Professional Documents
Culture Documents
1. INTRODUÇÃO
Nessa ótica, tratar do texto literário consiste não somente em reconhecer que ele possui
uma forte inter relação com a história, mas que, algumas vezes, pode descrever/relatar determinada
realidade de modo mais consistente do que a própria narrativa histórica.
Partindo desses pressupostos, este trabalho tem como principal objetivo apresentar e
discutir a obra Terra de Caruaru, de José Condé; identificando a como um importante registro
prototípico da cultura e imaginário do povo nordestino, desde o fim do século XVIII até (e
principalmente) a década de 1920, na cidade de Caruaru, agreste pernambucano.
A obra não se limita a um protagonista em especial e seus desdobramentos, como
relatou o próprio autor: Este romance que não retrata qualquer pessoa viva ou morta, antes
pretende ser o retrato de um tempo que não existe mais [...] (CONDÉ, 1987, p. 14). De fato, o
narrador busca descrever toda a complexidade de uma cidade. E a cidade, como afirma Gomes
69
Em obras como Iracema, O sertanejo e o Guarani, Alencar introduz também um indígena de tendência
subserviente ao europeu e de postura receptiva quanto ao processo de aculturação entendida
contemporaneamente como o encontro de duas culturas, originando o hibridismo cultural.
da Conceição. Durante a primeira missa, houve [...] luminárias, colchas estampadas enfeitando
janelas, foguetes, música de pífanos e bombo, enormes panelões de barro dourados pela gordura
das buxadas de carneiro. (Op. Cit., p. 19).
Em 1790, João Texeira de Carvalho era um senhor de muitas terras na região da
Preguiça, casado com uma índia cariri, Maria de Jesus, mais jovem que ele mais de vinte anos. A
esposa Só abria a boca quando o marido fazia alguma pergunta. (Op. Cit. p. 22). É como se ela fosse
uma das servas ou escravas, temia o marido e seu único objetivo era o de servi lo. O marido pedia:
Me faz cafuné, quero tirar um cochilo. (Op. Cit. P. 23), demonstrando uma postura submissa que
denuncia a cultura patriarcalista. O fazendeiro, por sua vez, quando ia à feira, que era localizada em
frente à igreja, sempre cumpria sua devoção: [...] rezar um terço aos pés da imagem de Nossa
Senhora da Conceição. (Op. Cit., p. 24).
Apesar de religioso, paradoxalmente, o fazendeiro era um homem violento, pois Nessa
região, a morte não era o fim; era o meio de selecionar aqueles que mereciam viver. (Op. Cit., p.
27). E quem decidia quem merecia viver era o próprio João Texeira, que diz Aqui a justiça sou eu.
(Op. Cit., p. 29). Como o fazendeiro estava acima de qualquer lei ou intervenção de alguma
autoridade, ele resolve enforcar, na sua fazenda, um dos capangas do coronel Leite, da Jurema,
pertencente a uma família rival, que, em tempos anteriores, havia perdido terras na região da
Preguiça, tendo que se evadir para o sertão, por culpa da família Texeira. O enforcado fora acusado
de ter assassinado o filho do vaqueiro Agripino, amigo de João Texeira. O evento retoma a guerra
entre as duas famílias e seus subordinados na casa grande do sítio Preguiça.
Esse primeiro momento da obra marca uma Caruaru rural, que tinha a criação de
animais e a agricultura como meios de sobrevivência. O coronelismo, bem como o patriarcalismo e a
escravidão, também representam culturas vigentes durante muito tempo no interior brasileiro.
Falamos em cultura [...] como modelo auto reflexivo de um grupo social, do qual a literatura ou,
em sentido mais amplo, a produção escrita participa tanto na qualidade de formação simbólica
quanto na condição de sistema social cultural específico. (OLINTO, 2003, p. 75). Esse cenário rural e
respectivas culturas começam, aos poucos, a dar lugar ao processo de urbanização, caracterizado por
atividades comerciais, construções de casas, prédios, ruas, praças, igrejas, escolas, dentre outros
aspectos que vão reconstruir as práticas e manifestações culturais daquele povo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5. REFERÊNCIAS
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 7. ed. São Paulo:
Nacional, 1985.
GOMES, Angela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
GOMES, Renato Cordeiro. Literatura e resíduos utópicos: heterogeneidade cultural e representações
da cidade. In: OLINTO, Heidrun Krieger; SCHOLLHAMMER, Karl Erik (Orgs.). Literatura e cultura. Rio
de Janeiro: PUC Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
NÓBREGA, Geralda Medeiros. Literaura e história: um diálogo possível. In: DIAS, Antonio de Pádua
(Org.) Literatura e estudos culturais. João Pessoa: UFPB, 2004.
OLINTO, Heidrun Krieger. Literatura/cultura/ficções reais. In: ______; SCHOLLHAMMER, Karl Erik
(Orgs.). Literatura e cultura. Rio de Janeiro: PUC Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
SELIGMANN SILVA, Márcio. O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução.
São Paulo: 34, 2005.