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1. Introdução.
Você já fez algum acordo com alguém? Esses dias eu ouvi um amigo dizendo assim:
"Meu filho veio com uma idéia de ir para Galápagos. Por isso, falei a ele que eu o
mandaria para lá só se ele passasse pelo menos na primeira fase da Fuvest. Bem, meu
filho ficou muito empolgado com isso. Ele trouxe a minha agenda e me disse: "anota
aqui tudo o que você me falou e assina".". Desde cedo somos ensinados a respeito da
importância de contratos escritos que provam e dão certeza para os bilhões de acordos
que são feitos pelo mundo. Precisamos de provas, de sinais que dão garantia aos
acordos feitos. Não deixaria de ser diferente na Bíblia, e particularmente, na vida de
Abrão.
Farta descendência, terras, nações, abundância. Tudo isso faz parte do pacote fechado
por Deus com Abrão. Vimos que essa Aliança só possui uma assinatura, a de Deus, que
a ratificou naquela cerimônia do capítulo 15. Porém, para que essa aliança tornasse
visível a Abrão e todos os seus descendentes, Deus instituiu uma marca, um sinal, que
teria de ser carregado em todos os homens pertencentes ao povo dessa aliança: a
circuncisão.
Essa pequena operação cirúrgica, que consistia em cortar o prepúcio, pelo que envolve o
pênis, era muito importante na antiguidade. Muitos povos, entre eles os egípcios,
praticavam a circuncisão: alguns por motivos religiosos, alguns para dar mais fertilidade,
outros por motivos culturais, em fim. A circuncisão não foi uma invenção de Deus.
Porém Deus usou essa prática a fim de que se tornasse o maior símbolo visível desse
pacto feito com Abrão. Até hoje ele é praticado entre os judeus, e para nós que somos
cristãos, embora não seja imposto a obrigação de fazê-la, é fundamental entendermos,
uma vez que Cristo fez uma circuncisão espiritual dentro de cada um que crê.
A parte de Abrão no acordo era simplesmente obedecer àquilo que Deus queria dele.
Vemos que a Aliança anda de mãos dadas com a obediência e a fé. A circuncisão é a
marca, o "sinal da Aliança" com Abrão e o sinal da fé que ele depositava em seu Deus.
A circuncisão é a prova estampada na carne de todos os filhos da promessa que Aquele
Deus que apareceu a Abrão é real e que zela em cumprir com a promessa feita. A
circuncisão era algo que lembrava o povo, os descendentes de Abrão, de seu status
diante de Deus, como seu povo escolhido, que deveria manter-se separado dos outros
povos, os pagãos, em pureza e santidade.
1
Pregado no MEP dia 16 de maio de 2010.
A marca que Deus queria que todos os descendentes de Abrão carregassem em seus
corpos, como símbolo da aliança de Deus para com o seu povo era a circuncisão. "De
sua parte (...) guarde a minha aliança, tanto você como os seus futuros descendentes."
(vr. 9). A maneira que Deus via que a Aliança era guardada era o cumprimento da
circuncisão: "Esta é a minha aliança com você e com os seus descendentes, aliança que
terá que ser guardada: Todos os do sexo masculino entre vocês serão circuncidados na
carne." (vr. 10). Essa marca na carne deveria ser feita não somente em Abrão, mas em
todos os seus descendentes e todos que faziam parte da sua família. Naquela época o
conceito de família era bem mais amplo, englobando não somente parentes mas também
servos.
Por que um sinal é tão importante? A resposta deve ser bem simples: somos seres
visuais e sensoriais. Vemos, sentimos, e é isso que faz sentido para as nossas vidas.
Podemos até saber que coisas que não vemos podem existir, mas o sol que nasce, a água
que bebemos, a roupa que vestimos, são essas coisas que nos trazem um senso de
realidade. A circuncisão é justamente esse ponto de encontro entre um Deus invisível
que firma um pacto com as pessoas: "Terão que fazer essa marca, que será o sinal da
aliança entre mim e vocês." (vr. 11).
Repare que as alianças que Deus faz com os homens sempre vem acompanhadas de
sinais: com Noé o sinal foi o arco-íres. Com Davi, o sinal era a perpetuidade de sua
2
dinastia. A nova aliança com Jesus tem o seu símbolo máximo na cruz. Símbolos são
muito importantes. Às vezes somos meio avessos aos símbolos por os associarmos a
práticas idolatras ou místicas. Porém, nossa fé tem uma faceta que é recheada de
símbolos que não podem ser o fim em si mesmos, mas apenas apontam para um Deus
que, embora não enxerguemos, se relaciona conosco.
