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2009/2010
Edições BiblioFaria
(Biblioteca da Escola Secundária de Severim de Faria)
2
Edições BiblioFaria
Junho de 2010
3
Índice
POESIA I .................................................................................................................................................... 8
A Prisão ................................................................................................................................................. 9
A Vida ................................................................................................................................................. 11
POESIA II ................................................................................................................................................. 14
O Solilóquio ........................................................................................................................................ 15
A Flor .................................................................................................................................................. 18
A perfeição carrega outra ................................................................................................................... 19
Ácido ................................................................................................................................................... 20
Corpo de rapaz ................................................................................................................................... 21
Doce existência ................................................................................................................................... 23
ELA escreve-lhe: ................................................................................................................................. 24
ELE responde-lhe ................................................................................................................................ 27
Força ................................................................................................................................................... 29
Nunca sem ti ....................................................................................................................................... 32
Posso escrever a tristeza esta noite ................................................................................................... 33
Situações ............................................................................................................................................ 34
Sossego do barulho ............................................................................................................................ 35
Tudo és tu ........................................................................................................................................... 36
Vem meu amor ................................................................................................................................... 39
Nada ................................................................................................................................................... 41
Por aí................................................................................................................................................... 42
Que o vento me sacudisse .................................................................................................................. 43
Sem jeito para a Poesia ...................................................................................................................... 45
Diário dos Amantes Loucos ................................................................................................................ 46
Feliz ..................................................................................................................................................... 48
Ode à tua Tristeza, Amiga ................................................................................................................... 49
Pobre meu pequeno Ser ..................................................................................................................... 50
Às portas do Céu, a um passo do Inferno ........................................................................................... 52
Até ao meu último rasgo de mim ....................................................................................................... 69
Bedtime Stories .................................................................................................................................. 70
Meu Amor........................................................................................................................................... 71
Rosas................................................................................................................................................... 73
4
Confissão ............................................................................................................................................ 75
Encontrar-te-ei ................................................................................................................................... 76
Não há ................................................................................................................................................ 77
Sonhos ................................................................................................................................................ 78
Tudo é ilusão ...................................................................................................................................... 80
Um lugar maravilhoso ........................................................................................................................ 82
PROSA ..................................................................................................................................................... 83
A história de um amor ou talvez o amor de uma história .................................................................. 84
Casal dormindo ................................................................................................................................... 86
Copo com azeitona ............................................................................................................................. 87
Escrever é isto .................................................................................................................................... 89
Lua de duas vidas................................................................................................................................ 90
O beijo do vampiro ............................................................................................................................. 93
São Petersburgo: onde tudo é possível .............................................................................................. 95
Sensualidade e lábios vermelhos ....................................................................................................... 98
Inferno depois da Vida ..................................................................................................................... 101
Elora.................................................................................................................................................. 117
Beleza natural ................................................................................................................................... 120
5
Índice de Ilustrações
Ilustração 1 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ....................................................................................................... 10
Ilustração 2 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ....................................................................................................... 13
Ilustração 3 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ....................................................................................................... 22
Ilustração 4 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ...................................................................................................... 26
Ilustração 5 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ...................................................................................................... 28
Ilustração 6 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ....................................................................................................... 31
Ilustração 7 SEA SERPENT BAIT, DAVID CHORÃO ....................................................................................... 38
Ilustração 8 (SEM TÍTULO), RITA SILVA ....................................................................................................... 40
Ilustração 9 Baby dinos, Pedro Ferreira...................................................................................................... 44
Ilustração 10 Scrat Petra, Pedro Ferreira ................................................................................................... 47
Ilustração 11 (SEM TÍTULO), JOANA CATELA .............................................................................................. 51
Ilustração 12 LUSÍADAS BOM, DAVID CHORÃO .......................................................................................... 68
Ilustração 13 JESSICA, DAVID CHORÃO ...................................................................................................... 74
Ilustração 14 SCRAT MAYAS, PEDRO FERREIRA .......................................................................................... 79
Ilustração 15 ANANSI, DAVID CHORÃO ...................................................................................................... 81
Ilustração 16 SCRAT EGYPTIAN, Pedro FERREIRA ....................................................................................... 85
Ilustração 17 GIRAFFA, DAVID CHORÃO ..................................................................................................... 88
Ilustração 18 MAD HATTER, PATRÍCIA MATONO ....................................................................................... 92
Ilustração 19 LOBISOMEN A UIVAR, PEDRO FERREIRA ............................................................................... 94
Ilustração 20 LIVE4FUN, DAVID CHORÃO ................................................................................................... 97
Ilustração 21 FOSTER HALLOWEEN, DAVID CHORÃO ............................................................................... 100
Ilustração 22 SCRAT BRASILIAN, PEDRO FERREIRA................................................................................... 116
Ilustração 23 LISA COM CHAPÉU, DAVID CHORÃO ................................................................................... 119
Ilustração 24 SCRAT CHINESE, PEDRO FERREIRA ...................................................................................... 121
6
Abertura
“Escrevo para criar um espaço habitável da minha
necessidade, (…) do que é difícil e excessivo. Escrevo porque
o encantamento e a maravilha da verdade (…) é mais forte
do que eu.
