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TEMPO PASCAL. SEGUNDA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA.

55. A IMAGINAÇÃO
– Necessidade da mortificação para ter vida sobrenatural.

– Mortificação da imaginação.

– O bom uso da imaginação na oração.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 relata-nos o comovente diálogo entre Jesus e


Nicodemos na calada da noite. Este homem sente-se impressionado pela
pregação e pelos milagres do Mestre e experimenta a necessidade de saber
mais. Mostra uma grande delicadeza para com Jesus: Rabbi, meu Mestre, é
como o chama.

Nicodemos interroga o Senhor sobre a sua missão, talvez ainda sem saber
ao certo se está diante de mais um profeta ou do próprio Messias: Sabemos –
diz ele – que és um mestre vindo da parte de Deus, pois ninguém pode fazer
os prodígios que fazes se Deus não estiver com ele. E o Senhor responde-lhe
de uma maneira inesperada; Nicodemos pergunta-lhe pela sua missão e Jesus
revela-lhe uma verdade assombrosa: É preciso nascer de novo. Trata-se de um
nascimento espiritual pela água e pelo Espírito Santo: é um mundo
inteiramente novo que se abre ante os olhos de Nicodemos.

As palavras do Senhor constituem também um horizonte sem limites para o


progresso espiritual de qualquer cristão que se deixe conduzir docilmente pelas
inspirações e moções do Espírito Santo. Porque a vida interior não consiste
somente em adquirir uma série de virtudes naturais ou em praticar
determinados actos de piedade. O que o Senhor nos pede é uma
transformação radical: Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem
velho2, anunciava São Paulo aos fiéis de Éfeso.

Esta transformação interior é acima de tudo obra da graça na alma, mas


requer também a nossa colaboração, através de uma séria mortificação da
inteligência e das recordações – da imaginação –, que terá como fruto a
purificação das nossas potências, necessária para que a vida de Cristo se
desenvolva plenamente em nós. Muitos cristãos não avançam no seu
relacionamento com Deus, na oração, por descurarem esta mortificação
interior, sem a qual a mortificação externa perde o seu ponto de apoio.

A imaginação é, sem dúvida, uma faculdade muito útil, porque a alma, que
está unida ao corpo, não pode pensar sem imagens. O Senhor falava às
pessoas por meio de parábolas, servindo-se de imagens para transmitir-lhes as
verdades mais profundas; acabamos de ver que foi esse o caminho que seguiu
na conversa com Nicodemos. Neste sentido, a imaginação pode ser de grande
utilidade para a vida interior, pois ajuda a contemplar a vida do Senhor, os
mistérios do Rosário... “Mas, para que seja proveitosa e útil, deve ser
governada pela recta razão esclarecida pela fé. Caso contrário, pode converter-
se, como já foi chamada, na louca da casa; afasta-nos da consideração das
coisas divinas e arrasta-nos para as coisas vãs, insubstanciais, fantásticas e
mesmo proibidas. No melhor dos casos, leva-nos para o mundo dos sonhos, de
onde brota o sentimentalismo tão oposto à verdadeira piedade”3.

Dada a nossa condição depois do pecado original, a submissão da


imaginação à razão só pode ser alcançada habitualmente pela mortificação,
que fará com que “deixe de ser a louca da casa e se concentre no seu fim
próprio, que é servir a inteligência iluminada pela fé”4.

II. DEIXAR A IMAGINAÇÃO à solta significa em primeiro lugar perder o


tempo, que é um dom de Deus e parte do património que o Senhor nos confiou.
“Afasta de ti esses pensamentos inúteis que, pelo menos, te fazem perder o
tempo”, aconselha-nos o autor de Caminho5. Além disso, a imaginação perdida
em sonhos fantásticos e estéreis é um campo bem adubado para que nele
apareça um bom número de tentações voluntárias, que convertem os
pensamentos inúteis em verdadeira ocasião de pecado6.

Quando não há essa mortificação interior, os sonhos da imaginação giram


frequentemente em torno dos nossos talentos, de uma determinada actuação
em que nos saímos bem, da admiração – talvez também irreal – que
provocamos em certas pessoas ou no nosso ambiente... E assim, aquilo que
principiou por ser um pensamento inútil começa a correr à deriva, até chegar a
comprometer a rectidão de intenção que se tinha mantido até aquele momento;
e a soberba, sempre à espreita, vai ganhando corpo à custa daquilo que
inicialmente parecia inocente. Depois, se não a detemos, essa soberba tende a
destruir as coisas boas que encontra à sua passagem. De modo especial,
destrói uma boa parte da atenção que os outros merecem, impedindo de ver as
suas necessidades e de praticar a caridade. “O horizonte do orgulhoso é
terrivelmente limitado: esgota-se em si mesmo. O orgulhoso não consegue
olhar para além da sua pessoa, das suas qualidades, das suas virtudes, do seu
talento. O seu horizonte é um horizonte sem Deus. E neste panorama tão
mesquinho, nunca aparecem os outros, não há lugar para eles”7.

