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2005

José Américo Miranda


(Organizador)

POESIA BRASILEIRA
ÉPOCA NEOCLÁSSICA
antologia

Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
publicacoesonline@hotmail.com

Diretoria da Faculdade de Letras


Prof.ª Eliana Amarante de Mendonça Mendes

Vice-Diretora
Prof.ª Verônika Benn-Ibler

Projeto Gráfico da Capa


Glória Campos

Preparação e revisão do texto


José Américo Miranda

Acabamento
Humberto Mendes

Endereço para correspondência:


FALE/UFMG – Setor de Publicações
Av. Antônio Carlos, 6627 – sala 3025
31270-901. Belo Horizonte/MG
Fone / Fax: (31)3499-6007
E-mail: relin@letras.ufmg.br
SUMÁRIO

Antônio Dinis da Cruz e Silva ...................................................7

Cláudio Manuel da Costa.........................................................13

Tomás Antônio Gonzaga .........................................................31

Manuel Inácio da Silva Alvarenga...........................................42

Inácio José de Alvarenga Peixoto............................................46

Santa Rita Durão......................................................................48

Basílio da Gama.......................................................................51

Alexandre de Gusmão..............................................................52

Francisco Vilela Barbosa .........................................................55

Frei Francisco de São Carlos ...................................................57

José da Natividade Saldanha ...................................................58

Joaquim José Lisboa ................................................................61

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ANTÔNIO DINIS DA CRUZ E SILVA Em breve pelos circunstantes bosques
A fama se espalhou, e não havia
A TIJUCA – METAMORFOSE I Algum habitador daqueles matos,
Que os despojos render-lhe não viesse,
Ao Senhor Luís de Figueiredo Como a Deidade tutelar das selvas,
Das mortas aves, das rendidas feras.
Entre os soberbos montes, que formando Diana em tanto, que invejosa olhava
Em seu ameno dilatado seio Suas aras sem culto, sem ofrendas,
Do Rio a graciosíssima baía, Contra Tijuca de cruenta sanha
Do mar, que em vagas muge, a fúria quebram, Vingativa se armou. Ah como cabem
Numa densa floresta, que se eleva Nos ânimos celestes tantas iras!
De alcantilada serra sobre o cume Um dia pois que a Ninfa trabalhada
Às altas nuvens, tinha seu albergue De render a seus pés aves e feras,
Tijuca, do Brasil formosa ninfa. Dum cristalino córrego nas margens
Desde a primeira idade desprezando Ao som de suas águas adormece;
De Minerva os estudos, suas artes, A um fauno hirsuto manda, que lhe furte,
Suas delícias eram pelas selvas Enquanto ela dormia, setas e arco
Seguir as montarazes brutas feras. Dum ramo onde pendentes as deixara.
De mil graças em vão, de mil encantos Então vendo-a sem armas, do mais denso
Seu gentil rosto, seu airoso talho Da intrincada floresta prontamente
Ornara liberal a Natureza: Contra a inocente, descuidada Ninfa
Em vão ante seus olhos, sacudindo Um faminto, açodado Tigre envia;
As luminosas teias, em mil giros, Que sobre a preia fita a acesa vista,
Voa o casto Himeneu, Cupido voa, A devorá-la corre, e com a fúria
De extremosos amantes os suspiros Estalar faz os troncos, qu’encontrava.
A seus pés ofertando; que Tijuca Ao ruído assustada acorda a Ninfa;
Em seus feros prazeres embebida, E ao ver a voraz fera, a mão estende
Da caça à ambição tudo pospunha. Ao ramo onde seu arco pendurara.
Na estendida Comarca não existe, Mas qual seu pasmo foi, quando o não acha!
Nem em seus arredores agra serra, Outro meio então vendo lhe não resta
Ou fechada floresta, impenetrável Para a vida salvar, mais do que a fuga,
De seus fragueiros pés a ligeireza: De seus pés encomenda à ligeireza.
Os ares não cruzava veloz ave, Corria tão veloz que o leve vento
Ou o mato intrincado brava fera Mal pudera igualar sua carreira.
Segura de seu arco aos prontos tiros, Já grande espaço a famulenta fera
Por mais que a Natureza em vão a armasse Deixava atrás de si, e já se cria
De agudas presas, de ligeiras penas: Livre de seu furor, quando na borda
De seu valor e sua formosura D’improviso se vê duma alta rocha,
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Que num vale profundo se despenha, Esta, meu caro Lísio, é da Tijuca
Toda talhada a pique. Nesse instante A famosa Cascata. Se tu queres,
Quem poderá dizer qual de Tijuca Enquanto em paz de Nêmesis descansa
Foi a grande aflição, foi o desmaio! A balança fiel, ali podemos
Duma parte vibrando as curvas garras Das Musas na suave companhia
Já quase sobre si o Tigre via; Alguns dias passar em útil ócio.
Ante seus olhos da outra contemplava
Num cego abismo aberta a sepultura: Soneto XXIII – 1
Não há a quem se acorra mais que aos Deuses,
E aos Deuses se volvia: fita a vista Por um monte coberto de verdura,
No Céu, aos Céus as palmas estendendo, Que se vai no Mondego despenhando,
Entre tristes soluços assim clama: Vinha o saudoso Elpino descantando
Se a vós, imortais Numes, algum dia De sua amada Ninfa a formosura.
Chegou de minhas vítimas o cheiro,
Apiedai-vos de mim, Numes, valei-me. Soava a doce voz pela espessura,
Disse, e subitamente de seus olhos Os mais duros rochedos abalando;
Em borbotões rebentam duas fontes: E por ouvi-la as águas enfreando,
Pelo nevado colo gotejando Não corre o rio, a fonte não murmura.
Os seus soltos cabelos se convertem
De cristalino humor em longos fios: Cansado de lidar com a fantasia,
Dos estendidos torneados dedos No ramo de um carvalho pendurava
Ao mesmo tempo aos livres ares pulam, A frauta, com que o vento adormecia:
Borrifando de em torno as verdes plantas,
Outros tantos esguichos de água clara: E na terra, que em lágrimas banhava,
E em dois ferventes jorros pouco a pouco Com a ponta do cajado Aônia abria;
Resvalando lhe vão os pés formosos. E suspirando imóvel se ficava.
Enfim, qual d’alta serra a branca neve
Com os raios do Sol cai derretida, Soneto VI – 2
Despenhando se vai pela agra serra
Toda em água Tijuca transmudada; Amenos bosques cheios de verdura,
Que junta lá no vale, o Rio forma, Claras, e mansas águas do Mondego,
Que da Ninfa inda tem o antigo nome; Que o Mar buscais correndo com sossego
E girando qual serpe tortuosa Por entre a fresca sombra da espessura;
Por entre o denso mato, está mostrando
O grande amor, que viva às selvas tinha. Saudoso monte, em cuja penha dura
Tantos troféus se imprimem de Amor cego,
Que já deste a meus versos doce emprego,
Enquanto vivi livre e com ventura:

