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Conseqüências da violência familiar na saúde

ARTIGO ARTICLE
da criança e do adolescente: contribuições para
a elaboração de propostas de ação

Consequences of family violence


to the health of children and adolescents:
contributions to action proposals

Michael E. Reichenheim 1
Maria Helena Hasselmann 2
Claudia Leite Moraes 1

Abstract In Brazil, the magnitude of family vi- Resumo No Brasil, o conhecimento sobre a di-
olence is not yet fully known. Nevertheless, there mensão da violência familiar é ainda escasso.
is some evidence supporting that the issue Todavia, existem evidências apontando para
should be immediately addressed. The article um cenário merecedor de enfrentamento ime-
underlines the need for research, explicitly at- diato. Nesta perspectiva, o presente artigo des-
tempting to bridge the gap between generated taca o campo das investigações sobre o tema,
knowledge and effective proposals for action. procurando explicitamente fazer uma ponte en-
The article is divided in five parts. It opens with tre a apropriação do conhecimento gerado e efe-
an overview concerning the importance of the tivas propostas de ação. O artigo divide-se em
problem of violence among children and adoles- cinco partes. Inicialmente, é discutida a impor-
cents. The following section presents a typology tância da violência familiar no cenário de mor-
regarding main research lines on family vio- bi-mortalidade de crianças e adolescentes A se-
lence. In the third section, one of those research guir, procura-se mapear as principais linhas de
lines is further detailed, especifically covering investigação sobre o tema, sugerindo uma tipo-
investigations dealing with the consequences of logia de estudos da área. A terceira sessão ex-
family violence. The conection between some of plora com mais ênfase as investigações que ava-
the findings and their use as subsidiaries for ac- liam as conseqüências do fenômeno na saúde de
1 Departamento
de Epidemiologia
tual action proposals is addressed in the fourth crianças e adolescentes. Na quarta seção, são dis-
do Instituto de Medicina section. The last section provides some com- cutidos os possíveis elos entre o conhecimento a
Social e Núcleo de Pesquisa ments about the importance of focusing violence ser gerado nesse âmbito e as propostas de ação
das Violências,
Universidade do Estado
at the family level as opposed to the individual para o enfrentando da violência familiar. Na
do Rio de Janeiro. level; the importance of handling the problem última seção, são feitas algumas considerações
Rua São Francisco Xavier, on a multi-professional basis; and the need to sobre a importância do enfoque familiar em
524, 7o andar, bl. D,
20599-900 Rio de Janeiro,
integrate agencies and services involved with oposição ao individual; do multidisciplinar, em
RJ, Brasil family violence. vez da abordagem compartimentalizada; e sobre
michael@ims.uerj.br. Key words Family Violence; Child Abuse; Vio- a necessidade de integração das várias agências
2 Departamento
de Nutrição Social
lence against Adolescents; Prevention Strate- e serviços envolvidos com a violência familiar.
do Instituto de Nutrição, gies; Epidemiologic Studies Palavras-chave Violência Familiar; Violência
da Universidade Federal contra a Criança; Violência contra Adolescen-
do Rio de Janeiro e Núcleo
de Pesquisa das Violências,
tes; Estratégias de Prevenção; Estudos Epide-
Universidade do Estado miológicos
do Rio de Janeiro
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Reichenheim, M. E.; Hasselmann, M. H.; Moraes, C. L.

