You are on page 1of 44

Quem enfrentará o império?

Uma discussão acerca do conceito de multidão de


Antônio Negri e Michel Hardt, e da configuração
político-social contemporânea.

DIEGO FELIPE DE SOUZA QUEIROZ


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................1

CAPÍTULO 1- IMPÉRIO, GUERRA CIVIL IMPERIAL, CAPITALISMO


COGNITIVO E OS DESAFIOS COLOCADOS PARA AS TEORIAS POLÍTICAS DE
RESISTÊNICAS.............................................................................................................6

CAPÍTULO 2- A TEÓRIA DA MULTIDÃO, OS ENXAMES E AS

TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS.................................................................................24

CONCLUSÃO..............................................................................................................36

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................42
Esse caos de gente é sinal de que algo está para acontecer.

Raul Seixas

INTRODUÇÃO

O mundo de hoje encontra-se imerso em um grande processo de transformação;

ao mesmo tempo em que as fronteiras nacionais são superadas por um progressivo

movimento de internacionalização do capital, diversas teorias que serviram de base para

a formação dos Estados modernos e entendimento geral da sociedade parecem caducar.

Neste contexto de mutações e crise de paradigmas, o mundo do trabalho não pode

deixar de se reconfigurar e em consequência disto, também o que tradicionalmente

costumávamos entender sobre a composição e delimitação da classe trabalhadora.

Passamos da era industrial para a pós-industrial, do trabalho estável e especializado a

instabilidade e flexibilização, e da organização dos trabalhadores por meio de

promissores sindicatos e partidos centralizados a um cenário de esvaziamento e crise

dos modelos tradicionais de representações.

Diante da notória ineficiência e anacronismo de muitas das antigas teorias

críticas na análise da realidade contemporânea, os discursos falaciosos difundidos pelos

meios de comunicações em massa acerca das transformações do mundo do trabalho,


organização política dos sujeitos e pretensões de transformação social se propagam sem

muita dificuldade. Estes discursos nutrem-se de teorias de diversos tipos de tecnocratas

e pensadores subordinados ao poder constituído, que procuram a todo custo: mascarar o

processo de exploração e o conflito latente entre classes através da propagação da ideia

de redução da importância da categoria do trabalho para o entendimento geral da

sociedade, camuflar as múltiplas estratégias de espoliação promovidas pelo capitalismo

globalizado por meio de uma glorificação do processo vigente de globalização, e

estimular e disseminar a passividade entre os explorados assim como o fatalismo em

relação a suas preensões de transformação social.

No entanto, se fugirmos do ponto de vista do senso comum é fácil perceber que

o processo de globalização e a nova configuração do mundo do trabalho, não puseram

fim a exploração do trabalhador, fizeram do trabalho uma categoria menos importante

para se pensar a sociedade, ou mesmo cessaram a subordinação política e econômica

dos países periféricos. Afinal, todo o desenvolvimento tecnológico conquistado pelo

homem não deteve a exploração do trabalho que continua sendo a força motriz do

mundo capitalista e a fonte maior de desigualdade e miséria no planeta. Hoje o processo

de exploração capitalista ao invés de ser atenuado é expandido a todas as instâncias da

vida do trabalhador, que inserido em um contexto de valoração dos aspectos subjetivos

do trabalho (tais como afetividade e criatividade) e em um processo progressivo de

flexibilização das leis trabalhistas, tem seu trabalho explorado para além dos limites

espaciais e temporais convencionais. No plano político presenciamos a integração

progressiva de diferentes nações a um ordenamento global, integração que não se dá em

“pé de igualdade” tal como alguns setores da sociedade querem fazer parecer, pois ao

mesmo tempo em que o capitalismo global mundial inclui diferentes nações ao

mercado, também estabelece hierarquias que sustentam e promovem a subordinação de


determinados países a outros. Para a frustração de muitos dos entusiastas do sistema

capitalista contemporâneo, também é cada vez mais notório que a história não acabou 1.

A queda da União Soviética e a difusão da política e ideologia neoliberal aos moldes do

consenso de Washington não determinam um ponto final nas páginas da história e nem

a sepulta definitiva das lutas políticas e sociais em pró de um mundo melhor. Em um

mundo tão desigual, injusto e desumano, a passividade e morbidez política não podem

prevalecer, tampouco o fatalismo motivado pela derrocada de velhas estratégias e

formas de organização política. Afinal, um outro mundo não é somente possível 2, é

também necessário e urgente. E os movimentos sociais através de diversas formas

novas de se organizar e agir demonstram isso ao promoverem novos acontecimentos

políticos por todo o globo 3.

Hoje, talvez mais do que nunca precisamos afastar qualquer conclusão

despreocupada e pessimista, que considere inevitável um desfecho cataclísmico para a

humanidade, assim como também qualquer colocação idealista e irreal que insista que

no mundo tudo vai bem e que todos os problemas vão se purgar através de boas

intenções e harmonizações impossíveis. O mundo enfrenta problemas alarmantes que

além de dificultar a vida dos homens põem em cheque até mesmo à possibilidade de

existência de nossa espécie na terra. Basta pensar em problemas como as catástrofes

ambientais provocadas por nosso modelo desenfreado de consumo (tais como o

aquecimento global, à chamada “crise de alimentos” e o paradigma de do esgotamento

da água potável) ou ainda nos conflitos bélicos expansivos que se espalham por todo

globo paralelamente a uma perigosa corrida armamentista para perceber os desafios que

hoje nos são colocados. Diante da possibilidade de um futuro tão terrível não devemos

nos contentar com a fatalidade e a barbárie, afinal enquanto houver homem a razão e

humanidade podem prevalecer sobre o irracionalismo e desumanização.


A realidade nos impele a agir, e para agir de forma eficaz é necessário pensar em

formas consistentes de estudar e entender o mundo de hoje. Faz-se urgente a busca por

teorias críticas que se oponham às colocações direitistas do idealismo neoliberal e das

teorias conservadoras acerca da realidade do mundo contemporâneo, que possibilitem

um entendimento crítico e consistente de nossa realidade política e social, que

promovam e facilitem a participação vívida dos indivíduos na esfera política, e que

sejam compatíveis com emergentes e novas formas de resistências e lutas em pró de um

mundo mais justo, humano e igualitário.

A obra recente do Filósofo Antônio Negri pode ser pensada como uma resposta

teórica, crítica e coerente aos problemas colocados pela globalização capitalista e pela

nova configuração do mundo do trabalho e disposição dos trabalhadores no processo

produtivo e esfera política. Utilizando-se de autores como Espinosa, Foucault e Marx,

sem perder de vista o fluxo das movimentações políticas constitutivas dos trabalhadores

organizados e as respostas reativas dos meios de coerção do Capital, Negri elaborou

todo um arcabouço teórico para propiciar uma melhor compreensão das novas relações

de trabalho e composição da “classe trabalhadora”.

Este trabalho monográfico consiste em um estudo do conceito de multidão e das

possíveis contribuições teóricas deste conceito para o melhor entendimento da realidade

política e social contemporânea. É importante ressaltar que este trabalho não é um

apanhado crítico interpretativo das teorias apresentadas pelos pensadores da multidão, e

sim um esforço teórico para identificar no conceito discutido, elementos que possam

favorecer uma compreensão não anacrônica do cenário político e social em que hoje

estamos inseridos. Portanto ao ler o texto não espere encontrar alongadas

problematizações ou contraposições teóricas. É importante ficar claro também, que o

conceito de multidão será o objeto deste estudo, não porque este seja o conceito mais
preciso ou única formulação teórica a respeito das transformações sociais e composição

de novos sujeitos políticos potencialmente revolucionários. Hoje existem diversos

trabalhos teóricos que visam reinterpretar a realidade política de nossa

contemporaneidade4, muitos deles inclusive condizem em diversos aspectos com a

teoria de império global e multidão. Optei por focalizar meus esforços na discussão do

conceito de multidão e sua relevância para o estudo de nossa sociedade atual devido a

algumas características peculiares deste conceito, tais como seu caráter filosófico

diferenciado5, e sua ligação com o pensamento marxista não ortodoxo e ideias

inovadoras sobre formas de luta e militância política.


CAPÍTULO 1 - IMPÉRIO, GUERRA CIVIL GLOBAL, CAPITALISMO
COGNITIVO E OS DESAFIOS COLOCADOS PARA AS TEORIAS
POLÍTICAS DE RESISTÊNCIAS.

1.1. A nova ordem global.

Todo conteúdo teórico apresentado no livro Multidão, que é a base deste

trabalho monográfico, é indissociável do entendimento peculiar que seus autores têm da

realidade contemporânea. Não é coincidência que este livro inicie com uma discussão

acerca deste entendimento, que por sua vez, já tinha sido exposto mais detalhadamente

em outras obras de Negri e Hardt, sobretudo no livro “Império” que condensa a visão

dos autores sobre a realidade política mundial ao apresentar e discutir as

movimentações da recente e emergente ordem global de poder, denominada por eles de

império.

Para cumprir o objetivo deste trabalho, ou seja, entender o conceito de multidão

e discutir possíveis contribuições deste conceito para uma compreensão teórica

atualizada de nossa realidade política e social é imprescindível retomar alguns pontos

das colocações mais significativas de Negri e Hardt acerca do cenário político e social

do mundo contemporâneo.

Começaremos pelo conceito de império que é central na analise feita pelos

pensadores aqui discutidos da conjuntura e constituição do cenário político e social

contemporâneo. Império aqui, não é entendido como uma metáfora que indique

semelhança entre a atual ordem mundial poder e outros sistemas de poder

historicamente constituídos, tais como o império romano, o império chinês e assim por

diante. O império na obra desses dois autores é uma nova formulação teórica que

descreve uma emergente forma de soberania transnacional do capital, que atua como

um poder político e econômico em forma de rede no todo do globo, e que hoje se


encontra em plena ascensão. Se recorrermos à definição dada pelos próprios autores do

conceito, teremos:

O império faz referência, sobretudo, à nova forma de soberania que veio após do
Estado nação, uma forma ilimitada de soberania que não conhece fronteiras ou então
conhece apenas fronteiras flexíveis e móveis. (NEGRI, 2003, p. 116).