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Soneto LXII – 2
Eu me aparto de vós; porque o meu Fado,
Unido com Amor, me não consente, Numa rocha, que o mar Siciliano
Que logre vosso influxo sossegado: Com suas ondas de contínuo cava,
O fero Polifemo assim cantava,
Ficai em paz, que eu inda que a corrente E a rouca voz atroa o golfo insano:
Do turvo Letes passe, o doce estado
Na lembrança terei sempre presente. “Galatéia mais cruel que tigre Hircano
Mais surda que áspid, e que o mar mais brava,
Soneto XV – 2 Pois foges de um Pastor que te adorava,
Baco me livrará de Amor tirano.”
Sobre uma rocha, que à corrente fria
Do claro Tejo fica sobranceira, Isto dizendo, de um pipote pega
Uma barca, que o Rio abre ligeira, De vinho moscatel, e assim exclama:
Treséia com os gentis olhos seguia: “Doce sumo, o melhor de minha adega!

E enquanto o leve pinho prosseguia Amor afoga, que meu peito inflama!”
Cada vez mais veloz sua carreira, Então o grosso vaso à boca chega,
Arrancando do peito a voz inteira, E nas entranhas seu licor derrama.
Entre soluços mil assim dizia:

“Onde, oh barco cruel, onde correndo


O meu Elpino levas? ah! dize, onde?
Ventos, por piedade ide-o detendo:”

No horizonte entretanto ele se esconde;


E às queixas, que sem fim fica fazendo,
Eco só dentre as penhas lhe responde.

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CLÁUDIO MANUEL DA COSTA Soneto III
Soneto I
Pastores, que levais ao monte o gado,
Para cantar de Amor tenros cuidados, Vede lá como andais por essa serra;
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento; Que para dar contágio a toda a terra,
Ouvi pois o meu fúnebre lamento; Basta ver-se o meu rosto magoado:
Se é, que de compaixão sois animados:
Eu ando (vós me vedes) tão pesado;
Já vós vistes, que aos ecos magoados E a Pastora infiel, que me faz guerra,
Do Trácio Orfeu parava o mesmo vento; É a mesma, que em seu semblante encerra
Da lira de Anfião ao doce acento A causa de um martírio tão cansado.
Se viram os rochedos abalados.
Se a quereis conhecer, vinde comigo,
Bem sei, que de outros Gênios o destino, Vereis a formosura, que eu adoro;
Para cingir de Apolo a verde rama, Mas não; tanto não sou vosso inimigo:
Lhes influiu na lira estro divino;
Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro;
O canto, pois, que a minha voz derrama, Que se seguir quiserdes, o que eu sigo,
Porque ao menos o entoa um Peregrino, Chorarei, ó Pastores, o que eu choro.
Se faz digno entre vós também de fama.
Soneto IV
Soneto II
Sou pastor; não te nego; os meus montados
Leia a posteridade, ó pátrio Rio, São esses, que aí vês; vivo contente
Em meus versos teu nome celebrado, Ao trazer entre a relva florescente
Porque vejas uma hora despertado A doce companhia dos meus gados;
O sono vil do esquecimento frio:
Ali me ouvem os troncos namorados,
Não vês nas tuas margens o sombrio, Em que se transformou a antiga gente;
Fresco assento de um álamo copado; Qualquer deles o seu estrago sente;
Não vês Ninfa cantar, pastar o gado Como eu sinto também os meus cuidados.
Na tarde clara do calmoso estio.
Turvo banhando as pálidas areias Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Nas porções do riquíssimo tesouro Firmes vos contemplastes, e seguros
O vasto campo da ambição recreias. Nos braços de uma bela companhia;

Que de seus raios o Planeta louro, Consolai-vos comigo, ó troncos duros;


Enriquecendo o influxo em tuas veias, Que eu alegre algum tempo assim me via;
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro. E hoje os tratos de Amor choro perjuros.

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Soneto V Soneto XIV

Se sou pobre Pastor, se não governo Quem deixa o trato pastoril amado
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes; Pela ingrata, civil correspondência,
Se em frio, calma, e chuvas inclementes Ou desconhece o rosto da violência,
Passo o verão, outono, estio, inverno; Ou do retiro a paz não tem provado.

Nem por isso trocara o abrigo terno Que bem é ver nos campos trasladado
Desta choça, em que vivo, coas enchentes No gênio do Pastor, o da inocência!
Dessa grande fortuna: assaz presentes E que mal é no trato, e na aparência
Tenho as paixões desse tormento eterno. Ver sempre o cortesão dissimulado!

Adorar as traições, amar o engano, Ali respira Amor sinceridade;


Ouvir dos lastimosos o gemido, Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Passar aflito o dia, o mês, e o ano; Um só trata a mentira, outro a verdade.

Seja embora prazer; que a meu ouvido Ali não há fortuna que soçobre;
Soa melhor a voz do desengano, Aqui quanto se observa, é variedade:
Que da torpe lisonja o infame ruído. Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
Soneto VIII Soneto XVIII
Este é o rio, a montanha é esta, Aquela cinta azul, que o Céu estende
Estes os troncos, estes os rochedos; À nossa mão esquerda, aquele grito,
São estes inda os mesmos arvoredos; Com que está toda a noite o corvo aflito
Esta é a mesma rústica floresta. Dizendo um não sei quê, que não se entende;

Tudo cheio de horror se manifesta, Levantar-me de um sonho, quando atende


Rio, montanha, troncos, e penedos; O meu ouvido um mísero conflito,
Que de amor nos suavíssimos enredos A tempo, que o voraz lobo maldito
Foi cena alegre, e urna é já funesta. A minha ovelha mais mimosa ofende;

Oh quão lembrado estou de haver subido Encontrar a dormir tão preguiçoso


Aquele monte, e as vezes, que baixando Melampo, o meu fiel, que na manada
Deixei do pranto o vale umedecido! Sempre desperto está, sempre ansioso;

Tudo me está a memória retratando; Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Que da mesma saudade o infame ruído Mas de tão triste agouro cuidadoso
Vem as mortas espécies despertando. Só me lembro de Nise, e de mais nada.

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Soneto XXVI Soneto XXIX

Não vês, Nise, este vento desabrido, Ai Nise amada! se este meu tormento,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta, Se estes meus sentidíssimos gemidos
Que vem cobrindo o Céu, sombra funesta, Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Entre o horror de um relâmpago incendido? Achar pudessem brando acolhimento;

Não vês a cada instante o ar partido Como alegre em servir-te, como atento
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta, Meus votos tributara agradecidos!
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta, Por séculos de males bem sofridos
O raio a cada instante despedido. Trocara todo o meu contentamento.

