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A linguagem (oral e es

escrita)
crita) em crianças do 1º cciclo:
iclo: contributos
para a modificabilidade cognitiva

João Pereira (2007)


A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Índice

Introdução . 3

I A capacidade de aprender a aprender ... .. . .. .. 6


1.1 A modificabilidade cognitiva .. .6
1.2 A aprendizagem da leitura/escrita e o desenvolvimento cognitivo ..... .8

II Abordagens ao desenvolvimento cognitivo ... ... 12


2.1 A psicologia do desenvolvimento . ... .. 12
2.2 A psicologia cognitiva/processamento da informação . .. 15
2.3 A neuropsicologica . 16
2.4 Abordagem desenvolvimental 16

III O desenvolvimento cognitivo e linguagem . 17


3.1 A fonologia . 19
3.2 A sintaxe ... .. 21
3.3 A semântica .... 22
3.4 A pragmática .. 26

IV PNEP, um percurso para a modificabilidade cognitiva . . 28


4.1 O trabalho em cooperação . . 28
4.2 Estratégias cognitivas ... . .. 33
4.3 Estratégias metacognitivas . 37
4.4 Actividades e procedimentos na sala de aula . 40

Conclusão .... 44

Bibliografia . 46

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Introdução

A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo do ensino básico, objecto do


Programa Nacional de Ensino do Português PNEP, vem proporcionar a oportunidade de
uma verdadeira mudança no ensino e na atitude dos professores para que as crianças criem,
através de actividades, estruturas cognitivas mais adequadas, mais complexas e mais
flexíveis. Esta oportunidade, capaz de interferir no desenvolvimento cognitivo do
indivíduo, proporciona um aumento do potencial de aprendizagem que se poderá
materializar numa capacidade de aprender a aprender, tão necessária nos nossos dias, plena
era da informação, onde aprender a aprender se torna uma sobrevivência estratégica. A
presente temática, A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a
modificabilidade cognitiva, é desenvolvida de acordo com as seguintes reflexões:

O nível cognitivo, ou seja, o processo e produto da actividade do cérebro e da sua


interacção com o envolvimento ecológico, está na origem da adaptabilidade e da
aprendizagem que caracteriza a espécie humana, sem as quais a civilização não se poderia
conceber, explicar e transformar. Porém, a aprendizagem humana e linguagem encontram-
se intrinsecamente associadas. A linguagem exige a integridade de certas zonas ou áreas do
cérebro consideradas cruciais para a hierarquia das suas estruturas, principalmente quando
se passa da evolução da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem da linguagem
escrita. Independentemente do nível cognitivo de cada indivíduo, é possível interferir no
seu potencial de aprendizagem que está na base do processo de aprendizagem, sendo este o
objectivo da nossa primeira abordagem, a capacidade de aprender a aprender Capítulo I.

Através de metodologias de ensino/aprendizagem activas e assentes na manipulação


de materiais e objectos, bem como pela aplicação de métodos da descoberta e através
confronto de pontos de vista diferentes, é possível proporcionar à criança um maior
desenvolvimento cognitivo e rendimento escolar, factores importantes do seu
desenvolvimento global e harmonioso, tal como é reforçado em abordagens da psicologia
do desenvolvimento, da psicologia cognitiva da informação, da neuropsicologia ou ainda

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pela abordagem desenvolvimental. Será esta a temática que continuaremos a perseguir, as


abordagens ao desenvolvimento cognitivo Capítulo II.

Segundo a teoria cognitivista, o desenvolvimento linguístico depende do


desenvolvimento cognitivo. A linguagem é um instrumento do pensamento. Este, tem
início antes do aparecimento da própria linguagem, ou seja, desde que a criança constrói
representações internas do real. Mais tarde, com o domínio dos sons da fala contempla dois
grandes aspectos: a discriminação auditiva capacidade de ouvir e reconhecer os diferentes
sons da linguagem, no que respeita aos aspectos segmentais e prosódicos; e a articulação
produção de sons e cadeias de sons da fala e as suas características prosódicas, como
variações de intensidade, de tom, de duração e ritmo da fala. Na mestria de qualquer língua
as palavras são imprescindíveis mas o cerne da construção frásica assenta na organização
das palavras entre si, a qual é regulada por um conjunto finito de regras que possibilita uma
produção infinita de enunciados. A criança continua a aprender palavras, mas agora
emparelhando uma sequência fónica específica com um significado preciso. O significado
da palavra só ganha existência na mente da criança falante de uma determinada língua, não
no mundo dos objectos. A palavra é um símbolo que representa uma realidade e, como tal,
simbólica a relação entre a palavra e a realidade a que se refere, quer ela seja o conceito ou
apenas uma entidade desse conceito. Neste processo, torna-se necessário na sala de aula dar
ênfase à comunicação, necessidade do ser humano que, programado para adquirir
linguagem, acede à mestria linguística mediado pela interacção adulto/criança. A
apropriação das regras de uso da língua é a base da competência comunicativa e o processo
a ela conducente é gradual e progressivo. Será pois este processo, o desenvolvimento
cognitivo e a linguagem, que abordaremos no Capítulo III.

Finalmente, consideramos que o Programa Nacional do Ensino do Português vem


propor a implementação de actividades e procedimentos na sala de aula capazes de
provocar verdadeiras coordenações interindividuais que sejam fonte de desenvolvimento
cognitivo da criança. Numa escola onde a diversidade e da heterogeneidade dos alunos é
uma constante, tal modelo constitui um desafio para todos os profissionais de educação. Ao
colocar a ênfase no oral como ponto fulcral do desenvolvimento da linguagem (oral e

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escrita), pretende-se atribuir à criança o papel central no processo de ensino/aprendizagem.


No entanto, somos de opinião que tal só será possível em modelos de organização da sala
de aula possíveis de implementar um trabalho em cooperação, por permitirem níveis mais
elevados de interacção entre os alunos e entre professor e alunos, constituindo-se como
factores de aprendizagem e desenvolvimento e mobilizando importantes mecanismos de
auto-regulação e hetero-regulação em que a linguagem desempenha um papel fundamental.
Durante o processo de aprendizagem, nem todos os alunos elegem e utilizam sequências
integradas de procedimentos ou actividades de nível superior que facilitam a aquisição,
manipulação, integração, armazenamento e evocação da informação nas diferentes
situações e contextos. Estes procedimentos, ou estratégias cognitivas e metacognitivas, são
acções de carácter intencional, da iniciativa do aluno, por si planeadas, permitindo tomar
decisões adequadas, no momento oportuno, em relação à aprendizagem, estratégias que
deverão ser objecto de ensino/aprendizagem. PNEP, um percurso para a modificabilidade
cognitiva, será pois a abordagem do Capítulo IV.

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I A capacidade de aprender a aprender

1.1 A modificabilidade cognitiva

Nos nossos dias, em plena era da informação, a questão da educabilidade cognitiva


assume um papel de sobrevivência estratégica no contexto de uma sociedade de
aprendizagem onde a adaptação à mudança é abrupta e a emergência de novas tecnologias
profusamente acelerada e imprevisível. Quanto melhor conhecermos o que é a cognição, ou
seja, o acto de conhecer ou captar, integrar, elaborar e exprimir informação, tanto melhor
encontraremos soluções para resolver os problemas actuais. A existência de problemas
explica a própria essência da adaptação do indivíduo ao seu contexto sociocultural
(Fonseca, 1996).

Segundo o autor, como seres humanos, somos organismos complexos, cuja


evolução e ontogénese retrata uma interacção multifacetada entre o corpo, o cérebro e os
vários ecossistemas (família, creche, escola, emprego, comunidade, etc.), e é dessa
interacção que ocorre o desenvolvimento cognitivo por meio do qual nos adaptamos ao
meio exterior que nos envolve e o transformamos à nossa medida. A cognição, como
processo e produto da actividade do cérebro e da sua interacção com o envolvimento
ecológico, está na origem da adaptabilidade e da aprendizagem que caracteriza a espécie
humana, sem as quais a civilização não se poderia conceber, explicar e transformar.

A educabilidade cognitiva emerge da concepção da modificabilidade cognitiva


estrutural introduzida pelo psicólogo israelita Reuven Feuerstein que concebe a inteligência
humana como uma construção dinâmica, flexível e modificável, que está na base da
adaptabilidade da espécie ao longo do seu percurso histórico-social. O desenvolvimento da
inteligência e da cognição é perspectivado como o resultado da interacção entre as
gerações. A aprendizagem é assim entendida como uma mudança de comportamento
provocada pela experiência de outro ser humano, e não meramente pela experiência própria
e prática em si, ou pela repetição ou associação automática de estímulos e respostas (Cruz
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& Fonseca, 2002).

A aprendizagem humana é possível pela acção de um mediador que se interpõe


entre os estímulos e o organismo para captar da mente do mediatizado as significações
interiorizadas que advêm da própria experiência de aprendizagem, para provocar nele
estados de alerta, de processamento, de planificação e de transcendência, mudanças e
arranjos de informação autónomos, modulando o tempo, o espaço e a intensidade dos
estímulos, humanizando-os e conferindo-lhes significação, como instrumentos mais aptos e
flexíveis para produzirem soluções.

A adaptação às novas condições de produtividade e de qualidade, depende


inevitavelmente do seu potencial cognitivo e da educação cognitiva a que tiverem estado
independentemente do seu percurso educacional ou social desfavorecido. A
modificabilidade cognitiva pode atingir-se mesmo quando as expectativas são passivas ou
negativas e mesmo quando se tendem a colocar obstáculos ou juízos precipitados sobre o
potencial de aprendizagem do indivíduo. O funcionamento cognitivo baixo, o fraco
rendimento escolar ou a baixa qualificação, em grupos desfavorecidos, não é sinónimo de
uma cultura inferior. A sua cultura pode até ser muito rica e, em contrapartida, o seu
aproveitamento escolar ser muito baixo, com altas percentagens de insucesso escolar e
múltiplas dificuldades na aprendizagem, que tendem a multiplicar-se em problemas de
inadaptação social crescentes. Quando abandonam a escola, por vezes de forma prematura,
muitos jovens não têm qualificações mínimas de transição para o trabalho, porque a escola
não ofereceu oportunidades para desenvolver o seu potencial cognitivo e, em consequência
disso, perpetuam no trabalho o insucesso e a desvantagem que a escola produziu. Os graves
problemas do insucesso escolar, e tudo o que lhe está inerente, podem ser estrategicamente
contrariados pela educabilidade cognitiva, que pode oferecer um conjunto de métodos de
intervenção psicopedagógica que eficazmente combate tal flagelo da escola e da sociedade
actual.