Introdução No Brasil, a magnitude da violência fami-


liar ainda não pode ser bem dimensionada. O
A partir da década de 70, a violência passou a reconhecimento recente do problema, a uti-
ser uma das principais causas de morbi-mor- lização de diferentes definições do fenômeno
talidade, principalmente na população de ado- pelas instituições e pesquisadores responsá-
lescentes e adultos jovens das grandes cidades veis pelas estatísticas disponíveis, a diversida-
(Minayo & Souza, 1998). O incremento da par- de das fontes de informações existentes e a
ticipação relativa desses agravos no perfil de inexistência de inquéritos populacionais na-
adoecimento e morte da população jovem tor- cionais são alguns dos fatores que dificultam
nou este grupo de causas um importante pro- estimativas mais acuradas. Ademais, é impor-
blema de saúde pública, intensificando e jus- tante reconhecer que a maioria das estimati-
tificando uma centralização de esforços dos vas existentes na área reflete somente os ca-
pesquisadores da área no sentido de conhecer sos mais visíveis e/ou graves de violência fa-
melhor o problema. Até o momento, a mag- miliar. Possivelmente, a insuficiência de pro-
nitude das violências vem sendo avaliada pe- cedimentos básicos para o seu reconhecimen-
las estatísticas de mortalidade por causas ex- to e de uma rotina clara e eficiente, capaz de
ternas. Esta forma de abordagem das violên- estabelecer fluxos adequados das informações
cias desvenda apenas a ponta de um grande pertinentes entre as instituições envolvidas,
iceberg, pois não contempla os casos não-fa- também contribuem para o agravamento da
tais que, a cada dia, mais assumem um lugar situação.
de destaque nos quadros de morbidade de mu- Apesar das dificuldades apontadas, os re-
lheres, crianças, adolescentes e adultos jovens. sultados de algumas pesquisas nacionais indi-
Pesquisadores da área de saúde sugerem que cam que a violência familiar no Brasil também
a violência interpessoal e as negligências que é expressiva, devendo ser encarada como prio-
ocorrem no ambiente familiar sejam responsá- ridade na agenda do Estado (Deslandes, 1997;
veis por grande parte desses atos violentos Brasil, 1997). Segundo a Pesquisa Nacional por
(Minayo, 1994). Amostra Domiciliar realizada no ano de 1988
Apesar de a violência familiar ser descrita (IBGE, 1989), 55% das mulheres vítimas de
desde a antigüidade, somente há cerca de 30 agressão na Região Sudeste do Brasil haviam
anos é que o tema vem sendo sistematicamen- sido vitimizadas em seus próprios lares, sen-
te discutido por pesquisadores da área de saú- do que, em 62,2% dos casos os agressores fo-
de (Straus & Gelles, 1995; Gelles, 1997). A im- ram seus parentes ou conhecidos. No caso das
portância dada ao problema, não só no meio crianças e adolescentes a proporção é ainda
acadêmico como também na imprensa e no maior. Segundo a pesquisa, 80% das agressões
restante da sociedade civil, é conseqüência di- físicas foram perpetradas por esses agressores.
reta das estatísticas alarmantes encontradas No estado do Rio de Janeiro, estatísticas da
ao longo dos últimos anos. Segundo Kashani et polícia civil do ano de 1991 indicam que cer-
al. (1992), nos Estados Unidos, 4,1 milhões ca- ca de 70% dos homicídios de crianças de zero
sos de violência familiar foram registrados no a onze anos foram perpetrados pela própria
Departamento de Justiça, entre 1973 e 1981, família (Soares, 1997). A magnitude da vio-
configurando uma média anual de 450 mil ca- lência domiciliar também pôde ser evidencia-
sos. Estes números podem ser ainda maiores, da no inquérito realizado, durante os anos de
pois refletem somente o comportamento das 1990 e 1991, com escolares do município de
vítimas que registraram tais casos como cri- Duque de Caxias. Nessa pesquisa, cerca de
minais. Straus e Gelles (1995), após realização 33% das crianças e adolescentes entrevista-
de dois inquéritos nacionais (1975 e 1985), dos relataram a ocorrência de atos violentos
também estimam uma alta incidência de vio- na relação entre pais e filhos em seus domicí-
lência nas famílias americanas. Apesar de te- lios (Assis, 1992).
rem notado um certo declínio nos índices en- Mesmo que ainda insuficientes, as estatís-
tre os dois importantes estudos, os autores ticas apresentadas acima apontam para um ce-
estimam que ainda cerca de 1.500.000 crian- nário merecedor de enfrentamento imediato.
ças sejam vítimas de graves maus tratos e que É fundamental a elaboração de propostas de
cerca de 1.800.000 mulheres americanas se- ação com vistas à prevenção do problema e o
jam agredidas severamente por seus cônju- acompanhamento de suas vítimas. Porém, se
ges, anualmente. ações são indiscutivelmente prioritárias, o de-
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senvolvimento de linhas de investigação nessa Uma tipologia dos estudos da área
área não deve ser deixado em segundo plano. de violência familiar
Nesta perspectiva, o presente artigo desta-
ca o campo das investigações, procurando ex- Iniciando uma descrição das linhas de investi-
plicitamente fazer uma ponte entre a apropria- gação na área de violência familiar, vale res-
ção do conhecimento gerado e efetivas pro- saltar que a complexidade do fenômeno im-
postas de ação. Por mais que pareça lugar-co- põe que o conhecimento a ser produzido seja
mum afirmar a pesquisa como um dos funda- necessariamente construído por profissionais
mentos da ação social não se deve ignorar o de diferentes áreas, destacando-se, entre ou-
fato de que muito do que se decide, e subse- tros, os profissionais de saúde, os cientistas so-
qüentemente se implementa, é pouco emba- ciais e os antropólogos. Embora reconhecendo
sado em informações substantivas e, princi- que essa transdisciplinaridade implique vas-
palmente, sistematizadas. Se esta é uma críti- to campo de estudo, dar-se-á ênfase aos estu-
ca em geral, não seria um equívoco afirmar dos do âmbito direto da saúde coletiva.
que no Brasil essa tem sido a regra, e não a ex- Apresenta-se, a seguir, uma proposta de
ceção. Com o progressivo entendimento e classificação dos estudos, agrupando-os con-
conscientização da sociedade brasileira fren- forme seus principais objetivos. A tipologia
te ao grave problema da violência familiar, pas- apresentada se baseia na leitura de títulos e re-
sa a haver, ainda que reconhecidamente nos sumos de cerca de 600 artigos publicados em
seus primórdios, uma crescente demanda por periódicos indexados na rede Medline e Lilacs,
ações que a enfrentem. Por sua novidade, sur- no ano de 1996.
ge também uma excelente oportunidade de se O primeiro grupo de investigações é com-
criar um ambiente onde as políticas e ações posto por estudos interessados em discutir as-
sanitárias para o enfrentamento do problema pectos teórico-conceituais relacionados ao te-
passem a se articular intimamente a progra- ma. Em geral, essas pesquisas são mais do âm-
mas de investigação, não importando se den- bito dos cientistas sociais e antropólogos, por
tro ou fora de academias. exemplo, aquelas enfocando as questões rela-
Seguindo essa diretriz, o restante deste ar- cionadas à definição de violência familiar ou
tigo divide-se em mais quatro partes. Na pró- as que discutem as repercussões de questões
xima seção, procura-se mapear as principais eminentemente teóricas sobre o que Reiche-
linhas de pesquisa em violência familiar no nheim e Moraes (1998) descrevem como va-
âmbito da Saúde Coletiva, oferecendo, mes- lidade operacional de investigações.
mo que de forma tentativa e sujeita a debate e Um segundo grupo de trabalhos é consti-
aprimoramentos, uma tipologia de estudos. A tuído por estudos de freqüência (incidência,
seção seguinte explora com mais ênfase um prevalência e freqüências relativas), que pro-
desses campos de estudo, especificamente o curam dimensionar a magnitude da violência
das pesquisas que avaliam as conseqüências e identificar a sua importância com relação
diretas e indiretas do fenômeno na saúde de às demais violências, às outras causas exter-
crianças e adolescentes. Procurando a ponte nas e aos outros agravos em geral. Tradicio-
aludida acima, segue-se uma seção onde são nalmente, a epidemiologia é a disciplina que
discutidos os possíveis elos entre o conheci- mais tem contribuído para o avanço do co-
mento a ser gerado nesse âmbito e as possíveis nhecimento na área.
propostas de prevenção da violência familiar. O terceiro grupo se refere aos estudos des-
Finalmente, na última seção, são feitas algu- critivos que avaliam o perfil de vítimas e agres-
mas considerações sobre a importância do en- sores, com a intenção de identificar grupos
foque familiar em oposição ao individual; do mais suscetíveis e vulneráveis. As informações
multidisciplinar em vez da abordagem com- geradas por essas investigações permitem iden-
partimentalizada; e sobre a necessidade de in- tificar marcadores de risco, e contribuem pa-
tegração das várias agências e serviços envol- ra a elaboração de diagnósticos situacionais e
vidos com a violência familiar. para a identificação de subgrupos para ações
sanitárias, incluindo a cobertura. As princi-
pais questões abordadas nesses estudos são as
características espaço-temporais e pessoais en-
volvidas, bem como descrições das relações de
parentesco entre vítimas e agressores.
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Reichenheim, M. E.; Hasselmann, M. H.; Moraes, C. L.

