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Marshall Sahlins OHNO new UCen ror Editora UFRJ 5 LA PENSEE BOURGEOISE: a sociedade ocidental como cultura* O campo da economia politica, construido exclusivamente sobre dois valores, o de troca eo de uso, ¢ feito em pedagos e tem de ser intei- ramente reanalisado sob a forma de uma ECONOMIA POLITICA GENERA- LzapA, que implicard a produgio do valor de troca simbélico (valeur déchangelsigne) como a mesma coisa e no mesmo movimento que a producéo de bens materiais e do valor de troca econémico. A andlise da produgio dos simbolos e da cultura, portanto, nao é apresentada como externa, posterior ou “superestrutural” em relacio & produgio material; ela & exposta como uma revolucio da prépria economia politica, generalizada pela intervengio teérica e pritica do valor de toca simbdlico. BavpRiiaRo, 1972, p. 130 O materialismo histérico é, verdadeiramente, uma autoconsciéncia da sociedade burguesa — mas uma consciéncia, ao que parece, nos termos dessa sociedade. Ao tratar a produgao como um processo natural-pragmitico de satisfagao das necessidades, ele se arrisca a uma alianga com a economia bur- guesa em sua tarefa de elevar a alienaco de pessoas e coisas a um poder cogni- tivo superior, Os dois se uniriam para ocultar o sistema significativo na praxis, * Originalmente publicado em Culture and Practical Reason, Chicago: University of Chicago Press, 1976. © CULTURA NA PRATICA por meio da explicagéo pratica do sistema. Sendo essa ocultagao per- mitida, ou clandestinamente introduzida como premissa, tudo se passaria numa antropologia marxista como se passa na economia ortodoxa, como se © analista fosse iludido pelo mesmo fetichismo de mercadoria que fascina os participantes do processo. Ao se conceber a criagio ¢ o movimento dos bens exclusivamente a partir de suas quantidades pecunisirias (valor de troca), igno- ra-se 0 cédigo cultural de propriedades concretas que rege a “utilidade” e, com isso, continua-se incapaz de explicar o que é de fato produzido. A ex- plicagao satisfaz-se em recriar a auto-ilusio da sociedade a que se dirige, na qual o sistema Iégico dos objetos e relagées sociais funciona num plano inconsciente, que s6 se manifesta através das decises de mercado basea- das no prego, deixando a impressao de que a producao é meramente 0 pre pitado de uma racionalidade esclarecida. A estrutura da economia aparece como a conseqiiéncia objetivada do comportamento pratico, ¢ nao como uma organizacao social de coisas, através dos meios institucionais do mer- cado, mas de acordo com um projeto cultural de pessoas e bens. O utilitarismo, entretanto, ¢€ 0 modo como a economia ocidental — de fato, a sociedade inteira — é vivenciada: 0 modo como é vivida pelo sujeito participante e pensada pelo economista. De todos os pontos de vista, 0 pro- cesso parece ser de maximizaco material: a conhecida necessidade de es- colher um entre diversos fins, quando se trata de alocar recursos escassos para obter a méxima satisfagao possivel — ou, como disse Veblen, conseguir alguma coisa por nada A custa daqueles a quem possa interessar. Do lado produtivo, a vantagem material assume a forma de um valor pecuniério adicionado. Para o consumidor, ela é mais vagamente entendida como 0 retorno em “utilidade” dos desembolsos monetétios; mesmo nesse caso, po- rém, 0 atrativo do produto consiste em sua pretensa superioridade funcio- nal em relagao a todas as alternativas dispontveis (cf. Baudrillard, 1968). O automével tiltimo tipo — ou a geladeira, o estilo do vestudtio, ou a marca do dentifricio — ¢ mais conveniente em virtude desta ou daquela nova carac- terfstica, mais adaptado a “vida moderna”, mais confortavel, mais saud4vel, mais sexy, mais durdvel, ou de melhor sabor do que qualquer produto con- corrente.' Na concepeio nativa, a economia é um campo de ago pragmitica. © 180 9° LA PENSEE BOURGEOISE © Ea sociedade ¢ 0 resultado formal. As principais relagGes politicas e de classe, bem como as concepgGes que os homens tém da natureza e deles mesmos, so geradas por essa busca racional da felicidade material. A ordem cultural é tal como se fosse sedimentada a partir da interagao de homens e grupos que agem de maneiras diversas, com base na ldgica objetiva de suas situacées materiais: Até que seus interesses dissonantes criem A musica harmoniosa de um Estado bem mesclado, (...) Assim, Deus e a Natureza uniram a estrutura geral E ordenaram que 0 amor-préprio e o social fossem idénticos? Pope, Ensaio sobre o homem E esse 0 modo de aparéncia de nossa sociedade burguesa, ¢ a sabedoria comum, mediana, de suas ciéncias sociais. Por outro lado, é também de conhecimento geral na antropologia que o esquema “racional” ¢ “objetivo” de qualquer grupo humano nunca é 0 tinico possivel. Mesmo em condig6es materiais muito semelhantes, as ordens e finalidades culturais podem ser muito distintas. E que as condigées materiais, embora sempre indispensdveis, s40 potencialmente “objetivas” e “necessérias” de muitas maneiras diferentes — de acordo com a selegao cultural pela qual se tornam “forcas” efetivas. E claro que, em certo sentido, a natureza é eternamente suprema: nenhuma sociedade pode viver de milagres, e imaginar subsistir ludibriando-a, Nenhuma pode deixar de prover meios para a continuidade bioldgica da populacio ao determiné-la culturalmente—nao pode deixar de fornecer abrigo ao construir casas, nem alimento ao distinguir 0 comestivel do nao comestivel. Contudo, os homens nao fazem apenas “sobreviver”: eles sobrevivem de maneira especifica. Reproduzem-se como certos tipos de homens e mulheres, de classes € grupos sociais, e ndo como organismos biolégicos ou agregados de orga nismos (“populacées”). E verdade que, ao produzir desse modo uma existéncia cultural, a sociedade tem de se manter dentro dos limites das exigéncias fisico- naturais. Mas isso tem sido considerado axiomatico, pelo menos desde Franz Boas, e nem mesmo a mais biolégica das ecologias culturais pode pretender mais do que isso: os “limites de viabilidade” sao a forma de intervengao pratica da natureza na cultura (cf. Rapapport, 1967). Dentro desses limites, ° 181 6 © CULTURA NA PRATICA qualquer grupo tem a possibilidade de uma vasta gama de intengées econd- micas “racionais”, para nao mencionar as opcGes de estratégia produtiva que podem ser concebidas.a partir da diversidade de técnicas existentes, do exemplo das sociedades vizinhas ou da negacao de ambos. A razio pritica é uma explicagao indeterminada da forma cultural; para set mais do que isso, teria de presumir aquilo que tema pretensio de explicar— a forma cultural. Mas permitam-me um “nervosismo” justificdvel. Na medida em que isso se aplica ao materialismo histérico, é Marx quem critica Marx esse ponto, nem que seja por meio de uma antropologia posterior. O sentido dessas objecées jé foi previsto na compreenso marxista da produc’o como dedicada nao a simples reprodugo dos produtores, mas também a das relagées sociais em que esta se processa. Além disso, o princfpio ¢ intrinseco & obra de Marx sob uma forma ainda mais geral. Repito uma passagem seminal de A ideologia alema: “Esse modo de produgao nao deve ser considerado como mera reprodugao da existéncia fisica dos individuos. Ele é, antes, um modo determinado de atividade de tais individuos, uma forma determinada de manifestarem a-sua vida, um modo de vida determinado.” (Marx e Engels, 1970, p. 32). Assim, foi Marx quem ensinou que os homens nunca produzem em termos absolutos, isto é, como seres biolégicos num universo de neces- sidade fisica: eles produzem objetos para sujeitos sociais determinados, no curso da reprodugio de sujeitos pelos objetos sociais. Nem mesmo 0 capitalismo, apesar de sua organizagao ostensiva por € para a vantagem pragmatica, pode escapar dessa constituigao cultural de uma prixis aparentemente objetiva. Marx também ensinou que toda produgio, mesmo quando regida pela forma-mercadoria e pelo valor de troca, conti- nua a ser uma produgio de valores de uso. Sem 0 consumo, o objeto nao se completa como produto: uma casa que permanega desocupada néo € uma casa, No entanto, o valor de uso nao pode ser especificamente entendido no nivel natural das “necessidades” e “caréncias” — exatamente por que os homens no fazem apenas produzir “moradias” ou “abrigos”: eles produzem habiagdes de tipos definidos, como a cabana do camponés ou 0 castelo do nobre. Essa determinacao dos valores de uso, de um determinado tipo de casa como um determinado tipo de lar, representa um processo continuo da vida social, no o 182 9° LA PENSEE BOURGEOISE © qual os homens definem reciprocamente os objetos em termos deles mesmos ¢ definem a si mesmos em termos de objetos. A produgao, portanto, é algo além e distinto de uma légica pratica da eficiéncia material. E uma intengao cultural. O processo material de existéncia fisica € organizado como um processo de existéncia social dotado de significado — proceso que, para os homens, é 0 tinico modo de existéncia, uma vez que estes sempre sao culturalmente definidos de maneiras deter- minadas. Se foi Saussure quem previu o desenvolvimento de uma semiolo- gia geral dedicada ao “papel desempenhado pelos signos na vida social”, foi Marx quem forneceu a mise-en-scene. Ao situar a sociedade na histéria e a produgio na sociedade, Marx delineou a problematica de uma ciéncia an- tropolégica ainda nao nascida. Na pergunta que ele propés a ela est contida sua prépria resposta, na medida em que tal pergunta éa definicéo do préprio simbolo. Como podemos explicar um modo de existéncia de pessoas e coisas que nao pode ser reconhecido na natureza fisica de qualquer das duas? Vimos que Marx, no entanto, reservou a qualidade simbélica para 0 objeto em sua forma-mercadoria (fetichismo). Presumindo que os valores de uso atendem, visivelmente, as necessidades humanas ~ isto é em virtude de suas propriedades evidentes —, ele abandonou as relagoes significativas entre homens ¢ objetos, essenciais 4 compreensao da produgao em qualquer forma histérica. Marx deixou a pergunta sem resposta: “Quanto ao sistema de ne- cessidades © a0 sistema de trabalhos, até que ponto deve-se lidar com isso?” Com 0 objetivo de esbosar uma resposta que oferesa uma explicacio cultural da produgao, é crucial observar que o significado social de um objeto, aquele que o torna titil para uma certa categoria de pessoas, nao é mais aparente em suas propriedades fisicas do que pelo valor que pode ser atribuido a ele na troca. O valor de uso é no menos simbélico nem menos arbitrétio do que o valor-mercadoria. A “utilidade” nao € uma qualidade do objeto, mas uma significincia das qualidades objetivas. A razo pela qual os americanos con- sideram os ces nao comestfveis ¢ o gado “alimento” nao € mais perceptivel para os sentidos do que o preco da carne. Do mesmo modo, o que marca as calgas como masculinas e as saias como femininas nao tem nenhuma ligacdo necesséria nem com suas propriedades fisicas nem com as relagGes que advém ° 183 6 © CULTURA NA PRATICA delas. E por suas correlagGes num sistema simbélico que calgas sao produzidas para homens e saias, para mulheres, ¢ nao pela natureza do objeto em si ou por sua capacidade de satisfazer uma necessidade material — do mesmo mo- do que é pelos valores culturais de homens e mulheres que os primeiros nor- malmente se incumbem dessa produgao e as ultimas nao. Nenhum objeto, nenhuma coisa existe ou tem movimento numa sociedade humana exceto pela significincia que os homens lhe possam atribuir A produgéo é um momento funcional de uma estrutura cultural. Entendido isso, a racionalidade do mercado e da sociedade burguesa ¢ vista sob outra luz. A famosa légica da maximizagio é apenas a aparéncia manifesta de uma outra Razo, que quase sempre passa despercebida e é de natureza totalmente diversa. Também nés temos nossos antepassados. Nao é como se no tivéssemos uma cultura, um cédigo simbélico de objetos, em relagéo a0 qual o mecanismo de oferta-demanda-prego, ostensivamente no comando, é na realidade, 0 criado. Consideremos, por exemplo, exatamente 0 que os americanos produzem para satisfazer as “necessidades” basicas de alimentos ¢ vestudrio.