Vergílio Ferreira
7
POESIA I
8
A PRISÃO
Mas há sítios…
Que quando se abrem novas portas
Aparecem mais mil à nossa frente
E os monstros são todos reais,
Mesmo assim, o desejo de liberdade
E de atravessar as paredes
Fazem sucumbir o medo e a indecisão.
António Eliseu
9
ILUSTRAÇÃO 1 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
10
A VIDA
A dádiva da vida
Para sempre prevalece
No lugar do nome
Que nunca se esquece.
Pensar no final
Nada alcança
Pois apenas o apressa
Enquanto ele avança.
11
A vida continua
A vida segue
Pois quem tem esperança
Tudo consegue
Sigam em frente
Sempre de cabeça erguida
Encarem o presente
Como um passo da vida
Filipe Godinho
12
ILUSTRAÇÃO 2 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
13
POESIA II
14
O SOLILÓQUIO
Há muito, muito tempo,
Nesta terra onde vivo, a cidade
Reverberava com a arte de cada um.
Telas pinceladas com esmero e descuido,
Mistura de tintas, fúria e serenidade.
Músicos, cantores, em bares e ruas,
Cordas num tom harmónico e afinado,
Mãos que trocavam sinfonias por alimento.
Eu era poeta.
Farejava sensações entre letras,
Capturava frases, expressões,
Cada palavra guardava uma passagem secreta
Para um outro mundo, tão próximo
Dos meus artistas de ilusões.
15
E os pintores ficaram sem tela.
Desesperados voltaram-se para ela
E, no seu sorriso metálico,
Começaram a desaparecer artistas e cantoras.
Os músicos calaram-se um a um,
Não deixando rasto atrás de si.
E, de uma cidade de melodia,
Passámos à completa desarmonia,
A morrer.
Quando a vi a correr pela rua,
Lágrimas nos olhos e corda Sol ao pescoço
Foi como uma dor pungente
No que eu mais acreditava.
E a mulher, de natureza tapada e crua,
Sentada no trono de um colosso,
Rodeada dos artistas mais rebeldes,
Confinados em gaiolas, quais aves canoras.
Por dentro, qualquer um definhava.
16
De feridas, cicatrizes e delírio.
Do pobre violino, sozinho,
Num solilóquio,
O meu solilóquio,
Pelas mãos dela,
Que tendia solenemente
Para um suspiro perpetuado,
Nos tempos dos céus carmim.
Para nós, jamais seria finito.
Carla Lourenço
17
A FLOR
Flor
Que renasce
Nasce
Renasce
No renascimento
Duma fluorescência.
Flor
Fluorescente
Uma fluorescência
Do renascimento
Da flor
Fluorescente.
A flor
Desflora.
A flor
Renasce.
A flor
Florida
Enche-se de flores.
A flor
Rejuvenesce,
Outra vez
Fluorescente
E florida.
Carolina Pena
18
A PERFEIÇÃO CARREGA OUTRA
Este mar,
Esta calmaria,
Esta perfeição,
De olhos verdes,
Que me mata e absorve de mim,
Alma, amor, vida!
O órgão toca
As potentes melodias
Que ilustram esta carnificina!
Sangue,
Suor,
Lágrimas.
Carolina Pena
19
ÁCIDO
Ácido,
Nas minhas finas, salientes veias,
Espalhando-se rápida e silenciosamente,
Sussurrando maleitas e maldizeres.
Ácido,
Correndo no meu corpo,
Chega ao coração,
Dissolve os sentidos.
Ácido,
Cá estás tu!
Só para mim,
Agora sim.
Ácido,
Como me embebedas,
E me fazes cambalear,
Sem conseguir cerrar o punho.
Ácido,
Dás-me medo oh Ácido!
Quando sopras no meu ouvido,
A Terra treme com alegria.
Ai Ácido, Oh ácido...
Carolina Pena
20
CORPO DE RAPAZ
Nunca pares.
Nunca mudes.
Nunca partas.
Senão eu morro.
Carolina Pena
21
ILUSTRAÇÃO 3 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
22
DOCE EXISTÊNCIA
Carolina Pena
23
ELA ESCREVE-LHE:
Deixas-me suspirando,
Mil e uma vezes,
Olhas-me como se fosse a última vez,
Intensamente, ardentemente.
Beijo-te o ombro,
Olhamos o reflexo de ambos no espelho,
Duas caras apaixonadas,
Futuro teremos nós?
24
Sem no entanto o encontrar.
Para a eternidade,
Glória e amor,
Com verdade,
Amar sempre com entusiasmo e esplendor.
Carolina Pena
25
ILUSTRAÇÃO 4 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
26
ELE RESPONDE-LHE
Olhos inquietantes,
Vasto mundo que não é meu,
Carregado de impaciência,
Calam o que há muito desejo pronunciar.
Carolina Pena
27
ILUSTRAÇÃO 5 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
28
FORÇA
És forte, consegues.
Só vão ficar os bons momentos, e são esses que devem permanecer em ti.
Carolina Pena
29
Lágrimas
Carolina Pena
30
ILUSTRAÇÃO 6 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
31
NUNCA SEM TI
Carolina Pena
32
POSSO ESCREVER A TRISTEZA ESTA NOITE
Carolina Pena
33
SITUAÇÕES
Palavra esquecida,
Sonho contado,
Vazio sentido,
Amor renegado.