Quando cada menino israelita visse para si mesmo, ele veria que o sinal que ele próprio
carrega aponta para uma realidade muito maior que ele: ele era parte do povo de Deus,
ele era parte das promessas e da aliança divina.
O interessante é que a prática da circuncisão é muito antiga. Era praticada por vários
povos na época de Abrão mesmo. Os filisteus não a praticavam, mas os egípcios sim.
Uma cerimônia que para os pagãos ressaltava a virilidade masculina, foi transformada
por Deus para simbolizar a fragilidade humana e a grandeza de Deus que zela pelo seu
próprio povo2.
2. Características da Circuncisão.
Em primeiro lugar, toda a criança nascida, ao oitavo dia, deveria ser circuncidada: "Da
sua geração em diante, todo menino de oito dias de idade entre vocês terá que ser
circuncidado" (vr. 12a). Como tudo na antiguidade, somente os homens faziam parte
dessas cerimônias. Isso não queria dizer que as mulheres estavam fora da aliança, mas
que a autoridade masculina representava a figura feminina também. O sinal deveria ser
feito a partir dos recém-nascidos. Desde muito cedo, a alguns dias de vida, a criancinha
deveria ser marcada como parte da aliança com Deus. Isso mostra claramente que Deus
não faz distinção de idade para firmar sua aliança.
Em segundo lugar, a circuncisão também era concedida àqueles que não eram parte
natural da família de Abrão. Até os estrangeiros e escravos comprados teriam de ser
circuncidados: "tanto os nascidos em sua casa quanto os que forem comprados de
estrangeiros e que não forem descendentes de vocês." (vr. 12b). Isso nos aponta para
uma realidade muito maior: Deus queria que todos participassem de sua aliança, não
somente os israelitas descendentes de Abrão, mas sim, a todos aqueles que vendo a
glória de Deus, quisessem fazer parte de sua grande família.
2
Cf. KIDNER, Derek. Genesis, introdução e comentário. Vida Nova, São Paulo, 2006, pag. 121.
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Em quarto e último lugar, a circuncisão era condição indispensável para que alguém se
tornasse "povo de Deus": "Qualquer do sexo masculino que for incircunciso, que não
tiver sido circuncidado, será eliminado do meio do seu povo; quebrou a minha aliança"
(vr. 14). Ou seja, se uma pessoa não fosse circuncidada, ou seja, que "quebrasse" a
aliança ao invés de "obedecê-la", teria de ser eliminada no meio do povo de Deus.
Quem não carregasse em seu corpo o sinal e a aliança de Deus não faria parte do Reino.
Diversas vezes o Antigo Testamento sinalizou essa realidade de excomunhão, e.g., Lv
18:29; 19:8; 20:3,5,6,17~183.
3. A obediência da Aliança
"Naquele mesmo dia Abraão tomou seu filho Ismael, todos os nascidos em sua casa e os
que foram comprados, todos os do sexo masculino de sua casa, e os circuncidou, como
Deus lhe ordenara. Abraão tinha noventa e nove anos quando foi circuncidado, e seu
filho Ismael tinha treze; Abraão e seu filho Ismael foram circuncidados naquele mesmo
dia. E com Abraão foram circuncidados todos os de sua casa, tanto os nascidos em
casa como os comprados de estrangeiros." (vss. 23~27).
O sinal por si não tinha validade. Porém, a obediência de Abrão deu o valor correto a
essa simbologia. Se da parte de Abrão, a tarefa era obedecer, é essa obediência que
sacramentou a circuncisão que todos eles praticaram.
Nessa altura, para nós cristãos do século XXI, a circuncisão pode parecer algo distante,
retrogrado, sem sentido. A circuncisão, como todos sabemos, não tem validade prática
aos cristãos, isso não por causa da prática em si de cortar o prepúcio do pênis. A
circuncisão passou a ser em outro âmbito, com o mesmo significado, mas de uma
maneira totalmente diferente: se antes a marca era feita no corpo, agora, em Jesus, essa
marca é feita no coração.