Ah! não temas o estrago, que ameaça Mas se na incontrastável pedra dura
A tormenta fatal; que o Céu destina De teu rigor não há correspondência,
Vejas mais feia, mais cruel desgraça: Para os doces afetos de ternura;

Rasga o meu peito, já que és tão ferina; Cesse de meus suspiros a veemência;
Verás a tempestade, que em mim passa; Que é fazer mais soberba a formosura
Conhecerás então, o que é ruína. Adorar o rigor da resistência.
Soneto XXVIII Soneto XLVII
Faz a imaginação de um bem amado, Que inflexível se mostra, que constante
Que nele se transforme o peito amante; Se vê este penhasco! já ferido
Daqui vem, que a minha alma delirante Do proceloso vento, e já batido
Se não distingue já do meu cuidado. Do mar, que nele quebra a cada instante!

Nesta doce loucura arrebatado Não vi; nem hei de ver mais semelhante
Anarda cuido ver, bem que distante; Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Mas ao passo, que a busco, neste instante Jamais pode fazer, que enternecido
Me vejo no meu mal desenganado. Seu peito atenda às queixas de um amante.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo, Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,
E por força da idéia me converto Que vês nesse penhasco, essa dureza
Na bela causa de meu fogo ativo; Há de ceder aos golpes algum dia:

Como nas tristes lágrimas que verto, Mas que diversa é tua natureza!
Ao querer contrastar seu gênio esquivo, Dos contínuos excessos da porfia,
Tão longe dela estou, e estou tão perto. Recobras novo estímulo à fereza.

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Soneto LIX Soneto LXIII

Lembrado estou, ó penhas, que algum dia, Já me enfado de ouvir este alarido,
Na muda solidão deste arvoredo, Com que se engana o mundo em seu cuidado;
Comuniquei convosco o meu segredo, Quero ver entre as peles, e o cajado,
E apenas brando o Zéfiro me ouvia. Se melhora a fortuna de partido.

Com lágrimas meu peito enternecia Canse embora a lisonja ao que ferido
A dureza fatal deste rochedo, Da enganosa esperança anda magoado;
E sobre ele uma tarde triste, e quedo Que eu tenho de acorlher-me sempre ao lado
A causa de meu mal eu escrevia. Do velho desengano apercebido.

Agora torno a ver, se a pedra dura Aquele adore as roupas de alto preço,
Conserva ainda intacta essa memória, Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Que debuxou então minha escultura. Todos se enganam com igual excesso.

Que vejo! esta é a cifra: triste glória! Eu não chamo a isto já felicidade:
Para ser mais cruel a desventura, Ao campo me recolho, e reconheço,
Se fará imortal a minha história. Que não há maior bem, que a soledade.
Soneto LXII Soneto LXXVI
Torno a ver-vos, ó montes; o destino Enfim te hei de deixar, doce corrente
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros; Do claro, do suavíssimo Mondego;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros Hei de deixar-te enfim; e um novo pego
Pelo traje da Corte rico, e fino. Formará de meu pranto a cópia ardente.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino, De ti me apartarei; mas bem que ausente,
Os meus fiéis, meus doces companheiros, Desta lira serás eterno emprego;
Vendo correr os míseros vaqueiros E quanto influxo hoje a dever-te chego,
Atrás de seu cansado desatino. Pagará de meu peito a voz cadente.

Se o bem desta choupana pode tanto, Das Ninfas, que na fresca, amena estância
Que chega a ter mais preço, e mais valia, Das tuas margens úmidas ouvia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto; Eu terei sempre n'alma a consonância;

Aqui descanse a louca fantasia; Desde o prazo funesto deste dia


E o que té agora se tornava em pranto, Serão fiscais eternos da minha ânsia
Se converta em afetos de alegria. As memórias da tua companhia.

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Soneto LXXXIII Soneto XCIX

Polir na guerra o bárbaro Gentio, Parece, ou eu me engano, que esta fonte


Que as leis quase ignorou da natureza, De repente o licor deixou turvado;
Romper de altos penhascos a rudeza, O Céu, que estava limpo, e azulado,
Desentranhar o monte, abrir o rio; Se vai escurecendo no Horizonte:

Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio Porque não haja horror, que não aponte
Do russiano Herói, esta a grandeza, O agouro funestíssimo, e pesado,
Que igualou de Alexandre a fortaleza, Até de susto já não pasta o gado;
Que venceu as desgraças de Dario: Nem uma voz se escuta em todo o monte.

Mas se a lei do heroísmo se procura, Um raio de improviso na celeste


Se da virtude o espírito se atende, Região rebentou: um branco lírio
Outra idéia, outra máxima o segura: Da cor das violetas se reveste;

Lá vive, onde no ferro não se acende; Será delírio! não, não é delírio.
Vive na paz dos povos, na brandura: Que é isto, Pastor meu? que anúncio é este?
Vós a ensinais, ó Rei; em vós se aprende. Morreu Nise (ai de mim!) tudo é martírio.
Soneto XCVIII Soneto C
Destes penhascos fez a natureza Musas, canoras Musas, este canto
O berço, em que nasci: oh quem cuidara, Vós me inspirastes, vós meu tenro alento
Que entre penhas tão duras se criara Erguestes brandamente àquele assento
Uma alma terna, um peito sem dureza! Que tanto, ó Musas, prezo, adoro tanto.

Amor, que vence os Tigres, por empresa Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto,
Tomou logo render-me; ele declara Tudo o que entoa o músico instrumento;
Contra o meu coração guerra tão rara, Mas se o favor me dais, ao mundo atento
Que não me foi bastante a fortaleza. Em assunto maior farei espanto.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, Se em campos não pisados algum dia
A que dava ocasião minha brandura, Entra a Ninfa, o Pastor, a ovelha, o touro,
Nunca pude fugir ao cego engano: Efeitos são da vossa melodia;

Vós, que ostentais a condição mais dura, Que muito, ó Musas, pois, que em fausto agouro
Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Cresçam do pátrio rio à margem fria
Onde há mais resistência, mais se apura. A imarcessível hera, o verde louro!

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ARÚNCIO - ÉCLOGA V Alc. Triste e funesto caso! As Ninfas belas
Do pátrio Ribeirão tanto choraram,
Frondoso e Alcino Que inda alívio não há, nem gosto entre elas.

Fron. Em vão te estás cansando o dia inteiro, Os gados largos dias não pastaram;
Alcino, em perguntar, que significa E mugindo à maneira de sentidos,
Este, que vês cortar, triste letreiro: A pele sobre os ossos encostaram.

Ele não é debalde: aqui se explica Os Mochos pelas faias estendidos


Tudo, quanto há de grande, novo, e raro, Enchendo a terra, e Céu de mil agouros,
Na pobre aldeia, e na cidade rica. Espalharam tristíssimos grasnidos.

