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Rev do Museu de Arqueologia ¢ Enologia, io Paulo, Suplemento 3: 15-20, 1999, A MATERIALIDADE E O SOCIAL* Pode-se argumentar que sobre nossa plina pesa uma maneira de pensar que é tipica da que podemos earacterizar como Sugiro que isso realmente im- pede nosso entendimento da cultura material do passado pré-modemo. Mas, ao mesmo tempo, estou consciente da ironia de que a Arqueologis é, cla propria, um produto da era moderna. Foi o de- senvolvimento paralelo do tempo de trabalho Ii ar ¢ mercadiicado ¢ do estado nacional que est rmulou um interesse nas origens de determinados povos ¢ nagées (p. ex. Trigger 1989), Contudo, nio pretendo argumentar que havia um ponto especifi- 0 a partic do qual o mundo ocidental “tormou-se moderao”. Antes, sugiro que 2 moderidade re- presenta um relacionamento particular entre as pes- soas e seu mundo que ganhou coeréneia apés um Tengo perfodo (Foucault 1984). ‘Como argumenta Bruno Latour, um dos ele- mentos caracteristicos no pensamento moder tem sido 2 separagto ou segmentacio dos elemen- tos ricos e complexos que complem o mundo em ‘catogorias distntas e Himitadas. E o entendimen- to 6 que as coisas que nos cercam dividem-se, naturalmente, em classes. que so descobertas pela Cigncia, mais do que criadas pelo discurso, A medida que a extensio de categorias discursi- ‘vas se multiplicou, novos campos analticos fo- ram gerados e a Arqueologis fot um destes. Com sua pritica de desvendar 0 passado escondido ‘exetirar camadas de detitos a fim de revelar mais antigas e profundas realidades, a Arqueologia fornece o parudigma perfeito para o pensamen- to modero. A Linglistica estrurural, em sua bus- (9) Traduzido por Aline Vieica de Carvalho, Patricia Daloanale Mencies, Silvana Santiago « Cau Uehda Sa- ‘ava e revisido por Pedro Paolo A. Funae. Vers final {de Maria Isabe} D'Agostino Fleming. (7%) Departamento de Arqueologia, Universidade de Southampton, Gri-Bretanha, Julian Thomas** ca de geradores profundos de linguagem, ou psi- ccoanalises freudianas, identificando a camada sedimentada da personalidade, ambas confiaram ‘na motéfora da Arqueologia em estabelecer uma separagio entre superficie e profundidade. Hd a impressio de que, como meio de ganhar um co- ahecimento do passado, a Arqueologia tem um modelo de profundidade e superficie, ou de uma verdade antiga que necessita ser recuperada de ‘uma ruina contemporanes, escrito desde sua constituigao. ‘Quero defender a idsia de que a revolugdo cien fica e o Huminismo nio descobriram tanto a oF dem da natureza quanto a construiram, © que, por ‘conseqiiéncia, © pensamento moderno esteve envolvido em um processo geval de slienaio. Essa fo é, simplesmente, 2 alienscio dos trabalha- ores de seus produtos, mas dos seres humanos do mundo das coisas materia. A esse respeito, © trabalho etnogrifico recente tem sido muito instrutivo em demonstrar os meios nos quais modos de pensar nfo ocidentais enfatizam 0 caré- ter relacional da existéncia(p. ex. Swathern 1988) Assim que pudermos dividir 9 mundo em cate- sgorias conexas de coisas, muitos dos relaciona- rmentos nos quais 52 encontram as pessoas esta io rompidos, ou ao menos obscurecidos. Dessa fouma, as pessoas poderio surgir como unida- des auto-suficientes e internamente motivadas “seu ambiente” poderd ser reduzido a uma sé- sie de caixas em um diagrama de blocos. Apresen- tadas como entidades separadas, coisas ov uni dades podem ser valorizadas uma em relago a coutra Gordanova 1989). Uma entidade pode ser suposta mais sélida que a outra, ou estar subja- ‘eente a outra, ou, ainda, dar origem a outra, ou ser mais fundamental que outta. Esse € 0 principio que nos dé I6gica da base econdmics e da supe- restrutura cultural, 0 eu inconsciente © consci- ente, esséncia e substincia, autenticidade e su perficialidade, B muito interessante que, nesse modo de pensar, podemos, igualmente bem, ar 15 ‘THOMAS, J. A materalidade © 0 socal. Re. do Museu