Em termos Geopolíticos, na era do império6 não é mais a bipolaridade, a

unipolaridade ou mesmo uma multipolaridade simplista que se colocam como

formatação vigente do poder do capital no globo.

Afinal não vivemos mais como no período da guerra fria onde dois blocos

ideológicos e políticos distintos lutavam pelo poder no mundo, cooptando outros países

para compor seu campo político e fortalecer seu poderio no embate pelo controle

mundial. Depois da queda da União Soviética e da derrocada de todos os grandes

projetos de socialismo no globo7, é evidente que uma divisão ideológica dualista entre

um mundo capitalista e modelos nacionais promissores e alternativos ao capitalismo

estaria distante da realidade.

Também não vivemos sob a hegemonia do poder de um só estado-nação, como

apontam algumas teorias que descrevem os Estados Unidos como um único centro

monolítico de um capitalismo imperialista que comandaria de forma verticalizada,

simples e direta todos os outros países e potências globais. Para Negri e Hardt este tipo

de entendimento simplista não captaria todas as nuances e complexidade da forma que o

poder do capital se organiza hoje no mundo, pois deixaria de lado (ou pelo menos

menosprezaria) o desenvolvimento progressivo de um poder transnacional, que ao

mesmo tempo que ratifica uma hierarquia entre os estados-nação, também expõe cada

um deles a uma situação de dependência e enredamento em relação aos outros. Diante

do império, mesmo os Estados Unidos que se posiciona em uma posição superior dentro

da hierarquia do sistema de poder global teria de se submeter e respeitar a lógica de

interdependência estabelecida entre os estados-nação no todo global.


Um cenário político onde diversas forças distintas coexistem sem qualquer tipo

de coesão, seja ele dado na forma de um estado de conflito ou de harmonia plena

conforme algumas concepções insistem em defender, também é descartado. Pois o

entendimento da conjuntura mundial como um “estado de natureza entre estados-nação”

seria bem equivocado. Já que o processo de globalização não poderia funcionar sem a

existência de uma forma de controle eficiente para geri-lo8. Pois, por mais que haja

diferenças entre os estados-nação no tempo presente, é evidente que existe também um

entendimento que se dá na forma de um ordenamento político, jurídico e econômico

que visa manter o fluxo das relações entre esses mesmos estados-nação em plena

atividade, sobretudo das relações comerciais. Enxergar o poder político contemporâneo

como um sistema justo e plenamente harmônico de globalização e integração seria

igualmente errôneo, já que dentro do ordenamento mundial contemporâneo,

permanecem presentes as trocas desiguais entre os países, assim como, toda uma

hierarquia que coloca os estados-nação centrais do capitalismo em posição econômica,

jurídica e política superior aos periféricos. Garantindo aos que se encontram no topo do

poder imperial mais poderes e menos deveres, e aos que se encontram abaixo mais

deveres e menos direitos.

Hoje e cada dia mais, o que vigora na geopolítica mundial é o imperativo do

império. Ou seja, a efetivação de um ordenamento político mundial peculiar que conta

com diversas características singulares.

Uma primeira característica a ser destacada é a dubiedade do poder imperial. Por

um lado ele comporta uma assimetria esmagadora entre os diferentes estados-nação que

o compõem através de um princípio hierárquico de diferenciação que respalda a maioria

das desigualdades e divisões geopolíticas historicamente construídas, conservando e

promovendo as mais variadas relações desequilibradas de trocas comerciais, de direitos


e poderio no cenário mundial. Por outro garante que todos os que estão inseridos

hierarquicamente dentro do capitalismo mundial cooperem para preservar e desenvolver

o ordenamento global imperial graças a um princípio de interdependência.

Esta dubiedade é possível devido outra de suas características, à forma pela qual

o poder imperial efetiva-se, ou seja, pela sua organização em rede policêntrica. Este tipo

de organização consiste em um tipo de arranjo que mantém todos os seus integrantes

conectados entre si por meio de uma rede complexa de múltiplos centros (em forma de

nós) que variam em função e importância de acordo com o patamar hierárquico que

possuem dentro do todo do sistema.

É importante mencionar também o autoritarismo presente na estrutura da ordem

global. No livro “Cinco Lições sobre o Império” Negri expõe bem esta característica,

primeiro ao definir o Império como uma soberania que abriga em si as três formas

clássicas de governo. “O Império é um sujeito soberano único, que compreende em sua

lógica todas as três formas clássicas ou níveis de governo: a monarquia, a aristocracia e

a democracia” (ibidem, p. 117). Ele é monárquico quando atua por meio do poder

militar do pentágono e de instituições econômicas supranacionais, como a OMC, o

Banco mundial e o FMI. Ele é ao mesmo tempo aristocrático, pois:

Poucos Estados-nação dominantes conseguem gerenciar os fluxos econômicos e


culturais globais mediante uma espécie de governo aristocrático. Esta aristocracia de
nações se mostra claramente, por exemplo, nos encontros de nações do G-8, ou
quando o conselho de segurança da ONU exerce sua autoridade. ( ibidem, 2003, p
116).

Ele é virtualmente democrático, pois é aparentemente representativo. Ou seja, ele se

apresenta como espaço de representação do povo global. Contudo, esta representação é

apenas ilusória, já que suas instâncias representativas são no máximo representações

formais e abstratas do povo global. E mesmo estas representações ilusórias, quando

necessário são submetidas às deliberações dos braços aristocráticos e monárquicos do

Império. A democracia imperial é apenas uma maneira de iludir o povo global, de suprir
os seus anseios democráticos através da aparência de democracia e não por meio de

uma democracia real.

Uma última característica a ser destacada aqui é a disseminação. O império é um

poder transnacional que se realiza no globo como nunca nenhuma outra força já fez ao

longo da história, em abrangência e eficácia. Seu poder dissemina-se pelo planeta

sobrepondo politicamente e economicamente os mais diversos estados-nação, desde

países centrais e tradicionais do capitalismo, aos países mais remotos e periféricos. O

Império não possui um limite espacial fixo, não possui um exterior. Nos dias de hoje

todos estão inseridos no Império, todos tem uma função dentro dele, todos obedecem a

sua lógica.

Para prosseguir no estudo geopolítico feito até aqui, faz-se importante também

apontar os motivos do surgimento da nova ordem global. Para Negri e Hardt o declínio

do poder dos estados nações e ascensão do império na pós-modernidade se deve a

inúmeros motivos. Sobretudo a um movimento histórico que é duplo: por um lado as

demandas crescentes por um alargamento comercial forçaram o capital a globalizar-se,

fazendo surgir o que conhecemos como fenômeno da globalização ou mais

precisamente o nascimento de um capitalismo verdadeiramente globalizado, por outro a

reação do capital frente aos crescentes ganhos das organizações trabalhistas nacionais

que se fortaleciam politicamente compeliram a transcendência das fronteiras nacionais,

pois a política de globalização possibilitou o ganho de novos mercados, permitindo aos

empresários dos países centrais montarem empresas transnacionais em países

periféricos que possuem leis trabalhistas frágeis, abundante incentivo fiscal, mão de

obra barata e um cenário de desarticulação das organizações nacionais de trabalhadores.

Este movimento de duplo aspecto, aos poucos foi consolidando uma rede de poder

global que se transcendeu o poder dos estados nacionais através de mecanismos


políticos e econômicos globais, de jurisdições e instituições transnacionais 9. Desta

maneira, o império concretizou-se como tendência, suprindo as demandas de

alargamento dos espaços de trocas comerciais e consolidando-se como a única

formatação de poder capaz de conservar a atual ordem global estabelecida no decorrer

histórico das lutas entre o poder constituído e suas políticas de contra-insurgência, e o

poder constitutivo e suas demandas por transformações no sistema político mundial.

Resumindo, segundo a teoria do império no mundo pós-moderno existe uma

nova ordem global de poder que foi historicamente construída por meio de processos

econômicos, políticos e sociais. Esta se dá na forma de uma rede disseminada e

policêntrica que transcende as fronteiras dos estados-nação permeando todos os espaços

do planeta. O império não é uma estrutura inflexível e direta de comando, ele abriga

realidades nacionais diferenciadas em seu interior e o desacordo aparece como

problema apenas nas raras exceções políticas que ocorrem quando algum país singular

questiona suas atribuições dentro do sistema hierárquico estabelecido, ou mesmo o

próprio sistema imperial10. Afinal, a desigualdade é necessária para o funcionamento do

da nova ordem mundial, pois é ela que possibilita o controle hierárquico das relações

estabelecido entre os estados-nação, e é conhecendo e regulando as assimetrias da

ordem global que o império estabelece funções, direitos e deveres, e desta forma se

mantém e se propaga.

Agora que já nos debruçamos sobre a teoria do império que é central nos estudos

de Negri e Hardt sobre a política contemporânea, cabe aqui tentar apontar algumas das

implicações que esta nos trás para o panorama atual das teorias políticas. Negri e Hardt

defendem que com o advento do império conceitos políticos paradigmáticos da

modernidade têm de ser repensados, segundo eles “na ótica do império, precisamos

reconsiderar e repensar todos os conceitos-chave da filosofia e política” (ibidem, 2003,


p. 118). Dois destes conceitos a serem repensados são os de soberania e imperialismo,

ambos considerados por muitos autores essenciais para o estudo da realidade política

mundial. Vamos aqui, tentar entender através destes dois conceitos a abrangência e

radicalidade das implicações teóricas promovidas pela teoria do império.

Atualmente os Estados-nação perderam a centralidade na reprodução social, ou

seja, perderam o controle sob a proporção do relacionamento das forças que o constitui.

Este controle é exercido nos dias de hoje pelo poder transnacional do império. Para

Negri e Hardt soberania é justamente este controle de reprodução social11. Sendo assim,

contemporaneamente vivemos dispostos em uma nova realidade onde os diversos países

do globo se encontram em função de uma mesma ordem que os sobrepõem, temos uma

soberania que não se concretiza nos territórios particulares dos Estados-nação. Hoje a

soberania determinante é a soberania imperial, transcendemos um longo período

histórico onde a soberania dos Estados-nação era determinante e uma espécie de chave

teórica para o entendimento da política mundial.