Nada pode escapar do golpe avaro... Os campos, que té ali se viam louros
(Diz esta cifra breve): agora entende; Com o matiz vistoso das searas,
Que deste dito o assunto eu não declaro. Perderam de repente seus tesouros:

Alc. Se o meu juízo o caso compreende, Fron. Esses sinais, Alcino, se reparas,
Essa letra, que entalhas, e que admiro, Dizem cousa maior, que sentimentos
Com a morte de Arúncio fala, ou prende. Consagrados da morte sobre as aras.

Fron. Ah! Que arrancas um mísero suspiro Quando há mostras no Céu, quando há portentos
Do centro de minha alma; o nome amado Na terra, algum segredo há, não sei onde,
Me faz deixar a vida, que respiro. Que não é para humanos pensamentos.

Alc. Eu bem via, que estava o teu cuidado, Ao meu conhecimento não se esconde
Frondoso meu, lembrando a triste morte A grandeza do golpe: mas alcanço,
Desse caro Pastor, tão estimado. Que a tanta perda a dor não corresponde.

Fron. E quando esperas tu, que o fatal corte, De te buscar exemplos me não canso;
Que de mim separou tão doce Amigo, Só te lembro porém, que o tronco duro
Possa romper de amor o laço forte! Faz mais estrago do que o arbusto manso.

Primeiro se verá nascer o trigo


No Céu; dará primeiro a terra estrelas,
Que tenha esta lembrança algum perigo.

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Alc. O que queres dizer, eu conjecturo: Fron. Meu pensamento, Amigo, não se atreve
No vime, e no carvalho há igual ruína: A lembrar-se (ai de mim!) da mortal hora.
Igual a conseqüência eu não seguro. Em que via acabar vida tão breve.

Aquele cai sem dano, este destina Quem fora duro seixo, ou bronze fora,
Fatal estrago a tudo, o que está posto Para animar agora na lembrança
Debaixo dele. É isto? Ora imagina. Aquela imagem, com que esta alma chora!

Fron. Jove aparte de nós tanto desgosto: Eu vi, Alcino, eu vi, que na mudança,
Baste, para avivar nossa saudade, Que do caduco a Eterno bem fazia,
O ser cortado em flor aquele rosto. A alma tinha cheia de esperança.

Contente-se da morte a crueldade Tudo, o que era mortal, aborrecia:


Em nos levar com passo tão ligeiro A cópia dos seus gados, o cajado,
Uma tão bela, tão mimosa idade. (Bem que era de ouro fino) em nada havia.

Roubou-nos um Pastor, que era o primeiro Em vão o molestava o doce estado


Entre os nossos do monte; ele nos dava Da honra, e da grandeza: a Jove entregue
As justas leis no campo, e no terreiro. O espírito seguia outro cuidado.

Ele as dúvidas nossas concertava; Mas ai, Alcino! A voz já não prossegue;
E sendo Maioral, por arte nova, Que tudo, o que a memória vem trazendo,
Com respeito o agrado temperava. Receio, Amigo, que a matar-me chegue.

De mil virtudes suas nos deu prova; Alc. As Ninfas do Mondego estou já vendo
Sempre a bem dirigindo os nossos passos. Descerem para nós com triste pranto.
Oh quanto esta lembrança a dor renova! Ou eu me engano, ou elas vêm dizendo:

Alc. Ai! E com quanta mágoa nos teus braços Se do lírio, da murta, e do amaranto
Eu vi, Frondoso meu, que Arúncio esteve Cercada deve ser a sepultura
Desatando da vida os doces laços! De Arúncio, a nós nos toca ofício tanto.

Nós o criamos, com feliz ternura,


Dando-lhe o mel, e o leite: a nós nos toca
Mandar o corpo belo à terra dura.

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Fron. De outro lado igualmente se provoca Alc. Oh! Contente-se embora o claro Tejo
O Tejo (onde ele viu a luz primeira): De haver ao mundo dado, quem lhe ganha
E as Ninfas do centro úmido convoca. Fama, e nome a seu Reino assaz sobejo.

A mim só se me deve a glória inteira Contente-se o Mondego, que na estranha


(Fala o soberbo Tejo) eu o demando: Ventura de educá-lo, deu ao mundo,
Minha há de ser esta honra derradeira. Quem lhe soube adquirir glória tamanha.

Aqui lhe estou uma urna preparando, O fado, que conhece inda o mais fundo,
Coberta de um cipreste; onde a memória Quer, que guarde seu corpo a turva areia
Seu nome viverá sempre guardando. De outro Rio, mais triste, e mais profundo.

Do Rio, que seu curso não refreia


Por mais que voe a idade transitória,
Até chegar, onde entra a grande costa,
Nunca se há de apagar aquele afeto,
Que banha do Brasil salgada veia.
Que de Arúncio consagro à triste história.
Rio das Velhas se chama (se reposta
Durarás entre nós, Pastor discreto,
Buscamos nos antigos, a pintura
Renovando a lembrança de Corino,
Das Dórcades na história se vê posta).
Que da nossa saudade é inda objeto:
Os primeiros, que entraram na espessura
Ele te deu o ser; tu peregrino Dos ásperos sertões, dizem, que acharam
Retrato de seus dotes, consolavas Três bárbaras, já velhas, nesta altura.
Nosso desejo, tão constante, e fino.
Fron. Das três Parcas melhor eles tomaram
Aquele caro Irmão, que tanto amavas, O nome desse Rio; se é verdade,
Aônio, digo, aquele, a quem devias Que elas a vida humana governaram.
Toda a felicidade, que gozavas,
Triste sejas, ó Rio: a Divindade
Hoje lamenta teus saudosos dias; De Apolo, que em ti cria o amável ouro,
Hoje chora comigo: eu lhe desejo Se aparte do teu seio em toda a idade.
Alívio a tão cansadas agonias.
Não sejas da ambição rico tesouro:
Girar se vejam sobre as praias tuas
Os brancos cisnes não, aves d'agouro.

Do inverno as enxurradas levem cruas


As sementeiras, que teus campos criam:
Deixem só sobre a terra as pedras nuas.

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Tudo há de achar o fim: bem que a vaidade
Os pobres navegantes, que se fiam Em uma, e outra glória faça estudo,
Dessas funestas águas, desde agora Nada escapa à fatal voracidade.
Conheçam a traição, que não temiam.
Eu, que chego a pensá-lo, fico mudo;
Alc. E contra quem, Frondoso, inda em tal hora E só tiro por certa esta verdade:
Se armam as pragas tuas! Um delírio Que, se Arúncio acabou, acaba tudo.
Só para extremo tal desculpa fora.

Se Jove é quem nos manda este martírio,


Soframos o seu golpe: ao Pastor belo
Derramemos em cima o goivo, o lírio.