de Arquclogia © Biologia, Sto Paso, Suplemento 3: 15-20, 1999) ‘umnentar que a Biologia prov® a base pare a vida Social, ow que as estruturas geradoras profun das fundamentam 0 pensamento humano. As sim, tanto © materiatismo quanto o estrutualis mo podem set acomodados nesses padres de ‘pensamento moderno: em cada caso uma entida- ‘de € colocada como primordial em relagSo 8 outra, Uma coisa é apresentada como una fundagéo 6o- nhecida € @ outra € suposta como sendo derivada desta, Esse modo de pensar tem sido descrito ‘como uma metafisica de substincia ou presenga, uma vez. que apresenta determinadas objetos ‘como tio fundamentais que evadem a andlise. ‘A meu ver 0s aspectos mais significativos esse modo de pensar So as distingSes entre cultura ¢ natureza, entre mente © corpo, que si0 associados de forma convencional a René Des- cartes (Cottingham 1992), Para Descartes, mente compo slo diferentes tipos de substincias, de modo que o corpo fumano é um “animal racio- nal”, uma entidade biolSgica sobre a qual alguns ‘extra elementos efémeros foram insertados (Heide- ‘gger 1993). De modo similar, a natureza é enten- ida como © mundo materi dado que € trans- formado ¢ esclarecido pela cultura. A cultura re- presenta os aspectos cognitivos do progresso Fhumano, que podem sobjugar ow dominat & na- tureza, 0 substanial, Nosso problema é que a Ar queologia esta implicada neste processo pelo qual tomamos 0 mundo em objetos observados por sujeitos, mas que este processo, efetivamen te, tora 10sso objeto de estuda incompreenst vel. Arqueblogos estudam a cultura material: algo que &, dentro do esquema cartsiano de coi. a5, uma contradi¢fo em termos (Thomas 1996). Conseqicntemente argumentaria que a Argueo- logia tem tentado, de forma consistent, reduzir a cultura material a uma esséncia, que deve, entio, estar loeatizada ou no reino das idsias, on no das presengas fisicas. Por exemplo, a Arqueologia de Inglaterra e dos Estados Unidos, na primeira metade desse século foi dominada por formas de um modelo histérico- cultural que apresentoa artefatos como a manifes- tego material de normas e valores intemalizados {ek Childe 1936, 1942), Assim, membros de um dado grupo cultural compartilbam os mesmos mo- dos dese fazer e decorarcerimica porque eles com- partlharam os mesmos quadros conceituais da mente, Mas porque esas costs foram armazenadas na esfera da:mente e porque as mentes das pesso 48 moras esto agora perdidas para nds, 08 signi- 16 ficados dos artefatos antigos estio efetivamente além da consideragéo. Considero que podemos comecar a enxer- gar a extensio desses problemas se nés pensar- ‘mos, por wn momento, no camino em que Karl Marx questionou a materialidade. Marx, certa- mente, foi um dos maiores te6ricos da alienago, mas penso que podemos argumentar que seu fo co na producdo permanece profundamente mo- demnista no caréter. Marx reconheceu que, sob © capitalismo, os objetos so separados de seus produtores por meio do trabalho assalariado, de ‘modo que eles podem circular livemente como mercadorias alienadas. Entretanto, ele manteve a distingdo entre cultura e natureza, de modo que as maiérias primas sS0 vistas como tendo sido tiradas de uma natureza essencialmente pessi va transformadas em artefatos através da api: cago do trabalho humano. Como Marx disse: m.. se opds & natureza.. em fo para apropriar a produgio da a- toreza em uma forma adaptada 25 suas pro pias necessidades” (Marx 1970, 177) Assim, a natureza constinii um estoque de re ‘cursos, cuja utiidade & realizada através da aplica- ‘fo do trabalho humano. A relagio & uma de opo- sido, em que o “trabalho” da netureza em produit recursos categoricamente diferente da a¢ao fur ‘mana que libera aqueles recursos para © uso. De um ponto de vista arqueolégico, a des- vantagem dessa perspectiva é que cla apresenta a cultura material como nio mais que um produto ‘ou reflexo da sociedad, De acordo com esse ar ‘gumento, a sociedade logicamente precede toda substancia