Medo da respiração,
Não se ouvem as batidas do coração,
Abraça-se o escuro,
A noite perdura.
Carolina Pena
34
SOSSEGO DO BARULHO
Neste pesar,
Este sossego desta escura noite fria,
Hesitante, enches os meus pensamentos,
Ardes, nas memórias ainda frescas.
Carolina Pena
35
TUDO ÉS TU
Tudo és tu.
A lua és tu.
O Sol és tu.
O Outono és tu,
Quando as folhas caem
E rodopiam pelos ventos gélidos,
Tal como as tuas mãos
Percorrem as minhas costas quentes.
Numa Primavera
Preencheste eternamente a minha vida.
Em pouco tempo foi o meu coração.
O Verão memorável foi,
E o Inverno,
Tem sido o melhor da minha vaga vida.
Tudo és tu.
Tudo me lembra a tua pessoa.
O perfume inesquecível
Que procuro sem encontrar.
Um mistério.
Como tu.
É curioso.
36
Uma alegria? O teu sorriso
Uma história? A nossa
Um sentimento? O amor
Um pensamento a tempo inteiro? Tu
Um carinho? Um beijo terno ou um abraço quente
Definir-te? Uma missão impossível
Definir este amor? Outra missão impossível.
E um medo? Perder-te . . .
Carolina Pena
37
ILUSTRAÇÃO 7 SEA SERPENT BAIT, DAVID CHORÃO
38
VEM MEU AMOR
Resistes à tentação?
Não, há demasiada paixão.
Aqui, nesta vida, pouco tempo cá andas,
Pouco controlas mas muito mandas.
Já vivi muito,
E tão pouca idade que tenho,
Não me enganam mais, não.
Nada já eu estranho,
Convivo com a traição.
Resistes à tentação?
Será só atracção,
Ou algo mais que simples paixão?
Carolina Pena
39
ILUSTRAÇÃO 8 (SEM TÍTULO), RITA SILVA
40
NADA
Eu só quero
Não querer,
Nada.
Controlar o tempo
Voar no vento,
Tal criança fascinada.
Pelo sentir, ver.
E, espero
Um sincero
Jeito de viver
De gente amada.
Mas falta o tempo…
Diana da Silva
41
POR AÍ
Pleonasmo recuado
De um futuro inacabado.
Onde um sonho imperfeito
Se traduz num rasto desfeito.
Diana da Silva
42
QUE O VENTO ME SACUDISSE
E o meu espírito,
Novo e limpo,
Pudesse ser audaz.
Diana da Silva
43
ILUSTRAÇÃO 9 BABY DINOS, PEDRO FERREIRA
44
SEM JEITO PARA A POESIA
Elsa Vila
45
DIÁRIO DOS AMANTES LOUCOS
Joana Catela
46
ILUSTRAÇÃO 10 SCRAT PETRA, PEDRO FERREIRA
47
Feliz
Joana Catela
48
ODE À TUA TRISTEZA, AMIGA
Joana Catela
49
POBRE MEU PEQUENO SER
Joana Catela
50
ILUSTRAÇÃO 11 (SEM TÍTULO), JOANA CATELA
51
ÀS PORTAS DO CÉU, A UM PASSO DO INFERNO
Ao Anjo:
Passei a rua,
Preto, branco, preto
Um sem fim das mesmas coisas
Da mesma rotina marcada.
Não pensei,
Nem olhei em frente
A praça apinhada dos meus sonhos.
Sorri levemente à nuvem escura
Por saber exactamente o seu papel.
Cresci pensando ver-te
Ou vendo-te mesmo
Em curtas-metragens, de sonhos-pesadelos.
Estava louca, ou talvez mais
Mas cresci a procurar-te
No espaço infinitamente vazio
Que me enchia e preenchia.
Corri a abrigar-me da chuva gelada
Corri, e corri depressa
Em direcção ao pequeno espaço
Onde a tua memória sem corpo me esperava
E então vi-te!
Sabia que não podia prestar atenção
Não podia olhar fixamente a tua perfeição
Ou desaparecerias outra vez
E outra vez eu mergulharia
No sem fim de cores e rotina
E voltaria a ser normal
A pensar normal
E a viver a vida como outros,
Sem viver,
Sem respirar,
E a viver apenas respirando.
Mas apenas eu me impediria
De correr, voando, até ti
Mas apenas eu escolheria
A razão, a verdadeira
O sim ou não
52
Olhar, não olhar
Ser, não ser…
O degrau frio e marmóreo
Como tu,
Esperava-nos nos entremeios da chuva gelada
Atraindo-me infinitamente ao teu regaço,
Ao teu frio abraço
E engoli em seco o meu coração
Virando as costas às lágrimas do Céu
E a ti, Anjo, ao sentido da minha vida
E o sol desceu no horizonte
Pousando os seus raios fracos na minha memória,
Impelindo-me a fugir dali,
Do lugar onde nunca te esqueci.
***
À Pequenina:
53
E eu fechava os olhos
E desejava seguir-te
Quebrando o meu mundo
Em ti, e tudo o resto.