Uma quarta linha de pesquisa é represen- vez que a tipologia nos servirá para buscar os
tada pelos estudos sobre os possíveis determi- possíveis elos entre o conhecimento a ser gera-
nantes/fatores de risco para a violência fami- do e as propostas de ação para o enfrentamen-
liar. De acordo com a revisão bibliográfica rea- to da violência familiar.
lizada, os estudos abordam, principalmente, A próxima seção é dedicada a algumas das
os fatores pessoais/psicológicos dos indivíduos evidências já observadas nos estudos da área.
envolvidos; a história de violência em gera- São enfocadas, especificamente, as pesquisas
ções anteriores ou em idades mais precoces; sobre as conseqüências da violência na saúde
fatores ambientais e sócio-econômico-cultu- da criança e do adolescente.
rais dessas famílias; e as características situa-
cionais presentes nos momentos de violência
familiar; estes últimos, os efetores mais dire- Conseqüências da violência familiar
tos na ocorrência da violência. na saúde da criança
Pesquisas aglutinando estudos que discu-
tem questões relacionadas às propostas de ação Os primeiros estudos na área abordavam, prin-
para o enfrentamento do problema formam cipalmente, as conseqüências traumáticas do
um quinto grupo. Essas investigações englo- abuso físico. Mais recentemente, este campo
bam a literatura sobre diretrizes, políticas e de investigação se ampliou e passou a incor-
estratégias, globais ou locais, com vistas à re- porar um grande número de pesquisas que fo-
dução da violência familiar. Pode-se incluir calizam também as conseqüências psicológi-
aqui também os estudos de avaliação das pró- cas da violência familiar na saúde de suas víti-
prias estratégias. Tais pesquisas objetivam ana- mas (Kempe et al., 1962; Garbarino et al.,
lisar os processos envolvidos nas ações ou a 1988). No entanto, ainda são bastante escas-
análise de resultados e impacto das ações im- sas as investigações sobre o efeito indireto e
plementadas. As pesquisas que avaliam a prá- complementar da violência familiar em pro-
tica de profissionais de saúde na assistência cessos de adoecimento mais complexos ou so-
às famílias vítimas de violência, ou as que ex- bre os efeitos na saúde da criança em conse-
ploram as relações entre as instituições envol- qüência do testemunho de violência entre ou-
vidas no atendimento das vítimas, são exem- tros membros da família. Um dos possíveis
plos de estudos de processos. No outro con- motivos para a carência de pesquisas desse ti-
junto, pode-se citar os estudos sobre mudan- po é a dificuldade de isolar o efeito da violên-
ças nos conhecimentos, atitudes e práticas de cia familiar em processos envolvendo fatores
profissionais de saúde após campanhas edu- de risco relacionados entre si, nos quais o es-
cativas sobre violência familiar, ou os que ava- tabelecimento de hierarquia entre os mesmos
liam a redução da incidência ou prevalência é problemático.
de violência familiar após uma intervenção Independentemente da forma de apresen-
específica. tação da violência, quer física, psicológica, se-
Uma sexta categoria tipológica é constituí- xual ou por negligência (Brasil, 1997), um ex-
da pelos estudos que têm como objetivo cons- pressivo número de autores aponta que as
truir e avaliar a validade e confiabilidade de principais conseqüências dos maus-tratos na
instrumentos elaborados para a captação da infância ocorrem no desenvolvimento infantil
violência familiar no nível empírico. Vale res- nas esferas física, social, comportamental,
saltar que essas pesquisas se dedicam, priori- emocional e cognitiva (Kashani et al., 1992;
tariamente, aos instrumentos de cunho quan- Straus & Gelles, 1995; Gelles, 1997). Essas in-
titativo, capazes de rastrear as possíveis ocor- vestigações sugerem que a intensidade do pro-
rências de violência familiar em investigações blema depende da conjunção de vários fato-
epidemiológicas ou de casos. res, tais como o desenvolvimento psicológico
Por fim, identifica-se um sétimo grupo de e a capacidade intelectual da criança; o víncu-
investigações, composto por estudos que abor- lo afetivo entre o agressor e a vítima; a repre-
dam as conseqüências da violência familiar. sentação do abuso para a criança e a duração
Tais pesquisas analisam, entre outros, os cus- do mesmo; a natureza da agressão; ou ainda,
tos sociais e econômicos, além de explorar as as medidas em curso para a prevenção de abu-
possíveis repercussões da violência no estado sos futuros.
de saúde de suas principais vítimas. Este gru- Para facilitar a apresentação desta breve re-
po de estudos é de especial interesse aqui, uma visão, as conseqüências da violência familiar
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Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):109-121, 1999