Outro conceito chave para o entendimento da geopolítica mundial durante a

modernidade é o de imperialismo.

Imperialismo se entende como processo expansionista do poder do estado nação,


mediante políticas de exportação capitalista, exportação de força de trabalho e
constituição-ocupação de áreas de influencia, assim como instituições coloniais.
(ibidem, 2003, p. 51).

Como vimos no cenário político pós-moderno de esvaziamento do poder do Estado-

nação mesmo os Estados mais fortes estão atrelados ao poder do império. Desta forma o

poder global não se efetivar-se puramente e simplesmente através da expansão do poder

de algum país particular, mas sim através de uma rede mundial de poder que é

hierárquica e que comporta todos os Estados-nação em seu interior.

Ter os conceitos de imperialismo e de soberania nacional como elementos

determinantes para entender as relações geopolíticas no mundo é um equivoco. O


conceito apropriado para a análise das relações de poder no globo hoje, que pode ajudar

de forma eficaz a explicar e entender todas as relações desequilibradas de trocas

comerciais e direito é o de império.

1.2. Guerra civil Imperial.

Ainda discutindo a visão geopolítica de Negri e Hardt, resta aqui falar das

colocações dos autores sobre guerra. Segundo esses, o mundo mais uma vez está em

guerra. No entanto, esta é bem diferente do que tradicionalmente costuma-se entender

como tal. Na pós-modernidade a guerra possuí características próprias que são

importantes de serem apontadas neste trabalho, pois o tema guerra essencial para

qualquer debate sobre a nova forma global de poder do capital e as formas de

resistências a ela12.

Uma primeira característica a ser destacada é que hoje, o que determina o estado

de guerra no global não é o conflito entre nações soberanas e imperialistas aos moldes

da primeira e segunda grande guerra, ou mesmo o embate entre grandes blocos políticos

e ideológicos distintos e delimitados como no caso da guerra fria. Afinal, como vimos

anteriormente: a soberania dos estados-nação e o conceito de imperialismo não são mais

suficientes para se entender à política global, e qualquer divisão do mundo atual entre

capitalismo e grandes projetos alternativos a este, tal como o embate entre os EUA e a

URSS na época da guerra fria também seria fantasiosa13. Hoje os diversos conflitos

armados contemporâneos não podem ser pensados desassociados do contexto

supranacional colocado pela nova ordem global. Ou seja, conflitos como os do

Afeganistão, Colômbia, Palestina e Iraque, devem ser considerados a expressão de uma

guerra diferenciada. Pois mesmo que estes conflitos sejam regionais ou locais, ocorrem

dentro da ordem global imperial e sobe sua lógica.

Cada guerra local não deve ser encaradas isoladamente devem ser encarados como
parte de uma constelação, ligados em grau variados tanto a outras zonas de guerra
quanto áreas que atualmente não estão em guerra. (NEGRI; HARDT, 2005, p. 22).

Para Negri e Hardt com o advento do império a guerra deve ser encarada como uma

guerra civil, pois diferente da guerra entre Estados que é entendida pelo direito

internacional como conflito entre nações soberanas, a guerra civil é o conflito armado

entre combatentes soberanos ou não dentro de um mesmo território. E hoje, os conflitos

armados no mundo se desenrolam dentro de um único ambiente e sob a sombra do

poder de uma mesma soberania. O “território” do império, o cenário mundial.

Se agora pertencemos a um mundo no qual existe um único poder soberano, não um


Estado-nação mas uma forma global de soberania que não possui exterior, então
cada guerra é necessariamente uma guerra civil, no sentido de que é um conflito
interno em uma única sociedade que se tornou global. (NEGRI, 2003, p. 82).

Desta forma os conflitos de hoje acontecem em função do poder imperial. São

diretamente ou indiretamente promovidos visando à manutenção ou alteração de

posições hierárquicas dentro da ordem vigente. Posições que como já apontamos na

descrição das características do império, determinam funções, direitos e deveres de cada

Estado-nação singular dentro da ordem mundial. É interessante também destacar que a

maioria dos que se enfrentam hoje “estão lutando (…) por um domínio relativo no

interior das hierarquias nos níveis mais altos e mais baixos do sistema global” (NEGRI;

HARDT, 2005, p. 22). E várias das lutas que hoje parecem apontar para um

enfrentamento da ordem vigente do capitalismo global, na verdade se limitam a

demandas de alteração de hierarquias dentro da rede do poder imperial14.

Uma outra característica relevante e peculiar da guerra pós-moderna é a sua

indeterminação temporal, na era do império a guerra é infinita. O conceito de estado de

exceção foi modificado, este que era um artifício conceitual de muitas das teorias

políticas para significar um estado provisório e excepcional de governo e violência

legítima foi reelaborado para fundamentar a política de um estado de conflito sem fim

que é promovida pelo capital. “O estado de exceção virou permanente e generalizado; a


exceção transformou-se em regra, permeando tanto as relações internacionais quanto o

espaço interno.” (ibidem, p. 26). A retórica de necessidade de ações preventivas diante

perigos constantes é o que fundamenta este paradoxal “estado de exceção permanente”.

Nesta guerra infinita os inimigos a serem enfrentados são abstratos15, podem estar em

qualquer lugar e aparecerem há qualquer momento. Pois são alvos conceituais16, são

inimigos que não podem ser vencidos derradeiramente, e ao quais o império deve

enfrentar incessantemente e ferozmente17 em nome do bem e da justiça18 global.

A guerra contemporânea precisa estender-se por período indeterminado devido à

outra de suas características, a guerra se tornou estrutural. “Uma guerra para criar e

manter a ordem social não pode ter fim” (NEGRI, 2003, p. 35). Contrariando as teorias

políticas clássicas, o funcionamento normal do poder na pós-modernidade prevê a

guerra19. Ela é um sistema indispensável de disciplina e controle20, que age de forma

ininterrupta em pró da manutenção e redistribuirão das hierarquias do império de

acordo com as demandas do capital mundial.

A guerra transformou-se na matriz geral de todas as relações de poder e técnicas de


dominação (…). A guerra transformou-se num regime de biopoder, (…) destinada
não apenas a controlar a população, mas a produzir e reproduzir todos os aspectos
da vida social. (NEGRI; HARDT 2005, pg. 34).

Os exércitos que representam os interesses do capital global não visam à pura e simples

destruição do inimigo, e anexação e espoliação imperialista de territórios. Mas sim, a

ação policial constante de enquadramento das forças sociais e políticas que não se

encaixam na ordem de funcionamento do sistema de poder global. Como regime de

biopoder21 a guerra “encarna a missão de produzir e transformar a vida social em seu

nível mais geral e global.” (ibidem, p. 43).

Por fim, é importante destacar esta guerra infinita, sem limites e estrutural não é

um mecanismo de disciplina e controle que age apenas a nível macropolítico22. Todos

os inimigos do império são alvos possíveis de suas ações biopolíticas. A carapuça


criada através do discurso de segurança23 “justifica uma constante ação marcial, tanto

no interior do país quanto no exterior” (ibidem, p. 44). Todas as multidões são inimigas

do Império, não é por confidência que estarmos diante políticas de criminalização da

pobreza e dos movimentos sociais24.

1.3. As mudanças na esfera econômica.

Ainda no que se refere à exposição da visão de Negri e Hardt sobre a realidade

contemporânea, precisamos abordar seus estudos na área da economia. Pois, para

entender a analise social e política feita por estes pensadores, faz-se importante

acompanhar também as suas ideias sobre as mudanças na base material da sociedade

pós-moderna.

Para Negri, assim como ocorreram grandes mudanças na política mundial,

também ocorreram grandes mudanças na economia. Muitos defendem que estas

mudanças no sistema capitalista foram tão relevantes, que temos de enxergá-lo de

maneira nova para poder entendê-lo de forma eficaz. Pois, o capitalismo teria entrado

em uma nova fase na contemporaneidade, a do capitalismo cognitivo 25. Ou seja, uma

forma de capitalismo pós-industrial baseado em novos tipos de relações de produção

que estão relacionados à alta capacidade de comunicação, cooperação e também a

hegemonia do trabalho imaterial. Negri e Hardt, junto a outros pensadores tais como o

filósofo italiano Maurizio Lazzarato, enquadram-se entre os estudiosos que possuem

este entendimento.

Fala-se que entramos na idade do capitalismo cognitivo. (...) Nesta época cognitiva,
a produção do valor depende sempre mais de uma atividade intelectual criadora que
não só se situa além de qualquer valorização ligada à raridade, como se situa além
da acumulação de massa da fábrica etc. (NEGRI, 2003, p. 94).

Nos estudos de Negri, encontramos uma periodização do sistema capitalista que

pode nos servir para evidenciar a amplitude das mudanças econômicas que determinam
o surgimento do capitalismo pós-moderno26. Segundo esta periodização, o

desenvolvimento histórico do capitalismo inicia-se com a manufatura27, atravessa a fase

da grande indústria28 e culmina na forma atual do capital. O período da manufatura,

assim como o início do período da grande indústria foi estudado por Marx, que

conseguiu alcançar um brilhante entendimento das bases do funcionamento do sistema

capitalista. Posteriormente, outros autores socialistas tais como Lênin, estudaram o

prolongamento da grande indústria e mais recentemente desenvolvem-se trabalhos a

respeito do período pós-industrial.

Para entendermos as especificidades da atual fase do capital, é interessante

entender um pouco do que foi o período precedente. Negri divide o período da grande

indústria em duas fases, que possuem características bem específicas em relação: as

formas de trabalhos, de consumo, de regulamentação do capital e de composição e

organização política dos trabalhadores.

A primeira fase vai de 1870 á Primeira Guerra Mundial, da comuna de Paris à

Revolução Russa de 1917 e se caracteriza pela: 1. hegemonia de uma mão de obra

operária qualificada tecnicamente, que funciona como apêndice das maquinas da

indústria e conhece relativamente o ciclo produtivo29. 2. produção voltada para as

massas, regulada pela capacidade salarial adequada a demanda correlativa. 3.

construção de um capital financeiro30, consolidação de monopólios31 e o

desenvolvimento de políticas imperialistas. 4. agitação política e mobilização dos

trabalhadores através de organizações sindicais e partidárias, vanguardistas32 de caráter

operário.

