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Reportagem

para Revista -
Grupo de Teatro
Para Atores
Especiais
(8 páginas)
A arte
superand

2 Reportagem especial
do a Vida

Portadores de deficiência mental


encontram no teatro uma forma de
demonstrar o potencial e acabar
com o preconceito
Reportagem ___________
Fotos _____________
Diagramação ________________
D
entro de um carro, entre aquelas conversas para “puxar assunto”
sobre o clima, o excesso de trabalho no meio do ano letivo e as tentativas
freqüentes do entrevistador em obter informações que enriqueceriam a reportagem
que começaria em alguns minutos, um diálogo já demonstrava que algo estava errado. “Mas
como devo chamá-los, professora? Deficientes, excepcionais ou apenas diferentes?”, se
preocupa o entrevistador. “Chame-os como quiser. Isso é o de menos para eles”, explica a
professora, achando até graça da ingenuidade.
Este pequeno trecho de uma conversa informal ilustrava exatamente o meu pensamento
antes da reportagem sobre um grupo de teatro formado por portadores de deficiência men-
tal. Envolto em um castelo de preconceito (não aquele preconceito de discriminação, mas
sim aquele de julgar sem conhecer) e preso em uma ilha de formalidade, era levado pela
professora coordenadora do grupo para fazer as entrevistas.
Sem os flashes de apresentações teatrais famosas e sem as simbólicas cortinas vermel-
has, assistia a uma cena de ensaio em que um garoto se declarava a uma garota. O fim da
cena era meio óbvio: um beijo, que se repetia quantas vezes eles errassem a cena. Pare-
cendo até propositais, os erros persistiam. E os beijos também.
A impressão foi confirmada. A atriz da cena, Bárbara Palme, portadora de deficiência
mental, participa do Grupo de Teatro Para Atores Especiais (GTPAE) e explica o motivo
de todas as repetições dos beijos: “A gente tem que tirar uma casquinha, né. Temos que
aproveitar”.
E os namoros não ficam somente na encenação. Bárbara conta que, na vida real, o teatro
ajudou em seus relacionamentos. “Eu me vestia mal e não gostava de conversar com as
pessoas. Andava igual a um moleque. Hoje, me cuido, uso maquiagem, brincos e me visto
assim como você está vendo”, explica a garota, trajada como uma perfeita dama.
Juliane Leme também ensaiava para fazer bonito no dia da apresentação. A atriz revelou
que faz parte do GTPAE há nove anos. Minutos antes, naquelas tentativas de aproximar

Os atores encenam
personagens densos, capazes
de emocionar o público
A peça mostra que os atores
não são diferentes de pessoas
normais, rolando aquela
paquera em festas...

...aquela briga
entre o casal...
...aquela
vaidade da
juventude...

...aquele ...e até uma


papo entre sensual dança
amigos... do ventre.

Reportagem especial 5
Gregório Vincenti nunca
imaginou ser um ator. Hoje,
tem pretensões “globais”