na saúde infantil podem ser classificadas por de objetos, como cintos, pedaços de madeira
dois eixos. O primeiro discerne as conseqüên- e barra de ferro, entre outros.
cias traumáticas (físicas), as emocionais ou Com relação aos abusos sexuais, deve-se
afetivas, os agravos habitualmente explorados destacar que a maioria ocorre sem que hajam
pelo domínio da saúde materno-infantil (des- quaisquer sinais físicos. Segundo relatos (Abra-
nutrição, baixo-peso ao nascer, etc.), e, por ex- pia, 1992), em apenas uma pequena parcela de
clusão, as outras conseqüências que não se en- casos é possível identificar lesões físicas que
quadram em nenhum dos grupos anteriores. demonstrem a ocorrência desse tipo de abu-
O segundo eixo classifica as conseqüências so. Conspicuamente, muitos abusos sexuais se
com relação ao tempo decorrido entre a expo- dão sem que haja qualquer violência física ou
sição à violência e o aparecimento do agravo. vestígios corporais e são geralmente perpetra-
Neste sentido, as conseqüências podem ser dos repetidamente por alguém conhecido da
imediatas, mediatas ou de longo prazo. vítima. Algumas vezes ocorrem conseqüências
Vale ressaltar que, como qualquer esque- físicas locais imediatas, como lesões himenais,
ma, esse também tem seus limites borrados, escoriações, hematomas locais, laceração de
na medida em que tenta reduzir os conceitos às períneo, além de traumas em outras regiões
suas características mais marcantes e visíveis. corporais, em decorrência de abuso físico si-
Por vezes não se conhece o início do processo multâneo (Rappley & Speare, 1993; Levitt et
de instalação, o que dificulta a classificação do al., 1993)
agravo com relação à sua temporalidade. Ade- As conseqüências de situações de negli-
mais, a associação entre os diferentes tipos de gência são mais difíceis de se caracterizar e,
maus-tratos torna difícil a distinção da mo- portanto, de se identificar. Isto é ainda mais
dalidade de abuso que gerou um certo agravo. complicado em sociedades nas quais impor-
A seguir, apresenta-se uma sintética descrição tante parcela das crianças e adolescentes são
das conseqüências da violência familiar à saú- vítimas crônicas do descuido do próprio Esta-
de da criança. do, que não lhes garante condições mínimas
necessárias ao crescimento e desenvolvimen-
to. Nestas circunstâncias, a própria definição
Conseqüências traumáticas/ de negligência familiar é pouco clara, o que
agravos físicos dificulta a imputação de causalidade em cer-
tas associações encontradas. Apesar disso, é
As conseqüências da violência que diretamen- possível postular que crianças negligenciadas
te atingem a saúde da criança ou do adoles- pela família e pouco supervisionadas corram
cente podem ser imediatas, de médio e longo maior risco de ser vítimas de “acidentes do-
prazo. As imediatas são mais facilmente iden- mésticos” do que crianças não negligenciadas.
tificadas, já que tendem a deixar marcas visí- Sob este rótulo encontram-se as quedas, os
veis, principalmente na pele ou no sistema ós- envenenamentos, as queimaduras graves ou
teo-articular. As conseqüências traumato-or- mesmo os atropelamentos peridomiciliares.
topédicas decorrentes de abuso físico, tais co- As conseqüências podem ser as mais variadas,
mo traumatismos cranianos, luxações e fratu- desde simples escoriações geradas por trau-
ras e as lesões de pele como escoriações e he- mas leves, até a própria morte da criança ou
matomas, são os principais exemplos. Tam- adolescente.
bém não são raros os cortes, queimaduras e
rompimento de órgãos (Abrapia, 1992; Hen-
dricks-Matthews,1993; Deslandes, 1997). Ob- Conseqüências emocionais/
serva-se uma grande variação do espectro de agravos afetivos
gravidade desses agravos, tendo repercussões
diretas sobre a notificação e a demanda de Sendo geralmente de médio e longo prazos, as
atenção médica. Na maioria das circunstân- conseqüências emocionais são também de
cias as lesões são leves e passam despercebi- identificação difícil. A gama de resultados do
das; em alguns casos, os traumas são graves, abuso emocional, físico e sexual continuados
necessitando de internação hospitalar, poden- é vasta. Autores relatam distúrbios psicosso-
do levar inclusive ao óbito. Em geral, as situa- máticos gastrointestinais crônicos e remiten-
ções mais graves são decorrentes de múltiplas tes, ou dores abdominais inespecíficas; reper-
lesões, habitualmente envolvendo a utilização cussões psicoemocionais, como a ansiedade
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Reichenheim, M. E.; Hasselmann, M. H.; Moraes, C. L.