* Preferéncias ¢ tabus alimentares referentes aos animais domésticos americanos O objetivo destes comentérios sobre os usos americanos de animais domésticos comuns sera modesto: apenas sugerir a presenca de uma razéo cultural em nossos hébitos alimentares, apresentar algumas conexées signi- ficativas nas distingdes a respeito das categorias de comestibilidade de cava- los, caes, porcos e bois. Entretanto, a questo nao é apenas 0 consumo; a re- lacdo produtiva da sociedade americana com seu préprio meio ambiente ¢ com o meio ambiente mundial é organizada por avaliagGes especificas de comestibilidade e incomestibilidade, elas préprias qualitativas, e que nao se justificam pela vantagem bioldgica, ecolégica ou econdmica. As conseqiténcias funcionais vao desde a “adaptacio” da agricultura até o comércio internacional eas relagdes politicas mundiais. A exploragao do meio ambiente americano, a forma de relagio com a terra, decorre de um modelo de refei¢ao que inclui o 184 6 LA PENSEE BOURGEOISE © a carne como componente central, com 0 apoio periférico de carboidratos ¢ legumes, enquanto a centralidade da carne, que é também uma idéia de sua “forca’, evoca o polo masculino de um cédigo sexual da comida, que deve re- montar & identificagéo indo-européia do gado ou da riqueza multiplicével com a virilidade.’ A indispensabilidade da carne como “forga”, e do filé como epitome das carnes viris, continua a ser uma condigao basica da dieta ame- ricana (observem-se as refeigdes das equipes esportivas em treinamento, es- pecialmente no futebol americano). Daf também uma estrutura correspon- dente de produgao agricola de ragdes e, por conseguinte, uma articulagao. especifica com os mercados mundiais — coisas que se modificariam da noite para o dia, se coméssemos ces. Comparados a esse célculo significativo das preferéncias alimentares, a oferta, a demanda c o preco apresentam o interesse de constituirem meios institucionais de um sistema que nao inclui os custos de produgio em seus principios de hierarquia. Os “custos de oportunidade” de nossa racionalidade econémica séo uma formacio secundaria, uma ex- pressao de relagies jd dadas por outro tipo de pensamento, calculadas a pos- teriori dentro dos limites de uma Iégica da ordem da significagao. Assim, 0 tabu referente aos cavalos e aos cies torna impensével o consumo de um con- junto de animais cuja producao ¢ vidvel na pritica, ¢ que nao séo despre- ziveis em termos nutricionais. Sem dtivida, deve ser vidvel criar alguns ca- valos ¢ ces para a alimentagao, em combinacéo com porcos e bois. Hé, in- clusive, uma enorme indtistria de criagao de cavalos como alimento para c4es. Mas, por outro lado, a América é a terra do cao sagrado. Um indio tradicional das planfcies ou um havaiano (para nio falar de um hindu) ficariam estarrecidos ao ver como permitimos que os cies se re- produzam, sob as mais rigorosas proibigGes de seu consumo. Eles vagam 3 vontade pelas ruas das maiores cidades americanas, puxando seus donos pelas guias ¢ depositando excrementos a seu bel-prazer em meios-fios e calcadas. Um sistema considerdvel de métodos sanitdrios tem de ser utilizado para nos livrar da sujeira—a qual no pensamento nativo, ¢ apesar do respeito que 6s cachorros merecem, é considerada “poluicéo”, (Nao obstante, um passeio a pé pelas ruas de Nova York faz os perigos de um pasto bovino no Meio- Oeste parecerem uma caminhada idilica pelo campo.) Nas casas ¢ apar- o 185 6 © CULTURA NA PRATICA tamentos, 0s cies sobem em poltronas feitas para seres humanos, dormem nas camas das pessoas ¢ sentam-se & mesa, & sua maneira, & espera de sua parcela da refeicio familiar. Tudo isso na calma certeza de que nunca serio sacrificados nem a necessidade, nem as divindades, e nem comidos, mesmo no caso de morte acidental. Quanto aos cavalos, os americanos tém razées para desconfiar que sejam comestiveis. Existem boatos de que os franceses os comem, mas a mengao disso costuma ser suficiente para evocar 0 sentimento totémico de que os franceses esto para os americanos assim como as “ras” esto para as pessoas.° Nas situagées de crise, as contradig6es do sistema se revelam. Durante a inflagdo metedrica do prego dos alimentos na primavera de 1973, 0 capitalismo americano nao desmoronou — muito pelo contrério; mas as rachaduras do sistema alimentar vieram & tona. Autoridades governamentais responséveis sugeriram que seria recomendavel as pessoas comprarem as carnes mais ba- ratas, como rins, coragao ou dobradinha, afinal, clas sio to nutritivas quanto um hambuirguer, Para os americanos, essa sugestao, em particular, fez Maria ‘Antonieta parecer um modelo de compaixao (ver Figura 5.1). A razio dessa repuilsa parece prender-se a mesma légica que acolheu certas tentativas im- palataveis de substituir, no mesmo perfodo, a carne bovina por came de cavalo. O artigo a seguir foi reproduzido em sua integra no Honolulu Advertiser de 15 de abril de 1973: PROTESTO DOS APRECIADORES DE CAVALOS ‘Westarook, ConNECTICUT (Url) ~ Cerca de 25 pessoas a cavalo ea pé fizeram ontem uma passeata em frente ao mercado Carlson, para protestar contra a venda por essa loja de carne de cavalo como tum substituto mais barato da carne bovina. “Acho vergonhoso abate de cavalos para consumo humano neste pais”, disse 0 organizador do protesto, Richard Gallagher. “Nos Estados Unidos, ainda nao chegamos ao ponto de ser obrigados a matar cavalos para ter carne.” “Os cavalos sio para ser amados ¢ cavalgados”, disse Gallagher. “Em outras palavras, demonstra-se afeto pelos cavalos, a0 passo que os bois criados para 0 abate (...) nunca tiveram ninguém para afagi-los ou escové-los, nem nada parecido. Comprar o cavalo de alguém para abaté-lo é uma coisa que eu nao entendo.” ° 186 © LA PENSEE BOURGEOISE © (© mercado comegou a vender carne de cavalo — como “cha eqiiina’, “Jombo eqitino” e “carne moida eqiiina” ~ na terga-feira, ¢ 0 proprie- tétio, Kenneth Carlson, disse que foram vendidas cerca de nove toneladas na primeira semana. A maioria dos acougueiros que vendem carne de cavalo comprou “animais bem velhos ¢ intiteis”, que, de outro modo, seriam vendi- dos “para servir de comida para cies e coisas assim’, disse Gallagher. Mas, “agora, esto escolhendo os cavalos jovens. No momento nao podemos comprar esses cavalos porque os abatedores pagam mais do que nés”. | Cet —Mrs. Virginia Knauer, the President's advisor on consumer affairs jo matter how you slice it...” Ficura 5.1 — Do Honowwiu AbvERTISER, 2 DE MARGO DE 1973. 1 Eles que comam visceras. 2 Sra. Virginia Knauer, assessora presidencial para assuntos do consumidor. 3 “Nao importa como vocé as corte...” © 187 © @ CULTURA NA PRATICA A tazao principal postulada pelo sistema de carnes americano a re- lacao da espécie animal com a sociedade humana. “Demonstra-se afeto pelos «avalos, 20 passo que os bois criados para o abate (..) nunca tiveram ninguém Para afagé-los ou escové-los, nem nada parecido.”” Examinemos mais deti- damente a série domesticada bois~porcos-cavalos—cies. Todos eles, em certa medida, esto integrados a sociedade americana, mas, é claro, com status diferentes, que correspondem a graus de comestibilidade, Essa série é di- visivel, primeiro, nas duas classes de animais comestiveis (bois-porcos) ¢ nao comestiveis (cavalos—caes), mas € também divisivel, dentro de cada classe, entre as categorias de alimentos mais ¢ menos preferiveis (carne bo- vina versus suna) ¢ as categorias mais e menos rigorosas de tabus (cies versus cavalos). O conjunto inteiro parece diferenciar-se pela participacio da es- pécie como sujeito ou objeto no convivio com os seres humanos, Além disso, a mesma légica esté a servigo das diferenciagdes do animal comes- tivel em “carne” ¢ “6rgdos” internos, ou “visceras”. Adotando as palavras mé- gicas convencionais do estruturalismo, “tudo se passa como se” o sistema ali- mentat fosse inteiramente modulado por um prinefpio de metonimia, de tal modo que, tomado como um todo, compusesse uma metéfora perma- nente sobre 0 canibalismo. Caes e cavalos participam da sociedade americana na condigio de su- jeitos. Tém nomes préprios e, na verdade, estamos habituados a conversar com eles de um modo que nao fazemos com Porcos ¢ bois.* Caes e cavalos sao julgados no comestiveis, pois, como disse a Rainha de Copas, “nio é de bom tom cortar alguém a quem se foi apresentado”, Porém, co-residentes domésticos, os caes sio mais préximos do homem do que os cavalos, ¢ seu Consumo mais impensével: eles sao “parte da familia”. Tradicionalmente, os cavalos mantém com as pessoas uma relagao mais servil, de trabalho; se os Gies so como parentes, os cavalos s4o como criados ¢ nao, aparentados, Por iss0 0 consumo de cavalos ¢ pelo menos concebivel, ainda que nao seja geral, 20 Passo que, compreensivelmente, a idéia de comer ces evoca um pouco a repulsa do tabu do incesto.? Por outro lado, os animais comestiveis, como Porcos ¢ bois, tém, geralmente, status de objetos para os sujeitos humanos, levando uma vida separada— nem complementos diretos nem instrumentos © 188 © LA PENSEE BOURGEOISE © de trabalho das atividades humanas. Usualmente, portanto, so andnimos, ou, quando tém nomes, como acontece com algumas vacas leiteiras, eles constituem sobretudo termos de referencia utilizados em conversas entre homens. Entretanto, como animais de chiqueiro que comem sobras de ali- mentos humanos, os porcos esto mais préximos da sociedade humana do que os bois (cf. Leach, 1964, p. 50-51). Correspondentemente, peso por pe- So, a carne de porco tem menos prestigio do que a bovina, A carne de boi 6a iguaria de maior prestigio social, servida nas ocasiées sociais mais impor- tantes. Um assado de came de porco nao tem a solenidade dos cortes de pri- meira da carne bovina, e nenhuma parte do seu corpo se equipara em pres- tigio ao filé. A comestibilidade esta inversamente relacionada 4 humanidade. O mes- mo se aplica as preferéncias e ds designag6es comuns das partes comestiveis do animal. Os americanos estabelecem uma distingao categérica entre as par- tes “internas” ¢ “externas” que, para eles, representa, mediante uma extensio metaférica, 0 mesmo princfpio da relagio com a humanidade. A natureza organica da carne [flesh] (imisculos e gordura) ¢ imediatamente disfargada, ¢ seu cardter preferencial ¢ indicado pelo termo geral “carne” [meat], ¢ também Por convengées especificas, como “lagarto”, “file”, “costeletas” ou “cernelha”, 40 passo que os érgaos internos so francamente conhecidos como tais (ou como “mitidos”) ¢, mais especificamente, como “coragao”, “lingua”, “rim”, ¢ assim por diante — exceto quando séo eufemisticamente transformados, atra- vés do processo de preparo, em produtos como “sweetbreads”."" Em outras Palavras, as partes internas e externas so, respectivamente, assemelhadas ¢ distinguidas das partes do corpo humano — com base no mesmo modelo com que concebemos nosso “eu mais intimo” como sendo o “eu verdadeio” — ¢, Por conseguinte, as duas categorias sao classificadas como mais ou menos apropriadas para o consumo humano, A distingao entre “interno” ¢ “externo” reproduz, portanto, no animal, a diferenciacao tragada entre espécies comes- iveis ¢ espécies tabu, compondo esse todo uma légica tinica em dois niveis, com a implicagao constante da proibigdo do canibalismo. E essa légica simbélica que organiza a demanda. O valor social do filé ou da carne assada, comparado & dobradinha ou a lingua, & 0 que subjaz & 2 189 6° © CULTURA NA PRATICA . diferenga de valor econémico. Do ponto de vista nutricional, essa idéia de cortes “melhores” e “inferiores” seria dificil de defender. Mais do que isso, 0 filé permanece a carne mais cara, embora sua oferta absoluta seja muito maior do que a oferta de I{ngua: hé muito mais filé numa vaca do que lingua. Mais ainda, o esquema simbélico da comestibilidade liga-se aquilo que organiza as relagées de producao para precipitar, através da distribuigao da renda e da demanda, uma ordem totémica completa, que une o status das pessoas € aquilo que elas comem numa série paralela de diferencas. As pessoas mais pobres compram as carnes mais baratas, que so mais baratas por serem socialmente inferiores. Mas a pobreza é, ja de safda, ética ¢ racialmente codificada. Negros ¢ brancos entram de modos diferentes no mercado de trabalho americano, sendo sua participagao determinada por uma distingao injuriosa de “civilizagao” relativa. O negro, na sociedade americana, é como o selvagem entre nés— a natureza objetiva na prépria cultura. E mais, em virtude da conseqiiente distribuigo de renda, a “inferioridade” dos negros também sé materializa como uma profanagao culinéria. A “soul food” pode tornar-se uma virtude, mas s6 como negacao de uma légica geral em que a degradagao cultural é confirmada por preferéncias dietéticas comparaveis ao canibalismo, a0 mesmo tempo que esse atributo metaférico do alimento é confirmado pelo status daqueles que o preferem. Eu nao invocaria “o chamado totemismo” em uma analogia apenas ca- sual com a pensée sauvage, E. verdade que Lévi-Strauss escreve como se 0 totemismo se houvesse reduzido, em nossa sociedade, a alguns redutos marginais ou praticas ocasionais (1963a, 1966). E é licito que o faca ~ no sentido de que o “operador totémico”, que articula as diferengas das séries culturais com as diferengas nas espécies naturais, 4 no ocupa um lugar cen- tral na arquitetura do sistema cultural. Mas convém indagar se ele nao foi substituido por espécies ¢ variedades de objetos manufaturados que, como as categorias totémicas, tém o poder de fazer, até da demarcacéo de seus proprietarios individuais, um processo de classificacao social. (Meu saudoso colega Milton Singer sugeriu que 0 que Freud disse sobre a diferenciagio nacional bem poderia ser generalizado para o capitalismo, ou seja, que se trata de um narcisismo das pequenas diferengas.) E, 0 que é ainda mais © 190 6 LA PENSEE BOURGEOISE © fundamental, ser4 que os operadores totémicos ¢ os operadores merco- produtivos nao tém uma base comum no cédigo cultural de caracteristicas naturais, na significancia atribufda aos contrastes de forma, linha, cor e outras propriedades do objeto apresentadas pela natureza? O “desenvolvimento” realizado pela pensée bourgeoise talvex consista sobretudo na capacidade de duplicar e combinar & vontade essas variagées, e fazé-lo dentro da prépria so- ciedade. Nesse caso, porém, a produgao capitalista representa uma expansio exponencial do mesmo tipo de pensamento, tendo a troca € 0 consumo co- mo 0s meios de sua comunicagao. Como escreveu Baudrillard a esse respeito, o proprio consumo é uma troca (de significados), um discurso, ao qual virtudes priticas, “utilidades”, sio ligadas s6 a posteriori: O que é verdade para a comunicacéo pela fala também é verdade para bens ¢ produtos: consumo é troca. © consumidor nunca esté isolado, como nio esté o falante. E nesse sentido que devemos fa- zet uma revolugio completa na andlise do consumo. Assim como niio existe linguagem simplesmente por causa da necessidade do individuo de falar, mas, antes, existe a linguagem — nZo como um sistema absoluto e auténomo, mas como uma estrutura contem- porinea de troca de significados, com a qual se articula a interagio individual da fala -, da mesma maneira, também nao existe con- sumo em razéo de uma necessidade objetiva de consumir, de uma intengio final do sujeito em relagéo a0 objeto. Existe uma pro- dugio social, num sistema de troca, de materiais diferenciados, de um cédigo de significados e de valores constitu(dos. A funciona- lidade dos bens vem depois, ajustando-se a esses mecanismos estru- turais fundamentais, racionalizando-os ¢, a0 mesmo tempo, repri- mindo-os."? (1972, p. 76-77) A racionalidade do mercado nao contradiz 0 totemismo moderno. Ao contratio, ele é promovido justamente na medida em que valor de troca ¢ consumo dependem de decisoes de “utilidade”, Tais decisoes giram em torno da significancia social de contrastes concretos entre os produtos. E por suas diferengas de sentido em relacao a outros produtos que os objetos se tornam trocdveis: com isso, convertem-se em valores de uso para algumas pessoas, as quais sio correspondentemente diferenciadas de outros sujeitos. Ao mes- ¢ gl o @ CULTURA NA PRATICA ‘mo tempo, como constru¢io modular de elementos concretos combinados pela inven¢ao humana, os produtos manufaturados prestam-se singularmente a esse tipo de discurso. Ao dar forma ao produto, o homem nio apenas alie- na scu trabalho, congelado assim numa forma objetiva, como também, pelas modificagbes fisicas que efetua, sedimenta um pensamento. O objeto repre- senta um conceito humano exteriorizado, como um homem falando com outro por meio de coisas. E a variagao sistemdtica das caracteristicas objetivas € passivel de servir, melhor ainda do que as diferengas entre as espécies naturais, de meio para um esquema vasto e dinamico de pensamento pois, nos objetos manufaturados, muitas diferengas podem variar a0 mesmo tempo, através de uma manipulagio que parece divina~ quanto maior o controle técnico, mais precisa e diversificada € essa manipulagio —, e também por que cada di- ferenga assim desenvolvida pela intervengao humana, com vistas 3 “utilidade”, deve ter uma significancia, e nao apenas as caracteristicas existentes na nature- 2a por suas préprias razGes, que se prestam a ser culturalmente notadas. O totemismo burgués, em outras palavras, € potencialmente mais complexo do que qualquer variedade “selvagem” (sauvage), nao por se haver libertado de uma base natural-material, mas precisamente pelo fato de a natureza ter sido domesticada. “Os animais sé produzem a si mesmos”, como nos ensinow Marx, “ao passo que os homens reproduzem toda a natureza.”"* Contudo, se o que os homens produzem nao ¢ a mera existéncia, mas um “modo de vida determinado”, decorre dai que essa reprodugao da totali- dade da natureza constitui uma objetificagao da totalidade da cultura, Por meio do arranjo sistemético das diferencas de sentido atribuidas ao concreto, a ordem cultural também se realiza como uma ordem de bens, Os bens re- presentam um cédigo objetal para a significacao ¢ valorizagao das pessoas € ocasides, fungées e situagdes. Operando numa légica especifica de cor- respondéncia entre contrastes materiais ¢ sociais, a produgio, portanto, é a reprodugao da cultura num sistema de objetos. Somos naturalmente levados a explorar o duplo sentido que ha em termos como “moda” [fashion] e “fabricar” (fabricate: tomo como exemplo principal o sistema norte-americano de vestuério. © 192 © LA PENSEE BOURGEO! Notas sobre o sistema americano de vestudrio Considerado como um todo, o sistema de vestudrio norte-americano corresponde a um esquema muito complexo de categorias culturais ¢ de relagées entre elas, um verdadeiro mapa —néo € exagero dizé-lo — do universo cultural." A primeira tarefa serd sugerir que esse esquema funciona com base numa espécie de sintaxe geral: um conjunto de regras para declinar e combinar as classes da forma-vestimenta, de modo a formular as categorias culturais. Num estudo da mode tal como divulgada em varias revistas francesas, Roland Barthes discerniu uns sessenta focos de significagao somente para os vestidos femininos. Cada locus, ou dimensao, abrangia uma gama de contrastes de sentido: alguns pela mera presenga ou auséncia, como as luvas; alguns to diversificados quanto a série infinita de cores (1967, p. 114 ss.)."” Eevidente que, com a sintaxe apropriada, com regras de combinacao, seria possivel desenvolver uma assombrosa série de proposig6es que constituiriam igual numero de afirmagées sobre as relagdes entre pessoas ¢ situacGes no sistema cultural. E igualmente dbvio que eu nao poderia esperar fazer mais do que sugerir a presenga dessa gramatica, sem a pretensio de té-la analisado. Hi no vestudrio diversos niveis de produgao semantica, Um traje com- pleto constitui uma afirmagio, desenvolvida a partir da combinagio espe- cifica de pegas ¢ em contraste com outros trajes completos. H4 também uma Iégica das partes, cujos significados se desenvolvem diferencialmente por meio da comparacio nesse nivel, de um modo saussuriano ~ a exemplo do valor das calcas compridas femininas, que é simultaneamente determinado por oposicao a outras pegas de roupa desse Jocus, como saias ou calgas masculinas, € por contraste com outros exemplos da mesma classe (calgas) que diferem na cor, na estamparia, ou seja ld no que for. Meu interesse em discutir essa sintaxe refere-se mais ao que ¢ comunicado do que a uma explicagao de todo © conjunto de regras. Bastard indicar que ela proporciona uma base sistematica para o discurso cultural nela “moldado” [“fashioned"|: “A maioria das pessoas usa algum signo, sem saber o que ele esté dizendo. Escolha seu signo de acordo com sua platéia’, disse Malloy ), “um bom terno escuro, camisa branca e gravata conservadora 2 193 ° © CULTURA NA PRATICA sio os melhores amigos do guarda-roupa do rapaz, quando ele se candidata a um emprego de escritério num amplo espectro de negécios ¢ profissdes liberais. Eles s4o simbolos de autoridade. E. simples assim”, disse ele. (Fashion Column. Chicago Daily News, 11 Jan. 1974) Mas hé um outro problema, um pouco mais dificil. Eu gostaria de descer até as unidades elementares que compéem o discurso, para demonstrar como determinados significados sociais se relacionam com contrastes fi- sicos elementares no objeto indumentirio. Ser4 também um movimento de reaproximacao do pensamento totémico. Isso porque o princ{pio é pratica- mente o mesmo: uma série de diferengas concretas entre objetos da mesma classe, & qual correspondem distingdes numa dada dimensao da ordem so- cial, como a diferenga entre 0 macacdo ¢ o colarinho branco corresponde a uma diferenga entre o trabalho manual e o trabalho burocrdtico;"* a rela- tiva saturagao ou luminosidade da cor diferencia 0 outono da primavera; ouainda, “um suave desalinho na