda é um projeto
C.P.

deliberações sem fundamento que está sendo construído. Mas,


jurídico nas conferências. “Te- mesmo levando em consideração as
nho absoluta clareza de que dificuldades, nós, do CNS, já podemos a partir de 1998. O controle social
o controle social ainda é um debater os grandes temas com a so- passou a ser desmontado no Brasil, a
projeto que está sendo construído”, ciedade civil organizada, com aqueles plenária deixou de acontecer porque
disse Francisco à Radis, em entre- direta ou indiretamente ligados à área o governo federal começou a dificul-
vista por telefone logo após a posse. de saúde pública, com a autoridade tar a sua realização. Esse processo
“Mas já podemos debater os grandes de quem está acompanhando de de enfraquecimento dos conselhos
temas com a sociedade, com a área perto, cumprindo a sua tarefa. Ainda foi incrementado com o fortaleci-
de saúde pública, com a autoridade existe muita coisa por fazer e é por mento das comissões intergestores
de quem está acompanhando de per- isso que nós estamos apostando muito bipartites e tripartite. Muitas pessoas
to, cumprindo a sua tarefa”. nessa nova gestão, com a composição deixaram de participar porque perce-
ampliada, mais representativa. biam esse esvaziamento. E o quarto
Quais são as prioridades dessa nova momento é esse, de 2003 para cá,
gestão? Como está o controle social na quando começou a haver uma reto-
Primeiro, a regulamentação saúde hoje? mada da organização, do respeito
da Emenda Constitucional 29, para O controle social no Brasil, de ao controle social e do estímulo à
avançarmos na questão do financia- 1990 até hoje, passou por ciclos participação social.
mento do sistema público de saúde. diferentes. O primeiro, logo após a
Segundo, a implementação do Pacto aprovação da Lei Orgânica do SUS A pesquisa “Monitoramento e apoio à
de Gestão do SUS, que é uma proposta e, no nosso caso particular, da Lei gestão participativa do SUS” aponta
das mais avançadas. Se implementado nº 8.142, foi de efervescência por que alguns dos principais problemas
da forma que julgamos correta, pode conta da expectativa de criação dos dos conselhos são o financiamento e
significar alterações significativas conselhos. O segundo momento, num a assimetria de poder. Como resol-
na qualidade dos serviços de saúde sentido de ampliação e qualificação ver essas questões?
prestados pelo poder público. E estou maior desse primeiro foi quando se O CNS está discutindo e vai
convencido de que não haverá pacto criou, em 1996, a Plenária Nacional aprovar um orçamento próprio. E
de gestão sem a participação ativa de Conselhos de Saúde. O terceiro esperamos que isso se reproduza nos
dos conselhos municipais, estaduais momento foi o freio brutal nesse pro- estados e municípios. O conselho
e nacional de saúde. cesso de mobilização e organização, já tem sua dotação orçamentária,
RADIS 53 • JAN/2007
[ 21 ]

mas através da Secretaria de Gestão de todos os atores, universidades, bilizar a participação de pessoas em
Estratégica e Participativa. Quanto secretarias estaduais e municipais atividades nacionais por causa dos
à superação das dificuldades de fun- de Saúde, conselhos, entidades custos. Quando nós resolvemos fazer
cionamento, é um processo cultural. de formação. Mas queremos fazer várias conferências temáticas, essa
O que podemos perceber é que, um debate porque há dificuldades dificuldade foi potencializada. De
geralmente, onde os gestores têm que variam de estado para estado, um lado, sabemos que se dificultou
mais compromisso com o SUS fica problemas sérios que podem vir a e muito, não de forma deliberada,
mais fácil o exercício do controle inviabilizar a própria proposta. O a participação mais maciça e repre-
social e a atuação do conselho de CNS vai pautar a política, fazer um sentativa de alguns conselhos de
saúde. Mas a minoria vê no controle diagnóstico de quais são os gargalos municípios importantes. E nós temos
social um parceiro importante. Se que estão impedindo o programa de que admitir que boa parte da agenda
os gestores tivessem a consciência cumprir seu papel. dos conselhos ficou voltada para a
do quanto o conselho pode ser seu realização de conferências temáti-
parceiro, um instrumento de forta- O CNS divulgou o documento Rumo cas, o que tem seus prejuízos. Os
lecimento da própria gestão... Pela à 13ª, em que critica alguns pontos conselhos têm uma grande agenda
cultura autoritária que temos, é das conferências de saúde, como para dar conta, que foi duramente
justamente o inverso. O gestor não a não-alternância de participan- prejudicada. E o CNS já tem hoje
admite dividir responsabilidades, tes e o excesso de conferências uma posição bem clara de que temos
poder político, e acaba entravando temáticas... que pensar muito para voltar a reali-
a possibilidade de uma gestão mais A alternância de pessoas tem zá-las. Vamos ter que fazer, mas não
participativa, mais democrática, a ver com um processo muito ca- antes da 13 a, pois seria desperdiçar
mais transparente, mais avançada. racterístico nosso. Essa falta de forças e recursos.
Hoje, a própria sociedade não con- renovação, de alternância, infe-
segue perceber ainda o quanto de lizmente é uma característica da As deliberações das conferências têm
direito ela tem em relação à saúde sociedade brasileira. Se analisarmos sido postas em prática?
pública. Até já ouviu falar que a o movimento social, o comunitário, Ao analisarmos as decisões to-
saúde é um dever do Estado e um o sindical, o político-partidário, madas em conferências, várias não
direito dela, mas não tem idéia do perceberemos que a renovação de têm respaldo legal. Quando parti-
que isso quer dizer exatamente. E, quadros não é como deveria ser. cipo de conferência, sempre chamo
não tendo, não ocupa os espaços que Estou há 10 anos participando de a atenção para isso. Não adianta a
estão constituídos. Então, é preciso conselhos e levanto a bandeira da gente achar que isso era o ideal se
uma mudança cultural mesmo. renovação. Quando da definição dos não tem respaldo jurídico. A gente
delegados que vão participar da con- não tem esse poder, esse direito.
Alguns conselheiros afirmam que ferência nacional, ainda prevalecem Se quisermos fazer isso, primeiro
as bipartites e a tripartite esva- as referências históricas construí- teremos que discutir a legislação e
ziaram a atuação dos conselhos. das. É uma disputa pela disputa e depois a viabilidade da pro-
Isso procede? aí pode mais quem tem mais poder posta. Não podemos cobrar
A atribuição de cada um é dife- político, de organização. Além disso, do gestor a implementação
rente. Mas, a partir de 1999, houve há a pouca renovação, uma tônica de deliberações que não têm
um movimento deliberado de esva- do movimento social brasileiro. É respaldo jurídico. Fora disso,
ziamento dos conselhos, tudo passou uma questão complicada porque não entendemos que as decisões
a ser acordado nas bipartites e tri- podemos intervir no poder de cada de conferência são instrumentos
partite. Foi um movimento pensado, segmento discutir e tomar suas pró- importantes para nortear as ações
não amador. E tem resquícios ainda. prias decisões. Mas é um debate que dos conselhos de saúde e dos gestores
Definiam praticamente tudo em precisamos fazer. Aqui no conselho também. Quando analisamos o pro-
relação às políticas de saúde, nada fizemos um debate e não foi fácil. duto de cada conferência, encontra-
passava nos conselhos de saúde. E Eu fui um dos que defenderam que o mos alguns muito bons, fantásticos,
alguns gestores ainda pensam assim, conselheiro só pode ter, no máximo, sintonizados com os princípios do
que o último espaço de discussão é a dois mandatos. Tem conselheiro que SUS, fora um ou outro detalhe.
bipartite. Nós temos claro que não. está aqui desde a criação do conse-
Sob o ponto de vista legal e político, lho, praticamente. E conseguimos Então, o que falta?
o último espaço de definição de polí- aprovar, inclusive para suplente. Eu tenho dito que um dos gran-
ticas de saúde é o conselho de saúde. Isso pode ser implementado nos des entraves para a implementação
A bipartite e a tripartite existem conselhos de saúde. é o atual modelo de atenção. Conti-
para cumprir papel de pactuação, de nuamos com um modelo totalmente
acordos multilaterais. Fechados os E quanto às conferências temá- distorcido, mesmo com avanços no
acordos e aprovadas as pactuações, ticas? plano da prevenção e promoção. No
devem ser imediatamente submeti- O que aconteceu é que nós, na plano geral, nunca tivemos um mo-
das aos conselhos. A queixa é que em ânsia da resposta às deliberações delo tão centrado no medicamento
alguns lugares ainda é desrespeitada das conferências nacionais, esta- de alto custo, nos exames de alta
essa lógica. belecemos a meta de realização complexidade, no curativo, no pro-
de um número muito grande de fissional médico, nas internações
E como está a política de capacitação conferências temáticas, o que nós hospitalares e, conseqüentemente,
de conselheiros? sabíamos que traria dificuldades de tão ameaçado pela privatização,
Há vários tipos de problema. realização. A gente já sabe muito pela insuficiência de recursos. E
Em alguns estados, ocorre de for- bem que boa parte dos gestores disso as conferências não têm dado
ma razoável, com o envolvimento municipais têm dificuldade de via- conta. (B. C. D.)
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6º CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVENÇÃO DAS DST E AIDS

Feminização e pauperização,
os desafios da prevenção

A.D.
403.145, e a taxa de prevalência, 0,61% epidemia, em sua quase totalidade, é de
Katia Machado
na população entre 15 e 49 anos. Entre transmissão heterossexual. Mais de 94%
1980 e 2004, 172.048 pessoas morreram do número de casos registrados no ano
m evento marcado pela em decorrência do vírus, confirmando passado foram transmitidos à população