A sociedade do futuro, uma sociedade cada vez mais virada para a aprendizagem,
para as tecnologias de informação e para a acelerada divulgação de conhecimentos

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científicos, não pode limitar-se a uma escola baseada na transmissão directa e pura de
conteúdos e de soluções específicas, mas deverá orientar-se para o desenvolvimento do
indivíduo em todas as suas manifestações, para o acesso à cultura geral e neste sentido a
educabilidade cognitiva é uma abordagem extremamente potente para atingir estes
objectivos de forma integrada, na medida em que fornece os pré-requisitos, as ferramentas,
as destrezas e as competências cognitivas fundamentais de processamento de informação e
de interpretação da realidade, necessárias para aprendizagens posteriores.
O futuro da humanidade só pode materializar-se numa capacidade de aprender a
aprender.

1.2 A aprendizagem da leitura/escrita no desenvolvimento cognitivo

A aprendizagem humana e linguagem encontram-se intrinsecamente associadas.


Contudo, a linguagem exige a integridade de certas zonas ou áreas do cérebro consideradas
cruciais para a hierarquia das suas estruturas, principalmente quando se passa da evolução
da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem da linguagem escrita (Fonseca,
1999).

Segundo o autor, o cérebro opera como um órgão total dinâmico onde algumas
áreas participam mais activamente do que outras, quando estão em jogo funções mais
complexas da linguagem, como é o caso da leitura ou da escrita. De uma globalidade
dinâmica emerge uma especificidade, ou seja, resultam funções que dependem mais
directamente de áreas corticais localizadas. Por exemplo, se a área de Wernicke (córtex
temporal posterior) for lesada num adulto no seu hemisfério dominante, é quase certo que
surgirá uma redução na sua capacidade de compreensão e utilização da linguagem.
Portanto, o cérebro está estruturado em áreas especializadas e em áreas difusas que regulam
e controlam diferentes aspectos do comportamento.

Algumas lesões localizadas produzem efeitos específicos em termos de


comportamento; outras funções mentais, por contraste, são afectadas por qualquer lesão em
ambos os hemisférios, seja por simples anormalidades electrofisiológicas, por infecções
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cerebrais, por doenças neurodegenerativas, seja ainda por lesões bilaterais congénitas, por
traumas, etc., que podem ter ocorrido no período pré-natal, no processo do nascimento ou
durante o desenvolvimento.

A aprendizagem humana exige um conjunto mínimo de requisitos que podemos


traduzir por uma totalidade funcional neuropsicológica. Sem esse número de condições
funcionais indispensáveis, a aprendizagem não se processa normalmente e, neste caso,
estamos em presença de uma disfunção cerebral. Esta, aparente ou real, nalgumas crianças
com dificuldades de aprendizagem (disléxicas), interfere com todo o processamento da
informação que a aprendizagem envolve. Processo de informação que compreende três
grandes componentes e subprocessos: recepção, integração e expressão. No caso da
disfunção cerebral que reflecte as dificuldades de aprendizagem, podemos verificar
alterações em cada uma destas fases ou, eventualmente, na transformação de umas nas
outras. A disfunção pode ocorrer na recepção (p. exp., problemas de atenção e
processamento perceptivo e de captação de informação), na integração (problemas de
ordenação, sequencialização, associação, conceptualização planificação e execução) ou,
evidentemente, na transferência ou tradução (transdução) de uns processos noutros. Quer
dizer, a disfunção pode ocorrer numa ou em várias unidades funcionais do cérebro. Quais
serão essas unidades?

Para Lúria, o cérebro é uma constelação de trabalho, principalmente concentrada em


três grandes unidades (blocos) funcionais. Tais unidades compreendem sistemas, estruturas
anatómicas, e concomitantes recursos terapêuticos e reeducativos. O cérebro pode ser
dividido em três blocos funcionais básicos: o primeiro bloco funcional, que inclui o tronco
cerebral e o sistema límbico, garante o tónus adequado às funções de atenção e vigilância e
o controlo da informação proprioceptiva; o segundo bloco funcional, que inclui as partes
posteriores dos hemisférios cerebrais, garante as funções receptivas e de armazenamento da
informação exteroceptiva e proprioceptiva (visão, audição e tactiloquinestésica) a que
correspondem as funções elementares do processo cognitivo; o terceiro bloco funcional,
que inclui as partes anteriores dos hemisférios cerebrais, garante a programação, a regu-
lação e o controlo das acções humanas, para além das funções eferentes que permitem a

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execução dos comportamentos de acordo com os fins e motivos consciencializados.

Cada um destes blocos actua especificamente mas em coordenação sistémica, quer


no sentido ascendente (recepção da informação, input), quer no sentido descendente
(expressão da informação, output) e em todas as manifestações comportamentais,
nomeadamente na linguagem e no envolvimento intencional voluntário. Cada unidade
funcional compreende, portanto, um conjunto de órgãos ou de áreas corticais que, em
termos intra e interdependentes, constituem o grande sistema neuropsicológico da
aprendizagem humana. De certa forma, a aprendizagem é o fruto do desenvolvimento
destas unidades funcionais que, segundo Lúria, estão organizadas verticalmente e
organizam-se geneticamente do primeiro bloco (reflexos) ao terceiro bloco (intenções),
passando pelo segundo bloco (experiências e acções multissensoriais). Assim, p. exp., as
aprendizagens complexas como a leitura assentam sobre aprendizagens compostas como a
discriminação e a identificação perceptiva, que por sua vez decorrem de aprendizagens
simples, como a aquisição da postura bípede e as aquisições preensivas da primeira idade.

Vejamos, no caso da leitura oral, como as unidades trabalham. A leitura, um dos


processos mais complexos da aprendizagem, compreende a discriminação visual de
símbolos gráficos (optemas) através de um processo de descodificação que se passa no
segundo bloco, só possível com um processo de atenção selectiva regulado pelo primeiro
bloco. Posteriormente, e ainda na mesma unidade, há que seleccionar e identificar os
equivalentes auditivos (fonemas) através de um processo de análise e transdução, de síntese
e comparação, a fim de edificar a busca da significação (conjectura) e avaliar os níveis de
compreensão latentes. A partir daqui, surgirá uma nova operação de equivalência que
compreende a codificação e regulada na área de Broca, isto é, no terceiro bloco. A partir
dos neurónios superiores frontais, a linguagem interior transformar-se-á em linguagem
expressiva, através da oralidade, ou seja, da produção de sons articulados.

Nesta sequência de operações cognitivas participam todas as unidades funcionais,


primeiro de baixo para cima (do primeiro ao terceiro bloco) e depois de cima para baixo (do
terceiro bloco para o primeiro bloco). É este processo funcional que caracteriza a

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aprendizagem da leitura. É dentro deste conjunto funcional que se pode verificar um


distúrbio ou uma disfunção neuropsicológica que pode, por consequência, redundar em
dificuldade de aprendizagem.

Evidentemente que os dois hemisférios interagem entre si. Sperry (1968), cit.
Fonseca (1999), demonstrou que o hemisfério direito está apto a compreender informações
verbais e não verbais, embora impossibilitado de as expressar verbalmente. Sabe-se
igualmente que os dois hemisférios sofrem processos de maturação diferenciados, primeiro
o hemisfério direito, depois o hemisfério esquerdo. Vallet (1980), cit. Fonseca (1999), foca
que essa diferença é pouco significativa até aos cinco/seis anos (entrada para a escola), mas
assume uma especialização acelerada a partir desta idade. Neste bloco situam-se as funções
de codificação, armazenamento e integração da informação sensorial (visual, auditiva e
tactiloquinestésica) e perceptiva, ou seja, o processamento dos estímulos.

O potencial de aprendizagem de todas as crianças, bem como a educação perceptiva


e cognitiva, psicomotora, orientadas à luz dos conhecimentos neuropsicológicos, podem
produzir modificações no conhecimento e na aprendizagem humanos (Feuerstein, 1981),
cit. Fonseca (1999). De facto, a estimulação mediatizada produz modificações entre o
axónio de um neurónio e os dentrites do neurónio seguinte, por meio de uma facilitação
sináptica e bioquímica e de um alongamento das fibras nervosas, originando assim, a
integração neurológica (Hebb, 1976), cit. Fonseca (1999), que está na base do processo de
aprendizagem. O desenvolvimento da cognição é conseguido na base de modificações
metabólicas e de redes neuronais que se complexificam sequencialmente. A estimulação,
ou melhor, a educação, introduz efectivamente variáveis neuropsicológicas que iniciam
actividades centrais complexas no cérebro e implicam transformações corticais,
aperfeiçoadoras dos padrões de comunicação e de expressão linguísticos. As conexões
neurológicas desenvolvem-se como consequência da aprendizagem. A aprendizagem e o
seu constante e sistemático reforço produzem padrões de organização neurológica e
sistemas de interacção e facilitação sináptica (Eccles, 1967), cit. Fonseca (1999). É, pois,
necessário colocar a criança no centro da acção.

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II Abordagens ao desenvolvimento cognitivo

Embora os progressos da ciência e da tecnologia sejam cada vez mais rápidos e


consideráveis, nestes últimos anos tem-se assistido a uma escalada do sentimento de
insegurança em relação e eles. A evolução a que temos assistido implica o desaparecimento
de trabalhos rotineiros e repetitivos e exigem que a aprendizagem e o trabalho sejam cada
vez mais construídos por tarefas intelectuais que exigem espírito de iniciativa e adaptação
(Cruz, 1999; Fonseca, 1999). Esta sociedade em mudança tem necessidade de aceder à
informação, de modificar competências, evoluir na incerteza, melhorar continuamente, tem
que investir na inteligência. Os analfabetos dos próximos tempos serão aqueles que se
recusam a aprender (Alvin Toffer, cit. Cruz (1999).

É necessário aprender a aprender. A escola terá de proporcionar aos alunos um


desenvolvimento cognitivo, uma melhor aprendizagem (Cruz & Fonseca, 2002).

