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TEMPO COMUM. OITAVA SEMANA.

TERÇA-FEIRA

65. GENEROSIDADE E DESPRENDIMENTO


– Necessidade de um desprendimento efectivo dos bens materiais para seguir a Cristo.

– Jesus é infinitamente generoso na sua recompensa para com aqueles que o seguem.

– Sempre vale a pena seguir a Cristo. O cento por um aqui na terra e a vida eterna junto de
Deus no Céu.

I. DEPOIS DO ENCONTRO com o jovem rico que considerávamos ontem,


Jesus e os seus discípulos empreenderam novamente o caminho para
Jerusalém. Havia ficado gravada em todos a triste despedida daquele
adolescente que estava muito apegado às suas posses, bem como as
palavras fortes de Jesus Cristo dirigidas aos que não são capazes de segui-lo
– não o querem – por causa de um amor desordenado aos bens da terra.
Agora, já a caminho, provavelmente para quebrar o silêncio provocado pela
cena anterior, Pedro diz a Jesus: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos1.
São Mateus refere claramente o sentido das palavras do Apóstolo: Que
recompensa teremos?2 Que vamos lucrar?

Santo Agostinho, comentando esta passagem do Evangelho da Missa de


hoje, interpela-nos com estas palavras: “Eu te pergunto, alma cristã. Se te
fosse dito o mesmo que àquele rico: Vai e vende tu também todas as coisas e
terás um tesouro no céu, e depois vem e segue a Cristo, ir-te-ias embora
triste como ele?”3

Nós, tal como os Apóstolos, deixamos o que o Senhor nos foi pedindo,
cada um segundo a sua vocação, e temos o firme desejo de desfazer
qualquer laço que nos impeça de correr para Cristo e segui-lo. Podemos
renovar hoje o propósito de ter o Senhor como centro da nossa vida,
mediante um desprendimento efectivo daquilo que temos e usamos, para que
possamos dizer com São Paulo: Tenho tudo por lixo, contanto que ganhe o
amor de Cristo4. Certamente, “quem reconheceu as riquezas de Cristo Nosso
Senhor desprezará todas as coisas por causa delas. Dinheiro, riqueza, poder,
tornam-se lixo aos seus olhos. Nada pode haver que se lhes compare”5.
Nenhuma coisa tem valor quando comparada com Cristo.

Eis que nós deixamos tudo... “Que deixaste, Pedro? Uma pobre barca e
uma rede. Ele, no entanto, poderia responder-me: Deixei o mundo inteiro, já
que não reservei nada para mim”6, tal como nós desejamos fazer. Temos
considerado repetidas vezes – porque é um ponto essencial para seguir a
Cristo – que o Senhor exige a virtude da pobreza a todos os seus discípulos,
de qualquer tempo e em qualquer situação em que se encontrem na vida. Ora
bem, isto significa que temos de chegar a uma austeridade real e efectiva na
posse e no uso dos bens materiais, plenamente conscientes de que não
podemos alcançá-la sem “muita generosidade, inumeráveis sacrifícios e um
esforço incansável”7, como diz Paulo VI.

Devemos, pois, verificar agora se caminhamos passo a passo por essa


senda árdua, de modo a podermos dizer não só que amamos a pobreza, mas
que estamos aprendendo a vivê-la no dia a dia, em todas as suas dimensões.
Mais uma vez hão de aflorar à nossa consciência tantos pormenores que
caracterizam uma vida sinceramente desprendida dos bens materiais: se
cortamos com os caprichos; se não invocamos pretextos de posição social ou
profissional para ser perdulários ou de qualquer modo fazer ostentação de
riqueza; se instalamos o nosso lar com bom gosto, sim, com coisas duráveis,
sim, mas sobriamente; se sabemos educar os filhos na austeridade, sem que
lhes falte o necessário, mas sem habituá-los a todas as comodidades, a todos
os aparelhos sofisticados, a todas as formas de lazer que os amolecem e lhes
comprometem a personalidade e a formação cristã, pois nesse caso teremos
banido das suas vidas a palavra sacrifício... E assim por diante. Não o
esqueçamos: “Muitos se sentem infelizes, precisamente por terem demasiado
de tudo”8.

II. EIS QUE NÓS DEIXAMOS TUDO... Ao correspondermos com uma


generosidade renovada às exigências da vocação cristã, quantas vezes não
teremos experimentado que o desprendimento efectivo dos bens materiais
traz consigo a libertação de um peso considerável! Somos como o soldado
que se desfaz da sua mochila ao entrar em combate para ter os movimentos
mais livres.

Assim saboreamos um perfeito domínio sobre as coisas; já não somos


escravos delas e sentimos a verdade das palavras de São Paulo: Estamos no
mundo como quem nada tem, mas possuímos tudo9. O coração do cristão,
livre do egoísmo, abre-se à caridade e com ela possui tudo: Tudo é vosso,
mas vós sois de Cristo e Cristo de Deus10.

Pedro recorda a Jesus que, de maneira bem diferente da daquele jovem,


eles deixaram tudo por Ele. Não olha para trás, mas parece ter necessidade,
em nome de todos, de umas palavras do Mestre que lhes reafirmem que
ganharam com a troca, que vale a pena estarem junto d’Ele, ainda que não
tenham nada. O Apóstolo mostra-se muito humano, mas a sua pergunta
manifesta ao mesmo tempo a confiança que o une ao Senhor.

Jesus enternece-se diante daqueles homens que, apesar dos seus


defeitos, o seguem fielmente: Em verdade vos digo: não há ninguém que,
tendo deixado casa, irmãos ou irmãs, mãe ou pai, filhos ou campos por amor
de mim e do Evangelho, não receba já nesta vida cem vezes mais em casas,
irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, no meio de perseguições; e, no século
futuro, a vida eterna...