U heterogeneidade. Hete-
rossexuais, gays, lésbicas,
travestis e transgêneros,
negros, brancos, pardos e índios, jovens
e idosos, de todas as classes sociais,
uma taxa de mortalidade de 6,2/100
mil pessoas e uma taxa de incidência
de 19,8/100 mil. De 2000 a 2005, 32
mil novos casos de pessoas com aids
surgiram por ano. “Nesses 20 anos, a
feminina em relações heterossexuais.
Na área de comportamento se-
xual, a vulnerabilidade da mulher
também fica evidente. Exemplo disso
são os índices de uso de preservativo na
estiveram em Belo Horizonte para a epidemia de aids mostrou-se como uma população jovem: 51,5% dos homens de
sexta edição do Congresso Brasileiro de epidemia dita concentrada, mantendo- 16 a 19 anos dizem que usam camisinha
Prevenção das DST e Aids, em novembro se com taxa de prevalência da infecção regularmente. Entre as mulheres da
de 2006, que partiu do debate Desafios pelo HIV na população geral em níveis mesma faixa etária, o índice é de ape-
da prevenção e da assistência no SUS. menores do que 1%”, salientou. nas 32,6%. Os dados são da Pesquisa de
A feminização e a pauperização Mas, entre mulheres, a taxa Comportamento Sexual, realizada em
da epidemia da aids foram os dois pon- cresceu, reconheceu Mariângela. Na 2005 pelo Centro Brasileiro de Análise
tos de maior preocupação e que mobi- década de 1980, quando a aids surgiu e Planejamento (Cebrap) e pelo Pro-
lizaram grande parte dos participantes no Brasil, a cada 26 casos da doença grama Nacional de DST e Aids. Como
de conferências, mesas-redondas e em homens havia 1 em mulher. Nos alertou Mariângela, é preciso refletir
palestras. Isso porque, como confirmou últimos 25 anos, a proporção caiu de sobre a capacidade que a mulher tem
o Boletim Epidemiológico da Aids de forma expressiva e contínua. Hoje, de negociar ou mesmo impor uma re-
2006, divulgado em dezembro, o nú- a cada 1,4 caso em homens há 1 em lação segura ao parceiro.
mero de infectados pelo vírus é maior mulher. Em algumas faixas etárias, o
entre as mulheres, as pessoas jovens número de casos de aids em mulheres REDES DE ATENÇÃO À MULHER
e em situação de pobreza. é maior do que entre homens. “Como Como compromisso de governo em
Na Conferência Acesso universal entre os jovens de 13 a 24 anos: em tornar mais efetivas as medidas contra o
à prevenção e à assistência, primeiro 2004, foram registrados 1.455 casos aumento do número de casos de aids em
grande evento do congresso, a diretora em mulheres e 1.213 em homens”, mulheres, foi lançado durante o congres-
do Programa Nacional de DST e Aids alertou à grande platéia presente. so o Plano Nacional de Ações Integradas
do Ministério da Saúde, a pediatra A feminização da epidemia da aids para o Enfrentamento da Feminização
Mariângela Simão (ver entrevista na é confirmada com o aumento do número da Epidemia. Uma das principais metas
página 26), fez um resumo da situação de infectados entre mulheres com mais do plano é reduzir a taxa de transmis-
da aids no Brasil, ressaltando o número de 30 anos. Em 1996, foram notificados são vertical do HIV, ou seja, de mãe a
de mulheres com o vírus. Até 2005, a es- 1.527 casos de aids entre mulheres de 30 filho — durante a gestação, o parto ou
timativa de infectados era de 593.787; a 34 anos. Oito anos depois, esse número a amamentação — para menos de 1%
a de casos acumulados de aids, de saltou para 2.426 casos. Além disso, a ainda em 2007. Outras metas propostas:
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diminuir a incidência de sífilis congênita, Segundo ela, a vulnerabilidade gresso sobre os insumos de prevenção,
implantar novas redes de atenção às da população de rua para o HIV/aids a nova agenda de prevenção e os de-
mulheres vítimas de violência doméstica aumenta com a marginalização e a vio- safios das novas tecnologias.
e sexual, ampliar as redes de testes de lência a que está submetida. O grande Chequer, que até 2006 esteve à
HIV e exames ginecológicos e também desafio, portanto, quando se fala nas frente do Programa Nacional de Aids bra-
a divulgação de informações sobre pre- populações em situação de pobreza, sileiro, reclamou do excesso de demanda
venção e formas de infecção pelo vírus sobretudo as de rua, é ampliar o con- de preservativos em alguns lugares e
da aids, inclusive em escolas. ceito de redução de danos que, segundo do desabastecimento em outros, como
Na mesa-redonda Aspectos sociais Carla, não está restrito ao uso de drogas também da interrupção no fluxo de for-
da aids: práticas de prevenção com lícitas e ilícitas. “É preciso pensar nos necimento. Para ele, os anti-retrovirais
populações em situação de pobreza, abortos feitos por inúmeras meninas têm maior destaque e maior investimen-
debate promovido no penúltimo dia das populações de rua, das tatuagens e to do que o preservativo. “Não que os
do congresso, José Roberto Pereira, o piercings feitos sem nenhum cuidado, medicamentos não sejam importantes,
Betinho, integrante do Projeto Bem-Me- aumentando as chances de contamina- mas por que não se pensar numa fábrica
Quer, na periferia de São Paulo, destacou ção, e nas práticas sexuais”, lembrou. de preservativos na África?”, questionou.
alguns fenômenos sociais que aceleram a Em sua fala, Carla destacou algu- Além disso, acrescentou, pouco se escre-
disseminação do HIV, com base em cons- mas das ações do Gapa na prevenção da ve sobre o assunto, muito menos sobre o
tatações de pesquisadores que estudam o aids com populações de rua. Entre elas, preservativo feminino. “O Brasil é um dos
tema. O primeiro: o subdesenvolvimento a aproximação com o universo da rua, poucos países que têm o uso do preserva-
econômico e a pobreza; o segundo: mo- o uso da cultura hip hop e a interlocu- tivo feminino em sua política”.
bilidade, incluindo migração, trabalho ção com outros setores da sociedade. De acordo com estimativas globais
sazonal, convulsão social ou instabili- “Nossos desafios são construir ações sobre necessidades de preservativos,
dade política, que interagem freqüen- transversais, integrais e intersetoriais, informou Chequer, a população mundial
temente com a pobreza, assim como considerando os diversos aspectos des- está estimada em 6,5 bilhões, estando
a desigualdade de gênero, o terceiro sa população”, acrescentou. Para ela, 50% (3,250 bilhões) na faixa etária entre
fenômeno que aumenta a vulnerabili- é urgente construir uma proposta de 15 e 49 anos. Desses 50%, 1,625 bilhão
dade relacionada a HIV/aids. prevenção e promoção da saúde voltada são do sexo masculino, representando
Segundo Betinho, o que mais lhe para esse grupo e, sobretudo, dar-lhes 50%. Desse total da população mascu-
chamou a atenção foi o peso do baixo visibilidade social. lina, apenas 50% usam preservativo, o
ou nenhum poder aquisitivo como uma Para melhorar a prevenção das que corresponde a um total de 812,5
das principais causas, atualmente, de DST/aids, Betinho defende que se milhões de homens. Para atender a essa
vulnerabilidade para o HIV/aids. Depois da dê mais informação aos estudantes, população, estima-se a necessidade de
pobreza vêm a violência doméstica e se- melhor orientação em assuntos re- um preservativo por semana. Para as
xual, o desemprego, a falta de instrução, lacionados ao preconceito contra as 52 semanas do ano, seriam necessários
o uso abusivo de álcool e de drogas, a de- pessoas vivendo com HIV/aids e mais 42,250 bilhões de preservativos. No
sigualdade de gênero, o tráfico de drogas, conhecimento sobre o tipo de contato entanto, salientou o coordenador do
a criminalidade, a homofobia, a falta de que nos tornam vulneráveis. “É nesse Unaids, a produção mundial de 2006 foi
articulação comunitária e o preconceito. sentido que o Projeto Bem-Me-Quer de 15,356 bilhões. “Ou seja, houve um
“Todos esses fatores estão intimamente vem atuando”, informou. déficit estimado em 27 bilhões”.
ligados à pobreza”, ressaltou. Em sua opinião, há mais desafios Não apenas há falta de preser-
Ao destacar os índices da pobreza a serem enfrentados na prevenção: a vativos, como também insuficiente
divulgados pelo Instituto de Pesquisa escassez de materiais e mídias para disponibilidade de serviços de tes-
Econômica Aplicada (Ipea) — dos populações empobrecidas, a falta de tagem e aconselhamento no mundo.
186.770.562 brasileiros, 53,9 milhões recursos para ações e a ausência de “Avançamos muito no Brasil, mas o
vivem abaixo da linha da pobreza (até organizações que atuem nesse sentido, mundo ainda está muito aquém a esse
R$ 140 per capita/mês) e 20 milhões a dificuldade em encontrar profissionais respeito”, disse. Segundo relatório da
abaixo da linha da miséria (indigência: e educadores que queiram trabalhar Unaids, 0,65% da população de adultos
até R$ 60/mês) —, ele advertiu para o em comunidades carentes, a baixa no mundo tem acesso ao teste de HIV,
alto número de pessoas sujeitas à in- adesão de voluntários multiplicadores 4% a ações de redução de danos para
fecção ou já infectados pela aids sem a e a relutância das escolas públicas em usuários de drogas, 9% à prevenção da
devida assistência, pois boa parte não veicular material sobre sexualidade e transmissão vertical, 9% a preservati-
tem acesso aos serviços públicos. distribuição de insumos. “É preciso sen- vos, 11% a programas de intervenção
É situação das populações em- sibilizar as instituições religiosas sobre para homens que fazem sexo com ho-
pobrecidas de rua, afirmou a segunda prevenção, ampliar a orientação sobre mens e 16%, a programas de governo
palestrante da mesa, Carla Almeida, o uso abusivo de álcool e outras drogas voltados para a aids.
coordenadora do Grupo de Apoio à Pre- e fomentar a intersetorialidade entre Chequer destacou também a po-
venção à Aids (Gapa) do Rio Grande do saúde, educação, assistência social, breza como fator de aumento da epide-
Sul. “Não temos notificação do números transporte e cultura”, conclamou. mia de aids no mundo e sua feminização.
de infectados e óbitos associados ao “Muitas vezes preparamos a mulher para
vírus em relação a essa população, já FALTA PRESERVATIVO prevenir a aids no filho e não a tratamos
que a maioria não tem acesso aos ser- NO MUNDO enquanto paciente”, lembrou. Para ele,
viços de saúde”, afirmou. Ao chamar a Na Conferência Cenário interna- a prevenção é também dificultada no
atenção para o fato de que esse grupo cional: os desafios para a prevenção das mundo porque exige enfoque multisse-
populacional é invisível para a socie- DST/Aids, Pedro Chequer, coordenador torial e intersetorial, envolve parceiros
dade, ela questionou: “Como construir do Programa de Aids das Nações Unidas públicos, privados e movimentos sociais
ações preventivas para pessoas que não para o Cone Sul (Argentina, Paraguai e e não é tão apelativa ou mobilizadora
são reconhecidas como cidadãs?” Uruguai), falou no último dia do con- quanto medicamentos e vacinas.
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Algumas ações estão em construção Há outros estudos em andamento prevenir a transmissão do HIV, que
e estudo na tentativa de contenção da na África, como a barreira cervical, atenderiam apenas à população femi-
epidemia no mundo, informou Chequer. considerando-se que a infecção no nina, mas importantes para a África,
Uma delas é a circuncisão masculina trato genital feminino ocorre mais onde a aids atinge 70% das mulheres;
como forma de conter a transmissão do freqüentemente no colo do útero. e com as vacinas. “Os obstáculos para
HIV. Estudo realizado no Quênia e em A profilaxia pré-exposição com anti- se encontrar a vacina que contenha a
Uganda, na África oriental — cujos re- retrovirais é também alvo de estudos aids são vários”, disse. O HIV tem alta
sultados estarão disponíveis neste 2007 no exterior. “Há pesquisas usando os variabilidade genética, há dificuldades
—, vem mostrando que uma parcela de medicamentos tenofovir mais entri- de produção de anticorpos neutralizan-
homens circuncidados não transmite citabina”, contou. “Mas é preciso tes e ausência de um modelo animal
o HIV. Para Chequer, embora estudos avaliar isso com muito cuidado, ou adequado, informou. Isso sem contar
como esses sejam salutares, eles aten- estaremos medicalizando o mundo”, com a dificuldade de acesso a medica-
dem a um grupo específico, requerem alertou o especialista. mentos em determinadas regiões, como
serviços cirúrgicos especializados e E há mais estudos: por exemplo, a África Subsaariana onde, dos 40% de
podem levar a pensar que a circuncisão com microbicinas, ou seja, produtos habitantes infectados pelo HIV, 70% não
é uma vacina contra a aids. químicos aplicados na vagina para têm acesso a medicamentos.

