Coronéis do Cacau
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Book preview
Coronéis do Cacau - Gustavo Falcón
Coronéis do cacau
2a edição revisada
Copyright © 2020 Gustavo Falcón
1a edição: Centro Editorial e Didático / Edições Ianamá. Salvador, 1995.
Edição
Enéas Guerra
Valéria Pergentino
Design e Editoração
Valéria Pergentino
Elaine Quirelli
Revisão do texto
José Falcón
E-ISBN
978-65-86539-10-3
Todos os direitos desta edição reservados à Solisluna Design Editora Ltda.
editora@solislunadesign.com.br
www.solisluna.com.br
Sumário
Prefácio
Introdução
A economia e a política do paraíso mercantil
Ilhéus: uma região de fronteira
Classes sociais
Coronelismo e dominação política
As representações políticas coronelistas
Anexos
Bibliografia
Landmarks
Cover
Prefácio
Esta importante obra de Gustavo Falcón vem preencher um claro na bibliografia referente ao coronelismo baiano, tema que ainda se ressente de um maior número de publicações que deem conta das diversidades regionais do mandonismo.
Por outro lado, este mesmo livro se filia a uma linha de estudos que já tem a sua própria história, cujo início remonta aos anos 30 deste século.
A crise do sistema de poder na Primeira República e as esperanças, impasses e frustrações de um segmento da intelectualidade brasileira suscitaram a busca de novas interpretações do Brasil. A própria crise das oligarquias pusera a nu muitos dos aspectos do complexo de dominação, e a história recente ou mais distante se oferecia abertamente aos que quisessem e soubessem entendê-la. O momento era de redescobrimento do Brasil
, como diz Carlos Guilherme Mota*, e inspirava sínteses, a exemplo de Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre (1933), e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1936). Em ambas, embora de formas diversas, eram trabalhados os elementos do localismo, do autoritarismo, das relações pessoais e afetivas na formação do Brasil. Provocou discussões a famosa categoria da cordialidade
, utilizada por Buarque de Holanda para caracterizar o homem brasileiro
. Já então eram observados certos componentes que, mais tarde, se considerariam integrantes do sistema coronelístico.
Outras obras revelariam os traços históricos básicos do mandonismo. No ano de 1939, o baiano Nestor Duarte, em A ordem privada e a organização política nacional, trataria como fundamental a oposição e conciliação entre ordem pública e ordem privada na formação do Brasil. Em 1943, outro baiano, Luis de Aguiar Costa Pinto, no seu livro Lutas de famílias no Brasil, assentava bases metodológicas para o estudo do familismo e do privatismo. No ano de 1949, Victor Nunes Leal teve publicado o seu Coronelismo, enxada e voto, que se tornaria um clássico sobre o tema. O coronelismo era o explícito objeto central, e a tríplice base explicativa do fenômeno – latifúndio, sistema representativo e isolamento – tornar-se-ia recorrente em trabalhos posteriores. O mandonismo local na vida política brasileira, de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1969), retomaria a mesma linha de construções generalizadoras, buscando a compreensão da influência do poder pessoal em toda a história do Brasil e encontrando-a na família grande
. A mesma autora manteria a parentela
na base do seu O coronelismo numa interpretação sociológica
, trabalho que integra um dos volumes da História geral da civilização brasileira (1975).
Mas os estudos por demais abrangentes não chegavam a dar conta de muitos aspectos particulares do coronelismo. Por isso, nos anos 70 assistiu-se, à formação de uma tendência para a multiplicação de estudos monográficos ou pelo menos com enfoque sobre realidades mais recortadas e mais concretas. Um bom exemplo é o livro de Rodolfo Telarolli, Poder local na República Velha (1977), no qual, a despeito do título, se realiza um estudo de caso: o assassínio do chefe político de Araraquara, São Paulo, no início de 1897, o que fez a cidade ser apelidada de Linchaquara
.
O Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia foi sensível a uma realidade regional marcada por manifestações ostensivas de forte coronelismo e que se ofereciam a estudos acadêmicos, como os que ali viriam a se realizar sobre a Chapada Diamantina e o São Francisco: O mandonismo local na Chapada Diamantina, de Dora Leal Rosa, e O coronelismo no Médio São Francisco, de Alírio Fernando Barbosa de Souza. Ambos foram dissertações apresentadas no ano de 1973 e resultaram de discussões e pesquisas iniciadas sob a direção da saudosa professora Zahidee Machado Neto. Anos mais tarde, com outras categorias de análise e novas fontes, Maria Alba Guedes Machado Mello elaborou a sua História política do Baixo-Médio São Francisco: um estudo de caso de coronelismo (1990).
A variedade de zonas geográficas e culturais da Bahia e a diversidade de experiências históricas, porém, continuavam a sugerir novos estudos, que dessem conta de situações contrastantes com as anteriores, como era o caso de Ilhéus. Esta era, como as demais, uma área de forte coronelismo, mas individualizada na sua expansão e no seu dinamismo. Sua realidade provocava reflexões sobre o descompasso entre sua significação econômica e a carência de uma representatividade política no sistema de dominação do Estado da Bahia até 1930. Esta é exatamente a questão central de Gustavo Falcón neste livro: por que a burguesia cacaueira, mesmo sendo a fração de classe mais rica e poderosa da Bahia, não conseguiu impor-se hegemonicamente a todo o Estado.
