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TEMPO PASCAL. QUARTA SEMANA.

TERÇA-FEIRA

70. PRIMEIROS CRISTÃOS. UNIVERSALIDADE DA



– A rápida propagação do cristianismo. Os primeiros cristãos santificaram-se no meio do
ambiente em que encontraram Cristo.

– Cidadãos exemplares no meio do mundo. Levar Cristo a todos os ambientes.

– Costumes cristãos no seio da família.

I. “NOSSO SENHOR funda a sua Igreja sobre a fraqueza – mas também


sobre a fidelidade – de uns homens, os Apóstolos, aos quais promete a
assistência constante do Espírito Santo [...]. A pregação do Evangelho não
surge na Palestina por iniciativa pessoal de alguns homens fervorosos. O que
é que os Apóstolos podiam fazer? Não contavam nada no seu tempo; não
eram ricos, nem cultos, nem heróis do ponto de vista humano. Jesus coloca
sobre os ombros desse punhado de discípulos uma tarefa imensa, divina”1.

Quem tivesse contemplado sem sentido sobrenatural os começos


apostólicos daquele pequeno grupo, teria concluído que se tratava de uma
iniciativa destinada ao fracasso. Não obstante, esses homens tiveram fé,
foram fiéis e começaram a pregar por toda a parte aquela doutrina insólita que
chocava frontalmente com muitos costumes pagãos; em pouco tempo o
mundo soube que Jesus Cristo era o Redentor do mundo.

Desde o princípio, a Boa Nova é pregada a todos os homens, sem


discriminação alguma. Os que se tinham dispersado com a perseguição
provocada pela morte de Estêvão – lemos na Missa de hoje2 – chegaram até
a Fenícia, Chipre e Antioquia. Nesta cidade, foram tantas as conversões que
foi ali que pela primeira vez se deu o nome de cristãos aos discípulos do
Senhor. Poucos anos depois, encontramos seguidores de Cristo em Roma e
em todas as regiões do Império.

Nos começos, a fé cristã arraigou principalmente entre pessoas de


condição modesta: soldados, cardadores de lã, escravos, comerciantes.
Vede, irmãos – escrevia São Paulo –, quem são os que foram chamados à fé
entre vós: não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos,
nem muitos nobres...3

Para Deus, não há distinção de pessoas, e os primeiros chamados –


ignorantes e débeis aos olhos humanos – foram os instrumentos que o
Senhor utilizou para a expansão da Igreja. Assim ficou mais patente que a
eficácia era divina. Isto não quer dizer que não houvesse entre os primeiros
cristãos pessoas cultas, sábias, importantes – um ministro etíope, centuriões,
homens como Apolo e Dionísio Areopagita, mulheres como Lídia –, mas eram
poucos dentro do grande número dos convertidos à nova fé. São Tomás
comenta que “também pertence à glória de Deus o facto de que Ele tenha
atraído a Si os sublimes do mundo através de pessoas simples”4.

Os primeiros cristãos exerciam todas as profissões correntes no seu


tempo, a não ser aquelas que podiam trazer algum perigo para a sua fé, como
as de “intérpretes de sonhos”, adivinhos, guardas dos templos... E embora a
vida pública estivesse permeada de práticas religiosas pagãs, cada um
permaneceu no lugar e profissão em que a fé o encontrou, esforçando-se por
dar o seu tom ao ambiente em que vivia, por ter uma conduta exemplar, sem
fugir do convívio – antes pelo contrário – com os vizinhos e concidadãos.
Estavam presentes no foro, no mercado, no exército... “Nós, cristãos – dirá
Tertuliano –, não vivemos afastados do mundo; frequentamos o foro, as
termas, as oficinas, as lojas, os mercados e as praças públicas. Exercemos
os ofícios de marinheiro, de soldado, de agricultor, de negociante...”5

O Senhor recorda-nos que também nos dias de hoje Ele nos chama a
todos, sem estabelecer distinções de profissão, de raça ou de condição
social. “Como te inspiram compaixão!... Quererias gritar-lhes que estão
perdendo o tempo... Por que são tão cegos e não percebem o que tu –
miserável – já viste? Por que não hão de preferir o melhor?

“– Reza, mortifica-te, e depois – tens obrigação disso! – desperta-os um a


um, explicando-lhes – também um a um – que, tal como tu, podem encontrar
um caminho divino, sem abandonar o lugar que ocupam na sociedade”6.

Foi o que fizeram os nossos primeiros irmãos na fé.

II. NOS FINS DO SÉCULO II, os cristãos estão já espalhados por todo o
Império: “Não há raça alguma de homens, chamem-se bárbaros, gregos ou
outra coisa, quer habitem em casas ou sejam nómadas sem lugar para morar
ou morando em tendas de pastores, entre os quais não se ofereçam pelo
nome de Jesus crucificado orações e acções de graças ao Pai, Criador de
todas as coisas”7.

Os fiéis cristãos não fogem do mundo para procurarem o Senhor em


plenitude: consideram-se parte integrante desse mundo, que por outro lado
procuram vivificar por dentro, com a sua oração, com o seu exemplo, com
uma caridade magnânima: “O que é a alma para o corpo, isso são os cristãos
para o mundo”8. Vivificaram o seu mundo – que em muitos aspectos tinha
perdido o sentido da dignidade humana – sendo cidadãos como os outros e
sem distinguir-se deles nem pelo modo de vestir, nem por insígnias, nem por
mudarem de cidadania9.