Os números no mundo
m 2006, foram registradas por dia todos nos países pobres. Isso significa 1996 para 29,8 a cada 100 mil habitan-
E 11 mil novas infecções pelo HIV, e
os países mais atingidos estão locali-
que, a cada minuto, uma criança com
menos de 15 anos se infecta com o vírus
tes em 2005. Entre as mulheres esse
aumento foi ainda maior: no mesmo
zados no Leste Asiático, no Leste Euro- e outra morre. São 500 mil meninos e período, cresceu de 6,0 para 17,3.
peu e na Ásia Central. Nestas regiões, meninas mortos ao ano pela aids — fora Entre homens e mulheres com
o aumento no número de casos novos os milhões que se tornam órfãos todos mais de 60 anos, a incidência de
foi 21% mais alto do que em 2004. Na os anos devido à doença. casos, que era de 5,9, passou para
América Latina, a epidemia se mantém 8,8 nos homens e de 1,7 para 4,6 nas
estável, com 1,7 milhão de pessoas AS TAXAS BRASILEIRAS mulheres. O crescimento pode estar
vivendo com HIV/aids na região. É o Se, por um lado, cresceram os associado ao uso amplo dos medica-
que constatou o Relatório do Programa números da aids em algumas regiões mentos contra disfunção erétil e ao
Conjunto das Nações Unidas sobre o e grupos, por outro, houve alguma fato de que esta população nasceu
HIV/aids (Unaids), divulgado em 21 redução, a exemplo da taxa da trans- num mundo sem aids.
de novembro, que serve de referência missão vertical no Brasil. Segundo o Aumento expressivo foi igual-
para quem trabalha diretamente na Boletim Epidemiológico da Aids de mente conferido no grupo das mulhe-
resposta à epidemia. 2006, a redução na taxa de transmissão res com mais de 30 anos, confirmando
Segundo a Unaids, um total de do HIV durante a gestação, o parto ou a feminização da epidemia. Em 1996,
39,5 milhões de pessoas vive com a amamentação foi de 51,5% entre foram notificados 1.527 casos de aids
HIV/aids no mundo, ou seja, 2,6 mi- 1996 e 2005. entre mulheres de 30 a 34 anos. Oito
lhões a mais do que em 2004 — dado O país também apresentou bons anos depois, esse número saltou para
que representa 400 mil pessoas a mais resultados quanto à taxa de preva- 2.426 casos. Do total registrado em
do que há dois anos. Ainda de acordo lência, que desde 2000 está em 0,5%, 2006, 94% foram transmitidos por
com relatório, o número de novas confirmando que as ações de preven- relações heterossexuais.
infecções foi de 140 mil, aumentando ção têm conseguido reduzir a taxa de Embora o relatório do Unaids
para 4,3 milhões em 2006, e 65 mil é crescimento da doença. Além disso, tenha constatado aumento no núme-
o número de pessoas que perderam a no Brasil, um terço da população já ro de novos casos entre os jovens no
vida em função da doença. realizou o teste para o HIV e uma em mundo — pessoas entre 15 e 24 anos
Do total de pessoas com HIV, cada três pessoas vivendo com HIV representam 40% dos 4,3 milhões de
63% estão na África Subsaariana. conhece sua sorologia. Para conter novas infecções em 2006 —, dados
Uma região claramente atingida pela a proliferação dos efeitos da aids, o do Boletim brasileiro revelaram uma
epidemia de aids — entre 2004 e 2006, Brasil disponibilizou em 2006 R$ 1 bi discreta queda entre os adolescentes
houve aumento de 1 milhão de novos para compra de medicamentos anti- de 13 a 19 anos: de 2,0 para 1,4 de
casos. Na região, foram também retrovirais. “É uma vitória termos 1996 para 2005. Entre adultos jovens,
registrados 24,7 milhões de casos de estabilizado a taxa de incidência de de 19,2 para 13,3.
aids, o que representa dois terços do aids no Brasil, mas precisamos estar O mesmo aconteceu entre os ho-
total mundial. Além disso, cerca de atentos e não podemos passar a idéia mossexuais, registrando apenas 2.026
três quartos das mortes de adultos e de que com tratamento pode-se evitar novos casos da doença em 2005, e usu-
crianças causadas pela aids em 2006 a prevenção”, salientou Mariângela ários de drogas injetáveis, apresentan-
ocorreram na região, que concentrou Simão na apresentação do Boletim, do redução de 72% do total de casos.
2,1 milhões de mortes por aids, de um em novembro do ano passado. Dado, que na opinião de especialistas,
total mundial de 2,9 milhões. Nem todas as taxas, entretanto, representa redução extraordinária e
Outras vítimas da epidemia são as apresentaram redução. Na população um ganho para os 400 programas de
crianças, confirma o relatório do Unai- idosa masculina, entre 50 e 59 anos, a prevenção promovidos com usuários
ds: mais de 2,3 milhões de casos, quase taxa de incidência passou de 18,2 em de drogas injetáveis no Brasil.
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BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO AIDS E DST • ANO III • Nº 1


Casos de aids segundo UF e região de residência
por ano de diagnóstico. Brasil, 1980-2006(1)
Total
UF de 1980-
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1980-
residência 1994(2)
2006

Norte 1.149 396 473 610 723 807 913 1.112 1.319 1.425 1.957 1.900 897 13.681

Rondônia 137 62 56 71 84 69 127 128 186 182 171 202 132 1.607

Acre 46 1 6 13 22 31 22 31 41 37 55 55 18 378

Amazonas 291 93 114 190 219 291 289 303 396 382 494 561 264 3.887

Roraima 52 10 15 17 20 26 53 53 38 78 117 67 25 571

Pará 525 186 233 249 300 290 328 479 520 616 952 856 385 5.919

Amapá 26 17 21 36 25 44 37 48 65 43 69 73 29 533

Tocantins 72 27 28 34 53 56 57 70 73 87 99 86 44 786

Nordeste 7.061 1.692 2.137 2.462 3.023 2.969 3.299 3.515 4.168 4.697 5.141 5.486 2.101 47.751

Maranhão 527 146 191 214 293 271 336 360 400 526 705 667 256 4.892

Piauí 211 77 79 101 94 115 175 170 176 176 273 284 92 2.023

Ceará 1.143 345 344 380 643 563 556 577 652 848 891 761 316 8.019

Rio Grande
379 74 112 133 183 136 162 172 152 209 137 325 142 2.316
do Norte

Paraíba 490 125 140 153 198 250 243 245 261 288 331 314 139 3.177

Pernambuco 1.698 396 565 595 773 664 731 886 1.171 1.035 1.074 1.418 515 11.521

Alagoas 400 89 122 162 125 138 147 177 185 239 201 263 94 2.342

Sergipe 293 86 82 98 103 114 119 89 106 162 151 175 84 1.662

Bahia 1.920 354 502 626 611 718 830 839 1.065 1214 1.378 1.279 463 11.799

Sudeste 68.322 15.443 16.919 17.879 19.112 16.831 17.667 16.166 18.820 20.178 18.755 17.184 6.634 269.910

Minas Gerais 5.745 1.701 1.743 1.847 1.835 1.836 2.460 1.915 2.681 3.068 2.738 2.853 1.066 31.488

Espírito Santo 758 213 249 354 405 424 470 519 640 642 660 613 251 6.198

Rio de Janeiro 14.771 3.008 3.668 4.178 4.316 3817 4.177 4.071 4.659 5.296 5.709 5.108 2.089 64.867

São Paulo 47.048 10.521 11.259 11.500 12.556 10.754 10.560 9.661 10.840 11.172 9.648 8.610 3.228 167.357

Sul 9.768 3.284 3.967 4.728 5.817 5.385 6.560 6.687 7.536 7.781 6.979 6.416 2.731 77.639

Paraná 2.506 927 1.153 1.459 1.541 1.570 1.775 1.687 1.859 1.914 1.649 1.574 562 20.176

Santa Catarina 2.502 981 1.139 1.163 1.485 1.349 1.600 1.706 1.815 1.782 1.788 1.477 708 19.495

Rio Grande
4.760 1.376 1.675 2.106 2.791 2.466 3.185 3.294 3.862 4.085 3.542 3.365 1.461 37.968
do Sul

Centro-Oeste 4.079 1.202 1.293 1.584 1.416 1.285 1.685 1.652 2.022 2.492 2.369 2.156 851 24.086

Mato Grosso
980 244 281 291 299 260 275 289 396 454 421 427 190 4.807
do Sul

Mato Grosso 578 203 294 346 296 208 401 373 493 614 674 540 186 5.206

Goiás 1.416 483 402 568 496 475 617 674 724 779 797 736 307 8.474

Distrito Federal 1.105 272 316 379 325 342 392 316 409 645 477 453 168 5.599

Brasil 90.379 22.017 24.789 27.263 30.091 27.277 30.124 29.132 33.865 36.573 35.201 33.142 13.214 43.3067

Fonte MS/SVS/PN-DST/AIDS
Notas 1 — Casos notificados no Sinan e registrados no Siscel até 30/6/2006 e no SIM de 2000 a 2005; Dados preliminares para os anos de 2000 a 2006.
2 — Para os anos de 1980 a 1994, consultar edições anteriores do Boletim Epidemiológico (www.aids.gov.br/, menu Área Técnica/Epidemiolo-
gia/Boletim Epidemiológico.
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[ 26 ]

ENTREVISTA

Mariângela Simão

“É preciso entender que


todos nós que temos vida
sexual ativa podemos
contrair o vírus”
do HIV. Que análise você faz des-
esde que foi criado, em ses números?