O nosso Ribeirão traz o modelo


Do enterro, que dispõe: nós entretanto
Demos a conhecer nosso desvelo.

Envolto o corpo em um cândido manto,


Que distingue de Deus o brasão nobre,
Aqui se of'rece para o nosso pranto,

Enquanto pois o corpo a terra cobre,


Seguindo o teu princípio, deixa, Amigo,
Que um voto lhe consagre um Pastor pobre,
Um voto, que se escreva em seu jazigo:

Soneto

Nada pode escapar do golpe avaro,


Alcino meu: que a Parca endurecida
Corta igualmente os fios de uma vida
Ao pastor pobre, ao cortesão preclaro.

Cresça embora esse tronco altivo, e raro,


Ostentação fazendo mais luzida;
Viva embora entre humilde, entre abatida,
Essa planta, a que o nome em vão declaro.

29 30
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA *Há-de, Marília, mudar-se
do destino a inclemência;
LIRA 65 (III – SEGUNDA PARTE) tenho por mim a inocência,
tenho por mim a razão.
*Sucede, Marília bela, Muda-se a sorte de tudo;
à medonha noite o dia; só a minha sorte não?
a estação chuvosa e fria
à quente, seca estação. O tempo, ó bela, que gasta
Muda-se a sorte dos tempos; os troncos, pedras e o cobre,
só a minha sorte não? o véu rompe, com que encobre
à verdade a vil traição.
Os troncos, nas primaveras, Muda-se a sorte de tudo;
brotam em flores, viçosos; só a minha sorte não?
nos invernos escabrosos *Qual eu sou, verá o mundo;
largam as folhas no chão. mais me dará do que eu tinha,
Muda-se a sorte dos troncos; tornarei a ver-te minha:
só a minha sorte não? que feliz consolação!
Não há-de tudo mudar-se,
Aos brutos, Marília, cortam só a minha sorte não?
armadas redes os passos;
rompem depois os seus laços, LIRA 68 (VI – SEGUNDA PARTE)
fogem da dura prisão.
Muda-se a sorte dos brutos; *De que te queixas,
só a minha sorte não? língua importuna?
De que a fortuna
Nenhum dos homens conserva roubar-te queira
alegre sempre o seu rosto; o que te deu?
depois das penas vem gosto, Este foi sempre
depois do gosto aflição. o gênio seu.
Muda-se a sorte dos homens;
só a minha sorte não? Levou, Marília,
a ímpia sorte
Aos altos deuses moveram Catões à morte;
soberbos gigantes guerra; nem sepultura
no mais tempo o Céu e a Terra lhes concedeu.
lhes tributa adoração. Este foi sempre
Muda-se a sorte dos Deuses; o gênio seu.
só a minha sorte não?
31 32
A outros muitos, LIRA 24 (V – PRIMEIRA PARTE)
que vis nasceram,
nem mereceram, Acaso são estes
a grandes tronos os sítios formosos,
a ímpia ergueu. aonde passava
Este foi sempre os anos gostosos?
o gênio seu. São estes os prados,
aonde brincava,
*Espalha a cega enquanto pastava
sobre os humanos o manso rebanho,
os bens e os danos, que Alceu me deixou?
e a quem se devam São estes os sítios?
nunca escolheu. São estes; mas eu
Este foi sempre o mesmo não sou.
o gênio seu. Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
A quanto é justo
jamais se dobra;
Daquele penhasco
nem igual obra
um rio caía;
cos mesmos deuses
ao som do sussuro
do caro céu.
que vezes dormia!
Este foi sempre
Agora não cobrem
o gênio seu.
espumas nevadas
Sobe ao céu Vênus as pedras quebradas:
num carro ufano; parece que o rio
e cai Vulcano o curso voltou.
da pura esfera, São estes os sítios?
em que nasceu. São estes; mas eu
Este foi sempre o mesmo não sou.
o gênio seu. Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
*Mas não me rouba,
bem que se mude, Meus versos, alegre,
honra e virtude: aqui repetia;
que o mais é dela, o eco as palavras
mas isto é meu. três vezes dizia.
Este foi sempre Se chamo por ele,
o gênio seu. já não me responde;
33 34
parece se esconde,
cansado de dar-me Minha alma, que tinha
os ais que lhe dou. liberta a vontade,
São estes os sítios? agora já sente
São estes; mas eu amor e saudade.
o mesmo não sou. Os sítios formosos,
Marília, tu chamas? que já me agradaram,
Espera, que eu vou. ah! não se mudaram;
mudaram-me os olhos,
Aqui um regato de triste que estou.
corria, sereno, São estes os sítios?
por margens cobertas São estes; mas eu
de flores e feno; o mesmo não sou.
à esquerda se erguia Marília, tu chamas?
um bosque fechado, Espera, que eu vou.
e o tempo apressado,
que nada respeita, LIRA 38 (XVIII – PRIMEIRA PARTE)
já tudo mudou.
São estes os sítios? Não vês aquele velho respeitável,
São estes; mas eu que, à muleta encostado,
o mesmo não sou. apenas mal se move e mal se arrasta?
Marília, tu chamas? Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo,
Espera, que eu vou. o tempo arrebatado,
que o mesmo bronze gasta!
Mas como discorro?
Acaso podia Enrugaram-se as faces e perderam
já tudo mudar-se seus olhos a viveza;
no espaço de um dia? voltou-se o seu cabelo em branca neve;
Existem as fontes já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
e os freixos copados; nem tem uma beleza
dão flores os prados, das belezas que teve.
e corre a cascata,
que nunca secou. Assim também serei, minha Marília,
São estes os sítios? daqui a poucos anos,
São estes; mas eu que o ímpio tempo para todos corre:
o mesmo não sou. os dentes cairão e os meus cabelos.
Marília, tu chamas? Ah! sentirei os danos,
Espera, que eu vou. que só evita quem morre.
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LIRA 34 (XIV – PRIMEIRA PARTE)
Mas sempre passarei uma velhice
muito menos penosa. Minha bela Marília, tudo passa;
Não trarei a muleta carregada, a sorte deste mundo é mal segura;
descansarei o já vergado corpo se vem depois dos males a ventura,
na tua mão piedosa, vem depois dos prazeres a desgraça.
na tua mão nevada. Estão os mesmos deuses
sujeitos ao poder do ímpio fado:
As frias tarde, em que negra nuvem Apolo já fugiu do céu brilhante,
os chuveiros não lance, já foi pastor de gado.
irei contigo ao prado florescente:
aqui me buscarás um sítio ameno, A devorante mão da negra morte
onde os membros descanse, acaba de roubar o bem que temos;
e ao brando sol me aquente. até na triste campa não podemos
zombar do braço da inconstante sorte:
Apenas me sentar, então, movendo qual fica no sepulcro,
os olhos por aquela que seus avós ergueram, descansado;
vistosa parte, que ficar fronteira, qual no campo, e lhe arranca os frios ossos
apontando direi: – Ali falamos, ferro do torno arado.
ali, ó minha bela,
te vi a vez primeira. Ah! enquanto os destinos impiedosos
não voltam contra nós a face irada,
Verterão os meus olhos duas fontes, façamos, sim, façamos, doce amada,
nascidas da alegria; os nossos breves dias mais ditosos.
farão teus olhos ternos outro tanto; Um coração que, frouxo,
então darei, Marília, frios beijos a grata posse de seu bem difere
na mão formosa e pia, a si, Marília, a si próprio rouba,
que me limpar o pranto. e a si próprio fere.