material que & usada e transformada ‘em um artefato. Como resultado, as relagées soci ais vem a ser percebidas como metafisicas ¢ inter subjetivas. Se aceitarmos isso, os testemunhos arqueolégicos tomam-se aio mais que um pélido reflexo de relagées que estfo agora totalmente de- sapatecidas, E o méximo que podemos esperar fazer como arquestogos & achar 0 padrio dessas relagdes de alguma maneira preservadas em seu resultado material. Entretanto, € claro que muitas comunidades nio ocidentais nfo reconhecem. nenhuma distingao entre cultura e natureza, ¢ acho 4que isto deveria nos induzir 2 pensar, mais em detalhe, a respeito tanto das relagdes sociais quan- to da materialidade, (Ora, maitas formas recentes de pensamento social substitairam um interesse pela Morfologia ‘THOMAS, J. A materaidade €o social, Rew do Musew de Arusologia « Exologa, So Poul, Supemento 3: 15:20, 1998. social (“a unidade social € composts disto ou daguio") ou a estutra scil ta nidade social 6 extutrada por ito ov aqui") por uma exta- ture baseada na prica social. Ness perspec- divas, o socal se tora algo que pessoas fazem ‘Um modo dese express, ito 6, dizer que vide social envolve a apo das relages, 180, espera se, condvz a um senso de engajamento das pes sos na condata social. As nogdcs de morfoo gia sociale estutara social, tendom ambas a pro- mover a pecepoto da sociedade como algo que & coisificado ~ por exemplo, uma entidede deli tada (Laclau e Moutte 1987). Uma mudanga em diresao&prtia soci, portato, tem implicagSes Jimporantes, Primeiramente,o social oessa de ter qualquer essénciafundamentalizane, ¢ € Vist, 20 conti, como se reproduzind através de une performance continua. Segundo, é evidente que diversas prtias socisis, como a agricultora, © comérci, 0 ritual © a produgéo artesanal, rare mente io envolver exatamente 0 mest grupo de pessoas, @ nfo necessariamente estario (0. das incluidas no mesmo grupo social. Ati- vidades diferentes podem ser realizades por gni- 0s sociaisdistintos mas com alguma super- Posico. Estas podem perpessar inhas de gene- £0, afliagio nia, ida e clase. De fto, can ua esses propos de identidade podem ser visto, {86 ceno polo, como oresutado da pica soil, antes que puramente uma estitra preexstnte dentro da qual a vida social € conducida. Shitley Sum ¢ Bano Latour afirmam isto elegentemen- te, sugerindo que nds nunca estamos “ent” uma scciedae tas Jtando para definir urna (Strum e Latour 1987). Eno, o eto dessa visio € remo- ver a “sociedad” dessa procminenteposigdo co- ‘mo um objeto de anise substiuindo-e pelo “30- cial, que um espago ow campo ilimitado, Como resultado, esta preacupagio com a prétca gern tum movimento de um foco sobre entidades para tm foco sobre lage. Or, um dos excmplos mais bem conbecidos de ama abordagem da vida social que acentua relagées vivis entidades€ trabalho de Michel Poucault sobre o poder Foca 1977, 1978, 1980) Foucault questiona que ele chama concepeio “judi” do pode, que o v8 como algo que pode ser mantdo e distibaido por um governante, principalmente como possiildade de restrgio as ages de outros Poder ale diz no € algo os uma msadoria,¢ nfo pode ser mando, estocado ou smonopolizad. E uma rede de relages em que a8 pessoas se encontram imersas. Ble também nfo € separado de outros tipos de relacionamentos ~ poder € imanente a todas as formas de relacio: nalidede, Além disso, poder nfo € um contrato ‘a9 qual as pessoas aderem, vindas de fora. As pessoas ndo criam relagées de poder: a8 relagies de poder produzem pessoss, Com isso quero di- zer que chegamos 2 reconhecer-nos como sujei- tos humanos, porque a linguagem que usamos para falar sobre n6s mesmos, as manciras de agit © comunicat, ¢ 0s esteredtipes culturais que nos fazem inteligiveis para outros sio todos impos- tos sobre nds: eles so todos efeitos do poder, Neste sentido, o poder nos restringe, mas tam- bbém facitita nossas agées. Todas as coisas que nossa cultura nos imple ~ do significado das cexpressdes &s formas de identidade ~ se tornam (8 recursos pelos quais realizamos nossas pro: prias metas ¢ objetivos Se aceitarmos que 0 social 6 um campo de relacionamentos antes do que uma entidade I mitada, penso que se tome mais féeil reconhe- cer o catéter inerentemente social da cultura mae terial. 