II
Ao Anjo:
Perdi-me finalmente
Agora em meus passos meus
E vi-te cair, à minha frente
A imagem da minha mente
Por entre sangue, suor e lágrimas
Mas por momentos vivi-te
Parada em frente ao Anjo que te representava
No pórtico que o meu olhar evitava
E de coração despedaçado
54
Deixei-me cair
Para sempre naquele lugar
Onde te fora visitar
E escolher o meu caminho
E aí, à sombra de uma pedra
Morri uma e outra vez
E deixei-me ficar
Longe de mim própria
À espera que algo viesse
E me resgatasse, e me curasse
Daquele longo desespero.
***
À Pequenina
Pequenina, Pequenina,
Volta aqui
Vem até mim, que te pertenço
Vem até mim para que nada exista
A não sermos nós.
Vem, Pequenina, que sou teu
E me prostrarei a teus pés
Pedindo-te perdão
Por não poder viver
Vivendo séculos, sem ti
55
Vem Pequenina que sou teu
Vem tornar-me perfeito
E voaremos
Mas não, não podes
Não mereço.
Não, não podes, morreremos
Mas vem Pequenina amo-te
Vem Pequenina.
III
Ao Anjo:
56
Foi o meu choro desesperado
Presente na gargalhada da voz perfeita
E recuei, quebrada
Esmagada pelo peso do mundo
Enquanto avançava o Anjo,
Avançava direito a mim
E eu petrificada, fugiria
Se não fosse o Anjo que eu visse
Se não fosse a minha alma
A tentar voltar a mim.
E aquele Anjo que não era meu
Riu no meu choro desgarrado
E olhou-me corrompendo-me
Vem, pediu
Mergulha em mim só porque podes
Esconde-te do que receias nos meus braços
E eu serei tudo o que queres,
Tudo o que em mim vês será teu
Eternamente.
Lancei-me no ar gelado
Que desde sempre nos separava
Aspirando o teu cheiro
Admirando-te como à perfeição
Sou tua e és meu,
Finalmente
57
Que era o meu.
Não me queres, murmuraste
Na minha voz embargada
E o meu mundo escureceu
Mostrou o que era, de uma vez
Um sem fim de labaredas
O mundo que não era, não podia
Ser o teu.
Não quero, acabei por murmurar
Não és tu.
E tudo à volta eram gargalhadas
Frias e murmuradas
Pedaços de nada que me feriam
E vi o ser que me fitava:
Era o contrário da tua perfeição
Um ser de escuridão.
És minha!
E era, mas não sua
Era tua, meu Anjo perfeito
Era e sempre fora só tua.
E percebi não saber, nem poder
Viver sem ti, nem mesmo longe
E a tua ilusão carregou me para longe
Para qualquer lugar desconhecido
Onde morri, adormecida
Desistindo de tudo o resto
Esperando pelo nada certo
E acreditando finalmente no depois
Esperando que viesse ao meu encontro
Para que pudesse continuar a ver-te
No meu longe e no meu perto
Porque, Anjo,
Não consigo viver sem ti.
***
À Pequenina:
58
Morrerei eu por ti
Perante Ele, o Deus do meu Inferno
Para te poupar.
Sorriste-me e logo me rendi
Mergulhando em todo o desespero
IV
Ao Anjo:
59
Fazendo o meu coração bater.
Mesmo naquele fim,
Querias e amavas-me, como eu
Esperando para mim felicidade
Não! Não! Anjo, não
Não te percas, como eu,
No Céu do mundo
Por favor, volta, vive apenas por mim
Não, vem meu Anjo, vem
Aqui te espero,
Vem salvar-me!
***
À Pequenina:
60
Talvez seja delírio de condenado
Mas quero-te
Vem ter comigo e dançaremos
E serei teu e serás minha.
Deixei longe as minhas asas,
Mas voaremos
Para longe, muito longe
Deste mundo frio,
Para o centro da nossa praça.
Meu amor, espera-me que caminho
Com pressa, para ver o teu sorriso
Para te acordar com um beijo, ao de leve
Levemente, acordar-te
E adormeceremos depois juntos,
Abraçados até ao fim
Deste mundo, espaço e tempo.
Ao Anjo:
61
Apertei-o com força e experimentei
O primeiro passo
Para nunca mais parar.
Dancei ao teu encontro
Na realidade
Sentindo que nada mais podia ser verdade
A não ser aquele pedaço de mundo
Que à minha volta me fazia viver.
***
À Pequenina:
***
Ao Anjo:
62
E espero nos meus braços
Pelos teus, que me rodeiam
E me fazem una.
***
À Pequenina:
***
Ao Anjo:
63
Mas tudo em função do astro branco
Com asas, que sobrevoa a cidade
Nada contra a sua vontade
Por isso choro, por seres para mim.
VI
Ao Anjo:
***
À Pequenina:
64
Nos meus braços
E dorme meu amor
Que a aurora raia
E o mundo é apenas nosso
Daqui em frente.
E já vejo a praça bem ao fundo
Num pequeno fio de horizonte
E dorme meu amor que nada mais interessa
E quando acordares
Mostrar-te-ei com um pequeno beijo
O que o mundo seria sem tu nele.
VII
Ao Anjo:
À Pequenina:
***
Ao Anjo
65
***
Ao Anjo:
À espera
No centro de tudo
Vejo flores crescendo
Abrindo e morrendo
Regendo-se pelo ciclo da vida
Pela beleza do finito
Mascarado de infinito.