Não somente são cidadãos, como procuram ser exemplares: “Obedecem


às leis, mas com a sua vida vão além das leis”10. Honram a autoridade civil,
pagam os impostos e cumprem as demais obrigações sociais. E isto, tanto em
épocas de paz como em períodos de perseguição e de ódio manifesto. São
Justino, em meados do século II, descreve o heroísmo com que os primeiros
cristãos viviam as virtudes cívicas: “Como aprendemos d’Ele (de Cristo),
procuramos pagar os tributos e as contribuições, íntegra e prontamente, aos
vossos encarregados [...]. Adoramos somente a Deus, mas vos obedecemos
com gosto em todas as demais coisas, reconhecendo abertamente que sois
os reis e os governantes dos homens, e pedindo na oração que, juntamente
com o poder imperial, encontreis também uma arte de governo repleta de
sabedoria”11. E Tertuliano, que atacava com veemência a degenerescência do
mundo pagão, escrevia que os fiéis oravam nas suas assembleias pelo
imperador, pelos seus ministros e autoridades, pelo bem-estar temporal e
pela paz do Império12.

Seja em que época for, os cristãos não podem viver de costas para a
sociedade de que fazem parte. Enraizados no coração do mundo, hão de
procurar cumprir responsavelmente as suas tarefas pessoais, para impregná-
las por dentro de um espírito novo, de caridade cristã. Quanto mais longe de
Cristo estiver determinado ambiente, tanto mais urgente será a presença dos
cristãos nesse lugar, para condimentá-lo com o sal de Cristo e devolver ao
homem a sua dignidade tantas vezes perdida. “Para seguir as pegadas de
Cristo, o apóstolo de hoje não vem reformar nada, e muito menos
desentender-se da realidade histórica que o rodeia... – Basta-lhe actuar como
os primeiros cristãos, vivificando o ambiente”13.

III. OS CAMINHOS QUE LEVARAM os primeiros cristãos à fé foram muito


variados, e alguns deles extraordinários, como aconteceu com São Paulo 14.
Houve muitos que foram chamados pelo Senhor por meio do exemplo de um
mártir, mas a maioria chegou a conhecer a Boa Nova através de alguns
companheiros de trabalho, de prisão, de viagem, etc. E já na época apostólica
se tornou costume baptizar as crianças mesmo antes de chegarem ao uso da
razão. São Paulo, à semelhança dos outros Apóstolos, baptizou famílias
inteiras. Dois séculos mais tarde, Orígenes podia escrever: “A Igreja recebeu
dos Apóstolos o costume de administrar o baptismo mesmo às crianças”15.

As casas dos primeiros fiéis, externamente iguais às outras, converteram-


se em lares cristãos. Os pais transmitiam a fé aos seus filhos, e estes aos
deles, e assim a família se converteu num pilar fundamental da consolidação
da fé e dos costumes cristãos. Repletos de caridade, os lares cristãos eram
recantos de paz no meio das incompreensões externas, das calúnias, da
perseguição. No lar, aprendia-se a oferecer o dia a Deus, a dar-lhe graças, a
abençoar os alimentos, a orar na escassez e na abundância.

Os ensinamentos dos pais brotavam com naturalidade ao ritmo da vida, e


assim a família cumpria a sua função educadora. São João Crisóstomo dá
estes conselhos a um casal cristão: “Mostra à tua mulher que aprecias muito
viver com ela e que por ela preferes ficar em casa a andar pela rua. Prefere-a
a todos os teus amigos e mesmo aos filhos que ela te deu; ama esses filhos
por amor dela [...]. Fazei juntos as vossas orações [...]. Aprendei o temor de
Deus; todas as outras coisas fluirão daí como de uma fonte e a vossa casa se
encherá de inumeráveis bens”16. Houve também casos em que o foco de
expansão do cristianismo na família era uma filha ou um filho: atraíam os
outros irmãos à fé, depois os pais, e estes os tios..., acabando por aproximar
os próprios avós.

Os costumes cristãos que se podem viver numa família são muitos: a


recitação do terço, os quadros ou imagens de Nossa Senhora, a bênção dos
alimentos... e muitos outros. Se soubermos praticá-los, contribuirão para que
se respire sempre no lar um clima amável, de família cristã, onde os filhos,
desde pequenos, aprenderão com naturalidade a tratar com Deus e com a
sua Mãe Santíssima.

(1) São Josemaría Escrivá, Lealdade à Igreja, Palabra, Madrid, 1985; (2) cfr. Act 11, 19-20;
(3) 1 Cor 1, 26; (4) São Tomás, Comentário à 1ª Carta aos Corintios; (5) Tertuliano,
Apologético, 42; (6) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 182; (7) São Justino, Diálogo com
Trifon, 117, 5; (8) Epístola a Diogneto, 6, 1; (9) cfr. ib., 5, 1-11; (10) ib., 5, 10; (11) São
Justino, Apologia 1, 17; (12) cfr. Tertuliano, Apologético, 39, 1 e segs.; (13) São Josemaría
Escrivá, Sulco, n. 320; (14) cfr. Act 9, 1-19; (15) Origenes, Com. à carta aos Romanos, 5, 9;
(16) São João Crisóstomo, Hom. 20 sobre a carta aos Efésios.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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