aparéncia / desperta nas roupas certa malicia” (Herrick, 1648). Por esses meios, o conjunto de objetos manufaturados con- segue abarcar todaa ordem cultural de uma sociedade que, ao mesmo tempo, cle vestiria e abordaria [dress e address]. (Duas palavras cuja derivacao de uma raiz comum — como disse Tylor sobre “kindred” [parentela] e “kindness” [gentileza] — expressam de maneira sumamente feliz um dos princ{pios mais fundamentais da vida social.) O objetivo geral disso tudo, devo enfatizar, é contribuir um pouco para uma explicagao cultural da produgao. E.com esse intuito que exploro o eddigo das propriedades dos objetos ¢ suas combinagées significativas. A énfase no cédigo também implica que, neste momento, nao nos interessaremos pelo modo como os individuos se vestem. Isso nao € uma simples decisio de privilegiar a dangue em lugar da parole, O modo como as pessoas se vestem & um problema semiético muito mais complexo do que aquele que podemos tentar resolver aqui, pois inclui a consciéncia ou as autoconcepgGes particulares do sujeito num “contexto situacional” de significado especifico. Também abordo muito rapidamente a questao correlata da manipulacao do cédigo da moda no interior da industria do vestudrio. Entretanto, embora todas essas o 194 © LA PENSEE BOURGEOISE © limitagGes, que posstem em comum a referéncia ao sistema em aco, tornem a exposigao lamentavelmente incompleta, tém a vantagem de focalizar 0 pos- tulado que € preciso estabelecer de antemao, e sem o qual toda e qualquer anilise adicional da aco corre o risco de recair num pragmatismo vulgar: 0 de que a produgao é a materializagao de um esquema simbélico. Observe-se 0 que é produzido no sistema do vestudrio, Através de v: caracteristicas objetivas, uma peca de roupa torna-se apropriada para homens ou mulheres, para a noite ou o dia, “para andar em casa” ou “para sait”, para adultos ou adolescentes. © que se produz, primeiro, sao classes de tempo ¢ lugar que indicam situacées ou atividades, e, segundo, classes de status nas quais todas as pessoas sao inclufdas. Poderfamos chamé-las de “coordenadas nocionais” do vestudrio, no sentido de que elas assinalam nogées bésicas de tempo, lugar e pessoa, tal como constituidas na ordem cultural. Portanto, 0 que se reproduz no vestudrio é esse esquema classificatério. Mas nao é apenas isso — nao sao simplesmente as fronteiras, divisdes e subdivisées, digamos, das faixas etdrias ou das classes sociais. Por meio de um simbolismo especifico das diferengas de vestudrio, 0 que se produz sao as diferengas de significado entre essas categorias. Ao fabricar trajes para as mulheres, que contrastam em estilo, feitio ou cores com os que sio fabricados para os homens, reproduzimos a distingao entre feminilidade ¢ masculinidade tal como conhecida nesta sociedade. E isso que se passa no processo pragmético-material da produsio. Mais especificamente, 0 que ocorre é uma diferenciagao do espago cultural, como a que se dé entre cidade e campo, e, dentro da cidade, entre centro ¢ bairros residenciais — bem como um contraste entre todos esses espacos, como compondo coletivamente uma esfera ptiblica, e 0 domi- nio doméstico-familiar. Quando uma mulher vai as compras, normalmente ela “realga” (“dresses up”| um traje doméstico, ao menos pelo acréscimo da exibigio periférica de elementos como jéias, sobretudo quando faz. suas compras no centro da cidade, ¢ nfo “nas redondezas”. Inversamente, quando um homem chega em casa depois de “um dia duro de trabalho”, ele simplifica (dresses down] a roupa de estilo puiblico de um modo compativel com a “familiaridade” da esfera doméstica.'? No extremo oposto, encontram-se as distingdes maiores de espago nacional: por exemplo, a Costa Oeste ea Costa o 195 ° © CULTURA NA PRATICA, Leste, cujas subclasses destacadas sao a Califérnia ¢ 0 Nordeste (cf, Rosencranz, 1972, p. 263-264). ‘Também substancializamos no vestudrio as distingdes culturais bésicas de tempo ~ didrio, semanal e sazonal. Temos roupas para a noite e roupas para o dia, “vestidinhos para o fim de tarde” ¢ roupas de dormir (pijamas). Cada uma delas faz referéncia & natureza das atividades ordenadas por esses perfodos, tal como a roupa dos dias titeis esté para a “roupa de domingo” assim como o secular est para o sagrado. As variagbes sazonais marcadas sGo a primavera ¢ 0 outono, €as cores para essas estagdes sio geralmente pla- nejadas para corresponderem ao ciclo da vegetacéo. (A cor em si da paisa- gem externa, entretanto, parece inverter-se na indumentatia de verio ¢ de inverno: 0 verde e o vermelho espectrais marcam o solsticio de inverno — © Natal — ao passo que 0 branco é tradicionalmente apropriado entre 0 Memorial Day — 30 de maio ~ ¢ 0 Dia do Trabalho.) Poderfamos fazer uma abordagem semelhante quanto & classe, 20 sexo © & faixa etéria, Todas essas categorias sociais tém marcadores determina- dos, variagées caracteristicas no nivel do objeto. Na ideologia comum dos produtores ¢ consumidores, essa consubstancialidade do sujeito e do objeto estd baseada numa identidade de esséncias, tais como a seda é “feminina” porque as mulheres so “sedosas”. “Fino como seda”, “macio como seda’, 0 tecido opée-se, de um lado, & masculinidade da ld e, de outro, & inferioridade do algodio (cf. Dichter, 1959, p. 104 ss.)2! Mas essa correlagao veblenesca da quintesséncia do luxo com a quintesséncia da feminilidade tende a se in- verter conforme a raga, visto que, entre os negros norte-americanos, 0 sexo marcado parece ser 0 masculino, enquanto os brancos enfeitam a mulher. Por sua vez, porém, a correlacao entre a elegincia do homem negro e da mulher branca, em dimensdes como a textura, seré diferencialmente modu- lada pela classe, na medida em que raca e classe se superpGem, e é um lugar- comum da sociologia caseira que os tons pastel e contrastes discretos si0 Upicos da classe alta, enquanto cores brilhantes ¢ contrastes fortes s4o pré= prios “da massa” (Birren, 1956), Por outro lado, a sedosa sobriedade da mu- Iher branca de classe alta € trocada, nas roupas de sua filha, pelas texturas da juventude; o que nos leva de volta & la, fechando 0 circulo completo, através © 196 o LA PENSEE BOURGEOISE © da diferenciagao comum do jovem e do masculino em face da mulher adulta, pelos atributos atividade/passividade (cerimoniais).”* Género e faixa etéria servem para ilustrar uma outra propriedade da gramética: alguns mecanismos de abertura do conjunto para torné-lo mais complexo, sem, porém, uma revisio de principios. Mesmo em expansio, 0 sistema parece aderir ao dito de Sapir de que a moda € 0 costume, disfargado de desvio do costume. Novas espécies ¢ subespécies séo permutadas, por exemplo, por uma sintese combinatéria das oposigées existentes. Nas categorias dos estilistas, a distingao convencional entre bebés e criangas em idade escolar foi refeita recentemente e novos segmentos apareceram: “bebés de colo”, “criangas que comegam a andar”, “pré-escolares” ¢ “ctiangas em idade escolar”; também os adolescentes j nao séo 0 que eram, mas “pré-ado- lescentes”, “sub-adolescentes” ¢ “adolescentes” (Rosencranz, 1972, p. 203). Do mesmo modo, varias categorias de homossexualidade podem ser desenvolvidas, através de combinagées especificas dos vestudrios masculino ¢ feminino, a ponto de termos agora mais ou menos seis tipos de vestudrio sexual claramente distinguiveis. Mas, na linha que separa adolescentes ¢ adultos, no entanto, um segundo tipo de permutagio estd em evidéncia atualment adaptacao de uma distingZo existente noutro lugar do sistema, uma espécie de transferéncia metaférica que expressa uma mudanga de con- retido numa oposigao tradicional. A idéia convencional da “rebeldia ado- lescente” decerto predispés a essa mudanga, mas, desde a Guerra do Vietn’, 0 conflito com as autoridades constituidas — isto é, adultas — ganhou um idio- ma politico especifico, e 0 mesmo se dew no traje, por meio do contraste adolescente/adulto::trabalhador/capitalista, com os jovens apropriando-se dos blue jeans ¢ das camisas de trabalho das classes menos favorecidas. E possivel que nada comprove melhor do que isso a auséncia de utilidade prética no vestudrio, uma vez que o trabalho é uma das tiltimas coisas em que os jovens pensam. Mas 0 exemplo também serve para revelar a qualidade sin- gular da sociedade capitalista: nao ¢ que ela nao consiga funcionar com um cédigo simbélico, mas esse cédigo funciona como um conjunto aberto, que responde aos eventos que ele orquestra ¢ assimila, de modo a produzir verses ampliadas de si mesmo. © 197 6 © CULTURA NA PRATICA Um paréntese: essa visio da produgéo como substancializagéo de uma légica cultural deveria proibir-nos de falar ingenuamente sobre criagao de demanda pela oferta, como se 0 produto social fosse a conspiragao de um punhado de “tomadores de deciséo”, capazes de impor uma ideologia da moda por meio dos engodos da propaganda. Nas palavras de Marx, “o pré- prio educador precisa ser educado”. Nao é como se a parole dos produtores se transformasse em nossa langue. Tampouco precisamos entregar-nos & mistificaco inversa, a da producio capitalista como resposta as necessidades do consumidor: “Estamos sempre tentando nos adaptar”, disse 0 chefe de relagées ptiblicas da empresa que mais lucrou com a recente expansio das vendas de jeans. Mas, entéo, quem é dominante: 0 produtor ou 0 consu- midor? Deveria ser possivel transcender todas essas representacées subje- tivas em prol de uma descricéo institucional da produgao capitalista como um processo cultural. Claramente, essa produgao se organiza para explorar todas as diferenciaces sociais possiveis por meio de uma diferenciagao mo- tivada dos bens. Ela funciona de acordo com uma légica significativa do concreto, da significdncia das diferengas objetivas, desenvolvendo com isso sinais apropriados das disting6es sociais emergentes. Isso bem poderia des- crever a especializacao das diferengas etérias no vestudrio, ou a transposicao metaférica do blue jeans — especialmente se observarmos que a integragao icénica das distingdes sociais e objetais é um processo dialético. O produto que chega a seu mercado de destino constitui uma objetificagio de uma categoria social ¢, com isso, ajuda a constituir esta tiltima na sociedade, do mesmo modo que, em contrapartida, a diferenciagao da categoria desenvolve outras declinagoes sociais do sistema de bens. O capitalismo nao é pura ra- cionalidade: ¢ uma forma definida de ordem cultural, ou uma ordem cultural que age de uma forma particular. Fim do paréntese. Volto-me agora para outro tipo de variagao no vestudrio, esta corres- pondente a divisio do trabalho em termos amplos, para sugerir a presenca de regras sistematicas de categorizacao social da forma-vestimenta. Primeiro, no entanto, devemos estabelecer a classificacao no plano social. Em sua discussio do monde na mode, Barthes distingue duas maneiras alternadas sob as quais se concebe a significdncia social da roupa (1967, p. 249 ss.). Trata-se, na o 198 ° LA PENSEE BOURGEOISE © verdade, de duas modalidades de discurso social, a ativa ea passiva: fazer e ser, faire ¢ ttre, atividade ¢ identidade. Adaptando essa distingao aos presentes propésitos, poderfamos dizer que a primeira se refere a fungées: cla classifica as roupas de acordo com o tipo de atividade, como esporte ou trabalho bra- sal. A segunda relaciona-se com o status