A segunda fase vai do fim da Primeira Guerra Mundial a 1968 e é caracteriza

por: 1. Formas de trabalho hegemonicamente taylorista, ou seja, mão de obra composta

por grandes massas de trabalhadores sem qualificação que inseridos em processos de


trabalho altamente complexos, especializados e alienantes perdem a visão do ciclo

produtivo. 2. Normas de consumo fordistas33, que colocam o salário como antecipação

adequada à aquisição de bens produzidos pela indústria de massa. 3. Um modelo de

regulamentação keynesiano34, onde o Estado intervém na economia para sustentar a

produção, a manutenção do emprego pleno e a assistência social. 4. Um prolongamento

das experiências das organizações de caráter trabalhista e o desenvolvimento de novas

formas de organização críticas aos modelos vanguardistas e centralizados dos

tradicionais partidos políticos e sindicatos, que prezam pela construção de organizações

fundamentadas nas bases que as compõem35.

Nos anos posteriores a 1968 este capitalismo industrial começou a se

transformar e a dar lugar á outra realidade material, onde cada relação social se tornou,

de certa maneira, uma relação produtiva. Com o fim do período da grande indústria, a

sociedade como um todo se tornou um fábrica social. Surge a atual forma do

capitalismo. “Fala-se propriamente de uma terceira transição capitalista, depois da saída

da manufatura e do desenvolvimento da grande indústria.” (ibidem, p. 94)

Nesta forma emergente do sistema do capital, começa a vigorar a automação das

fábricas, a informatização da sociedade e um quadro econômico onde o trabalho

material imediatamente produtivo perde a centralidade no processo de produção. Torna-

se hegemônico o trabalho cooperativo que se realiza através de redes produtivas que

ultrapassam os muros das fábricas e permeiam toda a sociedade. A figura do

trabalhador massa36 do período do taylorista dá lugar ao trabalhador social37, que realiza

atividades abstratas ligadas à subjetividade e que se apresenta como protagonista das

funções de cooperação das redes sociais. Em relação às normas de consumo, vigora a

liberdade de mercado. E com o advento da ideologia neoliberal38 e a sua realização, a

interferência do Estado na economia passa a ser entendida como algo negativo, o que
vem a minar as bases do modelo keynesiano de bem estar social39. A nível global, sobre

tudo nos países periféricos, começa a construir-se uma política de Estados fracos40 que

delegam a sociedade civil, ou melhor, entregam a esfera privada muitas das funções que

antes eram atribuídas exclusivamente ao poder estatal. Em relação à regulação do

capital, vigora a monetarização41 e financeiração da economia que se integram a lógica

da nova ordem mundial do império. Por fim, a composição atual da classe trabalhadora

não encontra uma forma adequada de expressão nos tradicionais partidos políticos e

sindicatos trabalhistas. Estes se demonstram ineficientes ou incapazes responder

consistentemente as políticas de exploração do capital e angariar vitórias para o campo

dos explorados, pois não conseguem entender e muito menos se adequar as inovações

sociais e econômicas do período presente.

Todas as fases do desenvolvimento capitalista possuem características materiais

adequadas ao seu momento histórico. Características que para os defensores da teoria de

capitalismo cognitivo, são determinadas pelo grau de abstração do trabalho dentro dos

processos de produção. Desta forma, o que discerne a nova fase do desenvolvimento do

capital das fases precedentes seria a imaterialidade do trabalho42, que nos atuais

processos produtivos alcançou um patamar nunca antes visto. A base deste

entendimento é uma leitura e interpretação particular dos Grundrisses43, que concluí que

Marx ao discutir o desenvolvimento das formas de trabalho, já havia apontado que o

trabalho tende a se tornar cada vez mais imaterial, cada vez mais relacionado às

energias intelectuais e aos saberes da ciência. Sendo assim, nos dias de hoje o que

presenciamos é uma radicalização desta tendência de aumento da imaterialidade do

trabalho no desenvolver das relações de produção44.

Como consequência de todas as novidades colocadas pela nova realidade

econômica e social surge um mostro, “que são as transformações da forma de trabalho,


da força produtiva” (ibidem, p. 91). Diante deste, tornam-se insuficientes muitos dos

conceitos utilizados até então para analisar a realidade. Dois pontos aqui são essenciais

em relação a este tema.

Primeiramente, o que se refere à crítica da teoria de valor que é central na

analise dos que crêem no capitalismo cognitivo. Segundo estes, a quantificação do valor

do trabalho através da medida de tempo torna-se ineficaz nos dias de hoje. O trabalho

transformou-se em algo incomensurável, pois ao contrário de previsões de um desfecho

progressista e otimista de incremento do tempo de lazer do trabalhador possibilitado

pelo desenvolvimento das forças produtivas45, efetivou-se nos dias de hoje a extensão

do trabalho (e de sua exploração) a totalidade do tempo de vida. O conceito de “mais-

valia” 46 que foi um essencial para o entendimento da exploração do trabalho no período

da grande indústria, pensado de forma ortodoxa tornou-se obsoleto. É importante ficar

claro, que a exploração do trabalho que é base de todas as teorias de críticas ao

capitalismo não é de forma nenhuma negada por esta concepção crítica da teoria de

valor, muito pelo contrário. O “trabalho sempre será explorado enquanto houver

capitalismo” (ibidem, p.99), o que está sendo afirmado é que mensurar o quanto o

trabalhador é explorado, através do tempo correlativo de trabalho tornou-se impossível

graças a novas formas de exploração encontradas pelo capital.

Outro tema é o da teoria de hegemonia do trabalho imaterial. Já foi apontado que

o fator determinante na diferenciação de fases da periodização do desenvolvimento

capitalista é o grau de imaterialidade do trabalho, que a radicalização da imaterialidade

nos processos produtivos contemporâneos é que determina a existência de uma nova

fase do capitalismo, e que o trabalho material imediatamente produtivo perdeu a

centralidade no presente processo de produção. No entanto, resta ainda se ater com mais

propriedade a teoria de trabalho imaterial, que assim como a ideia de crise da teoria de
valor trabalho, também é central nos trabalhos de Negri. Esta teoria consiste na ideia de

que na atual fase do desenvolvimento do capitalismo o trabalho imaterial, ou melhor

dizendo, “o conjunto das atividades intelectuais, comunicativas e afetivas, expressas

pelos sujeitos e pelos movimentos sociais” (ibidem, p. 82) tornou-se a fonte principal de

valor e riqueza da sociedade. Ou melhor, as características essenciais deste tipo de

trabalho, que sempre existiram historicamente, assumiram posição dominante dentro do

processo produtivo. Desta forma, o trabalho imaterial conquistou a hegemonia entre as

formas de trabalho. Alguns esclarecimentos são necessários para que não aconteça um

mau entendimento a cerca deste tema. Primeiro, quando se refere ao termo “imaterial”

não esta se dizendo que o trabalho tornou-se desprovido de sua dimensão material.

O trabalho envolvido em toda produção imaterial continua sendo material –


mobiliza nossos corpos e nossos cérebros, como qualquer trabalho. O que é
imaterial é o seu produto. Reconhecemos que a este respeito à expressão trabalho
imaterial é muito ambígua. Talvez fosse melhor entender esta forma hegemônica de
trabalho como “trabalho biopolítico”, ou seja trabalho que não cria apenas bens
materiais mas também relações, em última análise, a própria vida social. (NEGRI;
HARDT, 2005, p 150).

A escolha do termo “imaterial” parece ser uma estratégia utilizada para facilitar o

entendimento da questão. Pois, optar por outro termo tal como o biopolítico, também

traria alguns problemas conceituais. Sobre esta escolha, diz Negri

A biopolítica apresenta numerosas outras complicações conceituais, de modo que


nosso ver o conceito de imaterialidade, apesar de suas ambiguidades, parece
inicialmente mais fácil de aprender. (idem).

Adiciona-se a esta questão, que o trabalho imaterial quase sempre se mistura com

formas materiais de trabalho. Poucos são as vezes que o trabalho imaterial é somente

trabalho intelectual/linguístico47 ou trabalho afetivo48. Em segundo lugar, é preciso

elucidar que afirmar a hegemonia do trabalho imaterial não é defender que a maioria

das pessoas trabalhem para produzir afetos, ou em atividades intelectualmente elevadas.

O trabalho fabril no período da grande indústria foi hegemônico e nunca superou o

trabalho agrícola em termos numéricos. Pois o que determinou sua hegemonia neste
período foi sua capacidade de se colocar como tendência49 sobre todas as outras formas

de trabalho. Da mesma maneira, o trabalho imaterial nos dias de hoje não é a maior

fração das formas vigentes de trabalho, mas se impõe como tendência sobre todas

outras. Ele não acaba com as outras formas de trabalho, nem as supera em termos de

número de trabalhadores, mas tende a “contaminá-las” com o "imaterial". Ou seja,

tornar todas as formas de trabalho comunicativas, informatizadas, afetivas e

cooperativas50.

1.4 Os desafios colocados para as teorias políticas de resistências.

Em um mundo contemporâneo que rompe em diversos aspectos com os

paradigmas modernos, algumas questões são inevitavelmente colocadas. Afinal, como

pensar uma teoria de transformação social não anacrônica? Quem são os sujeitos

políticos potencialmente revolucionários dentro da nova composição social do trabalho?

Como construir novas formas de organizações políticas, que permitam estes sujeitos

atuarem transformando de forma positiva a sociedade?

A nova ordem mundial do império traz para as teorias criticas da sociedade

capitalista, e ao campo dos atores políticos de resistência problemas e desafios. Se o

Estado-nação deixou de ser o principal regulamentador dos fluxos do capital, sendo

sobreposto por um poder transnacional que se estende a todos os cantos do planeta,

como encontrar um espaço de resistência a este poder? Ou ainda, quais são as opções

diante o processo inevitável de globalização? E o imperialismo, diante da atual

configuração geopolítica, o típico discurso contra o imperialismo norte americano e o

unilateralismo, não seria simplista demais?