Assim irá, Marília, docemente Ornemos nossas testas com as flores,


meu corpo suportando e façamos de feno um brando leito;
do tempo desumano a dura guerra. prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Contente morrerei, por ser Marília gozemos do prazer de sãos amores.
quem, sentida, chorando Sobre as nossas cabeças,
meus baços olhos cerra. sem que o possam deter, o tempo corre;
e para nós o tempo que passa
também, Marília, morre.

37 38
Com os anos, Marília, o gosto falta, Cos doces pontos
e se entorpece o corpo já cansado: a mão atina,
triste, o velho cordeiro está deitado, e a voz iguala
e o leve filho, sempre alegre, salta. à voz divina.
A mesma formosura
é dote que só goza a mocidade: Ela, que teve
rugam-se as faces, o cabelo alveja, de rir-se a idéia,
mal chega a longa idade. nem move os olhos,
de assombro cheia.
Que havemos de esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias? Então Cupido
As glórias que vêm tarde, já vêm frias, aparecendo,
e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela. à bela fala,
Ah! não, minha Marília, assim dizendo:
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças, – Do teu amado
e ao semblante a graça. a lira fias,
só por que dele
LIRA 42 (XXIII – PRIMEIRA PARTE) zombando rias?
Num sítio ameno, Quando num peito
cheio de rosas, assento faço,
de brancos lírios, do peito subo
murtas viçosas, à língua e braço.
Dos seus amores
Nem creias que outro
na companhia,
estilo tome,
Dirceu passava
sendo eu o mestre,
alegre o dia.
a ação teu nome.
Em tom de graça
ao terno amante
manda Marília
que toque e cante.

Pega na lira,
sem que a tempere,
a voz levanta,
e as cordas fere.
39 40
LIRA 46 (XXVIII – PRIMEIRA PARTE) MANUEL INÁCIO DA SILVA ALVARENGA

Cupido, tirando OS SUSPIROS (RONDÓ XLV)


dos ombros a aljava,
num campo de flores Se algum dia, Glaura bela,
contente brincava. Visitar estes retiros;
Ouça os míseros suspiros,
E o corpo tenrinho Que infeliz entrego ao ar.
depois, enfadado,
incauto reclina Seja este áspero rochedo
na relva do prado. Quem repita as minhas mágoas;
E o ruído destas águas
Marília formosa, Quero lhe pinte o meu pesar.
que ao deus conhecia,
oculta, espreitava Ah! conserva, Amor, que ouviste
quanto ele fazia. O meu triste suspirar.

Mal julga que dorme, Guarda amante e compassiva


se chega, contente, Flébil Eco, que me escutas,
as armas lhe furta, Na aspereza destas grutas
e o deus a não sente. Retratado o meu penar.

Os Faunos, mal viram Aqui Glaura pela tarde


as armas roubadas, Que decline a calma espera,
saíram das grutas Qual a Deusa de Citera,
soltando risadas. Quando sai do fundo mar.

Acorda Cupido, Ah! conserva, Amor, que ouviste


e a causa sabendo, O meu triste suspirar.
a quantos o insultam
responde, dizendo:

– Temíeis as setas
nas minhas mãos cruas?
Vereis o que podem
agora nas suas.

41 42
O PRAZER (RONDÓ XXIV) Pelas sombras venturosas
De fecundos arvoredos
Sobre o feno recostado, Ouve Glaura os meus segredos,
Descansado afino a lira, Quando rosas vai colher.
Que respira com ternura
Na doçura do prazer. Já o Amor com ferro duro
Não me assalta, nem me ofende:
Amor a simples Natureza: Já suave o fogo acende,
Busquem outros a vaidade E mais puro o sinto arder.
Nos tumultos da cidade,
Na riqueza e no poder. Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
Desse pélago furioso Que respira com ternura
Não me assustam os perigos, Na doçura do prazer.
Nem dos ventos inimigos
O raivoso combater. Entre as graças e os Amores
Canto o Sol e a Primavera,
Sobre o feno recostado, Que risonha vem da Esfera
Descansado afino a lira, Tudo em flores converter.
Que respira com ternura
Na doçura do prazer. A inocência me acompanha;
Oh que bem! oh que tesoiro!
Pouca terra cultivada Vejo alegre os dias de oiro
Me agradece com seus frutos; Na montanha renascer.
Mas os olhos tenho enxutos,
Quanto agrada assim viver! Sobre o feno recostado,
Descansado afino a lira,
O meu peito só deseja Que respira com ternura
Doce paz neste retiro; Na doçura do prazer.
Por delícias não suspiro,
Onde a inveja faz tremer.

Sobre o feno recostado,


Descansado afino a lira,
Que respira com ternura
Na doçura do prazer.

43 44
MADRIGAL II INÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO

Ninfas e belas Graças, (Informação acrescentada por Joaquim Norberto de Sousa Silva: A D.
O Amor se oculta e não sabeis aonde: Bárbara Heliodora sua esposa remetida do cárcere das Ilha das Cobras.)
As vossas ameaças
Ele ouve, espreita, ri-se e não responde. Bárbara bela,
Mas, ah! cruel! e agora me traspassas? do Norte estrela,
Ninfas e belas Graças, que o meu destino
O Amor se oculta; eu já vos mostro aonde; sabes guiar,
Neste peito, (ai de mim!) o Amor se esconde! de ti ausente
triste, somente
MADRIGAL VIII as horas passo
a suspirar.
Adeus, ó doce lira; Isto é castigo
Ficarás neste ramo pendurada. que Amor me dá.
Ao vento, que suspira,
Responda a tua voz triste e cansada. Por entre as penhas
Já foste dedicada de incultas brenhas
Ao puro Amor, às Graças melindrosas: cansa-me a vista
Elas gemem saudosas, de te buscar;
E o mísero Pastor chorando expira porém não vejo
Adeus, ó doce lira, mais que o desejo,
Fiel e desgraçada; sem esperança
Ficarás neste ramo pendurada. de te encontrar.
Isto é castigo
MADRIGAL LVI que Amor me dá.