D 1986, o Programa Nacional


de DST e Aids, do Ministé-
rio da Saúde, não apenas
luta contra a epidemia, que agora se
manifesta em maior número entre
O boletim mostra algumas ten-
dências e traz alguns dados que ser-
vem para nossa reflexão. A redução
da transmissão vertical, ou seja, da
mãe para o filho durante a gestação,
idosos, mulheres e meninas, mas o parto ou a amamentação, que o
também se preocupa em conter o boletim aponta, foi de 51,5% entre
preconceito e a discriminação em 1996 e 2005. Apesar da queda, ligada
torno das pessoas que vivem com o ao fato de as mulheres terem maior
HIV no país. Em 1º de dezembro — Dia acesso a tratamento, como o uso
Mundial de Luta contra a Aids — foi dos anti-retrovirais, isso ainda nos
lançada a campanha “Prevenção preocupa. A taxa para o Brasil como
PositHIVa — A vida é mais forte que um todo poderia ser menor que 1%,
a aids”. Pela primeira vez, no Brasil, e ainda está em 8%.
são protagonistas da campanha pes-
soas comuns infectadas pelo HIV. E os novos casos de aids?
Em entrevista por telefone, É outro dado que também chama
logo após o 6º Congresso Brasileiro nossa atenção. Estamos com 433.067
de Prevenção das DST e Aids, em casos novos no Brasil. Segundo estu-
novembro, a diretora do programa, do feito em 2004 pelo Ministério da
C.P.

Mariângela Simão, falou sobre o Saúde, coordenado pela pesquisado-


novo enfoque da campanha e co- ra Célia Landmann Szwarcwald, do
mentou o Boletim Epidemiológico Icict/Fiocruz, temos uma estimativa tempo, mas que se torna marcante
da Aids 2006, como também os de 593.787 infectados pelo HIV no agora. Primeiro porque a manifesta-
desafios do combate à propagação país, ou seja, cerca de 600 mil. Isso ção da doença provocada pela aids
do vírus. Pediatra-sanitarista, Ma- dá uma prevalência do HIV de 0,61% pode se dar até 10 anos depois da
riângela fez mestrado em Saúde da população brasileira adulta. O infecção pelo vírus. Quem então,
Materno-Infantil, trabalhou nas Boletim mostrou também que te- com 50 anos, está com aids é que
secretarias de Saúde do Paraná e mos média de 33 mil casos/ano de provavelmente foi infectado pelo
de Curitiba, chegou ao Programa aids desde 2000, confirmando que a vírus no começo dos 40 anos. Com-
DST/Aids em 2004, quando assumiu epidemia tende a se estabilizar na parando-se portando com os dados
a área de Cooperação Nacional, e prevalência, e com uma incidência da aids em adultos jovens — faixa
em 2006 substituiu o veterano Pe- que varia em algumas regiões. etária entre 25 e 34 anos —, que se
dro Chequer, médico-sanitarista e estabilizam devido ao uso de preser-
epidemiologista. Quais são as questões específicas vativo, confirma-se que o impacto
desse Boletim? da iniciativa “Prevenção positHIVa”
O Boletim Epidemiológico da Aids Uma das coisas que ficam claras é importante.
de 2006, divulgado em dezembro, é o aumento da taxa de incidência Há estudos que mostram que
mostra taxas mais baixas de aids entre as pessoas com mais de 50 na década de 1980 apenas 8% dos
nos casos de transmissão vertical anos. Isso é algo que já vem de algum jovens na faixa etária entre 16 e
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[ 27 ]

19 anos usavam preservativos na Nas regiões Sul e Sudeste, veri- também no manejo clínico básico do
primeira relação sexual. Agora, fica-se uma estabilização. Por outro soropositivo, que são as pessoas que
esses índices subiram para 52%. lado, há aumento nas regiões Norte, têm o vírus não-manifestado.
Outros estudos mostram até 65% de Nordeste e Centro-Oeste. A epidemia
uso de preservativo nessa faixa de é maior no Sul e no Sudeste porque Qual o enfoque da “Prevenção
idade. Fica claro que o jovem está são regiões mais populosas e onde o PositHIVa”?
tendo outro comportamento, pois vírus apareceu primeiro. De qualquer Hoje, temos 175 mil pessoas em
começa sua vida sexual num mundo forma, há vários tipos de epidemia tratamento da aids no Brasil. Essas
com aids. O que era diferente anos no país. Isso porque, na medida em pessoas têm acesso a medicamentos,
atrás. Ou seja, os adultos mais ve- que a epidemia foi se interiorizando, que o governo federal produz e dis-
lhos começaram a vida sexual numa tomou outro rumo. tribui. Mas as pessoas não precisam
época em que não havia o vírus, ou apenas de remédio. Elas têm outras
ele era desconhecido. tantas necessidades. A aids é uma do-
ença crônica que precisa ser tratada
Ou seja, as pessoas mais velhas estão
desprevenidas?
No início para a vida toda. Até que se ache a
cura, é necessário um acompanha-
As relações estáveis, mais fre-
qüentes entre pessoas com mais ida-
de, têm influência no aumento dos
da epidemia, mento diferenciado. Depois de um
longo período de terapia, já sabemos
dos efeitos adversos da medicação e
índices da aids entre adultos mais
velhos. Outro motor de mudança de
eram 26 homens com da necessidade de melhorarmos as
estratégias de adesão dos pacientes.
comportamento sexual neste grupo
é o uso dos medicamentos para dis- aids para cada 10 Temos um estudo que mostra que
85% dos pacientes tomam medica-
função erétil, que estão trazendo a
essa população mais oportunidades.
Lembro de uma campanha de massa
mulheres. Há 3 anos, mento regulamente.
Há necessidades específicas que
precisam ser revistas. Uma criança
no Sul do Brasil que fizemos anos
atrás, mostrando que 15% das pes-
eram 15 homens para que nasceu com aids na década de
90 é hoje um adulto jovem que vive
soas testadas durante a campanha
tinham mais de 65 anos. E nós espe- cada 10 mulheres. com o vírus. Ele quer ter relação afe-
tiva, emprego, deseja alcançar seus
rávamos que houvesse menos gente
nessa faixa etária. Conversando
com um senhor do movimento de
Entre as meninas de sonhos, mas ainda enfrenta muita
discriminação como conseqüência
da desinformação. É comum ainda
idosos da região, ele disse: “Agora,
com esses remédios, o idoso tam-
13 a 19 anos, a relação a sociedade como um todo ter a
aids como coisa do outro. É preciso
bém fica com aids”. Ou seja, quem
faz sexo, em tese, corre risco de
ser infectado.
homem/mulher é entender que todos nós que temos
vida sexual ativa podemos contrair
o vírus. Então, a campanha está

O risco para as mulheres então


inversa e mais cruel: voltada para esse grupo. Apresenta-
mos pessoas comuns que vivem com
aumentou...
A feminização da epidemia temos 18 meninas com aids. Elas falam sobre a doença, se
expõem, tentam ajudar a pôr fim à
também nos chama a atenção.
Hoje, a aids é cada vez maior en-
tre as mulheres. Por exemplo, nos
aids para cada discriminação e ao preconceito.

Qual o balanço das ações do go-


últimos três anos, constatamos 15
homens com aids para cada 10 mu-
10 meninos. verno?
Acho que o governo brasileiro
lheres. No início da epidemia, eram avançou bastante em relação à
26 homens para cada 10 mulheres. política de aids. O acesso aos medi-
Essa relação mudou e mudou para Como direcionar as ações de luta camentos anti-retrovirais vem sendo
ficar. Por isso a preocupação de se contra a aids diante de tantas di- garantido, assim como o acesso a
trabalhar melhor a vulnerabilidade ferenças? insumos e laboratórios. Nós temos
da mulher. Numa pesquisa recente, Na verdade, o que o Programa como desafio tornar o abastecimento
quando indagadas por que não usa- Nacional de DST/Aids vem fazendo, desses medicamentos menos proble-
vam preservativo, 29% das mulhe- ao longo dos anos, é estar atento mático, fazendo com que o medi-
res responderam que não usavam às tendências da epidemia de aids camento esteja disponível na hora
porque confiavam no parceiro. Os no Brasil e reformulando suas es- e na dosagem certa. Outro desafio
homens diziam que não lembraram tratégias e diretrizes. Temos uma é garantir maior abastecimento de
na hora. É uma relação desigual até epidemia que se estabilizou, ou preservativos, ou seja, que todos os
na questão de se proteger. Entre as seja, já temos um número esperado meses o quantitativo chegue aonde
meninas de 13 a 19 anos, a relação de casos todos os anos. Já sabemos é necessário. Para o ano de 2007,
homem/mulher é inversa e mais que há iniqüidades regionais impor- estamos prevendo distribuir em torno
cruel: temos 18 meninas com aids tantes no acesso ao tratamento, e de 1 bilhão de preservativos. Outro
para cada 10 meninos. isso se traduz numa intensificação grande desafio está voltado ao com-
na capacitação dos profissionais do bate permanente à discriminação e
Por que a epidemia apresenta dife- Norte, não apenas para ampliar o à melhoria da qualidade de vida das
renças entre as regiões brasileiras? diagnóstico pelo teste rápido, como pessoas que vivem com aids.
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[ 28 ]

