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/ A tecnologia G-T-L: uma opção para o aproveitamento das reservas de gás natural da Amazônia 47
Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia. Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289, CEP 05508-900
São Paulo – SP, e-mail: msilva@iee.usp.br
ABSTRACT
THE G-T-L TECHNOLOGY: AN ALTERNATIVE FOR THE EXPLOITATION OF THE NATURAL GAS RESERVES IN AMAZONIA
Amazonia has considerable natural gas reserves, mainly localized in the Urucu/Jurua province in the state of Amazonas. In 2000,
the proven reserves were about 44 billion m3 while the total reserves were estimated around 88 billion m3. However, they are placed in
remote - distant of the consumption centers - and environmentally complex areas. That context tends to make difficult the utilization of
natural gas to meet the amazon energy demands.
This article presents the gas-to-liquids technology (G-T-L) as an option for the exploitation of the natural gas reserves located in
Amazonia where the transportation of gas – by pipelines, barges or as liquefied natural gas (LNG) – is not feasible. The G-T-L technology’s
technical, economic, and environmental aspects are analyzed.
Although it presents significant energy losses, the G-T-L technology is competitive when the oil price is US $24 per barrel and/
or when there is a reduction in costs of natural gas production and operation of the G-T-L plant in most of the analyzed cases. In relation
to the local environmental impacts, it is observed that the G-T-L diesel contributes to reduce the urban pollution. Even so, the global
impacts of that technology can be positive or negative depending on the source of natural gas and/or the fuel to be substituted for it.
RESUMO
A Amazônia possui consideráveis reservas de gás natural, localizadas principalmente na província de Urucu/Juruá no Estado do
Amazonas. Em 2000, as reservas provadas eram de aproximadamente 44 bilhões de m3, enquanto que as reservas totais foram estimadas
em torno de 88 bilhões de m3. Porém, elas estão situadas em áreas remotas, distantes dos centros de consumo, e ambientalmente complexas.
Esse contexto tende a dificultar a utilização do gás natural para atender as demandas energéticas amazônicas.
Este artigo apresenta a tecnologia gas-to-liquids (G-T-L) como uma opção para o aproveitamento das reservas de gás natural
localizadas na Amazônia, onde o transporte por gasodutos, barcaças ou na forma de gás natural liquefeito (GNL) é inviável. Os aspectos
técnicos, econômicos e ambientais dessa tecnologia são analisados.
Embora apresente perdas energéticas significativas, a tecnologia G-T-L mostra-se competitiva quando o preço do barril de
petróleo é de US$ 24 e/ou quando há uma redução nos custos de produção do gás natural e operação da planta G-T-L na maioria dos casos
analisados. Em relação aos impactos ambientais locais, observa-se que o diesel G-T-L contribui para reduzir a poluição urbana. Porém, os
impactos globais dessa tecnologia podem ser positivos ou negativos dependendo da procedência do gás natural e/ou do combustível a ser
substituído por ele.
A ERA DO GÁS NATURAL gás natural) são os principais responsáveis pelo aumento da
Em 1985, através da Conferência de Villach (Áustria), concentração de gases do efeito estufa na atmosfera. No início
a opinião pública mundial tomou conhecimento de que o da década de 90, a contribuição global dos padrões de
aquecimento global é um fenômeno que tem conseqüências produção e consumo de energia para o efeito estufa era
graves para os ecossistemas e que poderá ocorrer caso políticas estimada em 57% (Goldemberg 1996).