0 social € um hfbrido, mistura elementos hhumanos © mio humanos (Latour 1993). As ati- vidades humanas sio raramente conoebides © exe- ccutadas por uma ica pessoa, ov fruidas por uma tinica mente. Mais freqientemente, empregemos idéias e materiais que foram afetados pelas ages de outros, negociamos com outras para definir a forma que o projeto tomaré, ¢ canalizamos nos- sas inteng6es por meio de ojetos materiais para levar a cabo o que queremos Assim, par exem= plo, escrever um artigo académico implica envol- ver-se com livros e artigos escritos por outros (que existem em uma forma material), diseuir dé com colegas ¢ eserever em um computador — muito do conteido emergindo no proprio ato da eserit. O processo envolve a negociagio de uma série de aliangas ¢ associagGes, tanto com pes- s0as quanto com abjetos, Assim, pode-se dizer Aue se tem uma relagao produtiva com 0 compu tador, que € mantida até que a fita da impressora quebre ou qualquer outa coisa. Gostaria de su- gerir que todas essas conecgdes possuem um cariter social, e estas “socialidades” estendem- se a todos 08 envolvimentos relacionais, dos uais os seres humanos participa. A cultura material ndo é, portanto, um sim- ples produto da sociedade, ela & integral & so- ciedade, Segue-se que materials que restam do passado, so mais que testemunhos de uma ent " ‘THOMAS, J. A materiaidde © 0 social. Ren do Muse de Argueologia « Emologia, Sto Paulo, Suplmsnto 3: 15-20, 1999, dade extinta: sio ume parte daquela entidade que ainda est4 aqui conosco no presente. Como tal, € claro, eles foram recontextualizados. Voltando & década de 1960/70, quando muitos arquedlogos ‘estavam tentando reivindicar o status cientifico ppara a disciplina, considerava-se que o “registro ‘arqusolégico” era um tipo de laboratécio de com- pportementos humanos. Em outras palavras, 0 tes: temunho arqueol6gico era algo inerte, que havia sido separado tanto do passado quanto do pre= sente. Estou sugerindo 0 exato oposto: esses materials sto parte de formagGes sociais agora extitas ¢ t8m um significado no presente. Um claro exemplo disso pode ser Stonehenge, no sul da Gri-Bretanha, que tanto incorpora aspectos de préticas sociais do passado como tem uma ‘gama de diferentes sentidos modemos (Bender 1998). Stonehenge implicou em varias nogdes do que é ser inglés, e € reivindicado e apresentado de diversas manciras pela English Heritage, pela National Trust, a Ordem dos Druidas (Order of Druids), “viajantes new age”, “entusiastas dos ‘mistérios da terra, entre outros grapos. Em maior fou menor grau, sugeritia que isto é verdadeiro para toda a cultura material: estéimplicado em um conjunto de relapses sociais e, cantudo, essas re ages continuam mudando & medida que o pro- cesso histérico se desdobra. Assim, a tarefa do aqueslogo tome-se dupla: tentar identificr,atra- vés da critica da concepso moderna, dentro da {qual os testemunbos jazem, e“teanimt” esses tes- ‘temunhos através da interpretagio. A interpreta- ‘plo ¢ ume tentativa de recrabalhar relacionamen- tos passados, recolocando peso nos fragmentos materiais do passado. Necessariamente, 0 que se tem no fim é urna leitura do passado, que & doe para © presente, mas penso que seja também fund rmentada e delimitada pelos testemunhos materiais. ‘Até aqui, tudo bem, Estou argumentando, com efeito, ue a prtica arqueolégica, por enval verse com coisas materiais, fomece uum tipo de alegoria da vida social do passado. Entretanto, gosta de “complicar um pouco as coisas”, apro- fundando-me um pouco mais sobre o caréter da materialidade, Filosoficamente, a materiatidade tem sido, fre- ‘quentemente,ligada & imedutibilidade: 0 que existe raterialmente simplesmente