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Introdução
Há mais de vinte anos, num artigo seminal sobre pesquisa em sala de aula,
Michael Long (1980) discutiu as questões metodológicas envolvidas nesse tipo de
pesquisa e chamou a sala de aula de LE de “caixa preta”, numa metáfora óbvia para o
pouco conhecimento que se tinha, à época, sobre os processos de ensino/aprendizagem
em sala de aula. Hoje em dia, a situação certamente não é mais a mesma, principalmente
devido ao crescente número de pesquisas realizadas em sala de aula. Contudo, a grande
maioria das pesquisas que buscam compreender a sala de aula enquanto contexto social
(Holliday, 1994) o fazem a partir do ponto de vista dos aprendizes, sendo que o ponto
de vista do professor, enquanto participante deste contexto, ainda é pouco estudado.
Nos últimos anos, porém, o interesse pelo professor de LE tem crescido em todo
o mundo, principalmente a partir dos trabalhos de Freeman (1989) e Richards & Nunan
(1990). A pesquisa sobre formação e desenvolvimento do professor de LE, assim,
rapidamente cresceu e abarcou diferentes perspectivas. Mas a eterna separação entre
teoria e prática, pesquisa e ensino, permaneceu. Freeman (1996), por exemplo, discute a
relação entre pesquisa e ensino e chama atenção para sua natureza hierárquica e
unidirecional. O autor argumenta que é necessário “saber a história para poder contar a
história”1 (p. 90). Para ele, aqueles que conhecem a sala de aula a fundo (professores e
alunos) raramente falam desse conhecimento, enquanto que aqueles que normalmente
falam sobre a sala de aula (pesquisadores) “freqüentemente desconhecem as histórias ali
presentes” (ibid). O autor sugere, então, que para compreender completamente a
atividade de ensinar, é preciso colocar a pessoa do professor no centro das pesquisas
sobre ensino.
De acordo com Freeman (ibid), as pesquisas sobre o professor de LE podem ser
agrupadas em três diferentes tendências, dependendo do ponto de vista assumido pelo
pesquisador e da importância dada às contribuições do professor participante: a visão
comportamental, a visão cognitiva e a visão interpretativista.2 A visão comportamental,
como sugere o nome, focaliza o comportamento do professor em sala de aula. Neste tipo
de pesquisa, o pesquisador é um observador dos eventos de sala de aula e as ações do
professor são freqüentemente relacionadas ao resultado da aprendizagem dos alunos.
Para Freeman, os resultados destas pesquisas se afastam “tanto do mundo em que [o
ensino] acontece quanto da pessoa que o realiza” (ibid, p. 91) e acrescenta que, em
termos das “histórias” que são contadas, esses resultados levam a uma visão
compartimentada do ensino, ou seja, uma visão comportamental, impessoal e divorciada
dos contextos em que ocorre.
A visão cognitiva focaliza os processos mentais do professor, suas percepções e
intenções, suas crenças, conhecimento e atitudes, assim como as dimensões afetivas
(como sentimentos de ansiedade e medo) que sem dúvida habitam o dia-a-dia do
professor, moldando seus pensamentos e ações. Este tipo de pesquisa tenta compreender
não apenas o que os professores fazem em sala de aula, em termos de comportamentos e
ações, mas também o que eles pensam ao realizarem estes comportamentos e ações.
Freeman (ibid, p. 95) argumenta que “para contar este lado da história, precisamos
colocar as percepções dos professores – seu raciocínio, suas crenças e suas intenções –
no centro de qualquer relato de pesquisa”. Para o autor, os resultados desta nova
tendência revelam não apenas visões do ensino, mas também suas limitações.
A visão interpretativista é sugerida por Freeman como tendência alternativa,
objetivando compreender como os professores interpretam sua própria prática em
relação aos contextos específicos em que trabalham. A pesquisa, sob esta nova
perspectiva, tenta focalizar não apenas as conclusões do pesquisador, mas também as
vozes dos professores participantes. O autor conclui que “este tipo de pesquisa fornece
um espelho que reflete centralmente o professor em seus relatos” (ibid, p. 96).