ocupacional — 0 traje caracteristico do operirio da inckistria, do fazendeiro, da gargonete, do médico, do soldado. Mais uma ver, na seguinte tabela das fungdes, muito geral e supersimplificada (Figura 5.2), abrevio uma discussao considerdvel e um bom nimero de su- posigies: FUNGOES user TRABALHO ATA SANS PROJECT BUROCRATICO BRAGAL oe {DOMESTICO) oN ~~ rere ESPORTE EXECUTIVOFUNCIONARIO. SERVICOS PRODUTIVO (OCASIOES ESPECIAIS) ‘BuROCRATICO en =e SAGRADO SECULAR —~PARTICIPANTE—_—ESPECTADOR AcRICOUA INDUSTRIAL AZ NSN AN YN FORMAL INFORMAL (GALA) (CINEMA ETC) YN ry Imafcans <> NhOMARCADA ou ou ceRMONAL DE TRABALHO Ficura 5.2 — ESqUEMA DAS FUNGOES EXPRESSAS. NO VESTUARIO NORTE-AMERICANO. O pressuposto principal é a validade da distingao de Veblen entre ce- riménia ¢ trabalho nas categorias americanas de atividade e de vestuério. A chave de todo o grafico € esse principio, Em cada oposigao, a fungao marcada ou cerimonial é colocada & esquerda, € a nio-marcada e prépria do trabalho, a dircita, sendo 0 todo, portanto, um conjunto de diferenciagoes da distin- 2 199 9° © CULTURA NA PRATICA 40 mestra entre trabalho ¢ lazer (cf, Veblen, 1934). Se admitirmos esse pressuposto como mais ou menos correto em termos etnogrificos, ¢ se as conseqiiéncias forem similarmente elaboradas com fidelidade nas classes € subclasses, aparecerao duas regularidades notaveis do sistema de vestuério. A primeira poderia ser chamada de “regra da correspondéncia cerimonial” ela se refere & diferencia¢ao andloga no vestudrio de duas classes funcionais quaisquer, similarmente ordenadas com base na oposigio entre ceriménia trabalho. Considerem, por exemplo, as “roupas de festa” usadas pelos homens em “ocasides especiais” (fetes), que podem talvez culminar num smoking formal em eventos muito ritualizados (por exemplo, casamentos, recepgoes de gala), ou, com formalidade ligeiramente menor, no terno escuro de corte impecdvel. Observe-se ento que, especificamente, essas roupas se assemelham aos ternos “conservadores” usados pelos executivos, de modo semelhante as respectivas diferencas existentes entre traje esportivo no campo do lazer ¢ colarinho-branco no dominio do trabalho. Os dois tiltimos — por sua rela- tiva “informalidade”, pelos esquemas de cor admitidos, ¢ assim por diante — de novo se parecem entre si; a ponto, alids, de podermos distinguir um fun- cionario mais jovem dos altos executivos empresariais justamente por seu “paleté esporte”. No entanto, exatamente as mesmas diferencas caracterizam, de modo geral, a oposigao entre os trajes mais formais das diversdes e a roupa relativamente despojada que é permitida quando se est “em casa, sem fazer nada” (sans projet). Ou trata-se ainda da diferenga entre o blue jeans ou 0 macacéo de um operirio da indiistria e os uniformes mais estilizados das gargonetes, dos entregadores e de outros prestadores de servigos. Essa oposigao especifica também ressurge, no dominio do lazer, nos trajes esportivos paraa caga ou o esqui, que se assemelham a uniformes, ao mesmo tempo que se diferenciam das “roupas informais” dos espectadores.** Portanto, essa é uma regra de analogia nas oposigées entre ceriménia ¢ trabalho, seja qual for o nivel em que elas aparegam no sistema. Os termos de qualquer oposi¢ao correspondem aos de qualquer outra, de tal modo que os trajes marcados (cerimoniais) de quaisquer duas classes se assemelham uns aos outros por 2 200 o LA PENSEE BOURGEOISE © uma diferenciagao andloga em face dos trajes naio-marcados (de trabalho) de suas respectivas classes. Ou, mais formalmente: (1) M/W, « M,/H, — onde a oposigao (/) entre marcado (47) ¢ nio- marcado (M), em qualquer classe considerada (x), corresponde (=) a M/Mfem qualquer outra classe (y). Além das semelhangas nas diferencas, h4 também diferengas nas semelhangas ~ um smoking é ainda mais “estilizado” do que um terno, assim como as roupas caseiras (especialmente as de dormir) sao mais “despojadas” e “informais” do que as de trabalho — o que leva a uma segunda regra: “a regra do exagero cerimonial”, Diz essa regra que, por um lado, o traje marcado, numa oposigao mais cerimonial, é mais cerimonial, ele préprio, do que seu equivalente numa oposigao existente no dominio laboral; assim como os uniformes dos desportistas so mais coloridos e elegantes do que 0 unifor- me das gargonetes ou dos leitciros. Por outro lado, o traje ndo-marcado da oposigéo cerimonial é ainda menos laboral do que seu correspondente no Ambito mais laboral, como a roupa do espectador é mais “informal” do que ado operitio da induistria. O mesmo se poderia dizer da oposigao entre fore ce esporte na categoria “diversio”, comparada a executivo e burocrata na cate- goria do trabalho administrativo, ao mesmo tempo que este tiltimo par é mais cetimonial (0 terno do executivo) e menos laboral (0 funcionsrio bu- rocritico) do que, mais uma ver, o prestador de servigos versus 0 operdrio da indiistria, A regra, portanto, € que a oposicio estipulada numa classe laboral é exagerada pela oposigio correspondente numa classe mais cerimonial. O exagero ocorre nas duas diregées: 0 traje cerimonial é mais cerimonial em seu pélo marcado e menos laboral em seu pélo ndo-marcado. Formalmente: Q) Mi > MP, entam um fator da fungdo de trabalho, ¢ > ¢ < representam a formalidade Mi < Mw, , onde os sobrescritos (1, 2, 3 ... n) repres- relativa. © 201 ° © CULTURA NA PRATICA Ou ainda, num diagrama (Figura 5.3): ‘OPOSICAO CERIMONIAL o ‘oF osi¢ko DE TRABALHO - msm? —__. msm: o Figura 5.3 ~ REGRA DO EXAGERO CERIMONIAL Poupo o leitor de uma discussio condizente com a modalidade do “ser”, que, por corresponder a uma especializagao crescente das ocupagies, é ainda ‘mais multiforme que o sistema de fungées.”* Mas parece legitimo fazer uma Pausa neste ponto, para explicar o que se pode pretender com o tipo de exer- cicio a que acabamos de nos entregar. O objetivo geral é responder a uma Pergunta inicialmente formulada por Marx, mas, ao que eu saiba, sem resposta em sua economia ou na de qualquer outro: que tipo de explicagao tedrica se pode dar para a produgéo como um modo de vida? Proponho aqui um exemplo dos preimbulos de uma tal explicagdo cultural - exemplo, porque diz respeito apenas ao sistema do vestudrio na América moderna; e prembulo, Porque até aqui cla se interessou sobretudo pela sintaxe geral, pelas classes sociais do objeto-vestimenta e por certas regras de sua declinagao social. Mas € necessatio sermos ainda mais cautelosos. As regras da correspondéncia cerimonial apenas sugerem uma tal sintaxe. Para pretender mais do que isso, a discussio teria de estipular os tipos de trago de vestudrio a que as regras se aplicam — tragos e contraste de cor, estilo e modelo, tipo e congruéncia das esas, espécies de acessérios, qualidades de textura — e suas formas de com- binagao. O Ambito completo do projeto é enorme; esse é apenas um exemplo de sugestao de um comego. © 202 o LA PENSEE BOURGEOISE © Nesse mesmo espirito, eu discutiria 0 processo simbélico no nivel mais inferior dos elementos constituintes e de seus significados especificos. O que tenho em mente éa determinagio de contrastes distintivos minimos nas ca- racterfsticas do objeto, como estilo, cor ou textura, que expressem diferengas no significado social. ‘Também nao reivindico aqui nenhuma novidade para essa tentativa, nem qualquer superioridade, em virtude de uma aparente sistematizagao, em relagio as observagoes feitas por muitos outros: ‘Ao que eu saiba, 0 macacio é uma roupa nativa deste pais (...) pelo menos a roupa padréo ou cléssica (...) do trabalhador rural do sul dos Estados Unidos: € 0 uniforme dele, a ins{gnia ¢ a pro- clamagao de sua condigao de camponés. (...) A base [dos ma- cacdes}, 0 que eles sio, isso se vé melhor quando ainda sio no- vyos, antes de perderem (ou adquirirem uma) forma, cor ¢ textura, antes de as costuras brancas da estrutura terem perdido seu bri- Iho. (...) Na tira que passa pelos quadris, eles também se parecer com arreios, assim como nas algas cruzadas € nos botdes de latio. E no bolso funcional do peito, lembram um arreio modificado para convir a um animal explorado, tao inteligente que sabe usar ferramentas. (...) Entre as belezas do macacio novo esto as de uma planta baixa: ele é um mapa do trabalhador. ‘As camisas também; de corte reto, com costuras reforgadas; com grandes bolsos quadrados ¢ botdes de metal: 0 tecido € dspero nao absorve 0 suor quando esté novo; o colarinho ¢ folgado quando novo, € se levanta formando angulos embaixo das orelhas. (Agee € Evans, 1941, p. 265-267) Sao essas unidades significativas elementares — 0 corte quadrado dos olsos, a aspereza do tecido, as algas cruzadas — que a presente discussao quer destacar. Num nivel superior, hé um léxico das unidades produtiveis: ipos de tecido, como seda ou Id; tipos de roupa para a parte superior do corpo, como camisas ¢ blusas; produtos como tais, que entram integralmente no traje completo e, em geral, contribuem para o todo com varias concepsdes. Mas essas jé sfo construgées complexas, cuja contribuigao de sentido depende dos detalhes constituintes da forma. Num texto que ridiculariza a pretenséo 2 203 ¢ © CULTURA WA PRATICA de que nossas roupas seriam, em algum sentido, “modernas” ou “civilizadas”, Rudolfsky escreveu: Qualquer pedago de tecido pode ser carregado de sexualidade, a0 simplesmente ser cortado numa forma precisa. A forma resultante pode determinar o sexo real. (...) O transpasse de uma blusa, um paleté ou um casaco determina 0 sexo da pega. Quando a roupa é abotoada do lado direito, corna- se adequada somente para homens e decididamente inadequada para mulheres. Sejam quais forem as explicagGes exéticas do folclo- re, 0 lado direito do corpo sempre foi masculino, ¢ 0 lado esquerdo, feminino; essa orientagao tem sobrevivido, a despeito de sua irracio- nalidade. (1947, p. 126-127) Seria facil acrescentarmos varias caracteristicas elementares semelhan- tes, que diferenciam o género das roupas. As mangas dos homens, por exemplo, séo geralmente mais talhadas sob medida do que as das mulheres ¢ se estendem por todo 0 comprimento do braco, em comparagio com as de comprimento trés-quartos (ou menos) que mostram a extremidade inferior — contrastes estes que se repetem com exatidéo nos membros infe: Fes, nas calgas ¢ saias2” O tecido masculino é relativamente éspero e duro, em geral mais pesado, enquanto 0 feminino € macio ¢ fino; afora o branco, que é neutro, as cores masculinas sao mais escuras, ¢ as femininas sao claras ou em. tons pastel. O corte das roupas masculinas € reto, com Angulos ¢ cantos; os trajes femininos enfatizam 0 curvo, 0 arredondado, 0 esvoagante ¢ 0 fofo. Esses elementos de corte, textura ¢ coisas similares so os componentes mi- rnimos, os contrastes objetivos que transmitem significado social Abstenho-me de chamé-los de “vestemas”; porém, se necessario, pode- riamos considerd-los como UCEs ~ “unidades componentes elementares” ~ € como um trocadilho com o dito de McLuhan de que “a conformidade com uma moda literalmente pée em voga um estilo”. Proponho considerar apenas trés classes de unidades elementares: textura, linha e cor. Primeiro a textura, principalmente para ilustrar o fato de que a signifi- cagio se desenvolve a partir de contrastes bindrios entre significantes. A tex- tura funciona semanticamente com base em diversas oposigées objetivas — o 204 