2.1 - A psicologia do desenvolvimento

Muitas crianças do 1.º ciclo do ensino básico apresentam dificuldades na


interiorização e aquisição de certas noções e revelam acentuadas dificuldades na ordenação
dessas mesmas aprendizagens (Sousa 1993, 1995; Dolle & Bellano, 1993; Dolle, 1999;
Perret-Clermont, 1995). Através de metodologias de ensino/aprendizagem activas e
assentes na manipulação de materiais e objectos, bem como pela aplicação de métodos da
descoberta e através confronto de pontos de vista diferentes (conflito sóciocognitivo), é
possível proporcionar à criança um maior desenvolvimento cognitivo e rendimento escolar,
factores importantes do seu desenvolvimento global e harmonioso (Sousa, 1993; Fonseca,
1998; Cruz, 1999). Tal pensamento é ainda reforçado nas seguintes referências teóricas:

Piaget (1973, 1976) estudou o desenvolvimento cognitivo. A inteligência é vista


como um fenómeno em desenvolvimento, dependendo esse processo de três factores: a
maturação do sistema nervoso; a interacção com o exterior; a equilibração. Torna-se,
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portanto, necessário estimular e promover este desenvolvimento (Sousa, 1993; Fonseca,


1998).

Vigotsky (1963) desenvolveu a ideia da zona desenvolvimental potencial. O nível


de desenvolvimento actual procura atingir em cada indivíduo a zona de desenvolvimento
proximal, ou seja, a distância entre o nível de desenvolvimento actual determinado pela
capacidade de resolver independentemente um problema e o nível de desenvolvimento
determinado pela resolução de um problema orientado por um mediador ou um colaborador
mais capaz. Assim, o currículo deve ter em conta não só o que a criança é actualmente, mas
o que ela potencialmente pode ser. É de realçar que, segundo Vygotsky, a aprendizagem só
se produz quando os instrumentos, os sinais e os símbolos são interiorizados pela criança
em função, precisamente, do seu grau de desenvolvimento anterior (Sousa, 1993; Fonseca,
1998; Cruz, 1999). Para Vygotsky, (cit. Fonseca, 1998), o desenvolvimento cognitivo resul-
ta da interacção mútua entre a criança e as pessoas com quem mantém contactos sociais
regulares. Atribuindo maior importância ao desenvolvimento intelectual do que à
aprendizagem processual, considera que o professor deve orientar os alunos para que
prestem atenção, se concentrem e aprendam com eficácia, criando os alicerces para que o
aluno possa atingir a competência em qualquer tarefa. Enquanto Piaget incidiu sobre a
criança, Vygotsky deu maior ênfase ao professor. Este deve desafiar a criança a alcançar
metas que de outra maneira não atingiria (a zona de desenvolvimento proximal). Atribui
ainda significado ao relacionamento da criança com os seus colegas de turma. Defende a
utilização de uma criança mais desenvolvida para ajudar uma outra menos desenvolta
argumentando que ao explicar e ajudar a outra criança, pode bem conquistar uma maior
compreensão explícita da sua própria aprendizagem em termos metacognitivos e, ao ensinar
um determinado tema, consolida a sua própria aprendizagem.

Bruner, 1963 (cit. Sutherland, 1996; Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999),
sugeriu uma abordagem dinâmica. Desde o princípio que a criança é activa na procura de
regularidades no mundo, sendo o seu comportamento guiado pela prontidão activa de
meios-fins e pela descoberta. Defende a aceleração do desenvolvimento das crianças com
problemas de aprendizagem, apelando à relevância de brincar e da linguagem. A criança

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deve ser incentivada a brincar com os objectos a fim de adquirir a compreensão. A


linguagem deve ser suficientemente simples para a criança poder compreender, mas deverá
simultaneamente, constituir um desafio intelectual. O ensino deve tomar em consideração a
motivação dos alunos, a estruturação de conhecimentos, a optimização das sequências de
aprendizagem e o reforço.

Ausubel, 1980 (cit. Sousa, 1993; Fonseca, 1998; Cruz, 1999), desenvolve a ideia de
assimilação-aprendizagem de estruturas conceptuais. A acção educativa deve visar o
reconhecimento de conceitos iniciais relevantes já estabelecidos na mente do aluno e
estabelecer as necessárias relações entre o que é ensinado e o que é conhecido. Defende que
a acção do aluno é determinante na organização e estruturação do seu próprio
conhecimento. Segundo Sutherland (1996), a principal proposição é que a criança forma a
sua própria versão da realidade a partir das suas próprias experiências que lhe são
peculiares. É esta forma que depois utiliza para lidar com qualquer experiência nova
naquele campo. O processo de construção do seu próprio conhecimento é activo, fá-lo
formando novas relações entre as ideias que já possui e incorpora nestas novos dados de
informações. Visto que a criança toma decisões por si própria, em vez de seguir os
conselhos do professor, é difícil prever-se o que irá aprender. Apela ao professor para
modificar a linguagem técnica do tema e apresentar aos alunos apenas aquilo com que eles
podem lidar.

Haywood, 1992 (cit. Fonseca, 1998; Cruz, 1999), apresenta uma visão
transaccional da inteligência. A natureza e o desenvolvimento da inteligência é
transaccional. A eficácia para pensar e aprender é perspectivada como derivando de duas
condições, ambas indispensáveis e que são a habilidade natural ou inata (de base genética),
denominada "inteligência" e os processos (aprendido com base na inteligência) de
percepção, aprendizagem, pensamento e resolução de problema.

Feurstein, 1985 (cit. Fonseca, 1998; Cruz, 1999), desenvolve o conceito de


modificabilidade cognitiva, defendendo que a inteligência pode ser melhorada em qualquer
idade. O ser humano é modificável (adaptabilidade da espécie). A pessoa (criança, jovem,

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adulto, idoso) que se educa, forma ou treina, é modificável (papel da crença e do optimismo
sobre o indivíduo). O ser humano na sua essência é capaz de produzir mudança (papel do
sentimento de competência). O mediador deve ser um agente de mudança (papel da
intencionalidade e do investimento motivacional). Todo o envolvimento social (família, es-
cola, fábrica, empresa, etc.) pode ser modificado (papel da sociedade no desenvolvimento
do indivíduo). Em sua opinião, pode-se aprender a ser inteligente, uma vez que admite que
a inteligência não é inata. A mediação humana é essencial ao desenvolvimento da
inteligência e da aprendizagem, o que nos remete para o papel central do professor como
mediador e da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo.

2.2 - A psicologia cognitiva/processamento da informação

O processamento da informação incide sobre o processo de informação


propriamente dito. A capacidade ampla para a memorização é um dos factores
fundamentais no processamento da informação bem sucedido (Sutherland, 1996). Vejamos
algumas referências teóricas:

Sternberg, 1993 (cit. Fonseca, 1998), desenvolve o conceito da teoria triárquica da


inteligência. Em termos de solução, nada há que seja extremamente bom ou extremamente
mau, o que interessa é o perfil e o potencial dinâmico da inteligência, mais do que um
quociente ou uma pontuação que sempre tendem a ocultar os aspectos que interessam
considerar. A eficácia do autogoverno mental, isto é, da inteligência, é o produto de muitas
componentes na medida em que, como complexidade que é, só poderá ser compreendida e
avaliada a partir de múltiplas perspectivas. Sendo uma teoria da competência, é também
uma teoria que salienta o contexto em que se realiza a aprendizagem. Para Sternberg, ser
inteligente é poder processar as informações eficientemente. Seis factores envolvidos no
processamento da informação constituem a inteligência: aptidão espacial (capacidade para
visualizar um problema espacialmente com todos os pormenores); velocidade perceptiva
(aptidão para assimilar rapidamente um novo campo visual ou perspectiva); raciocínio
indutivo (aptidão para a generalização a partir das provas apresentadas); aptidão de
compreensão verbal (aptidão para compreender novas palavras rapidamente); memória
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(aptidão para reter material visual no cérebro); aptidão numérica (aptidão para manipular
números de acordo com determinadas regras).

Gardner (1995), desenvolve a teoria das múltiplas inteligências. Os seres humanos


podem exibir a sua genialidade em várias inteligências humanas: musical/rítmica (mímica,
ritmo, composição); corporal/cinestésica (desporto, dança, mecânica...); lógico-matemática
(cálculo, ciência, orçamentos...); verbal/linguística (literatura, poesia, comunicação...);
visual/espacial (arte, escultura, decoração...); interpessoal (cooperação, liderança, trabalho
de grupo...); intrapessoal (imaginação, independência, privacidade...); naturalista
(consciência do meio ambiente ).

2.3 - A neuropsicologica

Lúria, 1984 (cit. Fonseca, 1998), foi o grande propulsor do desenvolvimento


neurológico. Todos os processos mentais como a percepção, a memória, a cognição ou a
práxia, a linguagem ou o pensamento, bem como as aprendizagens simbólicas da leitura, da
escrita ou da matemática, decorrem da organização funcional do cérebro, que envolve uma
constelação de trabalho que integra três unidades complexas e hierarquizadas e de origem
sócio-histórica: 1.ª unidade atenção; 2.ª unidade codificação/processamento; 3.ª unidade
planificação. É no desenvolvimento neurológico que se irá apoiar a abordagem
desenvolvimental.

2.4 - Abordagem desenvolvimental

Morais (1996), desenvolve o conceito de inteligência e treino cognitivo. Mais con-


troverso que a própria definição ou descrição da dimensão intelectual, parece ser a questão
da sua educabilidade. Por um lado, equaciona-se esta questão contrapondo-se a
possibilidade de treino cognitivo à hereditariedade da inteligência. Os autores
desenvolvimentais apostam na credibilidade de ganhos conseguidos a partir do confronto
de pontos de vista diferentes (conflito cognitivo) e autores cognitivistas apontam
competências metacognitivas ou o conhecimento previamente adquirido como elementos
organizadores dessa persistência e transferência obtidos em situação de treino.

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

III O desenvolvimento cognitivo e linguagem

Segundo vários autores (Lunzer, Dolan & Wilkinson, 1976; AmanGainotti e


Cabale, 1980; Arlin, 1981; Filjakow, 1986; Tunmer, Herriman e Nesdale, 1988), cit. Viana
(1998), o desempenho em tarefas cognitivas básicas, de cariz lógico e analítico, como a
classificação, a seriação e a conservação da quantidade evidenciam uma maior ou menor
facilidade em aprender a ler. Para Sequeira (1989), cit. Viana (1998), também a capacidade
de inclusão em classes ajuda a criança a ver a parte e o todo em simultâneo, a relacionar a
letra com a palavra, esta com a frase, e a frase com o texto. As capacidades de
classificação, de relacionamento das partes com o todo, de descentração, seriação e
ordenação seriam as mais importantes para a aprendizagem da leitura.