DIREITOS DA PESSOA IDOSA

Uma sociedade
mais velha
e com saúde
“Nunca antes houve participa- Social à Pessoa Idosa; Financiamento e
oi divulgado em dezembro o

F
ção tão intensa das pessoas idosas e Orçamento Público; Educação, Cultura,
relatório final da 1ª Conferência seus representantes na luta por seus Esporte e Lazer; Controle Democrático,
Nacional dos Direitos da Pessoa direitos”, disse. o Papel dos Conselhos.
Idosa, organizada no primeiro se- O documento enfatiza que a con- Todas as 290 deliberações cons-
mestre de 2006 pela Secretaria Especial ferência nacional, precedida por 27 tam dos Anais. “A conferência na-
dos Direitos Humanos da Presidência da conferências estaduais e numerosas mu- cional foi a celebração da terceira
República e o Conselho Nacional dos Di- nicipais, contou com 725 participantes idade em torno de seus sonhos e
reitos do Idoso (CNDI). Com 277 páginas — conselheiros, gestores das três esferas projetos, afastando a idéia de que
em cuidadosa edição — que até poderia de governo, representantes de usuários chegando à velhice nada mais se
servir de modelo para futuros eventos e de entidades prestadoras de serviços, faz”, disse Telles.
— é um dos mais completos na história de instituições internacionais e de uni- A partir das deliberações da con-
das conferências temáticas. versidades públicas e particulares. “Em ferência, sobretudo no que se referia
Profissionais, pesquisadores e todo o processo participaram quase 10 à saúde do idoso, a política nacional
ativistas da área bem que mereceram mil pessoas”, destacou Telles. acrescentou dois valiosos instrumentos
esse cuidado todo: afinal, 2006 foi um O relatório, cujo título oficial é Anais para o atendimento a esse grupo de ci-
ano frutífero para este campo essencial da 1ª Conferência Nacional dos Direitos dadãos: a Caderneta de Saúde da Pes-
da saúde pública. Em outubro, já havia da Pessoa Idosa, acompanha os oito eixos soa Idosa e a internação domiciliar.
sido assinada pelo presidente Lula e o temáticos da conferência: Ações para
ministro da Saúde, Agenor Álvares, a Efetivação dos Direitos da Pessoa Idosa; UM LIVRETO ESTRUTURANTE
Política Nacional da Saúde do Idoso, Violência contra Idosos; Saúde da Pessoa O primeiro é um livreto no qual os
que confirmou algumas das deliberações Idosa; Previdência Social; Assistência profissionais do setor, ao atenderem um
aprovadas na conferência — entre elas, idoso, deverão anotar todas as informa-
a construção da Rede Nacional de Pro- ções relativas a sua saúde. O objetivo
teção e Defesa da Pessoa Idosa (Renadi), De acordo com o Instituto Brasi- principal é acompanhar cada indivíduo
compromisso originalmente firmado por leiro de Geografia e Estatística, atendido no SUS e identificar idosos
governo, entidades de defesa do idoso e a população idosa, ou seja, com em risco. “É um instrumento aparente-
conselhos de controle social. mais de 60 anos, está estimada mente simples, mas estruturante para a
A nova política é um retrato do em 17,7 milhões. A cada ano, 650 Atenção Básica”, afirmou Telles, ressal-
Pacto pela Saúde, assinado também mil novos idosos são incorpora- tando que com a caderneta é possível,
em 2006 pelo Ministério da Saúde e dos à população brasileira. As por exemplo, identificar um processo de
os conselhos estaduais e municipais, maiores causas de mortalidade demência e tratá-lo precocemente.
conforme ressaltou o coordenador da entre idosos em nosso país são os As cadernetas estão sendo distribuí-
área técnica de Saúde do Idoso do mi- acidentes vasculares cerebrais. das às secretarias de Saúde do Distrito
nistério, José Luiz Telles. Integrante do Somente em 2004, 11,70% das Federal, das capitais e dos municípios
CNDI e pesquisador da Fiocruz, Telles mortes entre pessoas acima de com mais de 500 mil habitantes. Os
considera tanto a conferência quanto a 60 anos foram provocadas por pequenos municípios recebem o caderno
assinatura da política dois importantes doenças cerebrovasculares. das secretarias estaduais. Estão sendo
momentos para a população idosa. entregues, primeiramente, a idosos
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cadastrados no programa Saúde da profissional de saúde: o Caderno de Aten- A proposta requer que gestores
Família, no momento da consulta ou da ção Básica em Envelhecimento e Saúde e profissionais de saúde tracem pla-
visita domiciliar. A previsão é que sejam da Pessoa Idosa. “A publicação oferece ao nejamento adequado e determinem
atendidos, num primeiro momento, 73% profissional de saúde instrumentos para prioridades, como o acompanhamento
da população idosa cadastrada. atender bem essa parcela da população”, diferenciado em cada situação. Além
O segundo instrumento é a interna- contou Telles. “É um material de referên- disso, acrescentou Telles, é preciso
ção domiciliar, cujo objetivo é atender cia para capacitação local que não está incorporar às ações o antigo conceito
os pacientes que precisam de cuidados limitado a passar remédio”. da Organização Mundial de Saúde de
especializados, mas não da internação Com essas iniciativas, a Política Na- envelhecimento ativo, que permite,
hospitalar. Recebem atendimento, por- cional do Idoso traz uma novidade: dis- sobretudo ao grupo dos idosos mais frá-
tanto, em sua própria casa. O objetivo tingue o idoso independente e autônomo geis, melhores condições de saúde.
dessa iniciativa é que o SUS proporcione do que apresenta algum nível de fragi- “Vale lembrar que a sociedade
aos idosos um atendimento humanizado lidade. “Consigo com elas identificar o brasileira está envelhecendo, é um
que acelere sua recuperação, permitin- idoso que sai para fazer suas compras, fato irreversível que vai interferir em
do maior autonomia aos pacientes e às como também aquele que nem quer sair todas as dimensões da vida humana”,
famílias durante o tratamento. O aten- de casa”, salientou o coordenador. Não alertou Telles. “Precisamos nos prepa-
dimento no lar é feito por equipes de querer sair de casa não é “coisa normal rar para a velhice como uma grande
profissionais formadas por um médico, de velho”, asseverou. É preciso avaliar conquista.” (K.M.)
um enfermeiro e um auxiliar ou técnico e tratar esse idoso, pois muitas vezes
de enfermagem em visitas periódicas. uma simples queixa desse tipo pode
Outro meio de avaliação do pacien- indicar sérios problemas de saúde, como O relatório final da 1ª Conferência Nacional
te de idade previsto pela Política Nacio- a depressão, ou sinalizar outros, como dos Direitos da Pessoa Idosa pode ser solicita-
nal da Saúde do Idoso é direcionado ao hipertensão ou diabetes. do ao CNDI por e-mail: cndi@sedh.gov.br.

À espera de ações concretas


s 19 deliberações do eixo Saúde • Realizar campanhas de divulgação neurodegenerativas e dependência
A da Pessoa Idosa, conforme regis-
tram os Anais da 1ª Conferência Na-
quanto à utilização de medicamentos
sem prescrição médica, combatendo
química da população idosa, bem
como criar Centros de Atendimento
cional dos Direitos da Pessoa Idosa: a automedicação da pessoa idosa; Psicossocial (Caps) e demais serviços
regionalizados, para o tratamento
• Mapear e traçar o perfil epidemio- • Realizar campanhas de esclareci- dessas doenças;
lógico da população idosa, incluindo mento sobre a rede de serviços de
o diagnóstico sociofamiliar como atenção à pessoa idosa; • Implantar, na rede do SUS, núcle-
estratégia para o planejamento e os regionais e centros de referên-
a avaliação das ações em todas as • Difundir a legislação que regu- cia de média e alta complexidade,
esferas de governo (federal, estadual lamenta a prestação de serviço de pactuados entre os entes federa-
e municipal); cuidadores de idosos; dos e especializados na atenção à
saúde do idoso;
• Ampliar o Sistema de Informação da • Garantir, à pessoa idosa, a acom-
Atenção Básica (Siab), com incorpo- panhantes e cuidadores, assistência • Implementar a rede de serviços de
ração de indicadores epidemiológicos à saúde nos diferentes níveis de alta e média complexidade, engloban-
para acompanhamento da saúde da atenção do SUS, abrangendo todas do instituições de longa permanência,
população idosa; as áreas clínicas, com ampliação do centros-dia, abrigos temporários
número de profissionais, com vistas a e casas de passagem para pessoas
• Fomentar pesquisas para realização atender a demanda real; idosas que necessitem de cuidados
de diagnósticos sobre o perfil da popu- e não tenham condições de retorno
lação idosa nos municípios, garantindo • Informatizar a rede do SUS, criando imediato a suas residências;
recursos para parcerias com institui- central de marcação para agenda-
ções de nível técnico e superior; mento de consultas por telefone, • Criar residência terapêutica
com vistas a agilizar o atendimento temporária (por até 60 dias) com
• Criar indicadores com base na PPI especializado da pessoa idosa; serviço de reabilitação do idoso
(Programação Pactuada Integrada) com alta hospitalar e sem condi-
do SUS/Ministério da Saúde, refe- • Implementar e/ou ampliar a as- ções de retorno a sua casa, com
rente ao idoso; sistência ambulatorial, hospitalar e garantia de atendimento domici-
domiciliar à pessoa idosa; liar após a alta.
• Realizar campanhas de sensibiliza-
ção e mobilização sobre o envelhe- • Garantir visita de atendimento domici- • Criar e/ou melhorar instituições
cimento humano e orientação para liar aos idosos dependentes ou acamados de longa permanência para abri-
uma velhice ativa e saudável; — acometidos de doenças e agravos gar idosos em situação de extrema
não-transmissíveis (DANTs), com recur- vulnerabilidade ou insuficiência
• Realizar campanhas de prevenção sos adequados (equipe multidisciplinar, familiar;
de doenças específicas da idade: transporte, equipamento etc.);
câncer da próstata, do colo do útero • Realizar parcerias com instituições
e da mama; catarata; glaucoma; mal • Implantar programas preventivos de ensino superior para atendimento
de Alzheimer etc.; de transtornos mentais, de doenças e reabilitação da pessoa idosa.
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DEBATES NA ENSP/FIOCRUZ — REFORMA SANITÁRIA