Em outros casos, quando se entretém a julgar o modo de agir dos outros, é


fácil que a imaginação comece a emitir juízos negativos e pouco objectivos,
porque, quando não se olha para os outros com compreensão, com desejo de
ajudá-los, passa-se a ter deles uma visão injustamente parcial, julga-se a sua
conduta com frieza, sem perceber que podem ter tido motivos para agir como
agiram, ou atribuem-se gratuitamente a essas pessoas intenções retorcidas ou
menos boas. Somente Deus penetra nas coisas ocultas, só Ele lê a verdade
dos corações e dá o verdadeiro valor a todas as circunstâncias. Por leviandade
culposa, esses pensamentos inúteis conduzem ao juízo temerário, que nasce
de um coração pouco recto. A mortificação interior teria evitado esse tipo de
faltas contra a caridade, que afasta de Deus e dos outros. “A causa de que haja
tantos juízos temerários é que se consideram como coisa de pouca
importância; e, não obstante, se se trata de matéria grave, pode-se chegar ao
pecado grave”8.

Frequentemente, se não nos vigiarmos de modo a cortar esses


pensamentos inúteis e a oferecer ao Senhor essa mortificação, a imaginação
girará em torno de nós mesmos e criará situações fictícias, pouco ou nada
compatíveis com a vocação cristã de um filho de Deus, que deve ter o coração
posto n’Ele. Esses pensamentos esfriam a alma, afastam de Deus e depois
tornam mais difícil o clima de diálogo com o Senhor no meio das ocupações
diárias.

Examinemos hoje na nossa oração como vivemos essa mortificação interior


que tanto nos ajuda a conservar-nos sempre na presença do Senhor, e que
evita tantos inconvenientes, tentações e pecados. Vale a pena meditar nisto
seriamente, com profundidade e com desejos de chegar a propósitos eficazes.

III. A MORTIFICAÇÃO da imaginação traz inúmeros bens à alma; não é


tarefa puramente negativa, não está na fronteira do pecado, mas no terreno do
Amor.

Em primeiro lugar, purifica-nos a alma e inclina-nos a viver melhor na


presença de Deus, leva-nos a aproveitar bem o tempo dedicado à oração, e a
evitar as distracções quando mais atentos devemos estar, como por exemplo
na Santa Missa, na Comunhão... Permite-nos ainda aproveitar melhor o tempo
no trabalho, executá-lo conscienciosamente, santificá-lo; no terreno da
caridade, ajuda-nos a pensar nos outros, em vez de ficar ensimesmados,
submersos num clima de sonhos e fantasias.

Por outro lado, a imaginação deve ocupar um lugar importante na vida


interior, no trato com Deus: ajuda-nos a meditar as cenas do Evangelho, a
acompanhar Jesus nos seus anos de Nazaré, junto de José e Maria, na sua
vida pública, seguido pelos Apóstolos. De modo especial, ajuda-nos a
contemplar frequentemente a Paixão do Senhor.

“Misturai-vos com frequência entre as personagens do Novo Testamento.


Saboreai aquelas cenas comoventes em que o Mestre actua com gestos
divinos e humanos, ou relata com modos de dizer humanos e divinos a história
sublime do perdão, do Amor ininterrupto que tem pelos seus filhos. Esses
reflexos do Céu renovam-se agora também, na perenidade actual do
Evangelho”9.

“Se alguma vez não nos sentirmos com forças para seguir as pegadas de
Jesus Cristo, troquemos palavras amigas com aqueles que o conheceram de
perto, enquanto permaneceu nesta nossa terra. Com Maria, em primeiro lugar,
que foi quem o trouxe até nós. Com os Apóstolos. Alguns gentios chegaram-se
a Filipe, que era natural de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido:
Desejamos ver Jesus. Filipe foi e disse-o a André; e André e Filipe disseram-no
a Jesus (Ioh XII, 20-22). Não é verdade que isto nos anima? Aqueles
estrangeiros não se atrevem a apresentar-se ao Mestre, e procuram um bom
intercessor [...].

“Meu conselho é que, na oração, cada um intervenha nas passagens do


Evangelho, como mais um personagem. Primeiro, imaginamos a cena ou o
mistério, que servirá para nos recolhermos e meditar. Depois, empregamos o
entendimento para considerar este ou aquele traço da vida do Mestre: o seu
Coração enternecido, a sua humildade, a sua pureza, o seu cumprimento da
Vontade do Pai. Depois, contamos-lhe o que nos costuma ocorrer nessas
matérias, o que sentimos, o que nos está acontecendo. É preciso
permanecermos atentos, porque talvez Ele nos queira indicar alguma coisa: e
surgirão essas moções interiores, o cair em si, essas admoestações”10.

Assim imitaremos a Santíssima Virgem, que conservava todas estas coisas


– os acontecimentos da vida do Senhor – e as meditava no seu coração11.

(1) Jo 3, 1-8; (2) Ef 5, 22; (3) R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior,
Palabra, Madrid, 1975, vol. I, pág. 398; (4) ib., pág. 399; (5) São Josemaría Escrivá, Caminho,
n. 13; (6) cfr. São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 135; (7) S. Canals, Reflexões Espirituais, pág.
65; (8) Cura d’Ars, Sermão sobre o juízo temerário; (9) São Josemaría Escrivá, Amigos de
Deus, n. 216; (10) ib., n. 252-253; (11) Lc 2, 19.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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