Nunca esperei nada mais
Que infinito
Não sonhei com nada mais
Apenas um Anjo
E acordei
Para a beleza do finito,
Eu sozinha
Neste pequeno mundo
Sem chorar,
Nunca.
A beleza de tudo,
É que acontece
Posso amar, não importa o resto
E amo-te!
O meu Anjo, no meu sonho
O Anjo perfeito que me procurou
Para me salvar e resgatar para si
A amo-te Anjo
Enquanto espero o futuro
Sempre no seu regaço imortal
Sabendo que o amar é tudo
E é nada
E uma maneira de viver
De respeitar
Sentir, morrer par ao comum
Amar é nada quando morre
Não é amor
E eu, na minha sorte,
Amo-te Anjo
Contra tudo e todos
Sobrevivendo a tudo.
E o negro Diabo pode até chorar
Porque eu amo-te, Anjo branco
Sabendo que afinal vale tudo
E vale a pena
E o negro Diabo pode até chorar
Porque eu amo-te, Anjo branco
E dou-te o meu primeiro beijo
Deixando o teu sabor em mim
E nessa imperfeição me aconchego
66
E tu cantas-me para adormecer
Sempre e para sempre
No teu regaço imortal.
***
À Pequenina:
Amo-te.
Até ao fim… e para sempre talvez
***
Ao Mundo:
67
ILUSTRAÇÃO 12 LUSÍADAS BOM, DAVID CHORÃO
68
ATÉ AO MEU ÚLTIMO RASGO DE MIM
69
BEDTIME STORIES
70
MEU AMOR
Sou saudade,
Toda eu.
Espero sempre por alguém
De manhã em manhã,
De noite em noite,
De sonho em sonho.
Sou uma criança pequena,
Perdida, com os olhos vidrados
E continuo a esperar-te.
Não sei se já existes
Ou se ainda existes
Mas continuo a enfrentar
As estações, o sol e chuva,
Os gritos, os olhares de censura
As vontades de chorar e
(Por vezes) ser chorada.
Distribuo os meus sonhos a outros,
Distribuo os sorrisos que me faltam
A quem não falta.
Não choro por saber que não estás,
Ao meu lado, ao meu regaço,
Do outro lado da porta.
Às vezes penso encontrar-te
E dou-te tudo
Mas não és tu, é alguém
A quem dei tudo
E de quem nada recebi.
Tenho conversas banais
Com o vento,
Que penso poder fazer-te chegar
As minhas palavras banais, e espero
Que me respondas com a profundidade
Que procuro no muro banal
Que me separa de ti.
Nada te chega e nada me chega
Não posso amar porque não te encontro
Nos olhos de alguém.
Sinto-me sempre mais sozinha
Todos têm uma vida além da minha
Todos esperam ou encontram
Mas ninguém se perde
Em cada palavra, como eu.
71
Não sei escrever, não sei sonhar
Mas tenho que continuar a tentar
Fazer-te chegar
De alguma maneira o meu amor
Mesmo sendo tu alguma estrela
A infinitos anos-luz de distância.
Tenho a vida cheia de pessoa
Palavras, gestos e segredos
E vivo como espelho de tudo isso
Sem procurar mais fundo que o fundo
Por ter medo de cair
E não voltar a sorrir
Por saber que nunca te encontrei,
Meu amor.
72
ROSAS
Patrícia Matono
73
ILUSTRAÇÃO 13 JESSICA, DAVID CHORÃO
74
CONFISSÃO
Não falarei,
Não respirarei,
Não me deslocarei até tu entenderes
Que me pertences.
Podes pensar
Que não olho,
Mas dentro da minha mente,
Estou ligada a ti.
Sou fraca!
É verdade.
Porque tenho medo de saber a resposta:
Também me queres?
Paula Pereira
75
ENCONTRAR-TE-EI
Paula Pereira
76
NÃO HÁ
Paula Pereira
77
SONHOS
Paula Pereira
78
ILUSTRAÇÃO 14 SCRAT MAYAS, PEDRO FERREIRA
79
TUDO É ILUSÃO
Paula Pereira
80
ILUSTRAÇÃO 15 ANANSI, DAVID CHORÃO
81
UM LUGAR MARAVILHOSO
Aqui fico.
Gosto que escureça aqui.
Só aqui os sonhos fazem sentido
Mesmo sem ti.
Paula Pereira
82
PROSA
83
A HISTÓRIA DE UM AMOR OU TALVEZ O AMOR DE UMA HISTÓRIA
Carolina Pena
84
ILUSTRAÇÃO 16 SCRAT EGYPTIAN, PEDRO FERREIRA
85
CASAL DORMINDO
Carolina Pena
86
COPO COM AZEITONA
Em cima da mesa vejo um copo meio cheio. Com três pedras de gelo lá dentro.
Um copo de vodka preta, cilíndrico. No ar soa música árabe. Pessoas acendem
o seu cigarro na noite escura e fria. Passo por todas elas, apática, sem
conseguir tirar os olhos do chão, não ouço o que dizem, também não interessa.
Passo por elas e ninguém me vê. Continuo a caminhar, a caminhar, a
caminhar.
Agora estou perante uma praia de areia branca e sopra um vento fortíssimo
que me despenteia o cabelo encaracolado e me assobia nos ouvidos. Parece
que pede ajuda. Outrora guerreiro selvagem, um índio que combateu quando
os portugueses aqui chegaram. Nem a caipirinha me safa. Isto não é nada.