"Vêm chegando os dias”, declara o SENHOR, “em que castigarei todos os que são
circuncidados apenas no corpo, como também o Egito, Judá, Edom, Amom, Moabe e
todos os que rapam a cabeçaa e vivem no deserto; porque todas essas nações são
incircuncisas, e a comunidade de Israel tem o coração obstinado." (Jr 9:25,26).
A circuncisão foi ordenada e cumprida por Abrão e por todos os seus descendentes. Mas
um processo muito interessante aconteceu. Um ato que deveria fazer lembrar o povo das
promessas e do caráter de Deus acabou se transformando em mero ritual. Algo que era
recheado de sentido e significado, virou algo em si mesmo. A circuncisão que era um
"sinal visível" da graça de Deus no Antigo Testamento, virou algo ex opere oparato, ou
seja, algo com finalidade em si mesma4.
3
Cf. Wenham, Genesis, WBC, pag. 25.
4
Um exemplo paralelo a isso é de como o batismo é encarado na Igreja Católica. Nesse caso, o batismo tem efeito
em si mesmo, quando ministrado, como de lavar o pecado original. Por isso é ministrado já depois do nascimento.
4
Esse é o maior perigo de todos. No começo a nossa espiritualidade e o nosso
relacionamento com Deus é sincero e verdadeiro, mas com o passar do tempo, tudo
aquilo que fazíamos a Deus pode virar a ser algo ritualístico, mecânico. Um culto, por
exemplo, que antes participávamos com o coração cheio de alegria e devoção, pode se
transformar em um ritual que assistimos para tirar a dor de consciência uma vez por ano.
Da mesma maneira, a Aliança que Deus fez com cada um de nós, com o decorrer do
tempo, pode passar a ser mero papo religioso. Foi exatamente isso que aconteceu com o
povo de Deus.
Afinal, não era a operação cirúrgica que tinha efeito em si mesmo. Se fosse assim, os
egípcios, amonitas, moabitas, povos pagãos também fariam parte da Aliança de Deus.
Mas o que o Senhor queria mesmo é que a circuncisão da carne sinalizasse para a
necessidade de uma circuncisão ainda maior: a coração. A essa altura, o povo de Israel
estava com os seus pênis circuncidados, mas o seu coração incircuncidado. Um
relacionamento vivo com Deus virou religião e ritual morto e sem sentido.
Com a vinda de Jesus, a prática da circuncisão perdeu o seu efeito. A lei de Moisés foi
cumprida na pessoa de Cristo. Por isso, quando nos entregamos a Ele, a verdadeira
circunsião ocorre: Paulo nos diz que os cristãos "foram circuncidados com a
circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a circuncisão
de Cristo” (Cl 2:11). Ou seja, agora, a maior prova de que temos o coração
circuncidado é que somos, em Cristo, novas criaturas: "Em Cristo Jesus nem a
circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum, mas sim ser uma nova criatura” (Gl
6:15).
Embora a operação na carne tenha sido abolida, seu sentido e essência permanecem
inalterados para nós hoje. Com a verdadeira circuncisão que temos no coração, podemos
ser povo de Deus, enxertados na videira. A ordem dada para que todos os homens
fossem circuncidados é a mesmo ordem dada por Jesus ao seu povo, constituídos de
homens e mulheres, que devem ter o seu coração purificado o marcado pelo selo do
Espírito Santo. Essa é a garantia, e esse é o sinal que temos da parte de Cristo na Nova
Aliança que substitui a antiga, porque "Estabelecido o novo concerto em Cristo, o
antigo concerto se tornou obsoleto" (Hb 8:13).
Meus amados irmãos, a história da circuncisão nos traz uma valiosa lição. Deus olha a
partir do nosso coração. Qual é a importância daquilo que carregamos no nosso
exterior? Titulo? Cargo? Dinheiro? Tudo isso se torna obsoleto diante daquilo que
Porém, nenhum ritual pode ter efeito em si mesmo em detrimento daquilo que ele representa e de quem representa.
Esse foi o erro dos antigos judeus que punham na circuncisão, e não na fé, a sua condição de povo escolhido. Não
podemos negar a importância de alguns rituais. Mas todo ritual que tem eficácia em si mesmo se transforma em
idolatria do próprio ritual.
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realmente somos dentro do coração. É lá que o Senhor deseja habitar e marcar com um
sinal eterno de que somos Sua possessão, seu povo, seus filhos. Que Cristo circuncide o
coração de todos nós. Você também precisa ser circuncidado!