6 Reportagem especial
entrevistador e entrevistado, havia explicado que era aluno de
jornalismo e que se cometesse alguma gafe era para ela me des-
culpar. “Isso é normal, mas você está começando. Garanto que
você vai ser um ótimo repórter”, acalmou-me Juliane, demonst-
rando que não era preciso criar uma proximidade, uma vez que
ela não estava nada distante.
“Ser atriz sempre foi meu sonho de consumo. Treinei bastante
e, hoje, me considero uma grande atriz”, diz, com indisfarçável
orgulho. Apesar de ter conseguido realizar seu sonho, Juliane
complementa que a sua maior realização é poder educar as pes-
soas. “Sei que existe o preconceito. Nossas peças ensinam cri-
anças de quarta e quinta séries a não ter preconceito. Somos
educadores, porque achamos que deve ter mais informações e
menos preconceito”, explica a atriz, sem saber que aos poucos
educava não só os alunos, mas também quem a entrevistava.
E é exatamente esse o caminho que o GTPAE vem trilhando.
O projeto da Universidade Estadual de Londrina (UEL) existe há
11 anos e já foram escritas quatro peças, com mais de setenta
apresentações em escolas, empresas e eventos culturais. Se-
gundo a professora de Psicologia e coordenadora do projeto, So-
lange Leme Ferreira, o objetivo é “inverter a percepção social que
se tem da pessoa com deficiência mental”.
E neste ponto é que entra o teatro. “Quando o espectador
percebe a potencialidade dos atores, ele vai substituindo a con-
cepção de limitado e de ineficiente que se tem da pessoa com de-
ficiência mental”, afirma a coordenadora, com a certeza de quem
já presenciou esta transformação por parte do público inúmeras
vezes.
Mas, não só do público. A transformação ocorre também nos
próprios atores. Solange Leme acredita que a auto-estima é o
princípio de tudo. “Quando eles se amam, libertam seu potencial
e quando chegam ao palco acontecem coisas surpreendentes, ao
ponto de pais falarem ‘não é meu filho que estava nesse palco’”.
É o caso de Gregório Vicentini, portador de síndrome de
down, que não imaginava se tornar ator um dia. “Apesar de sem-
pre querer atuar, não achava que conseguiria. Mas, fui atrás
da Solange e vi que posso. Além disso, sinto que mudou
meu comportamento e minha auto-estima. A gente
aprende a agir com limites certas horas e a respeit-
ar e ser respeitado.” Ao falar do futuro, Gregório
abre um sorriso e sonha alto: “Ah, já estou lá na
Globo”.
Mais do que conseguir este status “global”,
a coordenadora Solange Leme explica que as
realizações do projeto servem para um objetivo
maior. “Precisamos que as pessoas tenham con-
tato com nossos atores para mudar a concep-
ção delas. Por isso os levamos a restaurantes e
boates e em horários iguais ao que todo mundo
vai”. Ela complementa que este processo tem re-
sultados positivos. “No começo, algumas pessoas
ficam meio distantes, fazem alguns comentários.
Mas, no fim da noite, a maioria já está dançando
junto com eles e os músicos geralmente convidam
nossos atores para subir no palco. É muito bom”, con-
ta, bastante orgulhosa.
E esta atitude que parece uma exceção, deveria ser
a regra. Segundo dados do censo de 2000 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no
Brasil cerca de dois milhões e novecentos mil portadores
de deficiência mental. Um número grande e que demonstra
que estranho é achar que existe diferença. Solange Leme
reafirma essa noção ao explicar que “por maior o grau da
deficiência, eles têm uma capacidade enorme, que deve ser
A cena do beijo foi ensaiada
inúmeras vezes. Para quem
pensa que os atores se
cansaram, Bárbara Palme
conta que “até tirou uma
casquinha”

Em sua primeira
peça, Claudiane
de Almeida tinha
vergonha de falar
colocada no palco e vir na frente do preconceito”. e queria aparecer
Claudiane de Almeida é um grande exemplo dessa superação. A garota, totalmente coberta.
com paralisia cerebral e deficiência mental, tem o lado esquerdo todo parali- Hoje, é uma das
sado e não consegue falar. “Ela escolheu fazer o papel de Virgem Maria em atrizes mais
uma peça. Sabe por quê? Porque ela representaria uma santa, sem precisar aplaudidas no palco
falar nada, e teria um manto cobrindo seu braço paralisado, que ela morria de
vergonha”, explica a coordenadora. Ela completa que “hoje, Claudiane é uma
atriz diversificada. Já fez papel de fofoqueira, romântica, cômica, de tudo. Nem
parece aquela menina tímida de 10 anos atrás”.
“No começo, você não vai entender o que ela fala, mas ao final da conversa
você saberá o que ela quer dizer apenas pelas expressões de seu rosto”, pro-
fetiza Solange Leme a respeito da entrevista com Claudiane. A palavra “profeti-
za” é a que se encaixa, pois foi perfeitamente o que aconteceu. O começo foi
intermediado pela professora, mas, ao fim, por meio de gestos e expressões, a
atriz explicou sozinha que depois que entrou no teatro sua vida mudou, acabou
a vergonha de se mostrar aos outros e ela até passou a paquerar e namorar.
De sua boca não saíram palavras, mas suas expressões mostraram como su-
perar algo aparentemente insuperável. Vergonha? Somente a minha, de achar
que a entrevista não iria render.
Histórias como a de Bárbara, Juliane, Gregório e Claudiane são apenas
algumas de muitas que renderiam um livro, mas que não cabem todas nesta
pequena reportagem. São relatos de pessoas que abriram as cortinas do pre-
conceito e passaram a apresentar no palco um modo de utilizar a arte para
superar as dificuldades reais da vida. E para aquela minha pergunta inicial, já
obtive a resposta. Eles não se importariam se eu os chamasse de deficientes,
excepcionais ou diferentes, mas fica melhor chamá-los simplesmente de óti-
mos atores.

9 Reportagem especial
As aulas aos atores são
totalmente gratuitas. Para
quem quiser saber mais
sobre o GTPAE, falar com a
coordenadora Solange Leme
Ferreira no Departamento de
Psicologia Social e Institucional
da UEL, pelo telefone (0xx43)
3371-4487

Segundo a coordenadora do GTPAE, Solange


Leme Ferreira, “quando o espectador percebe a
potencialidade dos atores, ele vai substituindo a
concepção de limitado que se tem do deficiente mental”

Reportagem especial 10

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