ou a depressão; dificuldade de relacionamen- Agravos habitualmente explorados


to e comportamento manifestada por agressi- no domínio da saúde materno-infantil
vidade, timidez, isolamento social progressi-
vo e distúrbios do sono e do apetite; ou ainda, Como mencionado no início da seção, ainda
problemas na esfera de atividades, como por são escassas as linhas de investigação que se
exemplo a baixa performance social e intelec- debruçam sobre a violência familiar como um
tual (Kashani et al., 1992; Hendricks-Matthews, dos fatores de risco para os agravos classica-
1993; Straus & Gelles, 1995; Gelles, 1997). mente estudados no domínio materno-infan-
Algumas pesquisas sugerem também que til (desnutrição, baixo-peso ao nascer, infec-
a punição corporal na adolescência possa estar ções no primeiro ano de vida, etc.). Descre-
associada ao quadro de abuso de álcool e dro- vem-se, a seguir, algumas evidências que têm
gas, depressão e tentativas de suicídio na ida- emergido nos últimos anos e que, pela falta
de adulta (National Research Council, 1993 de consenso e precocidade de seus programas
apud Gelles, 1997). Recentemente, estudos vêm de investigação, merecem ser mais bem estu-
apontando uma relação entre história de vio- dadas.
lência familiar na infância e criminalidade na
adolescência (Widom, 1989; Aber et al., 1990).
Em vítimas de abuso sexual, também é descri- Violência familiar e estado nutricional
ta uma inter-relação dos agravos menciona-
dos acima com comportamentos sexuais in- Poucos estudos existem sobre as possíveis con-
compatíveis com os esperados para a idade seqüências da violência familiar na situação
(Kendall-Tackett et al., 1993). nutricional infantil. Assumindo que um am-
Um outro enfoque, que somente nas últi- biente familiar conflituoso e hostil pode levar
mas duas décadas tem recebido alguma ênfa- a uma situação de estresse importante para to-
se, concerne às possíveis conseqüências, para a da a família, alguns autores (Karp et al., 1989;
saúde da criança, do testemunho da violência Valdez-Santiago & Sanín-Aguirre, 1996) vêm
entre os pais (Freidrich & Einbender, 1983; apontando para uma possível associação en-
Kazdin et al., 1985). Alguns autores apontam tre violência familiar e deficiências nutricio-
que, diferentemente do que se supunha, as con- nais, quer intra-uterinas, quer nos primeiros
seqüências emocionais da convivência das crian- anos de vida.
ças em situações de grande conflito podem ser Na maioria, esses artigos são investigações
até mesmo piores do que quando elas mesmas transversais, o que apenas sugerem a existên-
são o alvo de violência. Tal como nos casos de cia de associação entre a ocorrência de maus-
violência diretamente infligida, estudos suge- tratos e a desnutrição (Bullard et al., 1967; Bir-
rem a ocorrência de distúrbios ulteriores nos rel & Birrel, 1968; Bernard & Wolf, 1973; Mar-
níveis emocionais, cognitivos e de comporta- tin, 1973; Krieger, 1974; Martin et al., 1974).
mento. A percepção de que vivem em famílias As pesquisas descrevem condições denomina-
sem limites, conflituosas e perigosas, misturan- das failure to thrive e dwarfism, que assinalam
do-se à freqüente culpabilidade que carregam a falha do crescimento por determinações so-
da violência entre os pais, é parte do cenário de ciais e psicológicas (Bullard et al.. 1967; Bir-
desencadeamento de agravos psicoemocionais, rell & Birrel, 1968; Martin et al., 1974). Segun-
quer de curto, médio ou longo prazos (Layzer do estudo realizado pelo Denver Department
et al., 1985; Hughes, 1988; Jaffe et al., 1990). of Welfare, a existência de um ambiente fami-
Fato que merece atenção especial é que a liar ofensivo é um elemento tão ou mais im-
violência entre membros do casal também po- portante para o desenvolvimento da criança
de vir acompanhada da violência específica que o abuso em si. Questiona-se se esse am-
contra a criança. Isto torna difícil compreen- biente ofensivo não poderia estar contribuin-
der o efeito isolado de cada fator contribuin- do também para a ocorrência de problemas
te no processo de ocorrência desses problemas nutricionais (Martin et al., 1974; Battachary-
(Hilberman, 1980). Algumas pesquisas têm ya, 1983). Segundo os autores, o abuso físico
mostrado que essa concomitância tem efeito da criança usualmente ocorre em associação
sinérgico sobre a saúde da criança e que a gra- com algumas outras condições ambientais des-
vidade da situação conjunta é maior que a so- favoráveis. A negligência nutricional, o abuso
ma dos efeitos dos dois abusos em separado sexual, a presença de agravos emocionais se-
(Kashani et al., 1992). veros em um ou ambos os pais e a privação
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Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):109-121, 1999


econômica e social são situações freqüente- maternas e fetais (Pugh, 1978; Goodwin &
mente concorrentes em famílias que maltra- Breen, 1990; Berenson et al., 1994).
tam suas crianças. Desta forma, uma situação Recentemente, investigações vêm apontan-
nutricional inadequada pode estar associada do uma possível associação entre a violência
a qualquer um desses fatores, isoladamente ou contra a mulher durante a gestação e o baixo-
em conjunto com os demais. peso ao nascer (Bullock & McFarlane, 1989;
Outra questão a ser considerada é a rela- Schei et al., 1991; Parker et al., 1994 e Valdez-
ção psicológica existente entre mãe e filho no Santiago & Sanín-Aguirre, 1996). Os resulta-
processo de determinação do crescimento in- dos conflitantes e os sérios problemas meto-
fantil. Alguns autores abordam o tema estu- dológicos encontrados nessas investigações
dando um quadro complexo conhecido como indicam a necessidade de novos estudos so-
“síndrome de privação materna” (Whitten et bre o tema. A maioria das pesquisas utiliza de-
al., 1969). Essas pesquisas sugerem uma rela- lineamentos inadequados e tem pouco cuida-
ção entre os cuidados com a criança, o estado do com os rigores de definição, desenho e exe-
psicológico e emocional da mãe e a falta de cução necessários a interpretações causais.
crescimento físico na infância. São sugeridos Outra questão importante é que a maioria das
dois processos básicos para a ocorrência de pesquisas foi realizada nos Estados Unidos;
agravos nutricionais em crianças submetidas a apenas três estudos são provenientes de ou-
tal situação. No primeiro, e mais direto, a des- tros países.
nutrição ocorreria como resultado do não ofe- Vale enfatizar a pertinência dessas investi-
recimento e aporte inadequado de alimenta- gações face às lacunas que ainda existem nos
ção. No segundo, a desnutrição seria o elo final programas de investigação sobre os determi-
de um processo envolvendo primeiramente a nantes do baixo-peso ao nascer e de seus prin-
ocorrência de problemas emocionais impor- cipais componentes (prematuridade e cresci-
tantes levando, subseqüentemente, à diminui- mento intra-uterino retardado). As pesquisas
ção de apetite e a uma progressiva e sistemá- na área têm destacado que tais agravos são ori-
tica recusa alimentar. ginados por um conjunto de dimensões inter-
relacionadas e apenas parcialmente conheci-
das. Nesse debate, muito se tem questionado
Violência na gestação e agravos sobre o efeito de fatores psicossociais mater-
no recém-nascido nos na gênese dos desfechos. O grande núme-
ro de investigações na área é decorrente da in-
Ainda existem poucos estudos epidemiológi- consistência dos achados anteriores. Parece
cos com o objetivo de discutir as conseqüên- pertinente sugerir que um ambiente familiar
cias da violência durante a gestação na saúde violento durante a gestação possa levar a uma
da gestante e da criança. As poucas evidências, situação conflituosa importante para toda a
no entanto, apontam certos perfis que mere- família, especialmente para a gestante que, por
cem aprofundamento. Alguns estudos indi- questões próprias da gravidez, é mais suscetí-
cam que as gestantes vitimizadas iniciam o vel a qualquer evento estressante. Desta for-
pré-natal mais tardiamente, o que dificultaria ma, torna-se interessante acoplar a estes pro-
a identificação de comportamentos de risco, gramas de investigação pesquisas que discu-
como tabagismo, uso de medicamentos pros- tam as possíveis repercussões da violência du-
critos ou drogas ilícitas durante a gestação, e rante a gestação no desenvolvimento intra-
patologias pregressas ou correlatas à gravidez, uterino da criança.
acarretando um possível aumento de compli-
cações maternas e fetais (Hillard, 1985; Ste-
wart & Cecutti, 1993). As pesquisas que estu- Outras conseqüências
dam as conseqüências na saúde do feto suge-
rem a possibilidade de associação do abuso fí- As investigações que abordam as conseqüên-
sico na gestação com várias conseqüências de- cias do fenômeno na saúde das mulheres re-
letérias, como o aborto espontâneo ou hemor- latam que aquelas vitimizadas por pessoas do
ragias intracranianas com conseqüente mor- círculo próximo de relações em seus próprios
te fetal. Também são citados o descolamento domicílios estão mais sujeitas a uma série de
prematuro de placenta, que aumentaria o ris- sintomas e formas de adoecimento (Hilber-
co de prematuridade e outras complicações man, 1980; Giffin, 1994; Heise, 1994). Os pro-
116
Reichenheim, M. E.; Hasselmann, M. H.; Moraes, C. L.

