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E AFINAL O 25 DE ABRIL...

Maria José Nogueira Pinto


jurista

Na voragem de um quotidiano detalhado à exaustão temos vindo a perder o hábito e o gosto por um
qualquer exercício de análise, mesmo do passado recente. Já G.Sorel observava que é caracteristico das
épocas de decadência o desaparecimento dos pensadores e a emergência dos comentadores. Estes
entregam-se à tarefa circular de analisar um facto - em regra de relevância efémera - por todos os ângulos
possíveis. O tempo mediático impõe a redução dos descontextualizadas comentários a análises simplistas,
tão efémeras como os factos que as dominam.

É curioso como o 25 de Abril, que estabeleceu uma ruptura definitiva com factores determinantes da nossa
identidade histórica, seja hoje pouco mais do que um feriado, com sorte, uma "ponte". Mesmo os que
viveram conscientemente este periodo histórico e, em muitos casos, o protagonizaram na catadupa de
acontecimentos, inevitabilidades e consequências, de um lado e outro das barricadas, parecem ter preferido
digeri-los interiormente como se , com tal atitude, contribuíssem para esta morna normalidade, tida por sua
vez como o epílogo tranquilizador de tão indigesta experiência.

Não é, pois, de estranhar, que um estudante graúdo, interrogado sobre o significado da data, tenha
respondido sem titubear que se tratou da implantação da República. Espantoso seria, por exemplo, que
este e todos os outros soubessem que no dia 25 de Abril de 1974 se deu um golpe de Estado e no dia 1 de
Maio se iniciou um processo revolucionário. Que o primeiro teve como causa próxima uma mera questão de
precedências e um consequente movimento corporativo dos militares, e o segundo se originou na
confluência de todas as forças político-ideológicas que já estavam ou apareceram no terreno. Que houve
dois 25 de Abril, um aqui, neste pequeno rectângulo europeu, e outro, avassalador, em todos os territórios
onde se hasteava a bandeira portuguesa. Que rapidamente tudo o que realmente relevava passou para a
jurisdição de forças externas. Que o mundo se dividiu entre o insólito comovedor de que é paradigma o
cravo no cano da G-3, o folclore que a esquerda replicava pelos países onde estas coisas ainda eram
possíveis, como os da América Latina, e uma preocupação irritadiça com o despropósito histórico do PREC,
num país da Europa ocidental e da NATO. Que o único objectivo estratégico - a descolonização - pertencia
ao Partido Comunista teleguiado por Moscovo e foi também o único alcançado e tornado irreversível. A
unicidade sindical, a reforma agrária, a economia estatizada, a sociedade sem classes, tudo isso foi
passageiro, como um acne juvenil.

Percebe-se que tenha sido assim porque, como se viu, a História não deu razão a quase ninguém. Quinze
anos depois a União Soviética e todas as teorias "científicas" em que se tinha baseado cairam literalmente
com o muro de Berlim. Os países que emergiram da descolonização têm, ao longo destes anos, enfrentado
guerras fraticidas e acumulado atrasos com enorme prejuízo para as suas populações. Portugal perdeu
território, massa crítica, população, mercado, importância geoestratégica, desígnio e destino. Até agora
parece não ter encontrado o seu futuro enquanto desperdiça, metodicamente, o seu presente. Por outro
lado, é certo que os ventos da História iriam obrigar a algum desfecho da guerra do Ultramar e Portugal
post-Salazar iria, inevitavelmente, caminhar para um regime democrático. Uma questão de tempo,
possivelmente o tempo obrigatório de todas as transições de regime.

Se a descolonização em si não é uma mancha, a forma como foi feita constituiu um vergonhoso acto de
irresponsabilidade, consentido pela generalidade das Forças Armadas. Os ganhos da democracia, que são
reais, são descuidados quer pelos eleitores quer pelos eleitos. A liberdade, cuja ausência justificou para
tantos o nosso atraso, não nos devolveu engenho e arte que se veja.

1 of 2 01-05-2008 23:47
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E as coisas boas que aconteceram? Provavelmente não são, sequer, valorizadas pela nova geração que, a
braços com outros problemas, já nem nos concede o benefício da dúvida. É a consequência de se omitir a
História.|

2 of 2 01-05-2008 23:47

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