para reduzir as emissões dos gases que provocam o efeito A redução dos níveis de poluição passa
estufa não sejam adotadas (Comissão Mundial sobre Meio fundamentalmente pela implementação de ações técnicas,
Ambiente e Desenvolvimento 1991, Martin 1992). organizacional e institucional, cujas estratégias para diminuir
Hoje, embora ainda existam muitas incertezas as emissões de gases poluentes seguem basicamente por três
quantitativas sobre esse fenômeno e de como as estratégias direções: técnicas de abatimento, que visam a utilização de
mitigadoras serão conduzidas pelos países, é inegável que os equipamentos mitigadores; técnicas de substituição, que têm a
atuais padrões de produção e consumo de energia, baseados finalidade de substituir fontes de energia mais poluentes por
no uso intensivo de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e outras menos poluentes, e técnicas preventivas, que objetivam
48 Contribuições à Geologia da Amazônia - Volume 3
atuar diretamente na redução da demanda energética através A primeira alternativa consiste na construção de uma rede
do uso mais eficiente da energia (Nijkamp e Volwahsen 1990). de gasodutos (Urucu-Coari-Manaus e Urucu-Porto Velho), que
A estratégia de substituição do carvão, com fator de teria a capacidade de transportar entre 4 a 5 milhões de m3 de gás
emissão de carbono acima de 25 tC/TJ (1 TJ = 1012 Joule e natural por dia e uma extensão de 970 km, não incluindo o
corresponde a 947,8 milhões de Btu), e dos derivados de petróleo, gasoduto Urucu-Coari já existente. Esse sistema também contaria
como o óleo diesel e o óleo combustível que possuem com a implantação de um parque térmico de 930 MW, sendo
respectivamente fatores de emissão de carbono de 20,2 e 21,1 340 MW em Porto Velho e o restante em Manaus, e uma linha
tC/TJ, por gás natural, cujo fator de emissão carbono é de 15,3 de transmissão de 230 kV, ligando as cidades de Porto Velho
tC/TJ (Intergovernmental Panel on Climate Change 1996), (RO) e Rio Branco (AC). Os custos totais do projeto seriam da
reconhecidamente contribui para reduzir as emissões de carbono. ordem de US$ 1,7 bilhão (Amazon Watch 2001), sendo que o
Outros dois outros fatores também estão levando o custo do gás natural em Manaus poderá chegar a US$ 2,5 por
mundo a ampliar o uso do gás natural: a disponibilidade de milhão de Btu e em Porto Velho a US$ 2 por milhão de Btu,
reservas provadas, que somavam 150,2 trilhões de m3 em 2000 considerando uma taxa de desconto de 15% ao ano, retorno dos
(BP Amoco 2001), e o desenvolvimento tecnológico que investimentos em 15 anos e não incluindo impostos.
tornou o gás natural competitivo com outras fontes de energia, O transporte de gás natural comprimido através de
principalmente quando ele é usado em ciclo combinado ou barcaças está sendo fortemente defendido pelo governo do Estado
em cogeração. Portanto, pelo menos na primeira metade do do Amazonas. Porém, há uma questão de ordem técnica que
século XXI, a tendência é que o gás natural substitua na matriz parece ser o ponto frágil dessa alternativa e que pode inviabilizá-
energética mundial parte do carvão e parte dos derivados de la economicamente. Segundo dados desse projeto, o investimento
petróleo, usados na geração de energia elétrica e como total em seis barcaças para transportar 2,1 milhões de m3/dia de
combustível no setor de transporte. gás natural seria de US$ 194 milhões (Loss e Costa 2002). Isso
significa que cada barcaça teria uma capacidade média de
AS RESERVAS DE GÁS NATURAL NA AMAZÔNIA transporte de 350 mil m3/dia. Portanto, para transportar 5 milhões
Em 2000, as reservas provadas de gás natural na de m3/dia seriam necessárias mais de quatorze barcaças. Além
Amazônia somaram 44,4 bilhões de m3 e as reservas totais disso, esses autores não deixam claro se o projeto leva em
foram estimadas em 88,1 bilhões de m3 (ANP 2001). Embora
consideração o tempo de viagem entre Coari e Manaus, fator
esses volumes sejam pouco representativos em relação às
que elevaria o número de barcaças operando simultaneamente.
reservas mundiais, eles correspondiam, respectivamente, a
Eles também não fazem referência ao custo de operação dessa
19,9% e 24,3% das reservas brasileiras (Tab. 1).
alternativa de transporte. Como o investimento total no gasoduto
Nesse mesmo ano, foi estimado que a produção de gás
Coari-Manaus foi estimado em US$ 378 milhões (Loss e Costa
natural na Amazônia, especificamente em Urucu, ficou em 2
2002), há evidências de que o transporte do gás natural
bilhões de m3 (ANP 2001). Portanto, a razão reserva provada e
comprimido de Urucu por barcaças apresenta custo mais elevado
produção (R/P) indicava uma sobrevida de 22 anos para as
do que o transporte por gasoduto.