blemas de saúde vão desde dificuldades adap- a utilização de tratamento profilático para al-
tativas até a própria morte. São citados o iso- gumas dessas patologias em instituições de re-
lamento social, a insegurança, a depressão, os ferência nacionais para o atendimento de ado-
distúrbios do sono, a baixa auto-estima, a pre- lescentes e mulheres vítimas de violência se-
sença de dores abdominais recorrentes, lom- xual (Santos, 1991; Levitt, 1993).
balgias crônicas, cefaléia, contusões locali- Também vem sendo debatido intensamen-
zadas e distúrbios psicossomáticos (Heise, te o papel da violência durante a infância e a
1994; Minayo, 1994; Valdez-Santiago & Sa- adolescência na reprodução da violência fa-
nín-Aguirre, 1996). Outras investigações têm miliar (Belsky, 1993). Um dos principais fato-
indicado uma importante associação entre o res de risco para a ocorrência dessa violência é
fenômeno e o uso de álcool, fumo e drogas ilí- a história pregressa de brutalidade durante a
citas (Mc Farlane et al., 1996; Martin et al., infância, em um ou mais membros da família.
1996; Gelles, 1997). O estresse permanente, a Apesar de não ser consensual, a hipótese de
decepção com o companheiro e a falta de es- transmissão entre gerações tem um grande nú-
perança de modificação da situação de vio- mero de adeptos entre os pesquisadores da
lência são os principais precursores da aquisi- área. Segundo estudos norte-americanos, as
ção ou intensificação desses hábitos de vida taxas de abuso de mulheres é mil vezes maior
(Giffin, 1994). em homens que presenciaram violência fami-
Observando-se a variada gama de conse- liar em suas infâncias do que nos que não a
qüências da violência familiar na saúde das presenciaram (Straus et al., 1980). Além dis-
mulheres que vivenciam essa experiência, é so, alguns autores que trabalham com mulhe-
possível questionar sua plena capacidade de res vítimas de violência indicam uma maior
educar e criar as crianças de forma adequada. dificuldade nas mulheres que presenciaram
Como será discutido nas considerações finais violência grave entre os pais para romper o ci-
do artigo, apesar de a possibilidade da violên- clo da violência e se afastarem dos maridos
cia familiar vitimizar diretamente apenas um agressores (Jaffe et al., 1990). Segundo Belsky
integrante da família, indiretamente, seus efei- (1993), os opositores à idéia de transmissão
tos são observados em todos os membros do da violência entre gerações se baseiam nas crí-
núcleo familiar. Possivelmente, tais repercus- ticas metodológicas cabíveis na maioria dos
sões são preferencialmente observadas nas estudos sobre o tema. Tais críticas envolvem o
crianças menores, em função do conhecimen- reduzido tamanho amostral das pesquisas; a
to existente sobre as estreitas relações entre o excessiva confiança depositada em informa-
estado de saúde físico e mental materno e o ções retrospectivas; o grande número de pes-
crescimento e desenvolvimento infantil nos quisas sem um grupo controle ou com con-
primeiros anos de vida (Beautrais et al., 1982; troles inadequados; e o possível viés de infor-
Fergusson et al., 1984; Freeman, 1984). mação decorrente do conhecimento da atual
Também merecem menção algumas con- situação de agressor nos estudos que avaliam
seqüências da negligência não abordadas ante- a ocorrência de violência na infância, através
riormente: os atrasos ou falha completa no es- de entrevistas não estruturadas.
quema de vacinação, que aumentam o risco
das doenças imunopreviníveis; os hábitos hi-
giênicos inadequados, que aumentam o risco Elo entre as informações geradas
de doenças diarreicas, dermatológicas ou bu- por investigações sobre as conseqüências
cais; e a falta de adesão a prescrições ou au- da violência familiar e ações sanitárias
sência de tratamento adequado pelos pais, le-
vando ao agravamento da doença em questão Ao longo do texto foram descritas as linhas de
(Abrapia, 1992). investigação sobre violência familiar no âm-
Outro ponto que tem sido discutido con- bito da saúde coletiva e uma atenção especial
cerne às conseqüências de estupros e outros foi dada aos estudos interessados em suas con-
abusos sexuais. Além da gravidez, quase sem- seqüências na saúde da criança e do adoles-
pre indesejada, merece menção o potencial ris- cente. Mesmo levando em conta que muitas
co de se contrair doenças sexualmente trans- dessas informações ainda são precárias e in-
missíveis, destacando-se a infecção pelo HIV. suficientes, é sempre interessante procurar en-
Estudos apontam para um risco aumentado tender a conexão entre um possível conheci-
em contrair infecções, o que vem justificando mento e as práticas de saúde que dele se bene-
117