Outro cenário. É de noite. Nesta altura os meus dias eram cor-de-rosa e
forrados de veludo vermelho. E agora? Agora não sou nada. Não vivo. Existo.
São diferentes sabias? Acho que me vou pelo agradável martíni com sumo de
ananás, doce e lascivo. Não falha.
Ainda a caminhar. Deparo-me com uma sala vazia. Entro e dentro desta sala
apenas se encontra uma mesa com um jarro de sangria em cima. Até não é má
mas... Bebo-a. Curiosamente não me lembro de como éramos nessa altura.
Cada um para seu lado deduzo eu. Lamentável.
Continuo a caminhar. Chego a um sítio interessante. Uma… taberna? Sim, a
dos estudantes. Todos aqui vêm comemorar, festejar, ocupar o tempo que na
nossa cidade custa a passar à noite. Vai um. É bom. Vai outro. E outro. E
outro. Perco-lhes a conta, mas são baratos, quem é que não bebe? Um brinde
à alegria que a paixão traz temporariamente. E ingere-se outro abafadinho.
A noite é outra agora, como se caminhasse do passado, passasse pelo futuro e
voltasse ao presente. Várias dimensões. E tequilla. O nome parece ser chique,
quando pronunciado correctamente. Mas o sabor de chique não tem nada. Não
gostei. Contudo deixou-me a garganta quente. Quem me dera ter este quente
nas horas de maior frio como estas.
Carolina Pena
87
ILUSTRAÇÃO 17 GIRAFFA, DAVID CHORÃO
88
ESCREVER É ISTO
Carolina Pena
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LUA DE DUAS VIDAS
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Hoje, olho para este retrato e imediatamente esse dia salta-me para a frente.
Hoje, casada contigo, com cinco filhos, como sempre me disseras que querias
ter.
E continuo feliz, apaixonada, e a perscrutar luas todas as noites contigo a meu
lado, na minha cama, na minha vida.
Carolina Pena
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ILUSTRAÇÃO 18 MAD HATTER, PATRÍCIA MATONO
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O BEIJO DO VAMPIRO
O frio da noite sente-se no seu corpo sempre quente. A noite é fria, sem
qualquer ser humano na rua. Hoje é Lua Nova. Por isso ele apareceu.
Ao virar da esquina, surge, imponente. A sua figura, alta e nobre, com uma
capa negra e olhar matador. Exactamente aquilo que se quer.
Está tanto frio que este corta como facas afiadas.
-Vem cá acima - sussurra-lhe ela, da varanda, baixo.
-Vem tu até mim, estou fraco demais para usar os meus poderes de levitação
agora.
-Está bem, espera um bocadinho, esperas?
- Claro.
Ela corre até ao interior de sua casa. O seu pai fuma um charuto cubano e a
sua mãe descansa no sofá, lendo uma revista de decoração interior. Passa por
eles como se fosse uma sombra. Já no quarto, abre a janela da casa de banho
e trepa até ao jardim. Estes movimentos produzem ruídos secos. O coração
dela bate descompassadamente, ela espera que não se ouça.
Já na rua, corre até ele. Nos seus braços, aquilo parece um sonho. Ele
envolve-a na sua capa negra, abrigando-a e beijam-se demoradamente. Matam
as saudades que aparecerão nos próximos dias. Beijam-se como se fosse das
últimas vezes.
- Não me posso demorar, se os meus pais me descobrem aqui...
- Schh - coloca-lhe o dedo nos lábios e toma-a novamente. Permanecem assim
um bom bocado, o vento assopra na direcção deles. Aquele momento parece
durar depressa demais. Nesta cena, um intenso e forte, doce aroma
permanece no ar. Vem dele.
- Tenho que me ir embora.
- Amo-te.
E ele encosta os seus lábios gelados à sua pele branca e muito suave.
Carolina Pena
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ILUSTRAÇÃO 19 LOBISOMEN A UIVAR, PEDRO FERREIRA
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SÃO PETERSBURGO: ONDE TUDO É POSSÍVEL
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Eles sentiam a mesma raiva que eu e mostraram isso fisicamente. E ele foi
espancado, com murros, socos, pontapés, incapaz de se defender e sozinho,
apercebendo-se o porquê de ali estar. Fredrick tirou-lhe finalmente a mordaça
da boca, agora ensanguentada e encheu-a de neve até não haver espaço. Ele
esperneou. Colocou-lhe mais neve que, por esta altura, devia estar a arder-lhe
terrivelmente na garganta, desfazendo-lhe as gengivas aos poucos, torturando-
o.
Olhei então uma última vez em volta. À beira do lago jazia, não só, o corpo
dele, estropiado e definhado, como uma gigantesca poça de sangue encarnado
e grosso que se estendia lentamente até ao rio, com uma vagareza
melancólica.
Foi então que eu disse: "Acabem com isso".
Carolina Pena
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ILUSTRAÇÃO 20 LIVE4FUN, DAVID CHORÃO
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SENSUALIDADE E LÁBIOS VERMELHOS
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melhor advogado da Califórnia que viveu em Portugal e me conseguir safar de
passar uns bons anos na cadeia.