Também surgem questões que se relacionam ao regime de biopoder do

capitalismo contemporâneo, ou melhor, a guerra infinita e sem limites promovida pelo


capital visando o controle e a disciplina social. Por exemplo: como resistir frente ao

policiamento global, e a guerra que é promovida contra todos os que não se enquadram

nos planos da nova ordem imperial? É possível resistir?

Por fim, em meio a uma realidade onde vigora a desmobilização e fragmentação

da classe dos trabalhadores, que não encontram uma plataforma de expressão nas

antigas formas de organização trabalhistas e acabam sendo presas fácil do capital.

Colocam as questões: Como poderiam os explorados mobilizar-se? Existiria uma forma

de luta viável e eficaz aos novos sujeitos políticos contemporâneos?

As respostas para estas e outras questões são apontadas nas discussões da teoria

da multidão, que será o foco teórico do próximo capítulo.


CAPÍTULO 2 – A MULTIDÃO COMO ALTERNATIVA AO PODER
IMPERIAL.

2.1. O Que é Multidão

Além de nos apresentar uma teoria sobre a forma contemporânea do capitalismo

global, Negri também se propõe a elaborar uma teoria de transformação social

atualizada. No centro desta teoria encontra-se um sujeito social novo que nasce em

meio à nova composição política e econômica dos dias de hoje, a multidão. Se o

império pode ser enfrentado, seu oponente por excelência é a multidão. Este é o

conceito chave para efetivar alternativas, políticas, econômicas e sociais que se

contraponha a ordem mundial de poder do capital. Qualquer “ação política voltada para

a transformação e libertação só pode ser conduzida hoje com base na multidão”

(ibidem, p. 139).

Para fazer entender a teoria de resistência desenvolvida por Negri, ou melhor, à

teoria da multidão, utilizar-me-ei de uma exposição baseada em três momentos: O

primeiro consiste em apresentar o conceito de multidão. Ou melhor, expor sua definição

geral. Em um segundo momento, apontarei algumas de suas características e

especificidades que fazem do conceito de multidão uma inovação frente a outras teorias

de resistência e de sujeitos sociais. E por fim, em um terceiro momento, apresentarei a

discussão de como a multidão pode ser a base para a resposta de muitos dos desafios

colocados pela realidade contemporânea.

2.1.1. Por uma definição para o conceito de multidão.

Depois dos trabalhos de analise de Negri e Hardt sobre a política na

contemporaneidade51, que culminou no desenvolvimento do conceito de império como


nova ordem de poder mundial e a breve apresentação de um contraponto a este, a

multidão. Surge o livro “Multidão: guerra e democracia na era do império”, que

segundo os próprios autores, tem como objetivo responder algumas questões que até

então tinham sido pouco desenvolvidas. Essencialmente definir de maneira mais

concisa o conceito de multidão. A partir deste momento se torna evidente a importância

que é dada por Negri e Hardt a este conceito e também seus esforços para expor de

maneira substancial seu significado.

Em uma palestra no Rio de Janeiro realizada em um encontro sobre psicanálise52

Negri já nos apresentava uma boa definição do conceito de multidão. Segundo a qual a

“multidão se apresenta como uma multiplicidade de singularidades” 53. Multiplicidade

neste contexto deve ser entendida como a capacidade de um agregar que não nega as

diferenças que reúne. Ou melhor, um conjunto que se dê como uma comunidade de

diferenças. Já o termo singularidade da maneira que é utilizado, refere-se a

Um sujeito que participa de um todo sem ser seu produto, de uma determinação que
participa de uma classe sem ser uma função sua (...) falamos em singularidades
diferentes, nunca identificadas no conjunto e tampouco nunca consubstanciadas
como indivíduos separados. (Negri, 2003, p. 158).

Ou seja, quando se diz que a multidão é composta de singularidades, se quer dizer que

cada diferença presente em seu conjunto possui força própria e também que estes

componentes só podem ser como tal dentro de uma dinâmica de relação que permita

construir, paralelamente a si mesmas e ao todo. Sendo assim, podemos dizer que

A multidão não é nem o encontro da identidade, nem pura exaltação da diferença,


mas é o reconhecimento de que por de trás de identidades e diferenças, pode existir
“algo comum” (…) entendido como proliferação de atividades criativas, relações ou
formas associativas diferentes. (ibidem, 2003, p. 148)

Uma metáfora utilizada por Negri pode nos ajudar a entender o significado mais geral

do conceito de multidão. No livro “Multidão”, este utiliza a imagem bíblica da legião

demoníaca para se referir à multidão.

Jesus encontra um homem possuído por demônios e pergunta-lhe seu nome (…) o
demônio responde enigmaticamente: “Legião é meu nome, porque somos muito”
(NEGRI; HARDT, 2005, p. 186)

O demônio Legião é ao mesmo tempo singular e plural, um eu e um nos. Ele é

poderoso, pois destrói qualquer distinção numérica. Pode ilustrar a multidão, pois assim

como ela é um e muitos ao mesmo tempo.

2.1.2 Multidão como um novo sujeito social.

Para completar o entendimento sobre o conceito de multidão, e fazer entender

como este é uma inovação frente a outras teorias de resistência é preciso avançar para

além da definição geral já exposta e nos ater, mesmo que brevemente, ao estudo de sua

pluralidade de dimensões significativas.

Podemos dizer que sob um aspecto sociológico e econômico a multidão é um

sujeito social novo que se diferencia de outras noções de sujeitos sociais como povo,

massa e classe operária.

O conceito de povo surge na teoria política moderna, relacionado à visão

jusnaturalista54 que entende a formação da sociedade organizada como um contrato

entre indivíduos. Segundo esta concepção de sociedade, os indivíduos vivendo sem um

poder soberano maior do que eles encontrariam-se sob um estado constante de

insegurança55 que impossibilitaria qualquer ordenamento social. Só através de um pacto

social56 onde os indivíduos abdicassem de sua liberdade plena em pró de um poder

soberano protetor maior do que eles, é que a sociedade organizada poderia existir. O

conceito de povo proveniente desta linha de pensamento pode ser entendido como a

unidade que é o resultante deste contrato social. Dizendo melhor, o conceito moderno

de povo prevê que as inúmeras diferenças da população tornem-se uma única

identidade. Negri é bem crítico as ideias colocadas pela filosofia política jusnaturalista,

considerando-a de uma maneira ou de outra uma teoria mistificadora e ultrapassada da


sociedade57. O que de pronto, já compromete toda base teórica que sustenta o conceito

tradicional de povo. No se refere às diferenças entre este conceito e a multidão,

podemos identificar uma diferença fundamental. A multidão é sempre múltipla, as

diferenças que a compõem não podem ser reduzidas à uniformidade de uma identidade.

Na multidão a diferença se mantém e deve manter-se diferente, pois como vimos, ela é

por essência à multiplicidade das diferenças singulares. Outro ponto a se destacar aqui é

que com o advento do poder imperial que transcende e esvazia a soberania da estado-

nação o conceito de povo também é esvaziado. Já que tradicionalmente este conceito

esta relacionado à ideia de um espaço nacional delimitado.

A multidão também se contrasta de outros conceitos que se referem a entidades

coletivas plurais, tais como turba, populacho e massa. Fundamentalmente por duas

características intrínsecas a estes termos. A primeira característica, é que os indivíduos

que constituem estas entidades não são singularidades, pois suas diferenças esvaziam-se

em indiferença. “Todas as cores da população reduzem-se ao cinza” (ibidem, P. 13), a

aglomerados indistintos de gente. Além disto, os componentes destes coletivos não são

capazes de agir por si mesmo, são elementos passivos e desorganizados, força irracional

facilmente manipulável. Precisam ser controlados e moldados por alguma força externa.

Em relação ao termo massa, poderíamos dizer ainda mais. Este conceito está

relacionado a um tipo especifico de forma de trabalho, ou seja, está relacionado às

formas de trabalho da época de hegemonia do trabalhador industrial fordista e

taylorista. Refere-se ao trabalhador massa alienado.

A multidão é radicalmente diferente de turba, populacho e massa. Primeiramente

porque é formada por singularidades que nunca se reduzem à indiferença. A multidão

também se diferencia destas outras entidades coletivas, pois é ativa e organizada.

Dizendo melhor, ela é essencialmente criativa e auto-organizável. Contrastando-a


especificamente ao conceito de massas, podemos dizer que a multidão refere-se à outra

fase do desenvolvimento das formas de trabalho. A Hegemonia do trabalho imaterial,

ao trabalhador social.

Por fim podemos distinguir a multidão também do conceito de classe operária.

Este conceito de origem marxista relaciona-se a teorias políticas ligadas ao período da

grande indústria, que se fundamentam em muitos pilares teóricos específicos deste

momento histórico do desenvolvimento material das formas de trabalho. Para poder

entender o conceito de classe operária, e posteriormente diferenciá-lo do conceito de

multidão, faz-se importante expor aqui algumas das ideias que o cercam.

Primeiramente, podemos dizer que a classe operária pode ser entendida de duas

maneiras: Como uma concepção mais restrita ela refere-se apenas ao trabalho industrial,

já como uma concepção mais ampla refere-se a todos os tipos trabalhadores

assalariados. Podemos dizer também que a classe operária é a classe explorada e

hegemônica do capitalismo industrial. Ela se diferencia não só da classe antagônica a

ela, a burguesia industrial. Mas também de outras formas de trabalho também

exploradas, tais como o campesinato, os trabalhadores do setor de serviços e todos os

tipos de trabalhadores não assalariados58. A exploração que está sujeita pode ser

analisada através da teoria econômica de valor trabalho e do conceito de mais-valia, e

quando entendida como forma hegemônica de trabalho acaba por ser considerado o

elemento primordial dos projetos políticos anticapitalistas. Por fim, podemos dizer

também, que relacionado à concepção de classe operária estão os sindicatos e partidos

operários centralizados59.

A classe operária em muitos pontos é similar ao conceito de multidão, no

entanto esta similaridade de forma nenhuma faz com que elas sejam identificáveis. A

multidão também pode ser entendida como classe, mas de maneira diferente de como se
entende a classe operária. Ela é o novo proletário, “uma concepção expansiva e aberta

de proletariado.” (BROWN; SZEMAN. 2006. p. 105). Ela é o fruto das atuais relações

de produção do capitalismo pós-industrial. E neste cenário contemporâneo, detém o

papel de ator das novas e hegemônicas formas de produção. Pois é o agente ativo das

redes de cooperação social. No entanto esta hegemonia deve ser entendida de maneira

diferente de como foi entendida pelas teorias socialistas a hegemonia da classe operária.