A saúde na política
e a política na saúde

Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Saúde (Radis 18), em 2003, já haviam


Adriano De Lavor *
Ensp, na fala de boas-vindas. debatido temas candentes da Reforma
A iniciativa foi do Centro Brasi- Sanitária e da consolidação do SUS,
déficit de formulação te- leiro de Estudos de Saúde (Cebes), como a inserção da saúde no campo

O órica e ativismo político


em torno das bandeiras
da Reforma Sanitária, tão
presentes nas origens do Sistema
Único de Saúde, pedia há tempos
com apoio da Ensp/Fiocruz e de todas
as entidades representadas no Fórum
da Reforma Sanitária Brasileira: além
do próprio Cebes e da Associação
Brasileira de Pós-Graduação em
mais amplo da seguridade social.
“A Reforma Sanitária faz parte
de um projeto social para o país”,
disse Antônio Ivo. Ele lembrou que,
nesses últimos encontros, mani-
uma “revitalização”. O primeiro Saúde Coletiva (Abrasco) — ambas festava-se um sentimento geral de
passo foi dado no Rio de Janeiro na raiz do Movimento da Reforma que, apesar dos enormes avanços
em 1º de dezembro, com o Encontro Sanitária —, a Associação Brasileira na construção do SUS, faz falta o
Nacional de Conjuntura e Saúde, de Economia da Saúde (Abres), a processo de debate virtuosamente
na Escola Nacional de Saúde Públi- Rede Unida e a Associação Nacional construído lá pelos anos 70, unindo a
ca Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). do Ministério Público de Defesa da academia e os gestores mais ousados,
Sanitaristas de ontem e de hoje Saúde (Ampasa). O Fórum já apre- mais críticos do sistema anterior. “O
prepararam uma agenda inicial de sentara aos candidatos à eleição de movimento foi ator relevante, com
debates para a reconstrução de um 2006 o documento “O SUS pra valer: visibilidade, até a promulgação da
campo político da Reforma Sanitária universal, humanizado e de qualida- Constituição em 1988 e das leis orgâ-
que dê feição de projeto às diversas de” (íntegra na Radis 49), discutido nicas em 1990”, disse. “Depois disso
lutas do setor saúde que hoje se no 8º Congresso Brasileiro de Saúde afrouxaram-se um pouco os laços das
travam no parlamento, nas organiza- Coletiva, em agosto de 2006. instituições e das pessoas em torno
ções sociais e nas instituições — por Antes disso, o 8º Simpósio sobre desse compromisso, que ganhou o
financiamento, por alteração do Política Nacional de Saúde na Câmara nome de Movimento da Reforma Sa-
modelo assistencial, por um projeto dos Deputados (Radis 37), em 2005, e nitária, e isso volta às mentes como
mais geral para o país, como disse a própria 12ª Conferência Nacional de perda do tônus de articulação”.
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[ 31 ]