9° LA PENSEE BOURGEOISE © pesado/leve, dspero/liso, duro/macio —, varias delas simultaneamente per- tinentesa qualquer tecido. Marilyn Horn, num texto que recebeu o subtitulo de An Interdisciplinary Study of Clothing, compilou uma boa lista de diades texturais, pressupondo em cada par os dois pdlos de uma gradago continua de variagoes (1968, p. 245). Pessoalmente, eu teria dificuldade para estabelecer uma distingao entre vérios dos pares, mas temos de nos curvar a Horn como especialista ¢ informante. Seja como for, 0 tecido pode ser: opaco______brilhante dspero____ liso desigual_____ plano granuloso escorregadio grosseiro______ fino volumoso_____ difano pesado____leve compacto poroso erigado____felpudo crépido. molengo armado maledvel duro macio rigido esponjoso inclistico___eldstico quente frio adelgacado borrachudo O pressuposto € que essas diferengas objetivas sejam ao mesmo tempo observaveis ¢ socialmente significativas (ver nota 21). Qualquer pedaco de tecido, portanto, é uma combinagio particular de varias qualidades de textura. Uma vez que cada qualidade tem um significado, em contraposigao a seu ‘oposto objetivo, a textura transmite um conjunto paratéctico de proposigies concernentes a idade, sexo, atividade, classe, tempo, lugar ¢ demais dimensoes da ordem cultural. As linhas estruturais que aparecem no corte ou no feitio das roupas compéem uma classe andloga de contrastes de sentido. A significacdo parece correlacionar-se com pelo menos trés caracteristicas da linha: diregao, forma 2 205 o © CULTURA NA PRATICA € ritmo. A diregdo refere-se & orientagao em relagao a uma base: donde, a vertical, a horizontal ¢ a obliqua mediadora, sendo esta tiltima divisfvel em esquerda (descendo da esquerda para a dircita) e direita (subindo da esquer- da para a direita) (Figura 5.4). DIREGAO AXIAL ‘ostiqua VERTICAL HORIZONTAL ESQUERDA inerTa Figura 5.4 — DirE¢Ao DA LINHA. Note-se que ja um pequeno paradigma da constituicao cultural do sentido que uma linha obliqua que desce da direita para a esquerda seja considerada pelos europeus como inclinada “para cima’, enquanto a linha que desce da esquerda para a direita inclina-se ‘para baixo”. A distingao “para cima’/“para baixo” € perfeitamente arbitréria, ainda que as vezes seja implicitamente aceita no nivel experimental (por exemplo, Poffenberger € Barrows, 1924). Supondo-se que as linhas sejam “lidas” da esquerda para a dircita, essa distingZo as transforma na objetificacéo potencial de qualquer relacao social ordenada que seja similarmente concebida em termos de “alto” © “baixo”, “superior” e “inferior”. A segunda dimensio da linha, a forma, refere-se a propriedades tais como ser reta ou curva, com uma forma inter- medidria angular ou em ziguezague. O ritmo é a periodicidade da curva ou Angulo — uma série indefinida que, em geral, expressa-se na linguagem como lum movimento ou velocidade que vai do “lento” ou “ondulante” até o “rapi- damente oscilante”, mas pode também incluir uma variagao significativa de amplitude. % 206 © LA PENSEE BOURGEOISE © Com a ajuda de um pouco de psicologia de época e de um comentario estético sobre o significado da linha, é possivel apresentar valorizacdes cul- turais de certos contrastes de linhas. A psicologia experimental pode ser apenas sugestiva: projetado para evocar o valor expressivo ou afetivo das linhas, © método testa a relagdo com o sujeito individual, e nao a relagao en- tre representacdes objetivas e representacées sociais como tais. Ainda assim, as reages em termos de humor implicam, pelo menos indiretamente, in- terpretages culturais. Para maior reflexao, portanto, anexo um exemplo antigo de experiéncia sobre “o valor sentimental da linha”, 0 estudo de Poffenberger ¢ Barrows citado ha pouco, com o relato das respostas per- centuais de quinhentos sujeitos cultos a um conjunto de dezoito linhas di- ferentes. As linhas diferiam, na forma, entre curvas ¢ angulares; nao foram incluidas linhas retas. Quanto ao ritmo, tanto a periodicidade quanto a am- plitude operavam simultaneamente, enquanto a direcéo abarcava apenas a horizontal ¢ as duas obliquas. Nao havia orientacao vertical. Os sujeitos fo- ram solicitados a atribuir valores &s linhas apresentadas, a partir de uma lista de treze adjetivos como “triste”, “calmo”, “preguicoso”. Os resultados principais esto resumidos na Tabela 5.1. Resultados desse tipo sao realcados por um outro tipo de informacao, como a fornecida por esteticistas experientes, cujas descrigdes da significancia do concreto atingem amitide dimensdes especificamente culturais. Num texto fascinante, The Art of Color and Design, Maitland Graves, por exemplo, oferece diversos comentérios do seguinte tipo sobre a linha: “A linha ligeiramente curva ou ondulada é solta ¢ flexivel. Gragas a transicdo harménica na mu- danga de direcao, ela tem uma continuidade fluida.” O “movimento lento € preguicoso”, prossegue ele, é “passivo”, “gentil”, “suave”, “voluptuoso” e “fe- minino” (1951, p. 202). A linha reta, em contraste, “sugere rigidez e pre- cisio. E positiva, direta, tensa, rigida, intransigente, rispida, dura e inflexivel.” Poderfamos, portanto, acrescentar — talvez sem tirar vantagem indevida da pretrogativa de informante— que linha reta, por comparacio, é masculina. Graves tece uma comparacao andloga entre a vertical ¢ a horizontal, adi- cionando conotagGes tais como forga e autoridade. Nesse caso, tudo depende da relagao com um solo ¢, como Graves a descreve com extrema ingenuidade, © 207 o © CULTURA NA PRATICA com 0 chao. A linha horizontal “est em harmonia coma atragao da gravidade, ou seja, em repouso. E quieta, passiva, calma, sugere o descanso, (..) A vertical sugere aprumo, equilibrio e um apoio sdlido e firme. As linhas verticais (. séo severas ¢ austeras; simbolizam retido, honestidade ou integridade, dignidade, aspiracao ¢ exaltacao” (idem, p. 210). TaBELA 5.1, — Os SENTIMENTOS E SUAS LINHAS APROPRIADAS. FORMA RITMO DIREGAO Hori. Ascen- Deseen- Curva Angular Lento Médio Répido zontal dente dente 83 143 868696942843 Cunadexcen dente lenta 2Seena 972 38.0172 BS 925.842 Cuma hoe zonal lenta 3 Preguigosn 740 26.1723 «1997.9 38799515. Cuvadexen dent lenta 4Alege 79.7204 1.5544 4216479542 Anguloascen- 5-Agiada 174 82.8 4539.1 56.6 23,1 6888.3. Anguloascen SFuiom 10789297 44046216 A— 2820.7 Anguloacer TiMora 53934629 703. 63) 226 dae" 39) Sta) Cae erie 8.Brinclhona 76.0 23:7 9.8) 51838128265. 65 Curvaaseen: 9Fra 6392-306 53614092236 BO 0.2 Curadecen 10.Genil 89.6 103517222 26.0 73.7155 10.7 Curvahori- U.Ropida = 7.1 9298-625 25.7 40.1306 293. Curvahor- 12.Séia 35.5642 505-282-210 GHA 19.1. 16.2—Angulohor: W3.Posame 15.3 85.4 278) 527 19.9579 5557.0 Anguloascen- ° 208 o LA PENSEE BOURGEOISE © Ora, como é que se vai da caracteristica objetal da UCE (por exemplo, reta/curva) para sua significacéo cultural (masculino/feminino)? E preciso ter cuidado com a ingénua armadilha naturalista. O significado nao é um cone auto-evidente, imanente ao signo; o proceso mental € mais do que uma associagao de semelhangas presentes para os sentidos. Dificilmente bastaria comentar que, em meédia, os homens so mais retilineos que as mulheres — mesmo que fosse possivel desconsiderar, de algum modo, o fato de muitos deles serem mais arredondados do que muitas mulheres. O problema é infinitamente mais interessante e sutil ¢, pensando bem, esté formulado de maneira inteiramente incorreta na pergunta inicial. No que concerne i produgio, édesnecessétio “chegar” ao género cultural a partir da forma geométrica, como a0 significado a partir do significante, porque, desde 0 comeso, cada um deles é, alternadamente, como se fosse 0 significado do outro. Na sociedade, tal como ela se constitui, “arredondada” ¢ “macia” sao tanto a definigao da mulher, quanto “feminina” é a definigao da linha. Género e linha: cada umé a significacao do outro, e cada qual representa para 0 outro o signo fisico cujo significado esté sendo determinado. Vista por esse prisma, a diferenca entre homens ¢ mulheres também é “objetiva’, uma distingio do tipo con- creto-perceptual, em relagéo & qual nogGes objetais como “reto” ¢ “curvo”, “duro” e “macio”, “rigido” e “flexivel” desempenham o papel de conceito. Assim como entendemos a diferenga da linha como uma distingao de sexo, entendemos a distingao de sexo em termos da linha. Mais do que isso, porém, um segundo momento de reflexio sobre a linguagem sugere que o mesmo se pode dizer de um grande ntimero de dis- tingGes sociais: elas sao caracteristicamente expressas em termos geométri- cos. Nosso mundo social ¢ apresentado como um imenso mundo objetal — € vice-versa. A morte ¢ um “declinio” até o “fim” da imobilidade e da pros- taco; por conseguinte, no experimento de Poffenberger, a linha com uma curva horizontal “lenta” ou “descendente” é “morta”. Do mesmo modo, porém, 0 status € uma “p 0” (“standing” entre os homens entendida em termos de “superior” e “inferior”, assim como uma ordem é algo diante da qual nos “inclinamos” ou nos “curvamos”. Algumas pessoas sio “tetas”; outras © 209 © © CULTURA NA PRATICA so “tortas” ou, pelo menos, “tortuosas’— algumas so até “desviantes”. Umas sao “fortes”, outras, “fracas”. Algumas sao “vigorosas”; a “forca” também é um. atributo da autoridade constituida. Falamos de maneira “direta” ou “indireta”. Agimos com “tigidez” ou “flexibi tantes”, em alguns dos quais podemos “apoiar-nos”, enquanto servimos de lidade”. Temos parentes “préximos” e “dis- “esteio” para outros. Seria facil prosseguir indefinidamente, mas “encurtarei” a discussao para chegar ao “ponto”: 0 mundo social ¢ comumente representado pelo chamado mundo objetivo, o qual, precisamente por ser figurativo, fun- ciona aqui como a idéia. Conseqiientemente, quando se trata de fabricar um produto, de um conjunto indumentério que objetifique a proporsio reto/ curvo::masculino/feminino, no é preciso privilegiar mais a atribuicao de género 3 forma do que a de forma ao género. Essa correspondencia jé existe plenamente, antes ¢ fora do momento em que “qualquer pedago de tecido pode ser carregado de sexualidade, 0 simplesmente ser cortado numa forma precisa” (Rudolfiky, 1947), Na condigio de mera materializagao particular dessa correspondéncia, o tecido é um fato social total, a0 mesmo tempo material e conceitual, que entrelaga imperceptivelmente o significado espacial do sexo com o significado sexual do espago. A produgao, portanto, é a pratica de uma légica do concreto muito mais difundida, légica esta que é, ela propria, produzida como uma apro- priacao simbélica da natureza. Nao sao simplesmente as espécies que si0 “boas para pensar”, O famoso dito de Lévi-Strauss aplica-se a toda sorte de coisas ¢ relagées de ocorréncia natural. A totalidade da natureza é 0 objeto potencial da praxis simbélica. A diferenga entre a linha vertical e a horizontal pode trazer em si uma “resisténcia” e uma “submissio” comumente vivenciadas ante uma “forga” bem conhecida. Daf a adequacao de um contraste fornecido pela natureza a uma distingao presente na cultura — por exemplo, entre autoridade e subordinagao. Tampouco precisamos deixar-nos enganar pela aparente objetividade do signo, que € apenas o resultado de um processo dialético em que, primeiro, 0 faro natural é captado culturalmente, para depois set reaplicado naturalmente. Natureza rigidamente separada do homem, como disse