Ciência & Saúde Coletiva, 4(1):109-121, 1999


ficiam. Esta seção visa a chamar a atenção pa- sa e o crescimento da violência nos últimos
ra a questão. anos, vêm sendo discutidos por vários auto-
Na Figura 1, propõe-se um modelo esque- res da área (McRobbie & Thornton, 1995; Ve-
mático das fases do processo de atenção à vio- lho, 1996; Wieviorka, 1997; Núcleo de Pesqui-
lência familiar. O intuito do modelo é facili- sa das Violências, 1998). No entanto, no âm-
tar o entendimento dos exemplos oferecidos bito precípuo da violência na família, os estu-
adiante sobre as possíveis articulações entre o dos são escassos e devem ser encorajados.
conhecimento gerado pelas investigações a res- Como sugere a Figura 1, as estratégias de
peito das conseqüências da violência familiar ação sanitária no âmbito da violência familiar
e as ações relacionadas. Uma idéia geral dos podem ser encadeadas em três etapas distin-
processos que envolvem uma ação de saúde tas. A de prevenção primária envolve, por
permite a identificação dos atores envolvidos exemplo, a incorporação de atividades de edu-
em cada etapa, de suas possíveis atribuições e cação em saúde às rotinas dos serviços; as ati-
tarefas e, não menos, permite apontar o co- tudes e comportamentos frente aos conflitos
nhecimento necessário para que esses atores familiares; a importância de a violência fami-
decidam e executem melhor suas ações. liar tornar-se pública; as possíveis apresenta-
O modelo se restringe propositadamente ções da violência e suas principais caracterís-
ao âmbito do setor saúde. No entanto, é funda- ticas; as informações sobre locais de atendi-
mental entender que qualquer ação a ser to- mento a vítimas de violência familiar; e a im-
mada nesse campo se aninha intimamente na portância da notificação são alguns dos pon-
esfera das decisões macrossociais e políticas, tos que poderiam ser trabalhados.
sem as quais não há norte. Na perspectiva da Em termos de detecção, pode-se identifi-
pesquisa, vale a pena enfatizar a importância car dois momentos distintos: as ações preco-
do desenvolvimento de estudos que discutam ces de detecção se referem a uma rede de cap-
e articulem conceitos habitualmente pesqui- tação, envolvendo instâncias e atores particu-
sados pelas ciências sociais, como o conceito lares. Aqui são importantes os fluxos de infor-
de justiça social, de cidadania, de solidarieda- mação, especialmente os sistemas de notifica-
de e de reciprocidade com a violência fami- ção a partir de denúncias e eventos sentinela.
liar. As relações entre essas questões, bem co- O segundo momento enfatiza o processo da
mo o papel dos meios de comunicação de mas- investigação da suspeita, passando pelo apro-

Figura 1
Modelo esquemático das ações relativas à violência familiar no âmbito da Saúde Coletiva.

Fator desencadeante Diagnóstico firmado


de suspeita
v
(evento sentinela) Plano de ação
e trabalho

Ações de prevenção Ações de detecção Ações de enfrentamento Ações de acompanhamento


v
v

primária v v imediato

Momento 1 Momento 2
v v v v
“Sentinela” “Confirmação” Ações para debelar Supervisão continuada
o episódio (sentinelas) para detecção
de reincidência
118
Reichenheim, M. E.; Hasselmann, M. H.; Moraes, C. L.

fundamento e discussão do caso por equipes tuação de violência. O conhecimento de que