Mortal saudade, é esta a sepultura;


Já Glaura não existe;
Ah! como vejo triste em sombra escura
O campo, que alegravam os seus olhos!
Duros espinhos, ásperos abrolhos
Vejo em lugar das flores:
Chorai, ternos Amores,
Chorai comigo a infausta desventura:
É esta a sepultura:
Meu coração à mágoa não resiste:
Glaura bela (ai de mim!) já não existe!
45 46
Eu bem queria SANTA RITA DURÃO
a noite e o dia
sempre contigo CARAMURU
poder passar; CANTO VI (fragmento)
mas orgulhosa Depois de socorrer a tripulação duma nau espanhola naufragada, tomado
sorte invejosa, por saudades da Europa, embarca (Diogo Álvares) numa nau francesa com
desta fortuna Paraguaçu. Ocorre então a morte de Moema.
me quer privar.
Isto é castigo XXXVI
que Amor me dá. É fama então que a multidão formosa
Das damas, que Diogo pretendiam,
Tu, entre os braços, Vendo avançar-lhe a nau na via undosa,
ternos abraços E que a esperança de o alcançar perdiam,
da filha amada Entre as ondas com ânsia furiosa,
podes gozar. Nadando, o esposo pelo mar seguiam,
Priva-me a estrela E nem tanta água que flutua vaga
de ti e dela, O ardor que o peito tem, banhando apaga.
busca dois modos
de me matar! XXXVII
Isto é castigo, Copiosa multidão da nau francesa
que Amor me dá. Corre a ver o espetáculo assombrada;
E, ignorando a ocasião de estranha empresa,
Pasma da turba feminil que nada,
Uma, que às mais precede em gentileza,
Não vinha menos bela do que irada:
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.

XXXVIII
“Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem...
Porém o tigre, por cruel que brame,
Acha forças amor que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame.
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,
Como não consumis aquele infame?
Mas pagar tanto amor com tédio e asco...
Ah! que corisco és tu... raio... penhasco!

47 48
XXXIX XLII
Bem puderas, cruel, ter sido esquivo, Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Quando eu a fé rendia ao teu engano; Pálida a cor, o aspecto moribundo;
Nem me ofenderas a escutar-me altivo, Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Que é favor, dado a tempo, um desengano; Entre as salsas escumas desce ao fundo.
Porém, deixando o coração cativo, Mas na onda do mar, que irado freme,
Com fazer-te a meus rogos sempre humano, Tornando a aparecer desde o profundo:
Fugiste-me, traidor, e desta sorte “Ah Diogo cruel!” disse com mágoa,
Paga meu fino amor tão crua morte? E, sem mais vista ser, sorveu-se n’água.
(CONTINUA O CANTO VI)
XL
Tão dura ingratidão menos sentira
E esse fado cruel doce me fora,
Se a meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora!
Por serva, por escrava, te seguira,
Se não temera de chamar senhora
A vil Paraguaçu, que, sem que o creia,
Sobre ser-me inferior, é néscia e feia.

XLI
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar moribunda entre estas ondas;
Nem o passado amor teu peito incita
A um ai somente com que aos meus respondas!
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
(Disse, vendo-o fugir), ah não te escondas!
Dispara sobre mim teu cruel raio...”
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

49 50
BASÍLIO DA GAMA ALEXANDRE DE GUSMÃO
O URAGUAI
A Júpiter Supremo Deus do Olimpo (Soneto)
CANTO TERCEIRO (fragmento final)
Cacambo está morto. Lindóia é levada a uma gruta pela velha Númen que tens do mundo o regimento,
Tanajura e tem aí a visão do futuro (dentro da água de um vaso) – Se amas o bem, se odeias a maldade,
Lisboa destruída pelo terremoto de 1755 e reconstruída pelo Como deixas com prêmio a iniqüidade,
Marquês de Pombal. Ela antevê também a destruição da República E assoçobrado ao são merecimento?
Guaranítica. O fragmento que segue é o fim da cena da visão de
Como hei de crer qu’um imortal tormento,
Lindóia. Castigue a uma mortal leviandade?
Que seja ciência, amor, ou piedade
Embebida na mágica pintura Expor-me ao mal sem meu consentimento?
Goza as imagens vãs, e não se atreve
Lindóia a perguntar. Vê destruída Guerras cruéis, fanáticos tiranos,
A República infame, e bem vingada Raios, tremores, e as moléstias tristes,
A morte de Cacambo; e atenta, e imóvel Enchem o curso de pesados anos;
Apascentava os olhos e o desejo,
E nem tudo entendia; quando a velha Se és Deus, s’isto prevês, e assim persistes,
Bateu coa mão, e fez tremer as águas. Ou não fazes apreço dos humanos,
Desaparecem as fingidas torres, Ou qual dizem não és; ou não existes.
E os verdes campos; nem já deles resta
Leve sinal. Debalde os olhos buscam Ode
As naus: já não são naus, nem mar, nem montes, Move incessante as asas incansáveis
Nem o lugar, onde estiveram. Torna O tempo fugitivo,
Ao pranto a saudosíssima Lindóia, Atrás não volta, e aquele que aos amáveis
E de novo outra vez suspira, e geme. Prazeres se não dá, sem lenitivos
Até que a Noite compassiva, e atenta, Depois amargamente
Que as magoadas lástimas lhe ouvira, Chora o bem, que perdeu, e o mal que sente.
Ao partir sacudiu das fuscas asas,
Envolto em frio orvalho, um leve sono, Voa de flor em flora na Primavera
Suave esquecimento de seus males. A abelha cuidadosa;
(FIM DO CANTO TERCEIRO) Fabrica o doce mel, a branda cera,
Da suave estação os mimos goza,
Antes que o seco Estio
Abrase o verde campo e sorva o rio.

51 52
Dos fechados garnéis das loiras eiras Tu sabes, ó Marília, que eu te amo,
As próvidas formigas Que vives no meu peito,
Vão levando em solícitas fileiras Que é teu nome o nome por quem chamo,
O loiro trigo, e formam com fadigas Tu só por quem a Amor vivo sujeito;
Subterrâneo celeiro, Vem unir-te comigo,
Antes que as prive o frígido Janeiro. Faremos ao Amor um doce abrigo.

Em tudo nos descobre a Natureza, Vem, que ele aqui te espera, aqui o temos,
Ó Marília formosa, Aqui entre os meus braços:
Que é preciso do tempo a ligeireza Olha que o tempo foge, e não podemos
Fazê-la ao nosso gosto proveitosa; O seu curso deter; vem, move os passos,
Para o prazer nascemos, E aqui, em prazer grato,
Em prazeres o tempo aproveitemos. Das pombinhas seremos o retrato.