A conclusão do autor, após apresentar estas tendências da pesquisa na formação
do professor, é que o conhecimento profissional do professor é caracterizado por
histórias. Assim, para ele a pesquisa sobre ensino deve “saber como contar a história”
(ibid) para melhor poder interpretar o ensino e seus resultados.
2. O Professor Não-Nativo
A pesquisa aqui relatada procurou tratar das questões discutidas nas seções
acima. Baseada nas sugestões de Freeman (1996) sobre tendências interpretativistas da
pesquisa na formação do professor, este trabalho adotou uma metodologia que buscou
focalizar as percepções da informante sobre os eventos ocorridos em sua sala de aula a
partir de seu próprio ponto de vista. Tendo como objetivo inicial uma compreensão
global das percepções da informante, os resultados encontrados nas narrativas ou
“histórias” da professora também revelaram um conjunto de elementos que podem
influenciar a prática diária do professor de LE.
A informante da pesquisa foi uma professora em formação e o contexto de
coleta dos dados foi o centro de extensão para ensino de línguas em uma universidade
brasileira. Carolina, como a participante preferiu ser chamada, era uma professora
ingressante na profissão: ela não tinha nenhuma experiência anterior de ensino. Os
dados foram coletados em uma turma de alunos adultos pré-intermediários para os quais
Carolina lecionava.
Os dados da pesquisa foram coletados através de uma série de entrevistas de
retrospecção entre a pesquisadora e a professora participante, que refletia sobre os
eventos de sua sala de aula com a ajuda de gravações em vídeo de suas aulas. Durante
as entrevistas, a participante forneceu histórias e interpretações dos eventos ocorridos
em sua sala de aula.
A análise das histórias contadas pela professora participante permite perceber
que as experiências por ela vividas em sua sala de aula incluem não apenas suas crenças
sobre ensino e aprendizagem de línguas, mas também outras percepções e interpretações
sobre vários assuntos e eventos. Contudo, uma análise detalhada dessas histórias seria
exaustivamente longa e estaria além do escopo deste trabalho3. Para os objetivos do
presente texto, portanto, foram analisados apenas os trechos das histórias da participante
que falavam sobre eventos ou fatores que influenciavam seu desempenho em sala de
aula. Como foi visto, Medgyes (1994) discutiu os principais problemas enfrentados por
professores não-nativos. As histórias da professora participante aqui apresentadas
parecem corroborar as idéias de Medgyes sobre esse assunto.
As histórias narradas por Carolina, coletadas durante as entrevistas de
retrospecção, revelam que seu desempenho em sala de aula é influenciado por vários
fatores. Estas influências podem ser positivas ou negativas, e podem se originar dentro
ou fora da sala de aula. O quadro abaixo descreve os vários fatores que influenciam a
sala de aula de LE, de acordo com as interpretações e percepções da professora
participante:
3
Para conhecer outros resultados desta pesquisa, ver Mattos (2000 e 2002a e b).
A Relação entre Ensino e Contexto: Influências Positivas e Negativas
Carolina apontou, por exemplo, como influência positiva do contexto sobre a
sua sala de aula a questão da relação entre alunos e professor. Segundo ela, a visão que
os alunos do CENEX têm do professor é diferente da visão de outros alunos. Para ela,
no CENEX, os alunos são mais tolerantes aos erros do professor porque conhecem o
sistema da escola, que tem por objetivo oferecer oportunidade de prática aos professores
em formação. Os alunos que freqüentam os cursos do CENEX conhecem o objetivo da
escola e isso favorece a relação do professor com esses alunos.
Quanto às influências negativas do contexto sobre sua sala de aula, Carolina
apontou a questão da pouca participação das alunas durante a aula. Ela comentou que
suas alunas participavam pouco das atividades orais de sala de aula porque nos níveis
anteriores isso não era exigido pelo professor.
Contexto
Influências Influências
Positivas Negativas
Sala de Aula
Pressões da Pressões
Interação Pedagógicas
Pressões Pressões
Contextuais Pessoais
Contexto
Conclusão:
Referências
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1
Publicado nos Anais do I Congresso Latino-Americano sobre Formação de Professores de Línguas,
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