Marx, nao existe para o homem: as idéias de “forga”, “resisténcia” ¢ similares jé do atribuigdes de valor, representagées culturais relativas do 2% 210 ° LA PENSEE BOURGEOISE © processo natural. Ao contrério de nossas perspectivas convencionais, esse tipo de metéfora nao parte realmente do concreto para o abstrato, da natureza para a cultura. Isso pressuporia que o poder de classificagao da linguagem fa- Ihasse misteriosamente no momento da experiéncia “real”, que pudesse mera- mente proferir entdo um novo nome, ou seja, degenerar-se num sinal. Podemos ter certeza de que “forga” foi uma relacio espiritual antes de se tor- nar um fato objetivo; e, correspondentemente, a apropriagéo material da na- tureza a que chamamos “produgao” é uma decorréncia de sua apropriagio simbdlica. O principio saussuriano, portanto, nao € violado, sejam quais forem as semelhangas aparentes entre 0 objeto-signo ¢ o referente cultural. Mais do que um reflexo, 0 signo é uma concepgio de diferengas objetivas. Logo, a ar- bitrariedade preserva uma dupla garantia histérica. Quais aspectos da natu- reza sero utilizados pela cultura para suas préprias intengGes é algo cuja de- terminagdo continua a ser relativa: aquele contraste especifico de linha para representar 0 sexo nao é 0 tinico possivel. Inversamente, o contetido espect- fico de qualquer contraste particular, no plano do objeto, nao ¢ dado com a diferenga: se a linha vertical representa a honestidade, a masculinidade ou aautoridade — e, no caso desta tiltima, que tipo de autoridade -, nada disso pode ser dito fora de um determinado sistema cultural. No entanto, a0 mesmo tempo, a apropriagao histérica de contrastes concretos tem de levar para a ordem da cultura pelo menos duas condic6es da natureza, se quiser funcionar como discurso social. Primeiro, a escolha de uma dada oposicao material — como reto/curvo::masculino/feminino — tem de ser verdadeira: a penalidade pela contradigio entre os contrastes perceptiveis do objeto ¢ as relagbes expressas é a auséncia de significado e, em ultima instancia, 0 siléncio. De praxe, o signo ¢ relativamente motivado, ainda que de acordo com um certo esquema cultural. E segundo, portanto, a condigao de semelhanga percep- tivel, em si mesma relativa ¢ indeterminada (como mera condigao de nao- contradicao), manifesta o englobamento pelo sistema simbélico de estru- turas naturais especificas — as da prépria percepgio. Essa ¢ uma atividade de apropriagdo e exploragao, o emprego de contrastes ¢ relagées sensiveis como um cédigo semistico... . 9 211° © CULTURA NA PRATICA* Em sua dimensio econémica, 0 projeto consiste na reprodugao da sociedade num sistema de objetos nao apenas titeis, mas dotados de significado, cuja utilidade consiste, a rigor, numa significdncia. O sistema do vestudrio, em particular, reproduz na sociedade ocidental as fungées do chamado totemismo. Como materializacao suntudria das coordenadas principais de Pessoa e ocasiao, converte-se num vasto esquema de comunicacao — de modo a servir como linguagem da vida cotidiana entre pessoas que podem jamais ter tido algum contato anterior.” A “mera aparéncia” deve ser uma das formas mais importantes de assergdo simbélica na civilizagao ocidental, pois é pelas aparéncias que a civilizagio transforma a contradi¢io bdsica de sua construgao num milagre da existéncia: uma sociedade coesa, formada por perfeitos estranhos. No caso, porém, sua coesio depende de uma coeréncia de tipo especifico — da possibilidade de apreender os outros, sua condigao social ¢, portanto, sua relaco com o préprio sujeito, “A primeira vista”. Essa de- pendéncia da visto ajuda a explicar, por um lado, por que as dimensées simbélicas, ainda assim, nao s4o dbvias. O cédigo funciona num nivel in- consciente, a concep¢io embutida na prépria percepgio. Trata-se precisa- mente do tipo de pensamento que se costuma conhecer como “selvagem” — um pensamento que “nao distingue o momento da observacao do momento da interpretagéo, do mesmo modo que nés, ao observé-los, primeiro regis- tramos 05 sinais do interlocutor e depois tentamos compreendé-los; quando ele fala, os sinais expressos carregam em si seus significados” (Lévi-Strauss, 1966, p. 223). Por outro lado, essa dependéncia do olhar sugere a pre- senga, na vida econdmica e social, de uma légica completamente alheia & “racionalidade” convencional, pois racionalidade ¢ o tempo transcorrido, uma comparagio — pelo menos, é mais um olhar adiante, e uma ponderagio das alternativas. A relagao entre essas légicas € que a primeira, a simbélica, define e classifica as alternativas, cuja “escolha”, a racionalidade, esquecida de sua prépria base cultural, gosta de considerar que ela prépria constitui. © 212 6 LA PENSEE BOURGEOISE © Notas 'E dlaro que sabemos que, em algum nivel, essas afirmagées sio fraudulentas, ‘mas esse conhecimento ¢ apenas mais uma prova do mesmo princfpio, a saber, 0 poder determinante do ganho. Uma vez desvendados os segredos da propaganda ¢ retirados toda a substincia ¢ sentido, que mais resta sendo a motivagio do ganho, por baixo de todas as formas sociais? Ora, pela propria abstracio e nudez em que a descobrimos, seu poder € confirmado ~ sobretudo pela ilusio de havermos con- seguido discerni-lo por trés da mascara das falsas alegacoes. “Till jarring interests of themselves create / The according music of a well- mixed state [../ Thus God and Nature linked the general frame, / And bade Self- love and Social be the same.” (N. da.) * Sob um certo aspecto, o de estar menos preso a uma situacio especifica, 0 valor de uso é mais arbitrério do que o valor de troca, embora tenha uma associacio mais estreita com as propriedades concretas do objeto. Marx estava correto a0 en- tender o valor-mercadoria como um significado diferencial estabelecido no discurso das coisas, isto é, que figura como o conceito (le signifié) de um dado objeto apenas através das relagées desenvolvidas no discurso comercial, € nao em referéncia a propriedades concretas. Nesse tiltimo aspecto, o valor-mercadoria é mais abstrato. Para entrar nessas relagdes determinantes, entretanto, 0 objeto deve set um valor de uso, ou seja, deve ter um significado convencional atribuido a suas propriedades objetivas de tal maneira que Ihe confira “utilidade” para certas pessoas. Uma vez que esse significado & uma avaliacdo diferencial das propriedades, néo pode ser apreendido pelos sentidos, mas esta sempre ligado ao sensivel — portanto 0 valor de uso € 0 valor mais concreto. Por outro lado, o significado de utilidade pode ser in- vocado fora de qualquer ato especifico, sendo entendido como o significado do objeto como tal. Mas 0 valor de troca sé é determindvel com base na interagio eco- némica das mercadorias, e diferentemente em cada situagao. Ele estd preso ao dis- curso das metcadorias e é estipulado no seu interior; fora do contexto de troca, 0 objeto retoma o status de um valor de uso. Visto dessa maneira, o valor de uso é 0 mais arbitrari valor de troca é um “embreante” Ppragmatico. “A discusséo que se segue é apenas uma glosa marginal da andlise mais ampla das idéias de comestibilidade e de relagdes com os animais domésticos lan- gadas por Douglas (1966, 1971), Leach (1964) e Lévi-Strauss (1966). Ver também Barthes (1961), R. Valeri (1971) e, a Propésito de certas correspondéncias entre categorias sociais ¢ zoolégicas, Bulmer (1967) e Tambiah (1969). A intengao aqui é 2° 213 0 © CULTURA NA PRATICA menos a de conttibuir para a andlise semidtica do que a de frisar as implicagées econémicas. * CE. Benveniste sobre o paw vira indo-europeu, por exemplo: “é como um componente da riqueza mével que se deve entender 0 vira ou 0 pasu vira avésticos, Designa-se por esse termo 0 conjunto da propriedade privada mével, tanto homens quanto animais” (1969, v. 1, p. 49). Ou, ver a longa discussao sobre os termos la- tinos pecu, pecunia ¢ peculium (idem, p. 55 ss.). “Vale notar que, na lingua inglesa, frag (ra) & usado como termo pejorative para designar os franceses. (N. da T.) Supondo que um individuo acostumado a comer cies nos perguntasse « razio de nio os cometmos, s6 poderfamos responder que nao € nosso costume; ¢ seria Iicico ele dizer que 0s cies s40 um tabu entre nés, exatamente como € licito fa- larmos de tabus entre 0s povos primitives. Se féssemos pressionados a fornecer as razbes, € provavel que baseéssemos nossa aversio a comer cies ou cavalos na aparente impropricdade de comer animais que convivem conosco como nossos amigos. (Boas, 1965, p. 207) * As préticas francesas © norte-americanas de nominacéo parecem divergir esse ponto. As observagées de Lévi-Strauss sobre os nomes dados aos animais Pelos franceses (1966, p. 204 ss.) aplicam-se apenas parcialmente 4 praxe norte- americana, Basta uma répida investiga¢do etnogrifica para mostrar que a tiltima ¢ bastante complexa nesse aspecto, A regra geral, no entanto, é que “com nome” esté Para “no comestivel” assim como “sem nome” estd para “comestivel”. Os nomes de cies ¢ cavalos (excluidos os cavalos de corrida) as vezes so “como nomes ar- tisticos, formando uma série paralela aos nomes das pessoas na vida cotidiana, ou, em outras palavras, (s40) nomes metaféricos” (idem, p. 205) — por exemplo, Duque, Rei, Patrulheiro, Disparador (Duke, King, Scout, Trigger]. Mais comumente, po- rém, os nomes usados em inglés séo termos descritivos, igualmente metamérficos, ‘mas tirados da cadeia discursiva — Cinzento, Malhado, Tristonho, Xereta, Pintado [Smokey, Paint, Blue, Snoopy, Spot], ¢ assim por diante. Os franceses reservam esses nomes para o gado. Em geral, nosso gado no tem nome, com excegio das vacas leitciras, que muitas vezes recebem nomes humanos dissilabos (Bessie, Ruby, Patty, Rena — estes colhidos junto a informantes). Os cavalos de carga ou tragio — em contraste com os de montaria — também recebem nomes humanos. As dife- rengas entre sociedades aparentadas nesses aspectos, como assinalou Lévi-Strauss (1966), representam diferentes découpages culturais, ou superposigdes do animal na série humana, e 214 © LA PENSEE BOURGEOISE © » Leach desenvolveu essa questo em seu importante artigo sobre as categorias glesas de animais, como enquadradas num conjunto sistematico de correspon- déncias entre as relagdes com pessoas ¢ as relagées com animais, conforme os graus de distincia do sujeito (1964, p. 42-47 e apéndice). Leach afirma que esse esquema tem ampla validade, embora nao seja universal; é claro que exigiria alguma permuta no caso de povos que (por exemplo) comem cées domésticos. Os havaianos tratam com grande compaixio os cies destinados a ser comidos, “e no raro condescendem em alimenté-los com poi (taro pilado) tirado de sua préptia boca” (Dampier, 1971, p. 50). Nunca se permite aos cies destinados & alimentagio, entretanto, 0 consumo de carne (Corney, 1896, p. 117). Nao fica claro se si0 comidos pela familia que os cria ou se, como os porcos melanésios, similarmente mimados na casa, sio reservados para as obrigagées em relagdo a terceiros. " E claro que a taxonomia da carne € muito mais complexa do que essas denominagées comuns. O filé, por exemplo, tem vocabuldtio préprio, no qual aparecem algumas referéncias orginicas, embora, em geral, néo com os termos aplicados ao corpo humano (sirloin, T-bone etc.). O figado de vitela é uma excegio a toda essa discussio, por raz6es que me sio desconhecidas. "© termo