À fera, inda a mais fera, entre os rochedos


Da fragosa montanha,
E às aves nos copados arvoredos
A paixão não lhes é de amor estranha:
Em doce companhia
Passam o tempo sem perder um dia.

As ternas pombas, em que amor pintando


Está perfeitamente,
Ora beijando-se estão, ora catando-se
Ora entregues ao seu desejo ardente
Fazem... mas quem ignora?
O que Amor fazer manda quem se adora.

Vê que nos ternos brincos destas aves


Te deu, Marília bela,
De amoroso prazer lições suaves
A branda Humanidade: Amor é aquela
Paixão que ela mais preza.
Quem não ama desmente a Natureza.

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FRANCISCO VILELA BARBOSA Atrás porém seguindo vem seus passos
Imenso bando de cansados dias,
Ode IV Inda mais vagarosos, que caminha
Ai minha amada! que funesto anúncio! O réu para o suplício.
Palpita o coração, gela-se o sangue,
Corre um dia após outro, vão fugindo Mas que é isto, Marília? Tu suspiras?
Os rápidos instantes. Ah! não queiras sentir tão cedo os males;
Aproveitemos os finais instantes,
Na série destes dias, negro dia Que o tempo nos concede.
Eu descortino ao longe; em torno dele
Girando vêm os pálidos desgostos, Um minuto, que em gostos se aproveita,
E as saudades tiranas. Tem mais valor, que um século de penas:
E se estas inda um pouco a nós se escondem
Traz envolto o semblante em nuvens negras, Para que é já o pranto!
E na mão meneando a dura espada,
Que há de cortar o fio aos nossos gostos, Guardem-se os ternos choros para as horas,
Para nós se encaminha. Que hão de roubar-me tua doce vista,
Tornando em troca deste caro roubo
É este pois o dia, que no peito, Os tiranos pesares.
Onde moraram os prazeres doces,
Há de entornar da negra hipocondria Os Amores então quebrando as setas,
O licor amargoso. Carpirão junto a mim, de quando em quando
Repetindo nas margens do Mondego
Ainda bem ao pé de nós não chega, As lembranças do Rio.
Já nos vem acenando lá de longe
C’o decreto fatal do Tempo duro,
Que o meu desterro ordena.

Adiante guiando-o vêm dois dias,


Que correm mais velozes, do que o vento,
Que apenas toca com ligeiro sopro
As folhas da campina.

55 56
FREI FRANCISCO DE SÃO CARLOS JOSÉ DA NATIVIDADE SALDANHA

A Bernardo José de Lorena Ode Anacreôntica 1


Governador e Capitão-General de São Paulo O Galo da Campina

Um povo é semelhante ao mar irado Sigo teus vôos,


Indômito, inflexível, insolente: Gênio divino,
Mudável no conceito, e injustamente Cantor da Glória,
Crimina a mão que às leis o tem atado. Sonoro Elpino.

Se o mando obra justiça, é mui pesado; Campino Galo,


Se deixa o crime impune é indulgente; De garbo cheio,
Se se vale da indústria, é imprudente: No prado voa
Não se pode de todos ter agrado. De amar contente;
Orna-lhe a frente
Só vós, grande Senhor, com arte incrível, Vermelha c’roa.
Os extremos unistes de um projeto, Ave tão bela
Que vai tocar o reino do impossível. Não viu ninguém.

Pois no vosso governo, sábio e reto, Colar purpúreo


Soubestes granjear, coisa indizível, Lhe adorna o peito;
De gênios desiguais, igual afeto. Quando ele entoa
Doces amores,
Por entre as flores
A voz ressoa.
Ave tão bela
Não viu ninguém.

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Ode Anacreôntica 2 Ode Anacreôntica 3
O Xexéu O Ponche de Caju

Xexéu engraçado, Do loiro caju,


Gentil mangador, Anália, bebamos
Das aves Brasílias O ponche gostoso,
O encanto, e a flor. Que aviva o prazer;
Quem pode igualar-te Mais grato, que a ambrósia,
Mimoso Cantor! Que Jove no Olimpo
Se apraz de beber.
Orfeu sonoroso
Assim não cantava, Oh! como é formoso
Quando a Esposa bela O pomo suave
Do Erebro chamava, Ao cheiro, ao padar!
E as mágoas em cantos Se pomos tão belos
De amor transformava. Atlanta gozara,
Os d’oiro deixando,
Das aves imitas Nem quisera vê-los.
O vário gorjeio,
No canto suave Triunfe Alexandre
De harmonia cheio; No roxo Oriente,
Dos homens, dos Numes Que Baco domou:
És doce recreio. Deixa-lo vencer;
Anália, eu só quero
Adorna teu corpo O poncho agridoce,
Negraloira cor, Contigo beber.
Teu canto respira
Ternura, e amor.
Quem pode igualar-te
Mimoso Cantor!

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Referências bibliográficas
JOAQUIM JOSÉ LISBOA
ALVARENGA, Manuel Inácio da Silva. Glaura, poemas eróticos. Rio de
Onças do Brasil Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1943.
COSTA, Cláudio Manuel da. Obras poéticas. Rio de Janeiro: H. Garnier,
Quatro qualidades de onça 1903. t.I.
Nós temos, e temos lobos, DURÃO, Fr. José de Santa Rita. Caramuru. 4 ed. Rio de Janeiro: H.
Propensos a fazer roubos, Garnier, s.d.
Pois são do gado os ladrões. GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. São Paulo: Martins, 1953.
GONZAGA, Tomás Antônio. Poesias; Cartas chilenas. Rio de Janeiro:
Entre estas diversas onças, Instituto Nacional do Livro, 1957.
Há nelas diversas cores, GUSMÃO, Alexandre de. Obras. São Paulo: Cultura, 1945.
Porém todas são maiores, LAPA, M. Rodrigues. Vida e obra de Alvarenga Peixoto. Rio de Janeiro:
Do que o cruel lobo traidor. Instituto Nacional do Livro, 1960.
MARTINS, Heitor. Org. Neoclassicismo: uma visão temática. Brasília:
É parda a sassurana, Academia Brasiliense de Letras, 1982.
Porém mais destra em ciladas, SILVA, Antônio Dinis da Cruz e. Poesias. Lisboa: Lacerdina, 1807. t.I.
Há duas que são pintadas, SILVA, Antônio Dinis da Cruz e. OBRAS. Lisboa: Colibri, 2001. v.2.
E o tigre de negra cor. TEIXEIRA, Ivan. Ed. Obras poéticas de Basílio da Gama. São Paulo:
Edusp, 1996.
A Preguiça do Brasil

Temos animal felpudo,


De curtos, nervosos braços,
Que enquanto dá só dois passos,
Pode um homem dar três mil.

Maldito esse bicho seja,


Que tão mau costume tem;
Pois dele o nome nos vem
Da preguiça do Brasil.

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