Pois a multidão é formada “por todos aqueles que trabalham sob o domínio do capital”

(Hardt; Negri, p 147), e assim sendo não pode determinar uma prioridade política entre

as diversas formas de trabalho. Afinal “todas as formas de trabalho hoje são produtivas,

produzem o comum e também compartilham um potencial de resistir à dominação do

capital”. O trabalho operário inclusive, se encontra dentro da multidão e continua a ter

sua importância política e social, porém sem deter nenhum privilégio político em

relação aos outros tipos de trabalho. A multidão é também sujeito explorado, porém a

exploração a qual esta submetida tem de ser pensada de maneira nova.

“Sob a hegemonia do trabalho imaterial a exploração já não é primordialmente a


expropriação do valor medida pelo tempo de trabalho individual ou coletivo, e sim a
captura do valor que é produzido pelo trabalho cooperativo e que se torna cada vez
mais comum através de sua circulação nas redes sociais” (ibidem, p. 156).

Ou seja, a exploração que recai sob a multidão não se dá de maneira simples e

mensurável, mas sim através de complexos sistemas de captação que apropriam e

privatizam o valor da produção social comum. Assim sendo, torna-se necessário

abandonar a concepção ortodoxa da lei de mais valia. Para se entender a exploração no

atual mundo do trabalho, é preciso procurar formas de compreender a exploração que

superem a análise puramente estatística e econômica. E considerar que a exploração do

comum “é a nova forma da lei da mais valia” (NEGRI, 2003, p. 252).

2.1.3. A genealogia das formas de resistência.


Por fim resta apresentar a multidão sob o aspecto político. Para isso precisamos

demonstrar como este sujeito social é o resultado fluido do embate entre o campo do

trabalho e do capital, entre os meios de coerção e de libertação. Assim como também,

entender à forma de organização em rede, que é própria da multidão.

Para Negri a resistência detém a primazia dentro do embate entre as forças de

contra-insurgência e as insurgências60. Ou seja, a insurgência vem primeiro que a

contra-insurgência em termos de força e forma. Sendo assim, cabe a contra-insurgência

reagir e a insurgência e não ao contrário. Dizendo desta maneira, a primazia da

resistência parece evidente. Mas na verdade tal concepção torna necessário pensar a

resistência para além do emprego comum dado a esta mesma palavra. É preciso

desfazer o entendimento da resistência como uma resposta ou reação e começar a

pensá-la no sentido contrário, como o que é “primordial em poder” (HARDT; NEGRI,

2005, p. 98). O reconhecimento da primazia do poder da resistência permite lançar

outro olhar sob a história, que parta de baixo para cima. Baseado nesta concepção de

primazia da resistência, Negri elabora uma genealogia das lutas de libertação que parte

da formação dos exércitos populares e culmina nas formas contemporâneas de luta em

rede. Esta genealogia tal como desenvolvida, possui três princípios orientadores: O

primeiro refere-se à oportunidade histórica, ou seja, a eficácia no combate a uma forma

de poder específico. O segundo refere-se à correspondência entre as formas de

resistência e realidade da produção material que historicamente vigora. E o terceiro

remete-se ao desejo dos homens por liberdade.

Vamos aqui apresentar de maneira breve esta genealogia. A primeira forma de

resistência descrita é a do exercito popular. As forças rebeldes dispersar e irregulares

em determinado momento históricos tornam-se exércitos. Dizendo melhor, os bandos

armados dispersos que se colocavam como os modelos de resistência da época pré-


moderna e do início da modernidade começam a se organizar como exercito popular.

Ou seja, como uma composição unificada e organizada de forças armadas que se

expressam através modelos centralizados e hierárquicos.

Para Negri o surgimento esta forma de resistência possuí duas faces. Por um

lado ela é coerente no que diz respeito à modernização da sociedade, ou melhor,

coincide com o desenvolvimento material da sociedade. E devido a isso, acaba

funcionando motor para a modernização social. Ela também é uma forma eficiente no

que diz respeito à vitória militar. Muitos exércitos de libertação nacional e exércitos

classistas são prova disto.

Por outro, o seu centralismo e hierarquia se colocam como um problema no

cenário pós-guerra. Pois os modelos sociais que surgem como fruto deste tipo de

organização, não são capazes de satisfazer os anseios populares por liberdade e

democracia. O exercito bolchevique é utilizado como o exemplo paradigmático deste

tipo de organização.

A estrutura da guerrilha aparece posteriormente como um modelo mais

promissor de organização. Além de representar em termos de oportunidade histórica um

modelo militar mais difícil de ser enfrentado pelos meios de contra-insurgência,

aparentemente vai de encontro às características de centralização e hierarquização dos

exércitos populares. Pois em si compreende às ideias de descentralização e de

autonomia.

O modelo cubano que serviu como paradigma para diversos movimentos

rebeldes pelo mundo, sobretudo na América latina61, é considerado por Negri o melhor

exemplo desta forma de se organizar. Ele vai de encontro à ortodoxia dos modelos

militares stalinistas que pregavam a total subordinação ao controle do partido

comunista. Afinal os guerrilheiros cubanos só constituíram um partido depois da vitoria


militar. Além disso, os focos guerrilheiros62 podiam atuar com relativa independência

uns dos outros, através de uma estrutura policêntrica e horizontalizadas entre as suas

unidades. Essas características fazem sua forma de guerrilha contrastar bastante das

estruturas de comando verticais e centralizadas dos exércitos tradicionais.

No entanto a natureza democrática e independente da estratégia foquista parece

para Negri extremamente superficial. A autoridade do partido é substituída pela

autoridade e disciplina interna próprias da guerrilha. O foco guerrilheiro também não é

tão autônomo como pode parecer. Pois ele é uma célula de uma coluna muito maior, e

tende a reduzir-se na prática a uma unidade centralizada, sobretudo depois da tomada

do poder.

Por fim, aparecem às formas de organização em redes que surgem no seio das

lutas políticas dos movimentos sociais. Às redes são o que há de mais atual em termos

de oportunidade histórica. Superam todas às formas de organização políticas anteriores,

que se tornaram vulneráveis às ações de contra-insurgência promovidas pelo capital. A

forma de organização em redes também corresponde perfeitamente ao atual momento

do desenvolvimento histórico material do capitalismo, que hoje se funda na exploração

do trabalho produzido por redes de colaboração social. No entanto, à principal diferença

entre o modelo de organização política em rede e as formas anteriores a ela é seu caráter

democrático e libertário. Os exércitos populares eram claramente hierarquizados e

centralizados, os modelos de guerrilha por mais que aparentassem horizontalização de

poderes também terminavam em alguma centralização e autoritarismo. Já os modelos

de redes, próprios do sujeito social e político da multidão são essencialmente autênticos

neste ponto fraco das formas de organização anteriores. As redes da multidão

possibilitam uma verdadeira horizontalização política, e podem vir a responder

satisfatoriamente os anseios da população por uma democracia real que supere em


termos de liberdade todos os modelos sociedades63 existentes até então.

2.2. O enxame.

É necessário explorar um pouco mais à teoria das lutas em rede para se entender

com propriedade a relação desta forma de se organizar e a multidão. Para Negri, as

redes são à forma isomórfica64 de organização na sociedade contemporânea. Para

qualquer direção que se olhe poderemos identificar formas de rede atuando. A ordem

global do império é uma rede, o meio empresarial cada vez mais se utiliza de estratégias

baseadas em redes organizativas, e até mesmo à área tecnológica apropria-se da ideia de

rede para construir robôs que cooperem entre si e complexos sistemas de informação e

de inteligência65.

Como já apontamos que o trabalho nos dias de hoje se dá hegemonicamente

através de redes cooperativas de produção. A exploração e o lucro capitalista também

provêm da apropriação e privatização do que é produzido pelo trabalho cooperativo, ou

melhor dizendo, por estas redes produtivas. E a multidão como classe explorada e

protagonista do processo de produção, está inevitavelmente relacionada à forma de

rede. Pois só este tipo de organização pode garantir que ela seja o que é. Garantir que

um conjunto de sujeitos possa ser composto por múltiplas singularidades.

Uma figura metafórica que pode ajudar a ilustrar a multidão como rede é a do

enxame. No livro “Multidão” podemos encontrar diversas metáforas, tal como a já

apresentada metáfora do legião. No meio da exposição conceitual das formas de

organização em rede encontramos outra metáfora, a do enxame. Esta tenta apresentar as

características fundamentais das organizações em rede, através da imagem de animais

sociais, sobretudo os insetos.

Negri começa dizendo que sob uma observação externa, aparentemente tanto um
enxame de animais como uma rede de atuação política se expressam de forma súbita,

espontânea e caótica. No entanto, mediante uma análise um pouco mais elaborada da

questão é possível perceber que na verdade uma rede disseminada é descentralizada,

organizada, racional e criativa.

Para aprofundar ainda mais à metáfora do enxame, Negri recorre também ao


termo “inteligência de enxame”. Um termo oriundo das ciências exatas que serve para
designar um tipo específico de inteligência artificial, que consiste em uma técnica
coletiva de solução de problemas sem um controle central ou modelo geral predefinido.
Este tipo de tecnologia66 tem como inspiração e fundamento o comportamento coletivo
de animais sociais, tais como cupins, abelhas e formigas. E consiste na ideia de que,
como indivíduos os membros de um enxame não demonstram sinais de inteligência,
mas como coletivo (enxame) formam sistemas realmente inteligentes que funcionam
sem a necessidade de um controle central, o que concede aos mesmos a capacidade de
fazer coisas incríveis. Tais características do enxame de animais sociais, que serviram
para as ciências exatas elaborar à ideia de inteligência de enxame, podem ser
consideradas válidas também para as formas de organização de rede dos movimentos
sociais contemporâneos.
O enxame é a “imagem” propícia para significar as qualidades desejadas e
identificadas nos emergentes movimentos sociais da multidão, tais como a eficácia
organizativa na realidade política pós-moderna, funcionamento descentralizado e
horizontalizado, alto poder de comunicação, mobilidade e aparente intangibilidade
frente ao inimigo.