Esse sentimento é que vem im- anunciou a agenda desta retomada entanto, manteve a mesma proposta
pulsionando a iniciativa de revita- da tradição de debate político no do ponto de vista econômico — en-
lização. De um lado, o esforço de Movimento Sanitário: no contexto da tão, os movimentos sociais foram
criar propostas de enfrentamento dos aprovação pelo Ministério da Saúde do paralisados não pelo enfrentamento
déficits do próprio SUS e, de outro, a projeto do Cebes “Reforma Sanitária com o inimigo, mas porque ficaram
tentativa de se recuperar a ambiên- em Debate", haverá reuniões mensais sem saber o que fazer com aquele
cia política das lutas por melhorias de análise de conjuntura, que se estranho amigo no poder...”
do sistema. “O país se vê diante de prolongarão na internet e serão siste- Para Sonia, diante de mais um
encruzilhadas que se expressam em matizadas com a publicação de livros governo Lula o Movimento Sanitário
conflitos visíveis de projetos estraté- e material didático. Também haverá a já tem distância suficiente para se
gicos para o país”, afirmou o diretor formalização anual do Encontro Nacio- manter crítico na busca do avanço da
da Ensp. “Se na origem a Reforma nal de Conjuntura e Política. reforma. “Então, a proposta do Cebes
Sanitária foi vista como parte de um é colocar, como questão central, a saú-
processo de transformação política e de na política e a política na saúde”. O
construção da democracia, talvez seja
o momento de retomarmos o esforço
“É preciso criar que explica essa dissociação entre os
governantes no poder e o interesse da
para que o conjunto das lutas volte a
ser potencializado num movimento”.
uma perspectiva população, que conhece a importância
da saúde?, perguntou.
Agora, com uma diferença, ressalvou: de solidariedade Na busca das respostas, o debate
“Certamente esse movimento se de- inicial foi dedicado à situação interna-
senvolverá de maneira interpartidária, latino-americana cional. A pesquisadora Sarah Escorel,
mas não será suprapartidário, porque que coordena o Observatório de Con-
não estará acima dos projetos distintos com projetos juntura da Ensp/Fiocruz, chamou a
que hoje disputam espaço no país”. atenção para a derrota do presidente
concretos, como na Bush nas eleições para o Congresso
PODER DE FOGO MAIOR
O novo presidente da Abrasco, questão ambiental, americano e para as eleições recentes
na América Latina, com governos de
José da Rocha Carvalheiro (FSP/USP),
em clima de nostalgia, fez passar de
que afeta esquerda que têm sido tachados de
populistas. Paradoxalmente, nesse pro-
mão em mão uma fotografia antiga
de integrantes da associação, muitos
especialmente a cesso, o Brasil assume “papel imperia-
lista”, a partir dos braços da Petrobrás
presentes no auditório. E destacou que
alguns deles, hoje “inseridos formal-
população pobre” no exterior. Sonia Fleury agregou que
2006 chega ao fim com a esquerda go-
mente e radicalmente no governo”, vernando 75% da América Latina. “Isso
são obedientes “às lógicas de relacio-
(Ary Carvalho) não significa uma identidade latino-
namento do poder”. O “poder de fogo” americana, mas indica a insatisfação
maior do grupo tem um elemento Sonia citou frase recente do popular com as políticas conservadoras
novo: os parlamentares que freqüen- cientista político Marco Aurélio No- e o fracasso do modelo neoliberal”.
tavam as reuniões do movimento têm gueira sobre a atualidade político- Para ela, cabe ao Brasil papel não só nas
hoje a Frente Parlamentar da Saúde. social — “muita movimentação e relações comerciais, mas de estímulo
“Não vamos abandonar a discussão pouco movimento” —, que, para ela, ao avanço das políticas sociais.
dos mecanismos de gestão, de finan- expressa a necessidade de retomada Edmundo Gallo, da Fiocruz/Bra-
ciamento, a defesa intransigente dos do debate: “Fizemos movimentação sília, observou que é importante que
princípios do SUS”, exortou. Mas pediu com movimento na construção de o Brasil aproveite o momento favorá-
que se debatam temáticas novas, como uma sociedade democrática, com um vel, intervindo no contexto da saúde
a batalha que se trava neste momento projeto que costurava as diferentes internacional, e anunciou um conjunto
no INPI contra a concessão de patentes propostas”, lembrou. “Temos projeto de ações regionais importantes, entre
de anti-retrovirais (ver súmula na pá- ainda?” Os sanitaristas, disse, viveram eles o recente 1º Encontro Internacio-
gina 10). “Há terrenos que trilhamos uma década de resistência ao projeto nal Pró-Rede Pan-Amazônica de Ciên-
do ponto de vista acadêmico, mas não neoliberal do Estado, de redução do cia, Tecnologia e Inovação em Saúde,
temos concretamente transformado gasto público na área social, de valo- com participação de representantes
em bandeiras de luta política”. rização da visão monetária. “Em vez dos nove estados da Amazônia Legal,
Depois de Áquilas Mendes, vice- de continuarmos críticos no sentido além de Peru, Bolívia e Uruguai. “É im-
presidente da Abres, “a parceira mais de fazer a reforma avançar, ficamos portante estudarmos o que acontece
jovem entre as instituições do Movi- como defensores intransigentes do nos países latino-americanos, inclusive
mento Sanitário, pois só entrou em SUS”, resumiu. “Depois dos governos para identificar o que representa essa
1989”, tomou a palavra a recém-eleita liberais, passamos a um governo esquerda”, concordou Áquilas, lem-
presidente do Cebes, Sonia Fleury, que que seria o nosso governo, que, no brando que os governos são diferentes
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e o Brasil deve estar atento para não sição, que deriva do não-entendimento “emparedamento”: por exemplo,
assumir papel “subimperialista”. do que houve com a saúde”. quem se apropria hoje dos recursos
Henri Jouval, da Opas/OMS, para Na parte nacional do debate, da saúde?, questionou. Do dinheiro
quem “a saúde não é mais nacional, Sonia Fleury criticou a crença hegemô- do ReforSUS, prosseguiu, quanto foi
é internacional, pela globalização”, nica neoliberal de que só se destrava a para a rede pública, quanto para a
destacou: se aqui a saúde está fora da economia com corte de gastos sociais rede privada? “Temos que discutir
agenda política, no exterior está cada e benefícios como os da Previdência. isso de frente, o SUS como um grande
vez mais presente, por se tratar de “Isso ruiu, mas não aparece um projeto sistema de compras”, indignou-se.
área de concentração e mobilização de de desenvolvimento que inclua inves- “O orçamento da saúde não é a
capital e recursos tecnológicos. timento, emprego e distribuição de expressão de uma política, mas um
“O que há em comum é a rejei- renda”, desabafou, lembrando que é conjunto de programas, parece uma
ção às reformas neoliberais na área preciso mostrar que saúde não é gasto, árvore de natal”.
de saúde”, aparteou Antônio Ivo, “e o mas investimento.
papel do Brasil é importante não para Gallo retomou a palavra para UM NOVO MODELO
exportar modelos, mas para manter apontar, como saída, o diálogo entre Sobre a antiga proposta de Sonia
presentes os princípios que regem o o pensamento sanitário e o pensa- Fleury, de resgate da seguridade social
SUS”. Paulo Gadelha, vice-presidente mento econômico. Ele recordou que como núcleo aglutinador da problemá-
de Desenvolvimento Institucional e a área econômica só fala em cortar tica social, a começar pela organiza-
Gestão do Trabalho da Fiocruz, des- gastos, e cortou R$ 1,78 bilhão da ção de uma conferência nacional sobre
tacou que em fóruns como a Organi- saúde. Em fins de novembro, contou, o tema, Jouval foi contundente. “O
zação Mundial do Comércio estão se reuniu-se com a Frente Parlamentar que alavancou o SUS foi a seguridade
dando alguns debates fundamentais da Saúde para discussão do orça- social: capitalizar a Previdência é
para o campo da saúde. mento da União. Os parlamentares desqualificar o SUS”. Por isso, defende
começaram falando da urgência de se um plano de resistência em defesa
SOLIDARIEDADE REGIONAL recuperar o valor cortado. “Quando da Previdência. Lenaura concordou,
O vice de Serviços de Referência se sugeriu, porém, que se retiras- afirmando que há “um claro retorno”
e Ambiente da Fiocruz, Ary Carvalho, sem as emendas parlamentares ao ao sistema de seguro social como nos
contou que o 3º Simbravisa, em de- orçamento, que somam R$ 2 bilhões tempos dos institutos, graças ao ex-
zembro, conclamou os sanitaristas a na área da saúde, até os mais pro- cesso de normatização de condutas e
debater a grave questão ambiental que gressistas alegaram que não dá para à falsa idéia de que há déficit no setor.
se desenha com a instalação de uma recompor orçamento por aí, porque A seguridade também foi defendida
indústria de celulose no Rio Uruguai, temos que responder aos prefeitos, a por Ilma Noronha, do Icict/Fiocruz.
que afetará não somente a Argentina, nossas bases parlamentares...” Para ela, este pode ser o chamariz de
que está mobilizada em protesto, Gallo condenou duramente essas um novo modelo de previdência, mais
mas toda a região. “É preciso criar emendas, totalmente desconectadas inclusiva e equânime.
uma perspectiva de solidariedade das políticas prioritárias de investi- Paulo Elias mudou um pouco o
latino-americana em cima de projetos mento, e menos ainda conectadas às tom ao dizer que um segundo aspecto
concretos para aglutinação das for- políticas de desenvolvimento e inte- central, depois do financiamento,
ças, como na questão ambiental, por gração regional. Mesmo no governo é a gestão. “Temos modalidades de
exemplo, que afeta especialmente a é difícil, como constatou quando era gestão alternativa, há um movimento
população pobre”. Ele mencionou o diretor de Investimentos do ministé- na saúde sobre isso, mas não se dis-
relatório PNUD-2006 sobre a escassez rio. Citou como exemplo o projeto do cute”, reclamou. “Enquanto isso, o
de água no planeta, “uma coisa cho- QualiSuS: a iniciativa regrediu porque que se percebe é que a administração
cante”: 1,1 bilhão vivem com menos o Banco Mundial não quis saber de in- direta não dispõe de meios para fazer
de 5 litros de água por dia, geralmente tegração regional ou desenvolvimento a gestão, essa é a questão”. Para ele,
obtida a grandes distâncias. tecnológico, só queria pôr dinheiro “o problema da reforma do Estado não
“Não adianta discutir saúde sem para construir unidade ou comprar está colocado na área do SUS”. E deu
associá-la à questão social e à redução equipamento. “É o que o projeto faz exemplo: a reforma feita pela Secre-
efetiva da pobreza”, completou Le- hoje”, lamentou. “Então, precisamos taria de Saúde de São Paulo. “Ouço
naura Lobato, da Universidade Federal dominar essas questões objetivas nes- pessoas falando disso com um grau de
Fluminense. Paulo Elias, da Faculdade se projeto acadêmico”. desinformação imenso — muitas vezes
de Medicina da USP, desafiou o movi- Ligia Bahia, da UFRJ, foi voz as críticas às organizações sociais de
mento sanitário a “pensar a natureza discordante: “A saúde se justifica não saúde, as OSSs [Radis 43], são mais
da saúde” hoje, área de acumulação por ser investimento, não me agrada aos méritos do que aos problemas,
de capital — uma mercadoria. “É um esse economicismo, devemos defender que são muitos”, afirmou. “Temos que
erro grande a contradição entre polí- a saúde porque é um direito”, propôs. debater a reforma do Estado, pois os
tica econômica e política social: não É preciso discutir que visões políticas críticos dos modelos de gestão não
pode persistir essa linha de contrapo- tirariam a saúde desta espécie de oferecem alternativa”.
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A advogada Lenir Santos, espe- bloco histórico de forças compro- não externa, como se fosse alheia ao
cialista em direito sanitário e nos metidas com o desenvolvimento das cotidiano que vivemos”.
aspectos legais da gestão, concordou. políticas sociais, com o rompimento Chico Braga, da Ensp, concluiu
“Realmente temos que discutir a ges- da dicotomia conservadora entre a que o encontro já rendeu pautas
tão do SUS em geral e, em especial, economia e o social, deve focalizar importantes: financiamento, gestão,
a hospitalar”, disse. Segundo ela, quatro pontos essenciais: financia- emendas parlamentares, seguridade
há duas crises, uma instalada e uma mento, mix público e privado, acesso social. Para ele, o campo da esquerda
anunciada. A crise instalada é a do Rio e controle social. não tem projeto de gestão. “Mas,
de Janeiro: os hospitais que ofereciam por conta da crise dos institutos (do
resultados melhores porque tinham Câncer, de Cardiologia, de Trauma-
fundações de apoio têm data marcada “A saúde se to-Ortopedia), surge essa discussão,
— 1º de janeiro, por determinação do premida pela urgência”, acrescentou.
TCU — para encerramento do modelo. justifica não por Lenir interveio para esclarecer que
Ela lembrou que 50% da mão-de-obra existe, sim, um projeto de gestão
destes hospitais vêm das fundações ser investimento; antigo, que funciona bem em diversas
de apoio — e 13 mil funcionários de
hospitais universitários são dessas devemos defender instituições — a fundação estatal com
personalidade jurídica de direito pri-
fundações. “A crise mostra que fun-
dação de apoio não é a solução em
a saúde porque é vado [ela detalhou o tema em artigo
recente, “Da reforma do Estado à
hipótese alguma”. Outro problema
grave, para ela, é que quase todas
um direito” reforma da gestão hospitalar federal:
algumas considerações”, cuja íntegra
as fundações de apoio detêm grande pode ser lida em www.idisa.org.br/].
parte do patrimônio da apoiada. “É (Lígia Bahia) “Todos os serviços sociais se gerem
uma crise instalada, e tem de haver da pior maneira, fazem os controles
uma resposta para isso, vamos ter Ao consolidar esse trecho do mais burros, desqualificados, e para
que discutir gestão”. debate, Sonia Fleury mostrou-se quê?”, indagou. “Para não dar certo!
A outra crise, a anunciada, é atenta aos matizes da problemática Daí criam-se os instrumentos parale-
a das OSs. “Só vai dar problema 10 da gestão. “Fizemos a mais profun- los: fundações de apoio, OSs, tudo
anos depois de instalada, quando da reforma democrática do Estado, isso”, analisou. “Queremos retomar
começarem as ações trabalhistas”. mas a questão gerencial ficou uma o Estado dentro do Estado, e não fora
Segundo a advogada, todas as entida- bandeira neoliberal”, disse. “Ago- do Estado, como a reforma do Bresser
des já estão com ações trabalhistas. ra, temos dificuldade de assumir — queremos fazer para dentro”.
Quem vai arcar com isso? E quais são medidas para aumentar a eficiência A sanitarista e ex-deputada Lúcia
as respostas? “Sem respostas com e a eficácia, e temos que fazer Souto abriu longa discussão sobre o
segurança jurídica, teremos casu- isso, essa bandeira não pode ser da quadro político a partir deste segundo
ísmos”, afirmou. “Quem tem força direita”. E perguntou: o que pode mandato do presidente Lula. Vários
política legaliza a situação e passa no ser feito para coadunar uma gestão debatedores analisaram as perspec-
Congresso; então, temos que discutir mais autônoma, mais eficiente, mais tivas de um governo de coalizão com
as fundações, que chamávamos go- eficaz e responsável da saúde com o PMDB e se debruçaram sobre temas
vernamentais e hoje estão batizadas os mecanismos de controle social? como reforma política e eleitoral,
de fundações estatais. “Não podemos pegar os instrumentos democratização da mídia e da gestão,
Segundo Lenir, o contrato de gerenciais neoliberais em detrimento mudança na percepção das privati-
autonomia, previsto na Emenda da nossa proposta; senão, estaremos zações — que perderam o caráter de
Constitucional 19, de 1998, poderia abrindo mão da reforma democrática valor positivo na campanha eleitoral
modernizar a gestão, mas os sanita- que fi zemos para fazer a reforma — e, especialmente, a composição do
ristas nem se deram conta dele. “Se gerencial”, declarou. “Temos que Ministério Lula: todos reforçaram a
não aprofundarmos isso, pode-se co- tentar avançar para combinar o que tradicional reivindicação dos sanita-
meçar a achar que é terceirização, e for possível dos dois”. ristas de que o ocupante da pasta da
não é”. Lenir propôs ainda um debate Saúde tenha compromisso com o SUS
sobre o terceiro setor, que na opinião A BANDEIRA DA ÉTICA e competência técnica.
dela pode ser complementar, jamais Para Sonia, é preciso propor A mesa concluiu que seria im-
substitutivo, como na reforma do Es- ainda a questão da ética pública. “Na possível, diante da amplitude das
tado do ex-ministro Bresser Pereira, saúde, é grotesca nossa convivência sugestões e da clara necessidade de
pela qual os serviços não-exclusivos com pessoas que não trabalham o aprofundamento dos temas, o enca-
do Estado seriam substituídos pelo tempo que deveriam trabalhar, que minhamento imediato de propostas.
terceiro setor. Carlos Otávio Morei- cobram por fora, que fazem milhões O debate continua.
ra, da Ensp/Fiocruz, disse que essa de coisas absurdas”, disse. “A bandeira
tentativa de reconstituição de um da ética pública tem que ser nossa, e * Colaborou Marinilda Carvalho
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serviço

EVENTOS fornecidos pelo SUS na rede pública contemporâneo, além das formas em
de saúde, assim como os direitos de que ocorre essa incorporação. De-
3º ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO quem compra remédios diretamen- bruça-se também sobre as interfaces
POPULAR E SAÚDE te em farmácias e drogarias. Trata políticas e técnicas dos processos de
dos tipos de medicamentos, de sua formulação e implementação de três
utilização correta, dos riscos da au- redes de informação em saúde no Bra-
tomedicação, do papel de médicos e sil: a Rede Interagencial de Informação
farmacêuticos e da responsabilidade para a Saúde (Ripsa), a Rede Nacional
de governos e planos de saúde. Na de Informações em Saúde (RNIS) e o
cartilha, as entidades deixam claro Cartão SUS.
que defendem a proibição de qual-
quer propaganda de medicamento
no Brasil (inclusive aqueles de venda EDUCAÇÃO E SAÚDE
livre), criticam a falta de transparên-
cia da política de preços e abordam Trabalho, educa-
a quebra de patentes como forma de ção e saúde (vol. 4,
ampliação do acesso. nº 2), da Escola Po-
A cartilha está disponível no site litécnica de Saúde
do Cremesp www.cremesp.org.br, no Joaquim Venâncio,
ob o tema “Conhecimentos e práti-
S cas para a saúde e a justiça social”,
o evento tem como objetivo de promo-
link Publicações.