reservas da Amazônia. Da produção total, cerca de 1,3 bilhão de
No caso do GNL, a literatura fornece alguns indícios
m3 foram processados, sendo obtidos 267 mil m3 de GLP, 67 mil
sobre a inviabilidade econômica dessa alternativa. De acordo
m3 de nafta e 1,22 bilhão de gás natural seco (ANP 2001).
com informações da BP Amoco (2001), as importações
AS OPÇÕES DE TRANSPORTE PARA O GÁS mundiais totais de GNL somaram 136,96 bilhões de m3 em
NATURAL DE URUCU 2000. A quantidade mínima importada foi 70 milhões de m3
Atualmente, os debates sobre o aproveitamento das e a máxima 24,3 bilhões de m3. O preço médio CIF do
reservas de gás natural de Urucu estão centrados em três transporte de GNL para o Japão, maior importador mundial,
alternativas: um sistema de gasodutos, ligando os poços aos centros ficou em US$ 4,72 por milhão de Btu (BP Amoco 2001), não
consumidores de Manaus e Porto Velho, o transporte por meio de sendo incorporado o custo da gaseificação no Japão. Esse
barcaças para abastecer Manaus e o transporte de GNL através de preço era 66% superior à média do preço do transporte de gás
navios criogênicos para Manaus e para o nordeste. por gasoduto nos países da União Européia em 2000.
Tabela 1– Evolução das reservas mundial, brasileira e amazônica de gás natural (BP Amoco 2001; ANP 2001).
Reservas Provadas (109 m3) 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Mundo 136505 141913 140986 139629 141810 143810 146386 146430 150198
Brasil 193 191 199 208 224 228 226 232 221
Amazônia 38 39 41 42 52 54 60 45 44
Amazônia/Brasil (%) 20 20 21 20 23 24 27 19 20
Reservas Totais (10 9 m3)
Brasil 305 285 324 343 398 435 410 404 361
Amazônia 73 75 88 88 103 114 97 91 88
Amazônia/Brasil (%) 24 26 27 26 26 26 24 23 24
Silva M.V.M. / A tecnologia G-T-L: uma opção para o aproveitamento das reservas de gás natural da Amazônia 49
O segundo estágio começa quando o singás é levado a A capacidade das plantas G-T-L é variável. A literatura
um reator, contendo um catalisador, onde a reação será menciona plantas de 70 barris/dia a 100.000 barris/dia. Porém,
acelerada, obtendo cadeias de carbono maiores do que C4, a Shell afirma que a capacidade de produção diária de plantas
sendo esse estágio típico da tecnologia G-T-L. Algumas economicamente competitivas deve estar em torno de 25.000
cadeias de carbono formarão óleo sintético, do qual podem barris (Greene 1999), enquanto que a máxima economia de
ser extraídos a nafta e o diesel G-T-L, e outras bem maiores escala seria alcançada através de plantas com capacidade de
formarão graxa. A proporção entre óleo sintético e graxa é produção de 50.000 barris/dia (Oil & Gas Journal 1997). Para
geralmente de 50% para 50% (Howard, Weil, Labouisse, a Syntroleum, que desenvolveu o processo Autothermal
Friedrichs Inc. 1998). Além disso, obtém-se como Reforming - ATR, uma planta com capacidade de produção
subprodutos água, álcoois e dióxido de carbono. de 5.000 barris/dia pode operar economicamente no mercado
Esse estágio tem uma grande importância para a e em algumas situações a competitividade econômica pode
viabilidade econômica da tecnologia G-T-L, porque é através ser alcançada por plantas com capacidade de 2.500 barris/dia
dele que se obtém uma eficiência energética maior ou menor (Oil & Gas Journal 1997).