Estas capacidades cognitivas que, segundo Piaget, surgem no processo de transição


desenvolvimental do estádio da inteligência pré-operatória para o das operações concretas
têm dado origem a algumas directrizes educativas quanto à idade de início da escolaridade.
Por exemplo, nos países nórdicos a tendência é para essa entrada apenas se efectuar aos 7
anos de idade, aspecto que poderá ter efeitos positivos na taxa de sucesso na aprendizagem
da leitura nesses países (Viana, 1998). Alley (1992), cit. Viana (1998), diz poder defender-
se que as crianças que são iniciadas mais tarde avançam mais rapidamente.

Na medida em que não podemos compreender as grandes diferenças individuais na


leitura/escrita sem compreendermos o desenvolvimento da linguagem na criança e dado
que a linguagem é produto do funcionamento da mente humana, que relação existe entre o
desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento linguístico?

Segundo a teoria cognitivista, o desenvolvimento linguístico depende do


desenvolvimento cognitivo. A linguagem é um instrumento do pensamento. Este, tem
início antes do aparecimento da própria linguagem, ou seja, desde que a criança constrói
representações internas do real. Quando o bebé imita uma acção, ele está a "pensar". No
decurso do desenvolvimento da criança, o aparecimento da linguagem ocorre quando se

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inicia o aspecto figurativo das capacidades cognitivas, ou seja, quando se dá a emergência


da função semiótica, ou simbólica, o que permite representar o real através de significantes.

Para Benjamin Whorf (1956), cit. Sutherland (1996) e Sim-Sim (1998), o


desenvolvimento cognitivo depende do desenvolvimento linguístico. A estrutura da
linguagem que usamos determina a nossa estrutura de pensamento, ou seja, a linguagem
dirige e limita a cognição. Assim, o real é experimentado e conhecido de forma diferente
por falantes de línguas variadas. As vivências são interpretadas numa base linguística,
sendo uma das formas de interpretação do real a classificação, para a qual contribui o
processo de nomeação. A estrutura específica (vocabulário e gramática) da língua materna
dos falantes determina, no todo ou em grande parte, a perspectiva e o conhecimento que se
tem do mundo. Para Worf, quanto maior for a riqueza lexical e a complexidade gramatical
atingida pelo sujeito, mais elevado se apresenta o respectivo desenvolvimento cognitivo.

Segundo Vygotsky (1979), cit. Sim-Sim (1998), o desenvolvimento cognitivo e o


desenvolvimento linguístico têm origens diferentes e curvas separadas de desenvolvimento.
O pensamento e a linguagem têm origem diferente, não havendo, portanto, uma relação
primária de dependência entre a linguagem e o pensamento mas que, no decurso da
evolução de ambos, se gera uma conexão que se modifica e desenvolve. Para o autor, a
linguagem e o pensamento são dois círculos distintos que partilham um espaço comum de
intercepção, o pensamento verbal que, não englobando de forma alguma todas as formas de
pensamento ou de linguagem, é determinante na formação dos conceitos. Com exclusão da
referida área partilhada, a linguagem e o pensamento têm existência autónoma. Aponta
como exemplo do pensamento sem linguagem, a inteligência prática; como linguagem sem
pensamento a recitação de cor, a imitação verbal e os comportamentos de discurso
automático.

Segundo McShane (1991), cit. Sim-Sim (1998), o desenvolvimento linguístico (ao


nível da fonologia, da sintaxe, da semântica e da pragmática) e cognitivo pode ser visto à
luz do processamento da informação. Assim, o desenvolvimento cognitivo e linguístico
poderá ser explicado através das modificações (qualitativas e quantitativas) nos processos e

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estratégias de organizar e conservar a informação e do refinamento das estruturas


disponíveis para discriminar, categorizar e recuperar a informação processada. A mente é
um sistema que constrói e manipula símbolos, os quais, sendo caracterizações abstractas de
como o cérebro representa a informação, são eles próprios produtos da arquitectura mental.
Por sua vez, a arquitectura mental resulta da organização e actividade cerebral. O
processamento da informação diz respeito ao estudo dos processos mentais que permitem
receber, organizar, elaborar, reter e recuperar a informação. No sistema de processamento
existem os componentes que permitem a manipulação do input (atenção, discriminação e
categorização) e os componentes de armazenamento de representações (memória).

3.1 A fonologia

O domínio dos sons da fala contempla dois grandes aspectos: a discriminação


auditiva capacidade de ouvir e reconhecer os diferentes sons da linguagem, no que
respeita aos aspectos segmentais e prosódicos; e a articulação produção de sons e cadeias
de sons da fala e as suas características prosódicas, como variações de intensidade, de tom,
de duração e ritmo da fala (Sim-Sim, 1998).

Segundo vários autores (Williams, 1984; Wagner & Torgesen, 1987; Adams, 1994),
cit. Viana (1998), existe um valor preditivo e fortes correlações entre a consciência
fonológica e a aprendizagem da leitura. Quando a capacidade de análise fonológica existe
precocemente (antes do ensino formal), será um bom preditor da aprendizagem da leitura
(Bradley & Bryant, 1985; Juel, 1988; Liberman, 1973; Tunmer & Nesdale, 1985), cit.
Viana (1998). Estes dados parecem sugerir que, mais do que uma simples capacidade de
segmentar palavras e sílabas no discurso, uma capacidade de análise fonológica facilitaria a
aprendizagem da leitura. Mas, será possível desenvolver esta capacidade? Viana (1998)
refere autores (Tornéus, 1984); Bradley & Bryant, 1983, 1985; Lundberg et at., 1988; Cun-
ningham, 1990; Ball & Blachman, 1991) que, pelos estudos realizados, concluem que a
consciência fonológica pode ser treinada, que possui um efeito facilitador no
desenvolvimento inicial da leitura e que o efeito do treino é maior nas crianças que, à
partida, possuem níveis de segmentação mais baixos.
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Ler é o processo que nos permite extrair informação de material escrito, isto é,
(re)construir o significado da mensagem que alguém codificou em sinais gráficos, enquanto
escrever é traduzir uma mensagem oral em forma gráfica. O acesso à linguagem oral é
universal e não carece de ensino, mas a mestria da escrita, pelo contrário, requer ser
ensinada, não estando, portanto, ao alcance de todos. Dominar a vertente escrita da língua
significa ser capaz de ler e de escrever. Qualquer que seja o método de iniciação à leitura, a
criança terá que ser capaz de identificar unidades do discurso oral, localizar as fronteiras
dessas unidades, segmentar palavras em sílabas e estas em fonemas a que, na escrita, vão
corresponder grafemas. Por sua vez, compreender e produzir um texto escrito exige a
capacidade de clarificar ambiguidades, manipular conscientemente as relações semânticas e
o conhecimento sintáctico (Sim-Sim, 1998).

O primeiro passo com vista à consciencialização da fala é o reconhecimento das


unidades constituintes do produto verbal. Ao ouvir uma mensagem, o ouvinte não tem
consciência das sílabas e dos sons que a integram; a cadeia de sons é automaticamente
processada e o significado extraído. A rapidez de identificação de elementos (palavras,
sílabas, fonemas) está directamente associada à facilidade de isolar unidades na cadeia
falada, ou seja, de segmentar essa cadeia. Na hierarquia de identificação de segmentos, a
criança começa por identificar e isolar palavras, depois sílabas e, finalmente, fonemas
(Sim-Sim, 1998). Mais tarde, na escrita, as crianças dão primeiro atenção ao todo e só
muito mais tarde às partes, não devendo aprender a escrever primeiro as partes (letras) e
depois construir o todo (linhas escritas), ou seja, a escrita inicial da criança deve consistir
em linhas e garatujas e não em letras identificadas individualmente (Charles Temple e
colaboradores (1988), cit. Hohmann & Weikart (1997).

A reconstrução silábica apresenta-se à criança como mais fácil do que o processo de


segmentação. Já a segmentação fonémica aparece como um processo mais moroso e mais
difícil. A identificação consciente do fonema prende-se com o isolamento dos componentes
da sílaba, e a dificuldade revelada nesta tarefa parece poder atribuir-se ao elevado nível de
mecanização necessário ao processamento automático da linguagem oral. O acesso

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consciente ao fonema depende do treino e experiência neste domínio. O grande factor que
parece influenciar a capacidade de isolar fonemas é a aprendizagem da leitura.

Há aspectos que precedem a aprendizagem da leitura como, por exemplo, o gosto


pela prática de rimas. Por volta dos três anos e meio é já possível a criança detectar a
ocorrência de rimas e, por volta dos cinco anos, faz rimas com muita facilidade. Outros
processos pedagógicos que conduzem à consciência lexical e silábica, determinantes para o
sucesso na aprendizagem da leitura, são a recitação de poesias e histórias em verso, os
exercícios de segmentação de frases em palavras e destas em sílabas, a identificação e
manipulação de sílabas (por isolamento, omissão e acrescentamento) e a soletração silábica
em voz alta.

3.2 A sintaxe

Na mestria de qualquer língua as palavras são imprescindíveis mas o cerne da


construção frásica assenta na organização das palavras entre si, a qual é regulada por um
conjunto finito de regras que possibilita uma produção infinita de enunciados. O
conhecimento sintáctico (domínio das regras e padrões que definem as condições de organi-
zação e de combinação de palavras de modo a formarem frases) é apreendido via exposição
e reflecte a capacidade de mente humana para descobrir regularizações e generalizar. O
domínio das regras sintácticas não está ainda completamente atingido no início da
escolaridade básica (Sim-Sim, 1998).