LANÇAMENTOS
traz dois artigos que
tratam da história
da formação dos
ver intercâmbio e sistematização de trabalhadores — “O
conhecimentos, experiências, saberes SAÚDE INDÍGENA ensino de saúde pública no Brasil: os
e práticas de educação popular e saú- primeiros tempos no Rio de Janeiro”,
de nos serviços de saúde, nas escolas, Povos indígenas no de Luiz Antônio de Castro Santos e
nos domicílios e nas comunidades. Brasil 2001/2005, Lina Faria; e “Políticas públicas em
Em sua terceira edição, o encontro do Instituto So- trabalho, educação e tecnologia:
é promovido pela Rede de Educação ciambiental (ISA), uma história em movimento”, de
Popular e Saúde, pelo Departamento reúne 178 artigos Marlene Ribeiro. Há textos sobre a
de Metodologia de Ensino da UFSCar e assinados, 200 ima- relação entre cidadania, politecnia e
pelo Grupo de Pesquisa Práticas Sociais gens fotográficas, emancipação e uma entrevista com o
e Processos Educativos. 36 mapas e depoi- professor Yves Schwartz, diretor cien-
Data 9 a 11 de março de 2007 mentos de índios, tífico do Departamento de Ergologia
Local Universidade Federal de São analisando os conflitos de terras, a da Universidade de Provence (França),
Carlos, São Carlos, São Paulo preservação da biodiversidade nas que mantém laços de cooperação com
Mais informações terras indígenas e a ameaça do agro- grupos de pesquisa na Fiocruz nas
Tel. (16) 3351-8372 ou 3351-8373 negócio a esses povos. Destaca ainda áreas de saúde pública, trabalho e
E-mail encontroeps@power.ufscar.br a demografia, as línguas e a saúde ambiente desde os anos 90.
Site www.ufscar.br/encontroeps dos índios. Essa é a décima edição da Para acessar os textos comple-
publicação, que anteriormente era tos da revista, consulte: www.epsjv.
INTERNET produzida pelo Centro Ecumênico de fiocruz.br/revista.
Documentação e Informação (Cedi).
CARTILHA DOS MEDICAMENTOS
ENDEREÇOS
Conselho INFORMAÇÃO
O Regional
de Medicina
EM SAÚDE

Informação e saú-
ISA — Loja Virtual
Site www.socioambiental.org/loja
do Estado de, uma ciência e Editora Fiocruz
de São Paulo suas políticas em Av. Brasil, 4.036, sala 112
(Cremesp), uma nova era, de Manguinhos
o Conselho Maria Alice Fernandes CEP 21040-361 • Rio de Janeiro, RJ
Regional de Branco, publicado Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006
Farmácia do pela Editora Fiocruz, E-mail editora@fiocruz.br
Estado de São Paulo (CRF-SP) e o é baseado na tese Site www.fiocruz.br/editora
Instituto Brasileiro de Defesa do de doutorado da au-
Consumidor (Idec) acabam de lançar tora, em que analisa a trajetória da Escola Politécnica de Saúde
a cartilha Medicamento: um direito política nacional de informação em Joaquim Venâncio
essencial. Direcionada a usuários e saúde até anos recentes, abordando Tel (21) 3865-9853
consumidores, a publicação aborda o a emergência do conceito de rede e E-mail revtes@fiocruz.br
direito de acesso aos medicamentos sua crescente incorporação ao mundo
RADIS 53  JAN/2007
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Pós-tudo

Obesidade:
consumo e produção
público, por sua vez, mesmo tendo aces-
Vivian Braga so a informações sobre saúde, continua
consumindo mais alimentos ricos em
s dados divulgados pelo IBGE calorias e pobres em nutrientes.

O alarmaram com os números


sobre obesidade em nosso
país, especialmente a infan-
to-juvenil. Entre adolescentes de 10 a
19 anos, 16,7% sofrem de excesso de
Destaca-se que os alimentos in-
dustrializados considerados saudáveis,
lights, diets, massas integrais, 0% de gor-
dura, sem conservantes etc., ganham es-
paço nas prateleiras dos supermercados.
peso. Afirma-se que esse crescimento é Os alimentos orgânicos, como alternativa
maior nas famílias mais ricas (apesar de in natura e produzidos sem agrotóxi-
também ter crescido significativamente cos, estão cada vez mais presentes nas
nas mais pobres), que moram em áreas grandes redes e em feiras específicas de
urbanizadas e incide mais sobre os meni- alimentação. No entanto, esses produtos
nos do que as meninas. Já os dados sobre considerados saudáveis ainda estão fora
a população em geral indicam que 38,5% do alcance da maioria da população,
estão acima do peso, dos quais 40,6% devido aos altos preços se comparados
são adultos(as) e, entre esses, 11% são belece hierarquias, alcança os desejos aos alimentos convencionais. Dessa ma-
considerados(as) obesos(as). e, portanto, mexe com as emoções. neira, para promover alguma mudança
Esta realidade traz à tona não Uma vez conhecidos os aspectos nos hábitos, seria necessário conciliar
apenas os hábitos alimentares, mas definidores da formação do gosto e políticas que facilitem o acesso da popu-
sobretudo um conjunto de fatores que dos determinantes do consumo, temos lação às informações sobre alimentação
determinam os padrões de produção e fundamentos para elaborar políticas saudável e, sobretudo, aos alimentos
consumo de alimentos no país. E ainda públicas de educação alimentar e saudáveis, tornando-os disponíveis no
aponta a necessidade de estarmos torná-las efetivas. No entanto, isso mercado a preços acessíveis.
abertos(as) a novas políticas públicas não pode ser feito negligenciando-se As políticas públicas de educação
voltadas para a questão alimentar. a importância do nosso modelo de pro- alimentar e a legislação que regula
Sabe-se que o hábito alimentar dução alimentar e sua estreita relação a publicidade de alimentos precisam
de cada pessoa, grupo ou sociedade com o crescimento da obesidade. caminhar juntas com políticas que in-
é determinado por inúmeros fatores Reconhecendo que o modelo de centivem a diversidade alimentar, tanto
associados — biológicos, psicológicos e produção é um processo cultural, pode- no âmbito da produção quanto no da
culturais, além dos econômicos. Alguns mos dizer que aquilo que uma socieda- comercialização. Diversificar a alimen-
estudiosos reconhecem o papel da famí- de produz — respeitando lógicas de do- tação é importante do ponto de vista
lia como fundamental nessa formação: minação específicas — é a reprodução não só da saúde, mas também de outros
as mães são as principais responsáveis da cultura em objetos e bens. Tudo é contextos relacionados à valorização
pelo alimento que entra em casa, mes- produzido de acordo com classificações de culturas alimentares locais, e ainda
mo que a interação social da criança sociais de situações e de atividades e de permite a inclusão dos pequenos produ-
também seja importante. Afirmam que acordo com o status das pessoas. Isso tores (agroalimentares e de pequenas
a idade é uma variável determinante explica, em parte, a especialização da empresas) aos mercados, normalmente
na identificação do gosto alimentar. produção contemporânea de alimentos dominados pela grande indústria.
(...) Além da idade, observa-se que di- em torno das diferenças significativas Ações como essas podem promo-
ferentes pressões sociais incidem sobre da sociedade (homem-mulher, novo- ver o desenvolvimento, estimulando
os meninos e as meninas e isso gera velho, rico-pobre...). Grosso modo, a economia com base em vocações
diferenças de comportamento alimen- aquilo que é produzido atende a nichos locais. Além disso, ao assumir essa
tar. (...) Outros argumentos indicam de mercado, conforme termo utilizado responsabilidade social, as políticas de
a forte interferência da publicidade pela publicidade. educação alimentar não serão rotuladas
na formação do gosto alimentar das (...) Ela, sobretudo, induz ao con- de moralizantes, no sentido de ditarem
pessoas. A serviço das multinacionais, sumo de alguns produtos simplesmente os padrões de consumo da população,
que controlam a produção mundial de por termos mais facilidade de acesso principalmente das camadas mais bai-
alimentos, a publicidade agrega aos a eles do que a outros. Nesse sentido, xas. Por fim, tais medidas constituem-
alimentos símbolos e significados, esta- nosso modelo de produção e distribuição se em excelente exercício de práticas
privilegia a alimentação industrializada, que visam fortalecer a democracia.
* Antropóloga, pesquisadora do Ibase (www. o que é facilmente constatado, dada a Não pelo direito de consumir, mas pelo
ibase.org.br); artigo publicado no Jornal da predominância das redes de supermer- poder de decidir de fato sobre o que
Cidadania, nº 137, de 27/10/2006. cados com produtos dessa natureza. O produzir e consumir.
Cadernos de Saúde Pública é uma publicação mensal editada
pela Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz,
que se destina a veiculação de artigos técnico-científicos que
contribuam ao estudo da Saúde Pública em geral e áreas afins,
como epidemiologia, controle de endemias e de vetores,
avaliação nutricional, saúde ambiental, planejamento, saúde
do trabalhador e ciências sociais em saúde.

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