sweetbreads, cuja composigao léxica teria 0 significado de “pedagos de pio doce”, & 0 vocabulo com que se designam o pincreas ou o timo de vitela ou cordeiro, quando usados no consumo alimentar humano. (N. da T) " Expressio que designa a culinaria negra nos Estados Unidos. (N. da‘) ® Além disso, ha nessa idéia de comunicagio uma base fundamental, esta- belecida por Rousseau em seu debate continuo com Hobbes: Mas, ainda que ficasse comprovado que essa guerra de todos contra todos, de cobica ilimitada e indomavel, desenvolveu-se em todos os homens até o ponto suposto por nosso sofista, ainda assim ela nao produziria a guerra universal cujo odioso tableau Hobbes se aventura a tracar. Esse desejo incontrolivel de se apropriar de todas as coisas 6 ncompativel com o de destrur todos os semelhantes; «, havendo matado todos, o vencedor teria apenas a desventura de ficar sozinho rno mundo, e de nada poderia desfrutar, mesmo que possuisse tudo. A riqueza em si mesma: de que serve ela, quando néo pode ser comunicada, e de que adiantaria a um homem possuir 0 universo inteiro, se fosse seu vinico habitante? (1964, v. 3, p. 601) “ Como diz Bau lard, (2) 08 objetos nao sio a flora nem a fauna. No entanto, dio a impressio de ‘uma vegetagio pujante, de uma floresta na qual o novo selvagem dos tempos © 215 > © CULTURA NA PRATICA ‘modernos tem dificuldade de encontrar os reflexos da civilizagio. Essa fauna e flora, produzidas pelo homem, e que voltam a cercé-lo € a envolvé-lo, (..) devemos tentar descrevé-las (..) sem nunca esquecer que, em seu esplendor ¢ Profusio, elas sio o produto da atividade humana, ¢ sto dominadas nio por leis ‘ecolégicas naturais, mas pela lei do valor de troca”. (1970, p. 19-20) ° verbo “to fashion” significa “fazes", “dar forma’, “moldar”, “adaptat”; fabricate, por outro lado, remete a fabric, “tecido”. (N. da E.) “A moda em roupas, evidentemente, € com freqiténcia comentada por cientistas sociais ¢, vez por outra, faz-se objeto de investigacao empirica (Barthes, 1967; Richardson ¢ Kroeber, 1940; Simmel, 1904; G. P. Stone, 1959). Mas hd uma bibliografia muito mais rica a que podemos recorrer para fins etnogréficos: as reflexdes diretas dos participantes do processo, Nossa discuss4o serve-se dos escritos de publicitérios, pesquisadores de mercado, estilistas, compradores, editores de moda ¢ criticos, bem como de livros preparados por professores de economia do- méstica, design e estética. Além disso, a discussio nao se priva do beneficio da ob- servagio e da auto-reflexio, na tinica situagio em que o etnégrafo finalmente realiza a posigao privilegiada do observador-participante, a saber, em sua prépria aldeia, Nio tenho a pretensio de haver esgotado nenhum desses recursos — bem longe disso, Para uma abordagem do vestuério andloga & que tentei fazer aqui — e da qual sé tive conhecimento apés este capitulo ter ido para o prelo -, ver Bogatyrev (1971). "” Embora Barthes estivesse exclusivamente interessado na retérica da roupa tal como escrita (le vétement éerit), € no no sistema simbélico do objeto-vestimenta como tal, boa parte de sua discussao é pertinente ao presente esforco, ¢ recorti ma- cigamente a ela. "* Vale notar que os dois termos em inglés, blue collar ¢ white collar, que se traduziriam literalmente por “colarinho azul” ¢ “colarinho branco”, diferenciam-se apenas pela indicagio da cor. (N. da T) ” CE o “principio de adaptagao ao estado” de Crawley: “A roupa expressa todos 0s movimentos sociais, assim como todos os graus sociais. Expressa também © caréter familiar, municipal, estadual, regional, tribal e nacional. Ao mesmo tempo, dé a0 individuo plena margem de ago. Uma psicologia completa do assunto ana- lisaria todos esses casos com referéncia ao prinefpio de adaptagdo” (1931, p. 172). Algumas das mudangas objetivas que acompanham a proporgio fundamental piiblico/ptivado:impessoal/familiar so evocadas pela imagem estercotipada do bom burgués que volta para casa depois de “um dia duro no escritério”: uma cena banal em que a transigéo social € expressada por um homem que, sucessivamente, tira o chapéu, dé um beijo na esposa, tira o paleté, arranca a gravata (num gesto © 216 © LA PENSEE BOURGEOISE © exagerado), desabotoa o colarinho (respirando fundo), afunda-se em sua poltrona favorita, enfia os chinelos, trazidos por um filho, mulher ou cachorro bem treinados —e solta um suspiro de alivio. Hi nisso um conjunto de afirmagées sobre o contraste entre a familia ¢ 0 “mundo maior”. No estudo sociolégico de G. P. Stone acerca do vestudrio em Vansburg, no estado de Michigan, observou-se que cerca de 70% dos trabalhadores manuais ¢ colarinhos-brancos chegam ao trabalho usando o que con- sideram ser sua roupa de trabalho, e cerca de 60% a trocam ao chegar em casa. Mais de 90% de suas mulheres mudam de roupa antes de sair as compras, e aproxi- madamente 75% tornam a fazé-lo a0 chegar em casa (1959, p. 109-110). Algum tempo atris, Lynes observou que, nos fins de semana, desde que as casas (dos bair- ros residenciais) se transformaram na arena do faca-vocé-mesmo, a classe do colari- nho-branco passou a exibir “roupas de batente” (por exemplo, jeans) na esfera domeéstica ~ exceto nos “churrascos”, que se distinguem pelas roupas coloridas ¢ vistosas dos feriados, “simbolos da revolta contra 0 conformismo imposto aos ho- mens pela rotina didria dos negécios” (1957, p. 69). ® © Memorial Day € 0 feriado em meméria dos soldados mortos em guerra. O Dia do Trabalho é comemorado, nos Estados Unidos, na primeira segunda-feira de setembro, de modo que essas duas datas balizam o alto verio. (N. da T) 2! As variedades de algodio também sio diferenciadas por sexo, conforme seu peso e sua espessura, donde o paradigma comum das quatro classes de recidos MASCULINO __FEMININO r ouasse a SEDA T MASSA BRIM ‘ALGODAO enceso PESADO uve Num livro sobre técnicas publicitérias, Stephen Baker apresenta forografias de uma mesma mulher vestida com quatro tecidos diferentes. E comenta: ‘Tecidos tém conotagdes sexuais. A li é 0 menos feminino dos quatro materias. (...) Dé a mulher uma aparéncia profissional, urbana, sofisticada. O linho tem uma imagem mista. Quando é branco, 0 tecido sugere pureza. E mais fe- ‘minino do que ala, mas tem pouco poder de sedugio. O linho é associado a di- versio pura e saudével. A delicadeza da renda (assim como sua leveza) faz dela um tecido muito feminino. Rica em estampas decorativas, a renda exala um ar de clegancia e altivez, mas de suave feminilidade, A seda é o mais sensual de todos os tecidos. Brlha ereflete as incideéncias da luz. E muito macia e adere a0 corpo da mulher. Essa caracteristica faz que a seda (ou o cetim) realce as qualidades sedutoras daquela que a usa. (1961, n.p.) © 217 6 © CULTURA NA PRATICA + ® CE Schwartz sobre o vestudtio dos afto-americanos. Uma observacdo desse estudo empirico, que parece ser bastante generalizével, € que “a motivacio menos importante por trés da escolha ¢ do uso de certas pegas do vestudrio & a protesao contra os elementos” (1958, p. 27). ® Um estudo empirico do vestuério favorito de universicérias ¢ de mulheres de meia-idade, ambas da classe alta, estabeleceu contrastes do seguinte tipo (N. Taylor, citado em Rosencranz, 1972, p. 214-215): Jovens universitérias Mulheres de meia-idade Roupa | Vestidoecasaco de i cinza-escuros; | Conjunto de seda preta ccharpe de li escocesa com cstampado vivo ‘em cinza, preto e vermelho Sapatos | — Baixos, pretos e pesados Escarpins de seda preta com lago Mecias | Levementeacinzentadas De seda preta Bolsa Pica preta Seda preta Pulscia | Pratacom pérolas Ouro Broche | — Brilhante em formato de sol Ancl Pérola Pérolaebrilhante Por essas informagées ¢ pela discussio anterior, provavelmente poderfamos fazer algumas suposicées sobre a produgio: por exemplo, a de que (mantendo-se a igualdade das demais varidveis, ¢ clas sio muitas) a quantidade de seda preta pro- duzida se correlaciona com 0 mimero de mulheres brancas, de meia-idade ¢ da classe alta existentes na populacio ~ 0 que, por sua vez, é produto da organizagio total da sociedade (incluindo, em especial, a producio). Essa proposi¢go é a um tempo banal ¢ inteiramente néo comprovada. Esté longe de ser parte da natureza das coisas que a seda tenha alguma afinidade com as mulheres brancas de meia- idade, embora isso esteja na cultura das coisas. * Sem negar que esse possa ser 0 modo genuino de aparéncia para os par ticipantes do processo: “Acho que nunca imaginei que as coisas chegassem a esse Ponto’, disse Haas, que, ao lado de seu irmao Peter, presidente da empresa (Levi- Strauss), foi responsével por configurar a Levi’s em sua estrutura atual. ‘Basicamente, © que tentamos fazer foi atender as necessidades da sociedade.” © 218 © LA PENSEE BOURGEOISE © ““O consumidor continua a determinar o que ele quer’, disse Bud Johns, di- retor de relagoes piblicas da empresa. ‘Estamos sempre tentando nos adaptar.” (Blue Jeans: Uniform for a Casual World. Chicago Tribune, 5 de maio de 1975) ® Ou entio, considere-se 0 seguinte exemplo de estilizagio em relagéo a hicrarquia cerimonial, observado por Jacinski numa fabrica: “Calgas ¢ camisas ciqui, sem gravata, para os inspetores; calgas ¢ camisas esporte para os chefes de equipes calgas, camisa branca e gravata para os assistentes do chefe de seco; € 0 mesmo, acrescido de palet6, para 0 chefe de segio” (citado em M. S. Ryan, 1966, p. 66). % Sobre a diferenciagio ocupacional do vestuétio, ver, por exemplo, M. S. Ryan (1966, p. 62) ¢ Horn (1968). Um dos informantes de Vansburg teceu o seguinte comentario sobre as mudangas trazidas pela recente especializagao agricola: Anos atrés, era possivel identificar qualquer agricultor. Eles costumavam usar macacdes de brim 0 tempo todo. Agora eles tém uma agricultura diversifi- cada, de modo que as roupas também mudaram. Bem, alguns ainda usam macacbes de brim. Os que trabalham com laticinios usam uniformes. Os {ue estio no ramo de aves usam um uniforme branco. Os que trabalham com gado de corte usam saias de mulher ¢ calgas de veludo cételé— no campo, tém de usar uma roupa mais pesada. E completamente diferente do que era hd rinta anos. (1959, p. 120-121) se observou muitas vezes, hd uma assimetria no género de quase todos os objetos, inclusive roupas: as coisas femininas é que sio marcadas ¢ ex- clusivas; os objetos masculinos, até mesmo liminas de barbear ou barbeadores elé- tricos, sfo comumente usados pelas mulheres ou aparecem em versoes femininas, A propésito do género dos objetos, ver Levy (1968) ¢ Baker (1961). * Essa interpretagéo cultural da linha como “subindo para a direita’, que um japonés conceberia exatamente da maneira inversa, é uma indicagdo pequena, mas interessante, de que a agio, inclusive a linguagem, é exercida num mundo jé sim- bolizado ¢ interage néo discursivamente com 0 cédigo convencional da acio. * Com a mais breve percepgdo visual, desencadcia-se um complexo pro- cesso mental que resulta, num prazo curtssimo, talvez de trinta segundos, num juizo sobre o sexo, a idade, 0 tamanho, a nacionalidade, a profissio e a casta so- cial do estranho, juntamente com uma certa estimativa de seu temperamento, sua superioridade, sua afabilidade, seu asseio ¢ até sua confiabilidade. (G. Allport, citado em Hom, 1968, p. 109; ef. Linton, 1936, p. 416) o 219 ©

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