A criança aprende primeiro a usar palavras para representar elementos de conteúdo


(nomes, verbos, adjectivos e advérbios) e depois começa a combinar palavras para
representar conceitos relacionados. De seguida a criança começa a aprender novas formas
linguísticas para indicar de forma mais precisa o significado do que pretende transmitir.
Começam a aparecer morfemas gramaticais, ou seja, palavras de função (preposições,
artigos, pronomes, conjunções, verbos auxiliares) e morfemas flexionais (flexão nominal
bota/botas, menino/menina; flexão verbal: eu bebo/tu bebes/nós bebemos; morfemas
derivacionais: sufixos e prefixos) (Amaral & Kay, 2000).
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Durante a escolaridade, problemas de leitura radicam em problemas mais ou menos


subtis de linguagem. Esta subtileza refere-se justamente à forma como processamos
linguisticamente a informação, salientando que a qualidade da base linguística sobre a qual
se vão apoiar a percepção visual e auditiva, a memória, a integração dos estímulos
visuoespaciais em sequências temporais, vai ditar o modo como a informação linguística é
processada (Vellutino, 1987), cit. Viana (1998). Para este autor, os maus leitores
apresentam défices de linguagem, essencialmente ao nível da organização sintáctica e do
vocabulário. Para Lentin (1976), cit. Viana (1998), será um bom funcionamento de
complexidades sintácticas que permite a transmissão articulada do raciocínio, e
testemunham as características do sistema que permite este funcionamento. Se o
funcionamento destas articulações sintácticas não se instala no momento oportuno (no
decorrer da etapa que se segue à dos primeiros enunciados completos), a linguagem
desenvolve-se num ciclo vicioso, com frases justapostas e muito pouca subordinação. O
vocabulário continua a aumentar, os progressos continuam, no que diz respeito à pronúncia
e correcção gramatical, mas a estrutura da linguagem complica-se, os enunciados não se
ramificam, a combinatória não se enriquece.

3.3 A semântica

A criança aprende palavras emparelhando uma sequência fónica específica com um


significado preciso. O significado da palavra só ganha existência na mente da criança
falante de uma determinada língua, não no mundo dos objectos. A palavra é um símbolo
que representa uma realidade e, como tal, simbólica a relação entre a palavra e a realidade a
que se refere, quer ela seja o conceito ou apenas uma entidade desse conceito. Os rótulos
lexicais são as etiquetas que colocamos aos conceitos, logo o domínio vocabular de
qualquer falante será mais rico quanto mais amplo e variado for o conhecimento que
possuir desses rótulos.

O conceito é o produto do agrupamento de objectos, acontecimentos, qualidades e


ideias na base da semelhança, ou seja, o conceito é uma forma de categorizar itens que
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partilham propriedades comuns e, por isso, se relacionam entre si. Portanto, o conceito diz
respeito a representações mentais do real e é um produto da categorização. Categorização, é
o processo através do qual o ser humano determina que entidades podem ser tratadas como
equivalentes (Siegler, 1986), cit. Sim-Sim (1998).

A organização entre os conceitos é feita pela relação de inclusão, de uma forma


hierárquica. Ou seja, pelo facto de todos os membros de uma classe serem membros de uma
outra classe, não implica que todos os membros da segunda façam necessariamente parte da
primeira. Por exemplo, qualquer rosa é uma rosa porque partilha atributos específicos da
classe das rosas, no entanto não é apenas uma rosa, é também uma flor, é um ser vivo, ou
seja, pertence também a classes mais abrangentes. Ora, todas as rosas são flores, mas nem
todas as flores são rosas. Compreender a hierarquia dos níveis de categorização é
determinante para perceber o processo de desenvolvimento conceptual e da respectiva
nomeação por parte das crianças. Sim-Sim (1998), refere três níveis de categorização, o
nível básico, um mais geral (superordenação) e um mais específico (subordenação). É no
nível básico que a criança adquire o conceito (p. exp.: bola). Posteriormente especifica o
conceito (p. exp,: bola de ping-pong) ou sobe na hierarquia categorizadora (p. exp.:
brinquedo. Assim, quanto mais se sobe na hierarquia categorizadora, maior é o número de
instâncias contempladas e menor a especificidade dessas instâncias.

Os agrupamentos são feitos, numa primeira fase, de forma meramente casual. A


criança junta os que estão mais próximos, alega dois ou três que, por qualquer razão, lhe
despertam a atenção e agrupa-os. Não há, de modo algum, uma selecção com base na
semelhança. Numa segunda fase, a criança se1ecciona pares de objectos ligados entre si por
nexos de acção, isola atributos e estabelece relações, o que é, sem dúvida, um grande passo
no sentido da generalização subjacente ao conceito.

A palavra é um signo linguístico, símbolo que representa a realidade. Representar,


não sendo a realidade é, de algum modo, tornar presente o real, que pode ser representado
de diversas forma (desenho, gesto, palavra). A palavra é a representação verbal da
realidade. Chamar rosa a um determinado objecto é uma relação arbitrária. É por uma mera

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convenção arbitrária que os falantes de uma determinada língua partilham uma palavra
específica para se referirem a um determinado conceito ou entidade, neste caso, a rosa.

O signo linguístico toma, ao nível do significado, toda uma série de traços


semânticos que constituem a sua denotação ou sentido próprio. Tomemos, por exemplo, a
palavra pai . Cada traço semântico é adquirido um a um, em função da experiência de
cada criança, do seu universo e dos contrastes que nele podemos descobrir. Cada um de nós
descobriu que o pai vinha a casa com uma certa regularidade, que efectuava certas
rotinas, tinha certos comportamentos connosco e com os outros membros da família
especialmente a mãe, possuía certas características físicas, traços de personalidade. No
entanto, se fôssemos, enquanto adultos, estudar o direito, aprenderíamos com certeza toda
uma série de novos traços semânticos relativos à noção (tão experimentada por nós!) de pai,
paternidade, p. exp., as suas obrigações de pai, as conotações ou não de chefe de família ,
os seus direitos, etc. (Rigolet, 2000). Portanto, a criança acede ao significado da palavra
através do contexto em que essa palavra é usada. No entanto, o contexto nem sempre é
muito explícito e só a repetição dessa palavra em contextos diferentes permite o
aperfeiçoamento do significado. Conhecer uma palavra implica conhecer o respectivo
significado, ou seja, conhecer os respectivos atributos. Mas, será que a mesma palavra
recebe a mesma interpretação de todos os que a usam? Há itens lexicais como cão ,
dormir e sol que nos oferecem consenso , mas já termos como liberdade , dão origem
a diferença de opinião. Ou seja, quando adquirimos uma nova palavra o seu significado é
influenciado pelas vivências de cada um e é através de aproximações sucessivas que
atingimos o seu significado.

Um dos princípios que parece reger a aquisição lexical é, segundo Clark (1987), cit.
Sim-Sim (1998), o princípio de contraste, ou seja, qualquer diferença na forma gera
diferença no significado. Assim, perante uma palavra nova, o falante reconhece-lhe um
significado diferente das palavras conhecidas. Ao confrontar-se com sinónimos, a criança
opta pelo vocábulo conhecido e rejeita o novo. Ainda pelo mesmo princípio, a criança
inventa palavras para preencher lacunas lexicais (p. exp.: uveira para designar vinha,
biciclista para ciclista). A aquisição de novos vocábulos ocorre durante a participação

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(activa ou passiva) no curso normal da conversa. Utiliza vocábulos novos que


posteriormente testa e/ou pergunta o seu significado.

Quando confrontada com um novo vocábulo, a criança contrapõe à informação


lexica1 ouvida a informação perceptiva da situação, daí resultando, por vezes, dissonâncias
que geram erros de nomeação. É o caso das generalizações abusivas (ou
sobregeneralizações). Assim, a criança faz uso de regularizações morfológicas (p. exp.:
fazeu, funiles, pãos), atribui rótulos lexicais errados (bola por lua, papa por colher, gato por
vaca, dormir por descansar). A escolha de um determinado item não é aleatória na medida
em que o referente a que corresponde o vocábulo escolhido partilha com a entidade
(objecto ou situação) indevidamente nomeada alguma(s) propriedade(s). Quando, p. exp.,
chama bola à lua, a criança pode distinguir e identificar as duas entidades mas apresentar
uma incapacidade para evocar a palavra correcta ou puro desconhecimento da mesma.
Outro erro frequente é a subgeneralização (restrição de atribuição do significado), ou seja, é
frequente a criança utilizar vocábulos apenas para designar um objecto ou uma situação
particular e não para representar toda a classe. É o caso de quando uti1iza ão-ão para referir
apenas o seu cão, popó apenas para o carro do pai ou a recusa em aceitar que a avó é mãe
da mãe porque mãe há só a dela.

Para além do significado individual dos vocábulos, a criança começa a aperceber-se


das redes de relação semântica que os liga, como, p. exp., que a mesma palavra pode ter
significados diferentes (p. exp.: pata) ou que diferentes palavras podem significar
essencialmente o mesmo (p .exp.: rapariga/menina) ou que conceitos opostos são expressos
por antónimos (p. exp.: bonito/feio). À medida que a criança cresce, o significado das
pa1avras vai sendo reformulado. A compreensão de que o contexto linguístico em que o
vocábulo surge pode modificar-lhe o significado é um dos aspectos tardios do
desenvolvimento lexical. Também tardio, é o processo de definição de palavras (após o
início do período escolar). A criança ao definir menciona atributos funcionais
(relativamente à vaca, diz dá leite ) ou perceptivos ( é branca e preta ), exemplificam,
referem um ou outro traço de definição antes de, finalmente, atingirem a definição
categorial ( é um animal ) ou categorial particularizada ( é um animal que nos dá o leite

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para bebermos ).

O desenvolvimento do significado das palavras é um processo que se mantém ao


longo da vida, não só através do aumento de vocabulário, mas também pela compreensão
cada vez maior do significado mais aprofundado, p. exp., o total significado da palavra
onda só aparece quando a criança é capaz de integrar toda a informação sobre o fenómeno
físico que a origina (Amaral & Kay, 2000).

3.4 A pragmática

A comunicação é uma necessidade do ser humano que, programado para adquirir


linguagem, acede à mestria linguística mediado pela interacção adulto/criança. A
apropriação das regras de uso da língua é a base da competência comunicativa e o processo
a ela conducente é gradual e progressivo.

Durante a idade escolar, a linguagem é um poderoso instrumento para dar início,


manter e controlar as interacções sociais (Chaulkley, 1982, cit. Sim-Sim, 1998). As
capacidades e talentos comunicativos revelados pela criança em idade escolar permitem-lhe
captar a atenção do adulto de uma forma socialmente mais adequada, explorar eficazmente
a fonte de assistência e recursos que o interlocutor representa, exprimir ternura, hostilidade
ou raiva de forma apropriada, liderar e obedecer, manifestar auto-estima e exibir sucessos,
competir com os pares na narração de histórias e fazer de conta que é outra pessoa (White,
1975, cit. Sim-Sim, 1998).