Para responder a essa indagação, Gustavo Falcón traçou com segurança seu rumo de pesquisas teóricas e empíricas, consoante sua formação e predisposição de sociólogo. Isso permitiu-lhe utilizar com desenvoltura categorias teóricas diretoras das análises e apreender aspectos fundamentais da problemática específica de uma zona de fronteira em plena expansão nos anos da Primeira República.
A adoção de uma linha teórica definida levou o autor a se voltar para a economia regional, para o modo de produção e para o estágio de desenvolvimento capitalista. Assim, antes que o leitor seja apresentado diretamente aos coronéis, às suas articulações e artimanhas de mando, a obra nos remete à política econômica do paraíso mercantil
, ou seja a supremacia do comércio na Bahia.
Ao sociólogo competente, junta-se a sensibilidade de historiador. Esta se revela principalmente na história do crescimento rápido de Ilhéus, oferecida em largos traços, na periodização da formação da classe dominante e na periodização do domínio dos sucessivos coronéis. O autor mostra, com propriedade, os momentos cruciais na formação e ascensão da burguesia cacaueira: do parcelamento democrático
das terras na fase pioneira de 1890 a 1910 até as tensões entre as frações comercial e agricultora da mesma classe e, finalmente, até o fortalecimento dos super-proprietários
na década final de 1920-1930.
Destacam-se no livro certos traços peculiares do coronelismo em Ilhéus. Um deles é a importância da propriedade fundiária como base do poder. Por este aspecto, o coronelismo nessa área se aproxima de um padrão geral brasileiro e se distancia de outras realidades regionais da Bahia. É sabido que Franklin de Albuquerque, no São Francisco, e Horácio de Matos, na Chapada Diamantina, foram, primordialmente, comerciantes. Outro traço individualizador do mandonismo do cacau são os padrões de afirmação de prosperidade. Isto nos é revelado pelo autor com exemplos ilustrativos, tal como a construção de uma réplica do Palácio do Catete, realizada pelo coronel Ramiro de Araújo Castro. Gustavo Falcón também soube compor a figura do coronel como agente do avanço do capitalismo na região, sendo que os mais fortes dentre eles integravam a mesma burguesia cacaueira, simultaneamente produtores e exportadores. Tal contribuição é muito importante para a revisão de uma imagem mítica do coronel, sempre equivocadamente associada ao atraso
e ao obscurantismo
.
Finalmente, a periodização das representações políticas revela especificidade de uma área onde não se reproduziram formas de mando mais estabilizadas, tal como ocorreram no São Francisco e na Chapada, onde o poder foi empolgado por um único coronel durante longo tempo. O próprio dinamismo econômico da zona de Ilhéus, que permitia a aquisição de riqueza de modo relativamente rápido, levava a grandes tensões e a conflitos abertos, gerados pela posse da terra. Das lutas de fundo econômico, passava-se às lutas partidárias e eleitorais.
Tantos conflitos intrarregionais não davam lugar a uma estabilização prolongada do poder, mas favoreciam uma sucessão de chefes regionais, conforme nos ensina a periodização elaborada por Gustavo Falcón. Talvez aqui se encontre a resposta para a sua indagação central. Mas deixemos que ele próprio nos desvele esse mundo coronelístico que ele soube tão bem reconstruir e que em boa hora vem a público.
Prof. Dr. Mário Augusto da Silva Santos
Depto. de História da UFBA
* Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), São Paulo, Ática, 1977, p. 27.
Introdução
O coronelismo, entendido como manifestação singular do poder privado no Brasil, é um tema permanentemente revisitado pelos historiadores e cientistas políticos e continua a guardar hoje grande atualidade.
Lastrado nas origens patrimonialistas do Estado Nacional, gestado nos tempos coloniais, presente na discriminatória democracia censitária do Império, o mandonismo atingiu seu apogeu durante a República Velha num regime federativo que requeria pretensa base representativa.
Ameaçado pela Revolução de 1930, que intentou concretizar a centralização do poder em mãos do Estado em detrimento dos potentados locais, ele sobreviveu e se projetou para diante travestido de formas peculiares, porém, conservando aqueles elementos característicos de sua manifestação original, quais sejam: chefes políticos municipais que exerciam o clientelismo, a falsificação dos votos e gozavam de enorme prestígio na sua esfera de atuação política.
Modernizado, ressurgido com novas e curiosas roupagens, o sistema coronelista cooptou novos e importantes adeptos. Por vezes, extrapolou a esfera municipal e regional, a que sempre esteve circunscrito, galgando pontos mais elevados, chegando a inspirar e nutrir o exercício político de inúmeros ocupantes do Executivo do período pós-64 nos estados nordestinos, principalmente.
Como sistema de dominação generalizado, entretanto, ele desagregou-se quase que totalmente