2.3. O conceito de Multidão e os novos horizontes políticos.

A teoria da multidão elaborada por Negri não pode ser entendida como uma

resposta derradeira aos problemas colocados pela realidade contemporânea. Pois o

conceito de multidão como alternativa ao poder do império, e mesmo o conceito de

império como nova ordem de poder mundial não são conceitos acabados. Negri está

ciente que a realidade política e a configuração do capital, são fluidas. Desta forma,

qualquer alternativa a estas também devem ser. Pois só teorias não cristalizadas sobre a
sociedade podem servir como ferramentas de entendimento e ações não anacrônicas.

No entanto, não podemos dizer que a teoria da multidão e de nova ordem global,

não são favoráveis ao desenvolvimento de um melhor entendimento teórico e de

capacidade prática de intervenção na realidade. A teoria da multidão é de fato, uma

teoria sobre a possibilidade de transformação social da realidade política

contemporânea.

A multidão surge como um sujeito social que aponta para novos horizontes de

caráter teórico e prático. Sua forma de organizar-se politicamente, ou seja, as redes

disseminadas e horizontalizadas, a torna o que há de mais atual e eficiente em relação

ao enfrentamento do poder do capital. Se a concepção de sujeito político restrita das

teorias marxistas tradicionais não conseguem mais alcançar e entender a complexidade

dos explorados. E os partidos e sindicalizados centralizados e hierarquizados, típicos da

esquerda tradicional, passam por uma crise profunda. A concepção de sujeito e as

formas horizontalizadas e democráticas da multidão podem representar uma alternativa

promissora.

Podemos dizer também que a multidão é promissora no que diz respeito à teoria

do poder global. A multidão não possui limites. Está presente em todo lugar como

protagonista das novas relações de produção. Ela é a base para alternativas a

globalização que é promovida pelo capital, sem se prender a concepções nacionalistas

nostálgicas. Pois nos direciona novamente a busca por uma reconstrução de um

internacionalismo entre os explorados67.

O capitalismo hoje é um sistema de biopoder, toda a sociedade tornou-se de

certa maneira produtiva e explorada. No entanto, se o capital tomou toda vida é porque

o trabalho tomou toda vida. E a primazia do poder dentro das relações de trabalho esta

nas mãos da multidão, que é a protagonista das novas e hegemônicas formas de


trabalho. A multidão é o limite do poder do capital, pois para que o capital lucre através

da captação de valor das redes sociais produtivas, a multidão tem de existir e atuar.

Sendo assim, junto à contradição social e política gerada por esta relação de exploração,

mantém-se viva a esperança e possibilidade de uma transformação política benéfica ao

campo dos trabalhadores e explorados.

A teoria da multidão, sobretudo, diz que a história não acabou. Que a crise das

teorias e organizações políticas tradicionais não é o fim das possibilidades de se

construir um mundo diferente deste que é colocado pelo capital e seus veículos

ideológicos.
Conclusão

A concepção política de Negri sobre a realidade contemporânea possui várias

dimensões. Em termos macropolítcos, ele nos diz que nos dias de hoje ascende uma

nova ordem mundial de poder denominada império. Esta teoria sobre este poder

transnacional sem limites do capital torna vulnerável muitos dos conceitos políticos

paradigmáticos da modernidade, tais como imperialismo e soberania nacional. Ela

também diz respeito à guerra, que hoje aparece na forma de policiamento. Como uma

das formas que o capitalismo utiliza para manter seu controle sobre a sociedade. Em

termos econômicos o capitalismo contemporâneo também é diferente de como muitas

das teorias clássicas o ilustravam. O trabalho continua sendo a pedra fundamental para

se entender a sociedade. No entanto, temos de pensá-lo de maneira diferente. Hoje toda

vida é alvo da exploração do capital, que se dá como a captação de valor das redes

sociais de produção.

Diretamente relacionada à teoria de império e ao capitalismo cognitivo está à

teoria da multidão. Podemos entender a multidão como um conjunto de singularidades,

que se coloca como um sujeito social novo relacionado a formas de organização em

redes disseminadas e horizontalizadas. No cenário atual estas redes são muito mais

promissoras do que as antigas formas de organização políticas adotadas pelas

insurgências. A multidão também é o protagonista do mundo do trabalho

contemporâneo, o elemento principal das redes sociais de produção. Possui a primazia

dentro do processo produtivo, e por isso constitui o limite da soberania do capital.

Por fim podemos dizer que as teorias do império e multidão nos possibilitam um

entendimento bem elaborado e renovado sobre a constituição do capitalismo

contemporâneo e das formas de alternativas a este. E também que, se precisamos de


teorias e conceitos que funcione como ferramentas eficazes para o entendimento e ação

política nos dias de hoje, a obra política de Negri e de Hardt podem nos ajudar.
Notas
1 Tal como afirmavam as teses de Fukuyama e sua ideia de que a Hegemonia dos Estados Unidos por si mesma consistia no triunfo da democracia global, o no fim da história.
2 Acréscimo feito ao lema do fórum social mundial que diz que “outro mundo é possível se agente quiser”.
3 Refere-se aqui aos eventos promovidos pelos movimentos anticapitalistas nas reuniões do G8, os resultados das lutas de movimentos indígenas na América Latina e tantos outros acontecimentos.
4 “É claro que não somos os únicos que embarcaram neste projeto. É, sobretudo um amplo esforço coletivo inventar (e reinventar) conceitos adequados às necessidades do pensamento político contemporâneo.”

(NICHOLAS BROWN; IMERE SZEMAN. O que é Multidão? Questões para Michael Hardt e Antônio Negri. Novos Estudos. 2006. n.75, p. 95. ).
5 Respondendo a indagação acerca do caráter filosófico de sua teoria, Negri retoma a definição de Deleuze acerca do que é fazer filosofia para demonstrar que sua obra é filosófica, porém de uma maneira bem

diferente do que se convencionou chamar de filosofia. “É certamente filosofia num sentido bastante amplo, ou seja, buscando produzir conceitos adequados para a situação contemporânea e investigar valores
emergentes do nosso mundo. Mas até mesmo quando se propõem valores e alternativas, quando se descobrem novos modos de viver, não se devem esquecer as dimensões materiais da vivência de formas de

organização política e social, com todos seus desejos e sofrimentos.” (IBID, p94).
6 Denominação utilizada no subtítulo do livro multidão, para se referir a contemporaneidade.

7 Pensa-se aqui não só na da derrocada do socialismo soviético, mas também na transformação do socialismo Chinês em um capitalismo de Estado, além de outras experiências socialistas que de alguma forma
ameaçavam a hegemonia do sistema capitalista no mundo.

8 Não pode existir um mercado global sem um ordenamento jurídico, também não pode existir um ordenamento jurídico sem um poder que garanta sua eficácia.

9 Tais como o Banco Mundial, FMI, ONU, G8, OTAN. E também ao que Negri denomina de lex mercatoria pós-moderna, ou seja, “lei consuetudinária transnacional fundada em acordos legais compartilhadas por
uma comunidade internacional, construída principalmente por empresas comerciais, marítimas, seguradoras e bancárias.” (NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre o Império. 2003, p. 80).

10 Refere-se aqui aos que se colocam contra o império de maneira autêntica. Não aos que questionam o império apenas pelo arranjo hierárquico atual, mas aos que são contrários a sua existência como ordem global.
11 “A soberania é o controle da reprodução do capital, e, portanto, o controle sobre a proporção do relacionamento de forças (trabalhadores e patrões, proletariado e burguesia, multidões e monarquia imperial) que o
constitui.” (ibidem, p. 50).
12 A importância do tema guerra é grande, já no título do livro Multidão, podemos observar a presença desta palavra.
13 Negri e Hardt citam aqui a periodização histórica de Subcomandante Marcos para os conflitos bélicos atuais, que defende a ideia de que na atualidade exista uma quarta guerra mundial. Segundo o filósofo esta
periodização pode ser útil se compreender melhor a contemporaneidade, pois ajudaria a reconhecer a continuidade e diferença em relação aos conflitos globais anteriores.

14 “De fato, a maior parte das batalhas conduzidas em nome dos pobres, dos oprimidos, dos justos, são meras lutas para o primado nas hierarquias do poder imperial. Forças que exigem para si a representação dos
interesses dos miseráveis da terra e entram em conflito com outras tantas que pretendem simbolizar justiça e paz para todos; mas estas guerras civis são apenas lutas complexas para obter o poder nas hierarquias

imperiais” (ibidem, p. 83).


15 As drogas como na Colômbia ou terrorismo como no oriente médio, por exemplo.
16 O terrorismo, por exemplo, transformou-se em um conceito político associado ao mal. No entanto, o atual significado da palavra terrorismo é recente e está relacionado a elementos como violência ilegítima,
revolta contra governos legítimos, violação de regras de combate. Elementos dependem de um quem defina o que é violência legítima, governo legítimo e regaras válidas.

17 Entende-se como a justificação da flexibilização ou negação de direitos legais e/ou humanos. Práticas como as de quebra de privacidade legais ou ilegais, métodos de tortura considerados permitidos (como as
técnicas de afogamento utilizadas por soldados americanos em interrogatórios) e violações diretas a convenção de Genebra (tais como as vistas no escândalo de Abu Ghraib).
18 Refere-se aqui ao discurso maniqueísta da coalizão de ocupação do Iraque liderada pelos Estados Unidos, que promoveu a ideia de existiria no mundo um “eixo do mal” que deveria ser enfrentado em nome do
bem mundial.

19 “A guerra imperial não cria a ordem pondo um pondo fim à “guerra de todos contra todos”, como pretendia Hobbes, e sim propõe um regime de administração disciplinar e controle político diretamente baseado
em contínuas ações de guerra.” (HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. 2005. p. 44).