A criança possui agora um maior controlo na permanência de um tópico e usa a


alternância de turnos, não só para pedir, mas também para concordar, discordar, negociar,
ameaçar e perguntar. Desenvolve-se ainda a capacidade para exprimir sarcasmo, para dizer
piadas, para usar duplos sentidos e refina-se a sedução através do uso de expressões de
cortesia. Os diálogos entre colegas, muito mais que quando se desenrola entre o adulto e a
criança, vão possibilitar certos tipos de trocas verbais.

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Por volta dos oito/nove anos, mais consciente da necessidade de adequação ao


contexto comunicativo, a criança começa a manifestar conhecimento da eficácia que o uso
de formas indirectas encerra, nomeadamente a mentira e o pedido. Assim, ao produzir uma
mentira, é já capaz de tomar em consideração as características do destinatário da mentira,
as relações entre si e o destinatário, bem como do contexto em que a mesma tem lugar.
Com a aproximação da adolescência, surgem as chamadas mentiras altruístas com o
objectivo de não magoar o outro, mesmo que para isso se lhe oculte a verdade dos factos. A
produção deste tipo de mentiras exige uma grande capacidade de descentração cognitiva
para abdicar da própria perspectiva, colocando-se no 1ugar do outro.

Desenvolve-se ainda nesta fase, e particularmente no início da adolescência, altura


em que se reconhece a importância da dimensão delicadeza, a formulação de pedidos por
via indirecta. Assim, a criança/jovem diz Que quente que está aqui dentro , Seria capaz
de... , Não se importa de... para pedir para abrir uma janela. O domínio de aspectos mais
subtis, que marcam registos de gentileza, e o reconhecimento de chaves contextuais de
amabilidade pouco perceptíveis, demoram, contudo, muito tempo a consolidar. O
reconhecimento do estatuto do interlocutor e a respectiva forma de tratamento, a não
imposição do nosso ponto de vista, o espaço dado ao interlocutor para se manifestar, a
simpatia e a subtileza de pedidos indirectos são subcomponentes a não desprezar na
aprendizagem da arte de conversar.

Nem toda a forma de transmitir ora1mente a informação se baseia no diálogo. A


narrativa é um exemplo. Saber contar uma história implica possuir a representação
cognitiva da organização interna dos elementos básicos da estrutura narrativa. Qualquer
história desenrola-se num cenário, aborda um tema e desenvo1ve um enredo onde têm lugar
um ou mais conflitos para os quais são encontradas soluções. A descrição do cenário
pressupõe a localização temporal e espacial da acção e a apresentação das personagens. Por
sua vez, a história desenvolve-se em episódios articulados entre si. Na idade escolar a
criança continua a desenvolver a sua capacidade de narrar acontecimentos, de inventar
sequências de acontecimentos de forma coerente ou de recontar histórias ouvidas.

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IV PNEP, um percurso para a modificabilidade cognitiva

4.1 O trabalho em cooperação

Os modelos de organização da sala de aula, como o trabalho em cooperação, ao


permitirem níveis mais elevados de interacção entre os alunos e entre professor e alunos,
constituem-se como factores de aprendizagem e desenvolvimento e mobilizam importantes
mecanismos de auto-regulação e hetero-regulação em que a linguagem desempenha um
papel fundamental (Marchesi & Martins, 1998, cit. Morgado, 2004). Neste modelo, ao
contrário de modelos de organização da sala de aula exclusivamente centrados na
realização de trabalho individual, a comunicação centrada no professor passa a dar lugar à
comunicação centrada na criança, instituindo-se um sistema de interacções entre os alunos.
O professor passa a sugerir ao(s) grupo(s) de alunos problemas de resolução motivadora e,
portanto, capazes de os interessar. Tal abordagem permite à criança exprimir-se, criar,
explorar e construir. Ao ver-se confrontada com pontos de vista diferentes do seu, numa
acção comum de vários indivíduos, exigindo a resolução de um conflito entre as diferentes
centrações individuais, desenvolve a construção de novas interacções, desencadeando uma
evolução das estruturas de pensamento de cada indivíduo para estruturas superiores,
estruturas mais complexas, independentemente do estado inicial, (Perret-Clermont, 1995).
É neste modelo de sala de aula, concebido como um sistema interactivo entre sujeitos,
objectos e regras, que a criança adquire informações, as analisa, organiza e lhes dá sentido.
Assim, o aluno tem acesso a múltiplas oportunidades para trocas verbais com colegas e
professores, mobilizando as suas experiências anteriores e enriquecendo o seu
desenvolvimento e o próprio processo de aprendizagem (Dean, 2000), cit. Morgado (2004).
Ao fazê-lo, através de incessantes adaptações, ele próprio se transforma, o que lhe permite
obter maior complexidade de pensamento (Dolle & Bellano, 1993).

Este trabalho em cooperação, além de pressupor que no final do trabalho os alunos


avaliem a forma como o grupo funcionou e o grau de sucesso face aos objectivos, implica
que se considerem alguns critérios (Putman, 1998), cit. Morgado (2004):
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Se verifique interdependência positiva, isto é, o desempenho do grupo depende de


todos os elementos, atingindo-se o sucesso quando todos os elementos o
conseguirem;

Cada aluno se sinta responsável pela sua aprendizagem e pelo seu contributo para o
desempenho do grupo;

Os alunos interajam directamente entre si, ou seja, a interacção deverá ocorrer


predominantemente entre alunos e não entre alunos e materiais;

Os alunos adquiram competências de cooperação.

Johnson e Johnson (1989), cit. Morgado (2004), com base em estudos comparativos
entre modelos de aprendizagem em cooperação e modelos de aprendizagem individual,
afirmam que os alunos envolvidos em experiências de cooperação obtêm melhores
resultados, aumentam a sua auto-estima e estabelecem melhores níveis de relacionamento
com os pares. Segundo Wang et al. (1993) e Wang (1995), cit. Morgado (2004), o ensino
em cooperação, baseado na interacção entre alunos e entre alunos e professor, permite de
forma mais eficiente a introdução de mecanismos de ajustamento no processo de
ensino/aprendizagem. Estudos realizados por Mortimore et al. (1988), cit. Morgado (2004),
mostraram também que, quando se solicita aos alunos o envolvimento em tarefas realizadas
de forma autónoma, menos dependente do professor, introduzem-se benefícios quer em
termos cognitivos, quer ao nível do funcionamento sócio-afectivo. A utilização regular de
dispositivos de cooperação estimula nos alunos o desenvolvimento de atitudes de interajuda
e, ao mobilizar o recurso a padrões de interacção verbal, desenvolve competências de
comunicação (Spillman, 1991), cit. Morgado (2004).

Webb & Vulliamy (1996), cit. Morgado (2004), enunciam também um conjunto de
vantagens decorrentes da utilização regular de trabalho em cooperação:

Em ambientes de cooperação, os alunos produzem mais ideias;

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Os alunos explicam, questionam e aprendem com os outros utilizando e


desenvolvendo a linguagem e diferentes padrões de interacção;

Em ambientes de cooperação, os alunos reconhecem mais facilmente o valor da sua


própria experiência na aquisição e desenvolvimento de novos conhecimentos;

Em ambientes de cooperação, os alunos desenvolvem mais confiança em si próprios


como aprendizes;

Em ambientes de cooperação, os alunos integram e apreendem mais facilmente os


seus níveis de responsabilidade face ao grupo desenvolvendo simultaneamente
processos de auto-regulação mais eficazes.

O trabalho em cooperação, para além do impacto positivo em termos de


ensino/aprendizagem, parece também repercutir-se positivamente no âmbito do
desenvolvimento pessoal e social dos alunos que actualmente se constitui como área
importante da intervenção da escola. Neste contexto, de acordo com Harwood (1988), cit.
Morgado (2004), poderemos afirmar que:

Os modelos de trabalho cooperativo produzem efeitos positivos significativos nas


relações entre alunos de diferentes contextos étnicos;

Os modelos de trabalho cooperativo promovem de forma significativa atitudes e


comportamentos de solidariedade;

Os modelos de trabalho cooperativo protegem e aumentam a auto-estima e


confiança;

Os modelos de trabalho cooperativo promovem mais eficazmente nos alunos


atitudes mais favoráveis à escola.

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Segundo Bennett & Dunne (1992), cit. Morgado (2004), a aprendizagem em


cooperação parece assumir efeitos positivos a prazo que importa ponderar e dos quais se
destacam:

Promoção e desenvolvimento de competências no âmbito das relações interpessoais


envolvendo, por exemplo, valores e atitudes de colaboração, gestão de problemas
interpessoais, gestão do trabalho de grupos, etc.;

Promoção e desenvolvimento de competências importantes no desempenho


profissional como criatividade, produtividade, facilidade na integração de diferentes
saberes, capacidade de comunicação, etc.

O trabalho em cooperação assume ainda a vantagem de permitir ao professor uma


gestão mais flexível do seu trabalho na medida em que cada aluno tenderá a solicitar o seu
apoio quando no grupo não consegue encontrar ajuda para eventuais dúvidas ou
dificuldades. Parece interessante a referência de Bennett & Dunne (1992), cit. Morgado
(2004), ao afirmarem que os alunos desempenhando as tarefas de aprendizagem segundo
modelos de trabalho em cooperação demonstram um maior envolvimento no seu trabalho,
aumentando em 22% as trocas verbais directamente relacionadas com a tarefa. Para
conseguirmos o maior benefício possível deste modelo de trabalho, deverão ser
considerados os seguintes princípios (Schniedewind & Davidson, 2000, cit. Morgado,
2004):

Diferenciar as tarefas por complexidade e quantidade;

Utilizar o trabalho de alunos mais competentes em grupos cooperativos;

Utilizar o trabalho em cooperação para apoiar e estimular o esforço individual;

Utilizar o modelo de tutoria de forma estimulante para tutores e tutorados;

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Utilizar actividades de aprendizagem que solicitem diferentes competências dos


alunos;

Diferenciar e explicitar os critérios de sucesso;

Valorizar a aprendizagem cognitiva, social e emocional.