existe (Butler 1998). Isto, afinal, é 0 fundamento do empirismo. Entre tanto, pode ser um erro imaginar que, simplesmen- te porque podemos “ver” e “tocar” uma coisa, po- demos compreendé-Ia em sua totalidade. Isto 18 implicaria em uma transferéncia, sem mediag0, da informagio objetva par o eer. Isto pode sera descrgio da maneira pela qual uma maquina muito sofisteada poderi fanciorar, mas no exo «qe se como os seres humanos operam no seu tudo, Quando compresndemos o mundo, 0 fa zemos por meio de uma liaguagem, simbolos © concepyées. Se queremos argumentar que “0 mundo real existe independentemente da lingua- gem”, por exemple, ainda temos qu faz-lo por Icio a lingua. Etsetato, isto no nos condena ‘insite on que hé wm mando mel eal que pode claramente ser apreenio por nossa cons- tltnca, ou que ba apenas Ingua © significado, B importante caminhar so longo de ura ténuetitha entre exsas dua posgoes extremas, A Hinguagem no cri o mundo, nem cra ume exstncia fants- tics que esconde a realdade de nds. Ao inv di- so, alinguagem € 0 meio pelo qual o mitndo mate- tal se revela para nds, Poems recorecer coi sas poe femos os concetos gue estio 2 nos se disposigto para compreendé-las, Onde nos fos conceitos sf0 inadequados para compreen- der © que nbs enconram, eamos outos. AS sim, «ealidade € medida simbolicamente, mas s- so no faz com gue ela see menos real (© que isto significa, na price, € que quan- do tomes a experiéacia de algum fendmeno, expetimentamo-io “como” uma coisa ob outs fuvimos o canto do pfssaro, provamos 0 mel, Sentimos ima bengels, sentimos 0 odor dos pic rheios,e assim por diant, A experiencia e sua imterpretagéo sto coextensivas.E somente quas- do alguma coisa € incompreensivel por nao ser femziliar que a enfocames snaiicamente ¢teta- sos definir 0 que ela poderia ser. Mesto neste caso, tende a ser 0 nosto extoque de linguagem isponivel que nox fornece of recuros com of ‘quai racionalizamos nossa experiéncia nove Robert Mugeraveroferece um bom exemplo des- se processo quando dscreve os mais antigo vit- jantes e colonos europeus que penetraram no deste amercano. Ni podendo deserever as for- tas estrangiras que cles encontravam, com um ‘ocabulétio de paisagens do Velho Mundo, re- correram a um léxico da Arguitetra, usando ex- pressoes como “ababodas” “agulhas” ou “gre a8” (Mugerauet 1985). Isso sugero que a materializagio nfo 6 ape nas dada, ea & um proceso no qual 0 mnado sco 6, gradalment,aberto para n6s (Hull 1997), E claro que nunca estamos conscientes imediata- ‘THOMAS, J, A materalidade oo socal. Rex do Muu de Argueoioga e Emologa, So Paulo, Supemento : 15-20, 1999) mente de todos 08 objetos que nos circundam: nosso interesse & dirigido para as coisas com as uais estamos envolvidos num detecminado tem- po. Este &, peincipalmente, um problema dos ob- jetivos e dos projetos nos quais estamos envol- vidos. Entio, fimpar o chio dirige meu interesse & ‘vassoura que uso, embora minha absorgéo pela tarefa possa significar que este envolvimento € ‘impifcitoe irefletido (Heidegger 1962). Assim os dois sentidos de “importa” sio interligados: es- ‘temos conscientes de coisas importantes (matter- ing, being material) porque elas “importam para 1s” (matter tous), si0 iva, Assim, signi- fiefncia nfo meramentedesceve ou refleteamateiali- dade, fornece as condigées sob as quais mate~ Tialidade pode ser recotheids e fazer sentido, Isto omega a dearubar qualquer nocio iealista de que linguagem e simbolos operam em um reino cog- nitivo rarefeito, separado da reelidade material Significncia, ou dscurso,€ algo que acontece: no ‘mundo teal, € que articula relacionamentos entre coisas reais. [Naturalmente, segue jé do que-venho dizen- do que prticas sigificatives so implicadas em relagées de poder ¢ conhecimento, Nossos posi- ciovamentos diferenciais como pessoas ¢ nos- 308 acessos diferenciais a0 conhecimento nos proporcionam maneiras distintas de dar vor e chances variadas de ser reconhecido como um ‘orador