“Vê lá se encontras na terra quem pague com tanta generosidade!”11 Jesus


não fica atrás. Nem um copo de água fresca dado em atenção a Cristo ficará
sem recompensa12.

Sejamos sinceros e perguntemo-nos: posso afirmar diante de Deus que


deixei tudo?

Se for assim, Jesus não deixará de nos confirmar no caminho a que nos
chamou. Quem leva em conta até a mais pequena das acções, como há de
esquecer a fidelidade de um dia após outro por puro amor? Quem multiplicou
pães e peixes para uma multidão que o seguia por uns dias, que não fará por
aqueles que deixaram tudo para segui-lo sempre? “Se prepara uma festa para
o filho que o traiu, só por tê-lo recuperado, o que não nos outorgará a nós, se
sempre procuramos ficar a seu lado?”13

As palavras de Cristo deram segurança àqueles que o acompanhavam


naquele dia a caminho de Jerusalém, bem como a todos os que, ao longo dos
séculos, tendo deixado tudo para segui-lo, buscam no seu ensinamento a
firmeza da fé e da entrega. A promessa de Cristo ultrapassa de longe toda a
felicidade que o mundo pode dar. Ele nos quer felizes também aqui na terra:
os que o seguem com generosidade obtêm já nesta vida uma alegria e uma
paz que superam amplamente as alegrias e os consolos humanos. E a essa
alegria e paz soma-se a bem-aventurança eterna. “São duas horas de vida, e
o prémio é grandíssimo; e ainda que não houvesse nenhum, a não ser
cumprir o que o Senhor nos aconselhou, é grande paga podermos imitar Sua
Majestade em alguma coisa”14.

III. “VÓS ASSEGURAIS, Senhor, aos homens e aos animais a saúde, em


proporção com a imensa extensão da vossa misericordiosa bondade, diz o
salmista (Sl 35, 7). Se Deus concede a todos, bons e maus, homens e
animais, um dom tão precioso, meus irmãos, o que não reservará àqueles
que lhe são fiéis?”15

Vale a pena que nos empenhemos em seguir o Senhor, em ser-lhe fiéis a


todo o momento, em ser generosos sem medida. Ele nos diz através de São
João Crisóstomo: “O ouro que pensas emprestar, dá-me a mim e eu te
pagarei com mais juros e com mais garantias. O corpo que pensas alistar no
exército de outro, alista-o no meu, porque eu supero a todos no pagamento e
na retribuição [...]. O seu amor é grande. Se desejas emprestar-lhe, Ele está
disposto a receber. Se queres semear, Ele te vende a semente; se queres
construir, Ele te diz: edifica nos meus terrenos. Por que corres atrás das
coisas dos homens, que são pobres mendigos e nada podem? Corre atrás de
Deus, que, em troca de coisas pequenas, te dá outras grandes”16.

Não devemos esquecer que, às recompensas, o Senhor acrescenta as


perseguições, porque estas também são um prémio para os discípulos de
Cristo; a glória do cristão é assemelhar-se ao seu Mestre, tomando parte na
sua Cruz para participar com Ele da sua glória17. Se essas perseguições nos
atingem nalguma das suas diversas formas (injustiças, calúnias, manobras
baixas na vida profissional, zombarias...), devemos entender que podemos
convertê-las num bem, numa parte do prémio, pois o Senhor permite que
participemos da sua Cruz e nos unamos mais a Ele.

Quem é fiel a Cristo tem a promessa do Céu para sempre. Ouvirá a voz do
Senhor, a quem procurou servir aqui na terra, que lhe diz: Vem, bem-amado
de meu Pai, ao Céu que te preparei desde a criação do mundo18. Ouvir estas
palavras de boas-vindas no limiar da eternidade já compensa tudo aquilo que
tivermos deixado de lado para seguir melhor a Cristo, ou o pouco que
tivermos padecido por Ele. Entra-se na eternidade levado por Jesus.

E mesmo que alguma vez, embora sigamos a Cristo por amor, tudo nos
pareça custar um pouco mais, far-nos-á muito bem repetir alguma jaculatória
que nos ajude a pensar no prémio: Vale a pena! Vale a pena! Vale a pena! A
esperança fortalece-se e o caminhar torna-se seguro.

Não sentiremos falta de nada se tivermos Jesus Cristo. Conta-se da vida


de São Tomás de Aquino que um dia o Senhor lhe disse: “Escreveste bem
sobre mim, Tomás. Que recompensa desejas?” O Santo respondeu: “Nada
senão Vós mesmo, Senhor”. Nós também não queremos outra coisa.

Pedimos agora a Santa Maria que nos obtenha disposições firmes de


desprendimento e generosidade, para que, tal como Ela, propaguemos à
nossa volta um clima alegre de amor à pobreza cristã.

(1) Mc 10, 28-31; (2) Mt 19, 27; (3) Santo Agostinho, Sermão 301 A, 5; (4) Fil 3, 8; (5)
Catecismo Romano, IV, 11, n. 15; (6) Santo Agostinho, op. cit., 4; (7) Paulo VI, Enc.
Populorum progressio, 26-III-67; (8) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 82; (9) 2 Cor 6, 10; (10)
1 Cor 3, 22-23; (11) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 670; (12) cfr. Mt 10, 42; (13)
Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 309; (14) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 2, 7;
(15) Santo Agostinho, Sermão 225; (16) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus,
76, 4; (17) Rom 8, 17; (18) cfr. Mt 25, 34.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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