A Madalena, apesar de ter morto também um homem, o seu homem, foi
ligeiramente diferente. Ela é bastante influenciável para além de que acredita
em horóscopos e é fã de astrologia, leitura de mãos e cartas que predizem o
futuro.
O Ricardo, marido dela, tratava-a mal. Passava os dias em frente à televisão a
beber cerveja e a comer tremoços e, para chamá-la, gritava “Anda cá preta!”,
mas ela, por o amar, corria até ele, dengosa e pronta a servi-lo.
Acontece que, um dia, ao voltar da sessão com a Madame Gisele, esta dissera
a Madalena que, nessa mesma noite, ela cometeria uma loucura excitante e
entusiasmante, que mudaria para sempre a sua vida e que nos próximos
tempos ela reagiria mais sensivelmente a todo o tipo de coisas. Factos que ela
interpretou bastante mal. Quando o marido dela exige a sua presença à sala
gritando “Anda cá preta! E traz-me outra cerveja, depressa!”, a Madalena não
aguentou, e com o sangue a ferve-lhe nas veias, um brilho malicioso no olhar e
uma cólera frenética nunca antes sentida, agarrou a faca com que estava a
cortar o pão e espetou-a directamente no coração do marido, que teve morte
instantânea.
Demo-nos às mil maravilhas pelas nossas histórias idênticas, tínhamos estilos
de vida parecidos. Paguei-lhe o advogado e saímos em liberdade, não me
perguntem como. Hoje somos como irmãs.
Fazem-se então dez horas da noite no meu relógio de cuco. Dirijo-me então à
casa de banho para um longo banho com direito ao meu pequeno luxo
particular: os sais e a espuma. No caminho vou desapertando a camisa
vermelha e a saia que vão caindo no chão frio. Pergunto-me quem será que
hoje a Madalena vai levar para o pub. Antes de entrar na banheira, dirijo-me
primeiro ao quarto verificar se o meu bem mais precioso se encontra em
condições de ser novamente utilizado. Sim, perfeito. Guardo então a arma,
embrulhada a tecido de veludo negro. Precisarei dela hoje.
Carolina Pena
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ILUSTRAÇÃO 21 FOSTER HALLOWEEN, DAVID CHORÃO
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INFERNO DEPOIS DA VIDA
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- Então, se for mais fácil para vocês, é melhor esperarem lá fora. Eu chamarei
alguém para levar o corpo para podermos dar início ao enterro.
Ele virou logo as costas, mas ela quis aproximar-se um pouco mais. Podia ser
difícil, mas aquela seria certamente a última vez que ia ver a filha.
- Com a sua permissão, minha senhora.
Sem qualquer pingo de tacto ou compreensão, o padre começou a fechar o
caixão. Quando já quase não podia ver um cabelo que fosse da filha, teve a
certeza de que ela tinha aberto os olhos.
Pregou um guincho.
- O que se passa? – o marido correu logo para ela.
- Ela abriu os olhos! A Íris abriu os olhos! – quis começar a correr para o
caixão, mas o marido impediu-a, envolvendo-a com os braços.
- Aida, chega. – pediu ele – Não estás já a sofrer demais?
- Mas eu vi! – guinchava Aida, tentando soltar-se dos braços do marido – Eu
via-a abrir os olhos. Acredita em mim, Gabriel!
O padre não sabia o que havia de fazer. Meteu-se à frente do caixão, como
se o protegesse da mãe extremosa que parecia querer abri-lo novamente.
Repentinamente, Aida calou-se e parou de se debater.
- Ouçam. – sussurrou ela.
Sem saberem bem o que deveriam ouvir, tanto Gabriel como o padre
pararam até de respirar.
Efectivamente, vindos do caixão, ouviam-se umas pancadas roucas e
abafadas.
- Ouviram?! – Aida queria soltar-se dos braços do marido e correr para o
caixão, mas Gabriel foi ainda mais rápido.
Estava prestes a abrir o caixão, quando o padre, nervoso, se pôs à frente:
- Mas porque querem sofrer ainda mais? – perguntou ele, não querendo que o
caixão se voltasse a abrir - Não acabou de ver o cadáver da sua filha?
Sem pensar no que fazia e tomado por uma fúria tal, Gabriel afastou o padre
da frente do caixão com um brusco empurrão, mandando-o ao solo.
Aida também já se encontrava ao lado do marido e, juntos, levantaram a
tampa.
- Mãe! – Íris lançou-se aos braços de Aida, que começou a chorar rios de
lágrimas.
- Minha filha!
Gabriel também se juntou ao abraço, derramando lágrimas silenciosas.
- É uma maravilha! – exclamou Aida.
- É extraordinário! – exclamou Gabriel.
- É um milagre! – exclamou o padre, ainda no chão. Assim que conseguiu
mover-se novamente, levantou-se e correu da sala para fora, bradando às
paredes a mesma frase vezes sem conta.
Estariam a sonhar? Naquele momento, era o que aquelas duas almas de pais
dedicados mais temiam. E se acordassem e tudo aquilo não passasse de um
sonho? Se a sua filha tivesse mesmo morrido? Se aquilo que sentiam entre os
braços não passasse de uma ilusão?
Mas Íris voltou a falar:
- Não quero voltar para lá, não quero! – e soluçava descontroladamente,
agarrada a Aida e a Gabriel.