Quando consideramos como critério o nível de cooperação potencialmente presente


em diferentes formas de organização do trabalho dos alunos, é possível padronizar algumas
situações mais frequentemente utilizadas (Dean, 2000, cit. Morgado, 2004):

Os alunos estão dispostos em grupo realizando tarefas individuais nesta situação,


observada com frequência, as tarefas não exigem cooperação, mas os alunos podem
ser envolvidos numa discussão alargada gerida e apoiada pelo professor;

Os alunos trabalham individualmente em aspectos particulares de uma tarefa,


contribuindo para um produto do grupo, por exemplo, a construção de um texto -
nesta situação parece constatar-se um nível de cooperação mais significativo;

Os alunos trabalham em conjunto numa tarefa ou produto comum ou na discussão


conjunta de um tópico - esta situação será, provavelmente, a que apresentará
melhores níveis de cooperação;

Trabalho a par - existem muitas situações em que o trabalho a par será um recurso
interessante e com grandes possibi1idadesde de ser bem-sucedido. Os pares podem
trabalhar conjuntamente em tarefas e problemas ou desenvolver modelos de tutoria.
O trabalho a par pode ser uma boa abordagem e iniciação ao trabalho de grupo em
cooperação. O trabalho a par potencia formas de auto e heteroregulação de
importância central nos processos de desenvolvimento e aprendizagem.

Finalmente, o modelo de trabalho individual também pode apresentar alguns


aspectos positivos, desde que utilizado em situações do seguinte tipo (Dean, 2000, cit.
Morgado, 2004):
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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Trabalho oral e escrito em que se visa a expressão de opiniões e a capacidade de


argumentação, sendo que a resposta pode ser elaborada ao nível de cada aluno e
expressa num contexto de grupo;

Língua materna ou matemática, por exemplo, quando certos conceitos e


competências básicas necessitam de prática e reforço numa primeira fase de
aprendizagem;

Apresentação, lançamento e motivação para um projecto temático bem como para a


sua finalização e apresentação;

Tempos de leitura, actividades de expressão, etc.

4.2 Estratégias cognitivas

Durante o processo de aprendizagem, a aluno elege e utiliza sequências integradas


de procedimentos ou actividades de nível superior que facilitam a aquisição, manipulação,
integração, armazenamento e evocação da informação nas diferentes situações e contextos.
Estes procedimentos, ou estratégias cognitivas e metacognitivas, são acções de carácter
intencional, da iniciativa do aluno, por si planeadas, permitindo tomar decisões adequadas,
no momento oportuno, em relação à aprendizagem. Poderão ser agrupadas de acordo com
os processos da atenção, aquisição, personalização, recuperação, transferência e avaliação
(Beltrán, 1998):

Atenção

Podemos diferenciar várias modalidades de atenção: selectiva ou focalizada, que


consiste na capacidade de uma boa concentração numa única fonte de informação ou tarefa
e excluir as outras que podem interferir; estado de alerta, quando temos que actuar perante
várias fontes de informação ao mesmo tempo; manutenção da atenção, que consiste numa
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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

capacidade ou habilidade para manter o foco de atenção em estímulos durante um


determinado período de tempo. As estratégias de atenção utilizadas determinam não só a
informação que chegará à memória, mas também o tipo de informação. Trata-se,
fundamentalmente, de uma atenção selectiva que separa o material informativo relevante do
material irrelevante. Assim, a atenção não consiste unicamente em atender à tarefa e evitar
as distracções, mas também em atender selectivamente a certos estímulos e ignorar outros.
Para usar adequadamente as estratégias de atenção, o aluno deverá (Crespo & Carbonero,
1998):

Tomar consciência do que já sabe e do que ainda não sabe;

Tomar consciência do que exige a tarefa para atender ao que é relevante e recordar;

Estabelecer uma hierarquia, segundo a sua importância, dos distintos elementos do


contexto para poder fixar-se no essencial;

Utilizar estratégias cognitivas para distribuir o esforço e a atenção segundo a


importância dos dados informativos.

Aquisição de conhecimentos

O Sistema Nervoso Central processa a informação através de símbolos, os quais


representam experiências e servem para codificar, armazenar e recuperar a informação
correspondente. Uma boa compreensão pressupõe a capacidade de representar o mesmo
problema de diferentes maneiras e não apenas uma única e rígida representação (Bernad,
2000), e pressupõe as seguintes estratégias:

A selecção. Tem como função principal seleccionar a informação mais relevante no


contexto concreto e específico com a finalidade de facilitar o pensamento. Como
técnicas para activar a melhor estratégia de selecção, usa o sublinhar, anotar,
resumir, fazer esquemas e registo da ideia principal (Hermández & García, 1991);

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

A organização. Consiste em combinar os elementos informativos seleccionados


num todo coerente e significativo e aplica-se para estabelecer explicitamente
conexões internas entre os elementos que compõem a aprendizagem. Como
técnicas, podem ser usados agrupamentos (resumos, esquemas, sequências lógicas
causa/efeito, problema/solução, comparação/contraste), sequências temporais,
mapas conceptuais e diagramas (Román & Gallego, 1994);

A elaboração. Relaciona e integra a nova informação com a informação já


armazenada na memória. Tem a ver com a construção de conexões externas entre a
nova informação organizada e o conhecimento prévio existente. Esta estratégia pode
realizar-se através das seguintes técnicas: estabelecimento de relações entre os
conteúdos de um texto, entre estes e o que já se sabe; construindo imagens visuais a
partir da informação; elaborando metáforas ou analogias a partir do assunto
estudado; procurando aplicações possíveis dos conteúdos aprendidos; questionando-
se e cujas respostas tenderiam a colocar a síntese, inferência ou conclusões dum
texto; expressar as ideias do autor por outras palavras (Román & Gallego, 1994);

A repetição. Consiste em pronunciar, nomear ou dizer de forma repetida os


estímulos apresentados numa tarefa de aprendizagem. Trata-se de um mecanismo de
memória que activa os dados de informação para os manter na memória a curto
prazo e, por sua vez, transferi-los para a memória a longo prazo (Beltrán, 1998);

Personalização e controlo

O aluno adquire conhecimentos para além da informação directamente recebida,


inferindo conclusões a partir de outros conhecimentos gerais ou partindo de conhecimentos
particulares. Ele assume, de forma personalizada, criativa e crítica, a aprendizagem de
novos conhecimentos obtidos e explora novos limites à margem do estabelecido ou
convencional. Algumas estratégias a desenvolver (Bernad (2000):

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Tratar de estar bem informado;

Analisar de forma clara e precisa a informação;

Manter uma atitude intelectual aberta;

Controlar a impulsividade;

Manter uma atitude crítica perante os acontecimentos.

Recuperação

Um dos factores que explicam a conduta do indivíduo é a informação processada. O


sistema cognitivo do indivíduo necessita de recordar o conhecimento armazenado na
memória a longo prazo, tornando-o acessível quando o revê e recupera através de
estratégias, utilizando descrições relacionadas com os dados armazenados mediante a
procura autónoma, dirigida, evocada ou de raciocínio. Duas estratégias favorecem esta
evocação (Román & Gallego, 1994):

O sistema de busca. É essencialmente condicionada pela organização dos


conhecimentos na memória, resultante de estratégias de codificação. Ele retoma e
transporta a representação conceptual em condutas, os pensamentos em acção e
linguagem. Usa como suporte as técnicas de mnemónicas, metáforas, mapas,
sequências, palavra-chave, conjuntos ou estados;

A generalização de respostas. Garante a adaptação a situações novas e pode


verificar-se pela planificação de respostas ou pela resposta escrita. A planificação de
respostas usa como técnicas a livre associação ou a ordenação dos conceitos
evocados por livre associação, enquanto a resposta escrita utiliza técnicas de escrita
ou execução (fazer, aplicar, transferir).

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Transferência

O aluno transfere, abstrai ou generaliza os conhecimentos adquiridos a contextos,


estímulos ou situações novas. Esta é a essência da verdadeira aprendizagem, já que esta não
é válida enquanto o indivíduo não for capaz de aplicar a uma ampla rede de situações
distantes a situação original. O grau de abstracção, distância entre os dados imediatos e a
generalização que o indivíduo faz dos mesmos numa determinada tarefa, pressupõe a forma
de representarmos mentalmente a informação, bem como o tipo de raciocínio lógico
implicado no processamento de dados previamente representados (Bernad, 2000).

Avaliação

A avaliação consiste na comprovação do grau em que o aluno consegui os


objectivos previstos. Se o feedback informativo que lhe chega lhe é positivo, fortalece-o e
reforça-o, o que faz desenvolver a sua motivação e autoconceito. Este processo de
avaliação tem duas características: justificar ou gratificar pelos resultados conseguidos;
informar, o que faz com que se possa ou não confirmar os objectivos conseguidos.
Contribuem com estratégias da avaliação (Bernad, 2000):

A avaliação inicial dos processos e conteúdos;

A avaliação formativa dos processos e conteúdos;

A avaliação sumativa dos processos e conteúdos;

4.3 Estratégias metacognitivas

Outras estratégias metacognitivas são formadas por procedimentos de auto-


regulação que tornam possível o acesso consciente às habilidades cognitivas usadas para
processar a informação. A nível do auto-conhecimento, usa técnicas do género: que fazer?
(conhecimento declarativo); como fazer? (conhecimento procedimental); quando e porquê
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fazer? (conhecimento condicional). Ou seja, o importante para o aluno é: saber quando


utilizar uma estratégia; seleccionar a estratégia adequada em cada momento; comprovar a
eficácia da estratégia utilizada. A nível do auto-controlo, os processos de compreensão
requerem: estabelecer metas de aprendizagem ou planificação; avaliar o grau de
consecução ou avaliação; rectificar, caso não consiga, os objectivos propostos ou regulação
(Román & Gallego, 1994).

Metacognição está, portanto, relacionado com a consciência que o aluno tem do


exercício cognitivo e da capacidade para alterar a sua conduta, em duas dimensões: o
conhecimento (Flavell, 1987) e a regulação (Justicia, 1996):

Conhecimento

Os aspectos relevantes implicados na execução da tarefa relacionam-se com a


qualidade das respostas do aluno (o que vulgarmente se denomina conhecimentos e que
coincide com o que normalmente o professor assinala para atribuir uma classificação ao
aluno) e que se consubstancia nas seguintes técnicas (Bernad, 2000): hipóteses utilizadas na
execução da tarefa ou nível de congruência durante a actividade do aluno; partes realizadas
com correcção, ou seja, os acertos de imediato, sem necessidades de recorrer à sua
rectificação; lacunas típicas, ausências, omissões ou silêncios mais característicos do aluno
sobre aspectos relacionados com o tema; dúvidas típicas. O conhecimento implica tomar
consciência de três variáveis: a pessoa; a tarefa; a estratégia (Flavell, 1987):

A variável pessoal. Inclui o conhecimento e convicção de que se é único como


processador cognitivo: que capacidades se possui ou não, que factos se conhecem e
quais os que se ignoram, de que forma se produz melhor. O conhecer as nossas
próprias características de aprendizagem ajuda-nos a determinar o que devemos
fazer para conseguirmos uma tarefa e que tipo de recursos é conveniente utilizarmos
(tempo, esforço, ajuda de alguém);

A tarefa. Pressupõe ter consciência do que se pede na actividade académica, ou seja,


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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

dos objectivos que se pretendem com ela. Ter consciência da sua amplitude, do
nível de dificuldade, das semelhanças com as actividades realizadas anteriormente,
do tipo de processamento cognitivo e dos recursos que requerem;

A estratégia. Inclui o conhecimento de estratégias que ajudam a resolver a tarefa.