20 “Por disciplina entende-se uma forma de governo sobre os indivíduos de maneira singular e repetitiva (…) por controle, no entanto entende-se o governo das populações por meio de dispositivos que abarcam
coletivamente o trabalho, o imaginário, a vida” (NEGRI, Antonio. 2003. p. 104)
21 “Fala-se de biopoder quando o Estado expressa seu comando sobre a vida por meio de suas tecnologias e de seus dispositivos de poder” (NEGRI, 2003, p. 107).
22 Refere-se aqui, a política de Estados e governo.

23A passagem de políticas de defesa para de segurança, significa a transição uma atitude reativa diante ameaças, para uma atitude ativa, preventiva.
24 Refere-se a práticas políticas que tentam associar a pobreza e os movimentos sociais à ilegalidade. A forma de incursão da polícia nas comunidades carentes no rio de Janeiro e os esforços de setores da elite

nacional para transformar o MST em uma organização criminosa são exemplos desta política.
25 O conceito de capitalismo cognitivo fundamenta-se na ideias de que hoje o trabalho intelectual cooperativo é a forma hegemônica de trabalho, e que o capital age apropriando de forma privada o valor do que é

produzido pelas redes deste trabalho.


26 “Falamos de uma passagem do moderno ao pós-moderno justamente para absorver um pouco de todos os “pós” (pós-taylorista, pós-fordista, pós-keynesiano, pós-socialista ou pós-comunista etc.).” (NEGRI,

Antonio. 2006, p 68).


27 Tipo de produção pré-industrial que se caracteriza pela uma rudimentar divisão de trabalhos.

28 Conceito utilizado por Marx para se referir ao período industrial.


29 Entendido como as várias etapas que em conjunto permitem a obtenção de um bem.
30 O Capitalismo Financeiro refere-se a um tipo de economia onde o grande comércio e a grande indústria são controlados pelo poderio econômico dos bancos comerciais e outras instituições financeiras.
31 Uma situação onde uma empresa detém o domínio total de comercialização de um determinado produto ou serviço.

32 Teoria dualista de organização política, que prevê que deva existir por razões estratégicas e táticas uma divisão organizacional entre massa e vanguarda. Segunda esta concepção a vanguarda seria composta pelos
indivíduos mais esclarecidos, que deveriam compor os quadros representativos das organizações. Enquanto a massa seria composta por uma gama de indivíduos que ainda não teriam a qualificação ideológica para

ocupar importantes cargos nas organizações revolucionárias.


33 Entende-se como fordismo o sistema de produção, criado pelo empresário norte-americano Henry Ford, que se caracteriza, sobretudo, pela fabricação em massa de produtos padronizados.

34 O Keynesianismo é uma teoria econômica que tem como base a crença de que o Estado seja agente indispensável de controle da economia. E assim sendo, deva conduzir a um sistema de pleno emprego e bem
estar social.

35 Construção de cima pra baixo, horizontalização do poder.


36 Utiliza-se este termo para se designar o trabalhador taylorista.
37 Trabalhador que se caracteriza pelo seu alto grau de comunicabilidade e cooperação. Típico das redes de trabalho do capitalismo cognitivo.
38 Compreende-se como neoliberalismo uma corrente de pensamento e doutrina política desenvolvidas pela Escola de Chicago e difundidas através do consenso de Washington, que consiste na defesa da liberdade
plena do mercado e monetarização e desregulamentação da economia.
39 Entende-se como Estado de bem-estar social um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente de protetor e defensa social.

40 Fraco, no que diz respeito à promoção de bem social.


41 Monetarismo é uma teoria econômica que defende que é possível manter a estabilidade de uma economia através de instrumentos monetários. Este tipo de concepção esta associada às ideias mais contemporâneas

de livre mercado e rejeição de qualquer regulamentação da economia.


42 Conceito que será explicado no decorrer do texto.

43 Manuscrito de Marx não traduzido para o português valorizado por muitos teóricos não ortodoxos que estudam o marxismo.
44 Todas as relações estabelecidas pelos indivíduos e grupos de indivíduos durante o processo de produção de bens.

45 Por forças produtivas compreendem-se, os meios que dispõe a sociedade para produzir.
46 Entendida como o valor extraído do trabalho explorado dentro de um tempo mensurável.
47 Entendido como, trabalho que “produz ideias, símbolos, códigos, textos, formas linguísticas, imagens e outros produtos do gênero” (HARDT, Michel; NEGRIT, Antonio. 2005. p. 149).
48 “Trabalho afetivo, assim, é o trabalho que produz ou manipula afetos como a sensação de bem estar, tranquilidade, satisfação, excitação, paixão. Podemos identificar o trabalho afetivo, por exemplo, no trabalho

de assessores jurídicos, comissários de bordo e atendentes de lanchonete (servir com sorriso).” (ibidem, p. 149).
49 “A indústria era hegemônica na medida em que sugava outras formas para seu vértice: a agricultura, a mineração e até a própria sociedade forçaram-se a industrializar. Não somente as práticas mecânicas como

também o ritmo do trabalho industrial e seu gradualmente transformando todas outras instituições sociais, como a família, a escola e as forças armadas” (ibidem, p. 148).
50 “Hoje o trabalho e a sociedade têm de se informatizar, tornar-se inteligente, comunicativos e afetivos.” (ibidem, p. 151).

51 Desenvolvido com mais clareza nos livros “Império” e “Cinco Lições sobre o Império”
52 Mais precisamente no evento “Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial” realizado no mês de outubro do ano de 2003 no Rio de Janeiro.

53Texto retirado da internet, tradução de Izabel F.M. Borges, a partir da transcrição literal da fala de Antonio Negri no evento Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial que aconteceu em outubro
de 2003 no Rio de Janeiro.

54 Por jusnaturalismo se entende a teoria que defende a existência de um direito, cujo conteúdo é estabelecido pela própria natureza da realidade. Na modernidade esta linha de pensamento foi
desenvolvida por Hobbes e posteriormente por pensadores ligados ao liberalismo.
55 Refere-se à teoria de estado de natureza hobbesiana.
56 Compreende como Pacto social ou contrato social o acordo estabelecido entre os indivíduos para cessar o estado de natureza e construir o Estado.

57Negri relaciona o pensamento contratualista a pensamentos místicos e puramente abstratos sobre a sociedade. Segundo ele, estes tipo de teoria política se baseia em hipóteses sem comprovações empíricas ou
antropológicas. Além de criticar também o caráter burguês e autoritário das noções de liberdade e representação política oriundas deste tipo de teoria.
58Trabalhador informal, trabalho doméstico e etc.
59Partidos e sindicatos baseados no centralismo democrático ou em outras concepções de caráter representativo e hierárquica defendido comumente defendido pela esquerda tradicional.

60Se entende por insurgência a rebelião contra o poder constituído, e por contra-insurgência as estratégias para combater a insurgência e manter o poder constituído.
61Pensar aqui nas guerrilhas Sandinistas da Nicarágua, na Frente Farabundo Martí de Libertação nacional de El Salvador, nas FARCS na Colombia e etc.

62Grupos de guerrilheiros que segundo a teoria de guerrilha foquistao contavam com algum grau de autonomia.
63Pensar aqui nas sociedades pré-capitalistas, nas democracias capitalistas e também nas experiências socialistas.

64 “Isomorfismos são procedimentos descritivos no sentido de que guardam relação com uma determinada forma de exposição (...). Do ponto de vista ontológico, cada um desses procedimentos

descritivos é dirigido por um motor fundamental, que poderíamos chamar, dependendo do caso, tanto o motor do trabalho vivo quanto o da “marcha da liberdade”. (NICHOLAS BROWN; IMERE SZEMAN. O que
é Multidão? Questões para Michael Hardt e Antônio Negri. Novos Estudos. 2006. n.75, p. 100).

65A rede da internet é o maior exemplo de sistemas de comunicação e inteligência que funcionam sob este tipo de organização.
66Tecnologia conhecida mais amplamente pelo termo “swarm intelligence”.

67Para Negri este internacionalismo já tinha sido apontado por Marx no final do manifesto comunista, ganhou formas experimentais nas internacionais comunistas que reuniram partidos e movimentos comunistas
de todo mundo. E agora deve renascer de maneira nova, integrando movimentos sociais e políticos de todo mundo em uma plataforma comum de enfrentamento ao capital.

Bibliografia

BROWN, Nicholas; SZEMAN, Imre. O QUE É A MULTIDÃO? Questões para Michael Hardt e
Antonio Negri. Novos Estudos. CEBRAP, n 75, p. 93-108, julho. 2006.

Bordin, Luigi. Império e multidões no pensamento filosófico-político de Antonio Negri. FILOSOFIA


UNISINOS, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, p. 45-61, Jul/Dez. 2004

CHAUÍ, Marilena. Política em Espinoza. São Paulo: Ed. Cia. das Letras, 2003.

COCCO, Giuseppe; NEGRI, Antonio. Global - Biopoder e luta em uma América Latina globalizada.
Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? . São Paulo: Ed. 34, 1992.

FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo: a Revolução cubana. São Paulo: Ed. Expressão
Popular, 2007.

HARDT, Michel. NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do império. Rio de
Janeiro: Ed. Record, 2005.

KANT, Immanuel. Idéia De Uma História Universal De Um Ponto De Vista Cosmopolita. São Paulo:
Ed. Brasiliense, 1986.

LENINE, Vladimir. Obras Escolhidas, Tomo 2. Lisboa: Ed. Avante, 1981.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. IDEOLOGIA ALEMÃ. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,
2007.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. URSS: Ed. Progresso, 1987.

MARX, K. “Manuscritos Econômicos-Filosóficos”, Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril, 1974.

MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. São Paulo: Ed. Nova Cultura, 1983.

MILLER, Peter. Teoria dos enxames, Revista National Geographic, Ed. Abril, São Paulo, n. 88. 2007

NEGRI, Antonio. A Anomalia Selvagem: poder e potência em Spinoza. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

NEGRI, A. Cinco lições sobre o império. RJ: DP&A, 2003.

NEGRI, Antonio. Tesis preliminares para una teoría sobre el poder constituyente. Revista de Crítica y
Debate "Contrarios", Abril. 1989. SADER, Eder. Che Guevara - Política. São Paulo: Ed. Expressão
Popular: 2004.

ROSDOLSKY, Roman. Gênese e Estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Ed. UERJ,
2001.

You might also like