com autoridade. Do mesmo modo, inser ‘es ¢ simbolos materais sto mais ou menos pas- siveis de serem reconhecidos dependendo das condigdes sob as quais eles so enconirados. En- to, segue que a materalizaco & um efeito do po- der, Judith Butler (1993) documentou a mancira pela qual corpos humanos tém de ataar de modos aprovados, repetindo, & mancira de citagdo, uma norma reguletGra, a fim de garantirainteligibilida- de cultural como um “homem” ou uma “mulhes”. A alterativa € estar fora do que pode ser pronta- mente compreendido, em abjegio, Mas mesmo 0s arlefatas serdo entendidos de manciras dife rentes por pessoas que vém até eles com interpte- tagies diferentes, que emergem de diferentes ex- peridncias sociais. Ocupando diferentes posigSes na rede de poder, as pessoas interpretario seus contextos materisis de maneira diferentes. Rest- ‘indo, seus mundos serio materializados de for ‘ma diferent, serdo lugares diferentes. Essas dife- rengas na compreensiio peclem propiciar Iutas pe- a hogemonia, a respeito da definigéo da realida- de. Entretanto, seria um erro argumentar, nessas circunstincias, que um grupo tem a verdadeira compreensio da situagio, enquanto outro esté twabalhando sob “falsa consciéncia”. ‘Assim, para tentat chegar a alguma espécie de conclusio, sugeri que o pensamento moder- ‘no, que separa o mental e 0 material, a sociedade © a natureza, em esferas distintas, toma a tarefa de interpretar as coisas materiais parecer, 20 mesmo tempo, tanto ficil demais como dificil demais. Os empirisias acreditavam que 0 status dos objetos era auto-evidente: estou sugerindo uma situscio muito mais complexa, que faz do estudo dos arte~ fatos, ao mesmo tempo, mais desafiador e poten- cialmente mais recompensador. A vida social bu- mana é inerentemente relacional: tudo © que faze- mos ¢ tudo o que somos ¢ efetivado por melo de relagdes, © mundo material nfo & extfaseco Aque- las relagoes ¢ artefatos esto implicados nas ma- neiras pelas quais eriamos, damos sentido ¢ leva- ‘mos nossas Vidas diésias. Para um arquedlogo, isto significa que a tarefa de tentar entender o pas- sado se toma mais parecida com a Antropologia ‘Tentamos nos relacionar com o testemunho ma- terial, tal como 0 etnégrafo entra na conversacio ‘com seu informante. Mas, no mesmo instante, estou sugerindo que @ apreensio do mundo ma- terial 6 um fenmeno social. Como as coisas so ‘materializadas, dependem da linguagem das con cepgdes, da experiéncia e das relagées de poder que convergem em uma experiéncia particular. Assim, da mesma forma que nfo podemos olhar ‘para © passado antigo e imaginar que aquelas pes- soas entendiam seus pr6prios corpos da mesma maneita que nds o fazemos no presente, assim nés, ‘gualmente, no podemos imaginar que a signi- ficdneia da cultura material € fixa e imutével. Isso sublinha o ponto que a “conversago” entze 0 pas- sado ¢ presente, que esté envolvida na interpre taglo, & uma que no poderd nunca ser complete- dda. Quanto mais sabemos sobre um mundo mate- tial passado, mais € provavel que achemos que estamos longe de uma compreensio total 19 THOMAS, 1A materiaidade e 9 socal Ret do Aureu de Arpuotogia¢ Emologi, Sto Paulo, Saplemento 3: 15-20, 1998) Referéncias bibliogrsficas BENDER, B. 1998 Sionehenge: Making Space, London: Berg. BUTLER, J 1993" Bodies thas Mater: Om the Discurtve Linits of "Sex". London: Routledge HILDE, V.o 1936 Man Mokes Himself. London: Wats 1942 Whar Heppened in History. Hasondsworth Penguin COTTINGHAM, J. 1992 Cartesian dualism: theory, metaphysics snd science. I. Cotingham (Ed) The Cambridge, Companion 1 Descartes, Cambridge, Cam bridge University Press: 286-56. FOUCAULT, M 1977 Discipline and Punish: The Birth of the Pri son. New York: Vintege The History of Seeuaty. Nokes An Ito dhtion. London: Peregine ‘ruth and power: M. Foucault (Bd) Power! Knowledge. Brighton, Harvester: 109-33, ‘What is eaighenment? P Rabinow (d) The Foucault Reader. 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