Assim, pode entender-se a consciência (conhecimento) metacognitiva como um
processo de utilização do pensamento reflexivo para desenvolver a consciência e
conhecimento sobre a tarefa e as estratégias num contexto determinado.

Regulação

A metacognição, ao intervir na regulação e controlo da actividade cognitiva, faz a


optimização dos recursos disponíveis, ou seja, procura o melhor método de utilizar e pôr
em acção as habilidades que o indivíduo já domina. As actividades de regulação da
cognição e da aprendizagem podem realizar-se antes, durante e depois da realização da
tarefa. As actividades de planificação situam-se antes do começo das actividades. Durante a
realização das tarefas, produz-se o controlo e direcção da cognição. Depois da realização
das mesmas é levada a efeito a avaliação dos resultados. Cada um dos três processos
(planificação, controlo e avaliação) não entra em acção isoladamente, mas interage com os
outros dois (Justicia, 1996):

A planificação. Existe um carácter intencional que implica um plano de acção. As


actividades de planificação realizam-se prioritariamente antes do começo das
actividades e ajudam o aluno a determinar que direcção deve seguir na
aprendizagem e que uso deve fazer das diferentes estratégias. Podem ainda
contribuir para que sejam activados conhecimentos anteriores relevantes para a
compreensão e assimilação da nova informação. É necessário realizar uma análise
da tarefa que permita dar início às actividades de planificação como, por exp., a
subdivisão da tarefa, a calendarização, a escolha dos recursos necessários para a sua
realização, a selecção de estratégias, a planificação de perguntas e hipóteses, etc.;

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

O controlo. A direcção e supervisão do processo de aprendizagem é produzido


durante a realização das tarefas para comprovar se está a ser conseguido o plano
estabelecido e se estão a ser utilizadas de forma adequada as estratégias
seleccionadas. Verificam-se ainda os resultados e avalia-se o grau de consecução
das metas para ver se é necessário introduzir modificações nas estratégias, nos
objectivos ou na planificação. Nas actividades de controlo estão a confirmação de
que se sabe em que consiste a tarefa a realizar, a manutenção da atenção enquanto
se lê, o dar auto-instruções, a formulação de perguntas para assegurar que se está a
compreender os dados, o controlo do tempo e da velocidade de realização da
actividade, etc.;

A avaliação. Através dos resultados obtidos, comprova-se se foram alcançados os


objectivos, o grau de eficácia das estratégias usadas, os recursos, etc. Esta auto-
avaliação contribui para aumentar o conhecimento que o aluno tem de si mesmo,
das tarefas e das estratégias. Assim, os alunos podem aprender muito das
actividades de aprendizagem, já que os resultados proporcionam um feedback
informativo que pode indicar a necessidade de uma mudança de estratégia em
momentos futuros. O êxito ou o fracasso numa tarefa não deveria ter unicamente
consequências afectivas para o aluno, mas converter-se em fonte de informação real
das variáveis da pessoa, tarefa e estratégia. Seria uma verdadeira avaliação
informativa e contribuiria para melhorar o conhecimento e controlo metacognitivo
do aluno.

4.4 Actividades e procedimentos na sala de aula

O Programa Nacional do Ensino do Português (PNEP), através de textos de


referência científica actualizada e organização de brochuras, vem propor a implementação
de actividades e procedimentos na sala de aula capazes de provocar verdadeiras
coordenações interindividuais que sejam fonte de desenvolvimento cognitivo da criança.
Numa escola onde a diversidade e da heterogeneidade dos alunos é uma constante, tal
modelo constitui um desafio para todos os profissionais de educação.

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Atribui à criança o papel central no processo de ensino/aprendizagem, colocando a


ênfase no oral como ponto fulcral do desenvolvimento da linguagem (oral e escrita) e
desenvolvendo as seguintes temáticas:

O desenvolvimento da linguagem e educação linguística, perspectiva filogenética e


ontogenética da escrita (Baptista, 2007);

A importância da literatura para a infância e a compreensão leitora (Gomes, 2007);

Os meios e os materiais de ensino (Ramos & Teles, 2007);

O oral como objecto de estudo, a pedagogia e a avaliação da escrita (Sousa, 2007);

O conhecimento lexical como factor de sucesso na aprendizagem da leitura e da


escrita (Duarte, 2007);

O ensino da produção de textos (Barbeiro & Pereira, 2007), incidindo nas


competências gráfica (competência relativa à capacidade de inscrever num suporte
material os sinais em que assenta a representação escrita), ortográfica (competência
relativa às exigências que estabelecem a representação escrita das palavras da
língua) e compositiva (competência relativa à forma de combinar expressões
linguísticas para formar um texto);

O ensino da compreensão de textos, nomeadamente o percurso que o aluno faz


desde a decifração à compreensão do texto e quais as estratégias de ensino explícito
para desenvolver a fluência da leitura (Sim-Sim, 2007);

A avaliação da leitura, particularmente os conceitos em torno da avaliação de


leitura, os seus instrumentos e processos. Analisa as várias modalidades de
avaliação de leitura, em função dos objectivos, bem como as potencialidades e
limitações das diferentes modalidades em função dos objectivos (Viana, 2007).

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Numa interacção comum entre pares e resolvendo conflitos entre as diferentes


centrações, a criança é capaz de adquirir informações que trata e organiza para lhes dar
sentido, como acontece quando, p. exp., centrada na problemática do tema A Ponte,
participa na construção das actividades de diário de um descobridor de palavras e
construir um mapa semântico a partir do texto , que posteriormente são usadas de forma
individualizada e em intercâmbio de grupos:

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Actividade: diário de um descobridor de palavras

(EB1 Maximinos, 3º ano, turma 27 - Ano 2006/07)

Actividade: construir um mapa semântico a partir do texto A Ponte

(EB1 Maximinos, 3º ano, turma 27 - Ano 2006/07)

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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

Conclusão

A aprendizagem é a construção pessoal de um processo experimental, interior à


pessoa, e que se traduz por uma modificação de comportamento estável. As abordagens
cognitivistas, como a teoria do processamento da informação, e construtivistas de cariz
desenvolvimental, explicitaram um conceito dinâmico de aprendizagem comparativamente
à do conceito que apresentava a aprendizagem como aquisição de informação ou mesmo
aprendizagem como aquisição de conhecimentos. Nos processos de ensino/aprendizagem,
os indivíduos não poderão, de forma alguma, refugiar-se em atitudes passivas ou puramente
reprodutivas dos modelos de uma ciência tradicional estática, de memorização, mas
deverão colocar-se numa atitude investigativa, crítica, argumentativa e criativa. Aprender
não pode ser apenas adquirir, guardar, na memória de curta ou de longa duração, certezas,
verdades absolutas, mas interrogar e realidade existente.

A sociedade do futuro, uma sociedade cada vez mais virada para a aprendizagem,
para as tecnologias de informação e para a acelerada divulgação de conhecimentos
científicos, não pode limitar-se a uma escola baseada na transmissão directa e pura de
conteúdos e de soluções específicas, mas deverá orientar-se para o desenvolvimento do
indivíduo em todas as suas manifestações, para o acesso à cultura geral e, neste sentido, a
educabilidade cognitiva é uma abordagem extremamente potente para atingir estes
objectivos de forma integrada, na medida em que fornece as ferramentas, as destrezas e as
competências cognitivas fundamentais de processamento de informação e de interpretação
da realidade, necessárias para as aprendizagens posteriores.

Estudos científicos desenvolvidos nas últimas décadas, apontam razões para se


pensar que muitos problemas de aprendizagem deverão ser encontrados no
desenvolvimento cognitivo da criança e sua interacção com o meio envolvente, denotando
uma enorme necessidade de intervenção ao nível da actuação pedagógica. Torna-se
imperioso que o educador/professor conheça, compreenda e respeite os mecanismos de
aprendizagem dos seus educandos. Ao adequarem-se os métodos de ensino aos mecanismos
de aprendizagem, estaremos, eventualmente, a dar um passo fundamental na
individualização real e efectiva do ensino, na consciência clara de que o aluno é um ser
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A linguagem (oral e escrita) em crianças do 1º ciclo: contributos para a modificabilidade cognitiva

pleno, livre e autónomo, que exige da parte do educador/professor o conhecimento e


respeito do seu processo individual de aprendizagem. É no período dos 6-7 anos aos 10-11
anos, estádio da inteligência operatória concreta segundo Piaget, que a criança se relaciona
com o mundo não apenas por meio de acções sensoriais e motoras, não só por meio de
acções mentais executadas de forma unidireccional ou irreversível, mas também por
intermédio de acções mentais que vão além da informação dada em termos perceptivos.
Operações, porque são acções interiorizadas, reversíveis e que comportam leis de
totalidade. Concretas, porque embora executadas a um nível interno ou mental, aplicam-se
a conteúdos concretos.

O Programa Nacional do Ensino do Português, propõe uma nova abordagem do


ensino/aprendizagem da linguagem (oral e escrita) capaz de proporcionar aos alunos um
desenvolvimento cognitivo e, portanto, um aumento do seu potencial de aprendizagem,
através de metodologias activas e assentes na manipulação de materiais e objectos,
aplicando métodos de descoberta e através confronto de pontos de vista diferentes. As
actividades e procedimentos são desenvolvidos em cooperação, fazendo uso de estratégias
cognitivas e colocando a linguagem da criança como fundamental de todo o processo de
ensino/aprendizagem.

Este programa é um desafio aos professores/educadores e reúne, cremos nós, as


condições necessárias à modificabilidade cognitiva das crianças do 1º ciclo. Será um virar
da página nos resultados escolares do sistema educativo português.

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