no processo de transformação de gás natural para combustíveis O avanço tecnológico é um fator importante para a
líquidos. Essa eficiência está relacionada a dois fatores: redução dos custos de capital das plantas G-T-L. Na década
desenho do reator e tipo de catalisador utilizado (Howard, de 80, a Shell construiu uma planta na Malásia que apresentou
Weil, Labouisse, Friedrichs Inc. 1998). um custo de capital de US$ 68.000 por barril/dia (Oil & Gas
Os catalisadores mais utilizados são de ferro e cobalto. Journal 1997). Na metade da década de 90, o custo de capital
O primeiro é mais usado para singases com razões H2:CO abaixo das plantas G-T-L era estimado em US$ 30.000 por barril/
de 1:4. De um modo geral, gás natural de baixo poder calorífico, dia e, no futuro próximo, espera-se que plantas com
como o biogás produzido em aterros sanitários, proporciona uma capacidade de produção de 50.000 a 100.000 barris/dia
baixa razão H2:CO, que tende a diminuir a eficiência do processo apresentem um custo de capital em torno de US$ 20.000 por
de conversão. Por outro lado, os catalisadores de cobalto são barril/dia (Oil & Gas Journal 1997). Segundo a Syntroleum,
indicados para singases com razões entre 1:4 e 2:1, esta plantas pequenas poderão apresentar custos de capital entre
considerada a ideal (Howard, Weil, Labouisse, Friedrichs Inc. US$ 12.000 a US$ 27.000 por barril/dia. Essa companhia
1998). Gás natural de reservas geológicas, geralmente, fornece afirma que uma planta com capacidade de produção de 2.000
razão dessa ordem, mas a presença de enxofre não pode ser a 2.500 barris/dia custaria em torno de US$ 55 milhões (Oil
significativa. Por serem mais indicados para razões elevadas, os & Gas Journal 1997).
catalisadores de cobalto proporcionam uma maior eficiência para Outros fatores também influenciam diretamente na
o processo de conversão. competitividade econômica dos produtos G-T-L, tais como:
O último estágio consiste na transformação (destilação) preços do petróleo e do gás natural, legislação ambiental,
do óleo sintético obtido no segundo estágio em produtos de custos elevados e dificuldades técnicas no transporte do gás
uso final dentro das especificações técnicas: nafta, diesel e para os centros de consumo, níveis de economia de escala.
querosene. Uma planta com capacidade de produção de 2.500
A taxa de conversão da tecnologia G-T-L está entre 50% barris/dia demanda 708.250 m3/dia de gás natural. Ao longo
a 60% (Greene 1999). Isso significa que 283,3 m3 (2,62 Gcal) de 20 anos, essa planta terá consumido cerca de 5,2 bilhões
de gás natural produzem 1 barril de destilado (1,46 Gcal). de m3 de gás natural, ou seja, 11,8% das reservas provadas da
Amazônia em 2000. Considerando, que a eficiência energética
OS ASPECTOS ECONÔMICOS DA TECNOLOGIA G-T-L do processo de conversão é da ordem de 56% e que a taxa de
Segundo Moritis (1999), metade das reservas provadas desconto do projeto seria de 15% ao ano, situações de grande
de gás natural no mundo não terão mercado num futuro competitividade para o diesel G-T-L são observadas,
próximo, porque estão localizadas em regiões de difícil acesso. principalmente quando se obtém uma redução nos custos de
Portanto, essa característica é um motivador econômico para operação e manutenção da planta G-T-L e no preço do gás
o uso da tecnologia G-T-L, pois ela permitiria o natural que abastece a mesma (Tab. 3).
aproveitamento daquelas reservas de gás que por possuírem Entre 1995 e 2000, o preço FOB médio do barril de
volumes pequenos e dispersos e/ou por estarem em regiões petróleo tipo Brent ficou em US$ 19,60 (BP Amoco 2001). Para
distantes dos centros de consumo não apresentarão viabilidade esse preço, os casos B e D mostrados na tabela 3 apresentam
técnico-econômica no curto prazo. elevada competitividade em relação ao diesel convencional.
Tabela 3 - Competitividade do diesel G-T-L com o diesel convencional a partir do preço do barril de petróleo.
Custos da Planta G-T-L Caso A Caso B Caso C Caso D Caso E Caso F Caso G Caso H
Capital Investido ($/b) 30.000 30.000 22.000 22.000 30.000 30.000 22.000 22.000
Preço do Gás ($/MBtu) 0,5 0,5 0,5 0,5 1 1 1 1
Custo de O & M ($/b) 7 1,07 7 1,07 7 1,07 7 1,07
Custo Total ($/b) 95,08 55,24 91,57 51,74 130 90,16 126,49 86,66
PC-OIL ($/b) 23,70 13,77 22,83 12,90 32,41 22,48 31,54 21,60
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