multiprofissionais e culminando em uma existe uma criança severamente desnutrida na
eventual confirmação (ou refutação) de vio- família, ou da ocorrência de baixo-peso sem
lência na família. outros fatores clínicos que o expliquem, pode
Uma vez constatada e confirmada uma si- ser útil tanto numa fase inicial de detecção,
tuação de violência, a terceira etapa inicia-se quanto na fase de acompanhamento, apontan-
com a formulação de um plano de ação envol- do para possíveis recrudescimentos de confli-
vendo os integrantes da família, os profissio- tos marcantes. Profissionais de saúde certa-
nais do serviço e, possivelmente, de outras ins- mente se beneficiariam do aumento na capa-
tituições de referência (por exemplo, abrigos cidade de identificar precocemente casos de
temporários, o poder judiciário, etc). Depen- violência nos serviços, acelerando as ações per-
dendo da gravidade e particularidade da si- tinentes.
tuação, pode-se visualizar duas formas de en- Além das possibilidades de atuação direta,
frentamento, não mutuamente exclusivas. Uma a expansão do conhecimento sobre a vasta ga-
concerne a questões agudas que necessitam ser ma de conseqüências da violência, bem como
debeladas imediatamente, envolvendo medi- sobre a gravidade de suas manifestações, tam-
das emergenciais na assistência à vítima, no- bém se justifica pelo importante papel que po-
tificação aos órgãos competentes para devidas de ter em termos de sensibilização e engaja-
providências, etc. Pressupondo um controle mento de profissionais de saúde nos progra-
da situação emergencial, a outra forma de atua- mas de prevenção, diagnóstico precoce e acom-
ção envolve o acompanhamento da família, vi- panhamento. Além disso, a própria conside-
sando à detecção do afloramento de novas si- ração da necessidade de enfrentamento ime-
tuações de conflito; ações familiares de longo diato do problema pelos planejadores de polí-
prazo, como, por exemplo, participação em ticas públicas do setor saúde também será fa-
grupos de auto-ajuda; ou ainda ações de aju- cilitada pela aquisição e divulgação dos resul-
da ao nível individual. Como indica a seta pon- tados das investigações. O conhecimento so-
tilhada na Figura 1, havendo uma “agudiza- bre a diversidade dos agravos pode servir pa-
ção” da situação de conflito na família, ações ra colocar definitivamente a violência fami-
emergenciais são reativadas. liar nas agendas de atuação do setor.
Com esse esquema em mente, pode-se bus-
car os momentos em que as informações pro-
venientes das pesquisas que abordam as con- Considerações finais
seqüências na saúde são oportunas para em-
basar decisões apropriadas. Em relação aos Percorrendo as questões abordadas ao longo
traumas físicos, o conhecimento de suas mani- deste texto, parece crucial entender a violên-
festações mais freqüentes teria repercussão di- cia familiar como um fenômeno complexo que
reta na suspeição de casos pelos serviços de envolve todos os integrantes do núcleo familiar
saúde, especialmente os de emergência. A e que não se restringe a um indivíduo ou uma
ocorrência de lesões não explicadas, a conten- relação específica. Considerando as repercus-
to, pelos familiares, sugere que a possibilida- sões na saúde da mulher apontadas acima, é
de de a criança ter sido vítima de uma lesão fácil imaginar que, mesmo confinadas ao ca-
intencional por algum membro da família de- sal, as conseqüências da violência se darão so-
va ser investigada pelos profissionais que aten- bre toda a família. Como exigir que uma mãe
dem o caso. Detalhes sobre as conseqüências que passa por essas experiências possa cuidar
psicoemocionais, como depressão, ansiedade, adequadamente de seus filhos? Como evitar
distúrbios neurovegetativos e do sono são im- que as crianças sejam negligenciadas ou mes-
portantes, tanto para a especificidade das ações mo agredidas física e emocionalmente? Gelles
terapêuticas no período de acompanhamen- (1997) alerta para o fato de que, a despeito das
to, quanto para a suspeição de problemas re- reconhecidas peculiaridades das diversas mo-
crudescentes entre os membros da família. dalidades de violência – violência contra a mu-
Entender os elos entre a violência e os agra- lher, violência contra a criança, abuso infan-
vos no âmbito materno-infantil pode ser ex- til, abuso de idosos, entre outras – a análise
tremamente interessante, não só para o en- isolada dos fenômenos não contribui para um
frentamento dos agravos per se, como na elei- melhor conhecimento e enfrentamento do
ção destes como eventos-sentinela para a si- problema.
119

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A abordagem familiar da violência e a pró- comunidade; facilitar a identificação de famí-
pria complexidade do fenômeno traz como lias de risco (adolescentes grávidas e famílias
conseqüência a necessidade de integrar dife- onde haja abuso de álcool e drogas ilícitas, por
rentes profissionais através da formação de exemplo); possibilitar o levantamento das pos-
equipes interdisciplinares em qualquer pro- síveis redes sociais de apoio disponíveis; e per-
grama de prevenção, detecção e acompanha- mitir uma frutífera prática interdisciplinar de
mento de vítimas. Ressalta-se a importância profissionais envolvidos com o atendimento
da permanente discussão dos casos atendidos das famílias.
por todos os integrantes da equipe responsá- Outro nível de integração necessário se dá
vel pelo acompanhamento da família. As es- entre as diferentes instituições envolvidas na
pecificidades de cada profissional permitem prevenção da violência. Atualmente, ainda se
que a situação seja discutida de diferentes pers- observa uma real dificuldade de trabalho con-
pectivas, facilitando a confirmação do evento junto e retroalimentado entre organizações
e o planejamento das atividades a serem de- (setor judiciário, conselhos tutelares, organi-
senvolvidas. zações não-governamentais, etc). A divulga-
Neste sentido, esforços merecem ser diri- ção e integração das atividades realizadas, o
gidos visando a quebrar efetivamente barrei- retorno de informações sobre o andamento
ras disciplinares, fazendo com que essas equi- dos casos e a especificação de ações, evitando
pes não sejam meros retalhos, integradas por a sobreposição de serviços, ainda são metas a
profissionais primordialmente alocados nos serem atingidas. Vale ressaltar a insuficiência
seus tradicionais setores (pediatria, psicolo- de programas de avaliação dos processos im-
gia, enfermagem, serviços sociais, etc.) e, des- plementados, alicerce fundamental para o au-
pojadamente, participando das atividades nas mento da efetividade das ações realizadas.
“horas-extras”. Ao contrário, essas equipes in- Como alerta final, não se deve perder a
terdisciplinares deveriam ser compostas por perspectiva da escassez de informações exis-
profissionais dedicados em tempo integral, tentes sobre a violência familiar. Que o pano-
permitindo concentração de esforços e exper- rama oferecido acima não crie a ilusão de subs-
tises. Para colocar essa proposição em perspec- tância. Muito do que foi exposto ainda deman-
tiva, vale perguntar se um agravo que atinge da aprofundamento. Porém, no afã de atuar,
milhares, senão milhões, de crianças, adoles- há uma tendência de se aceitar conjecturas ou
centes e mulheres, não merece um “setor” es- evidências ainda tênues para o embasamento
pecífico. de decisões e ações. Isto requer atenção. Para
O engajamento de programas que tenham enfrentar a questão, há uma premência de dis-
a família como alvo de intervenção nas estra- cussões sobre as prioridades e rumos de pro-
tégias de ação também deve ser considerado, gramas de investigação na área, identificando
visto que as atividades realizadas tendem a es- as lacunas existentes a cada passo de cada fase
treitar as relações entre o serviço de saúde e a de atuação.

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