- Nós não deixamos, filha. – dizia a mãe – Não deixamos. Ninguém te vai levar
para longe de nós, agora...
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*********
Acordou e saltou da cama, sorrindo de maneira tal que lhe fazia doer as
bochechas. Olhou-se ao espelho e passou as mãos pelo rosto - estava viva!
Era de carne e osso, e não um espírito sem matéria, como tinha sido há pouco
tempo... como ainda algumas pessoas eram...
Logo o sorriso lhe desapareceu. As mãos foram-se afastando da cara até
acabarem paralelas às ancas.
Como podia ela sorrir? Tanta gente estava a sofrer... Gente essa que a
ajudara a fugir, tão aterrorizada ela estava. Como o avô, a avó, o pequeno
primo que tinha morrido com apenas sete anos...
Mas então, as mãos voltaram à cara e Íris esbofeteou-se. Não podia
desanimar! Não ia servir de nada! Teria de pensar numa maneira de tirar todos
os que pudesse daquele sítio horroroso. Mas o que aconteceria depois?
Regressariam aos seus corpos decrépitos e decompostos?
Um arrepio percorreu-a ao pensar nisso.
Ainda assim, decidiu que não podia ficar fechada em casa. Queria aproveitar
a vida como nunca tinha pensado em aproveitar!
Correu para a janela e afastou as cortinas energicamente. Logo os seus olhos
se ressentiram com uma repentina emissão de luz intensa. A essa seguiram-se
várias outras e Íris teve de proteger os olhos com o braço, cambaleando para
trás, acabando por tropeçar no lençol que arrastava no chão, e caindo de
costas.
Com muito cuidado para não deixar sequer um fio de cabelo aparecer à
janela, lentamente voltou a juntar as cortinas. Só então espreitou lá para fora,
por entre as mesmas.
Lá fora encontrava-se um bando de pessoas cochichando e agarradas
religiosamente às suas câmaras fotográficas. Ao fundo da rua apareceu uma
carrinha de uma estação televisiva. No meio das pessoas, ela conseguiu
distinguir o senhor jovem padre.
A campainha soou pela casa, o que pregou a Íris um susto de morte, que a
fez dar um pequeno salto.
Gatinhando, saiu do quarto e foi tentar perceber quem era.
Tocaram novamente, desta vez prolongando o toque.
Do burburinho exterior, Íris só conseguiu compreender frases como:
- Só queremos fazer algumas perguntas! Não demora nada! Uma fotografia
para o jornal! Uma entrevista com a menina!
Gabriel andava apressadamente pela casa, fechando janelas e correndo
cortinas. Aida acabava de pousar o telefone com uma brutalidade excessiva e
lançando ao aparelho um olhar de enfado, como se o desafiasse a tocar de
novo. O que efectivamente aconteceu. Nesse momento, Gabriel conseguiu
chegar primeiro, colou o microfone à boca e berrou:
- Não! - e desligou o telefone da corrente, puxando o fio com violência e
atirando tudo ao chão, incluindo a pequena mesa onde o objecto se
encontrava.
Aida ficou chocada a olhar para a barafunda no solo e depois olhou para o
marido, que esfregava o pescoço e a cabeça, como que a acalmar-se. A
técnica parecia estar quase a fazer efeito, quando a quinta sinfonia de
Beethoven se fez ouvir na sala. Gabriel tirou lentamente o telemóvel do bolso e
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ficou a observar o visor, enquanto a música continuava, mantendo alguma
tensão.
Como se não estivesse a agir por ele próprio, Gabriel rejeitou a chamada e,
sem sequer desligar o telemóvel, abriu a tampa da bateria e tirou-a, bem como
o cartão, que foram parar ao lado da mesa do telefone.
Cautelosamente, Aida aproximou-se do marido e colocou os braços em roda
dele.
- Temos de proteger a Íris. – foi tudo o que o marido proferiu.
- Eu sei...
Gatinhando de volta para o quarto, Íris deixou-se ficar encolhida e encostada
à cama. Como é que a notícia tinha corrido tão depressa? Como é que aquelas
pessoas horrorosas tinham a coragem de lhe pedir para que lhes contasse o
que tinha sofrido enquanto estivera morta, se nem os pais lhe haviam pedido
tal?
De cada vez que se lembrava daquele lugar medonho começava a tremer
como se ainda lá estivesse. Não queria voltar para lá. Não queria lembrá-lo.
Queria que a deixassem em paz...
*********
Todos os dias eram iguais. Nunca podia sair de casa, não podia receber
chamadas de ninguém e os pais andavam irritadiços.
Mais do que uma vez os polícias foram obrigados a intervir e a afastar todos
os jornalistas, paparazzi e curiosos, mas estes voltavam a rondar a casa, como
abelhas à volta do mel...
Nos primeiros dias tentava fingir-se feliz por estar viva, mas agora, nem disso
Íris era capaz. Depois de acordar, descia as escadas a passo de caracol, toda
despenteada e cabisbaixa, indo sentar-se à mesa, pronta a tomar o pequeno-
almoço. Ao olhar para o prato com meia fatia de pão e para o copo meio cheio
de leite, a mãe dizia-lhe que tivesse paciência, porque o pai ainda não tinha
conseguido sair de casa para fazer compras. Ela comia vagarosamente,
voltava para o quarto e, de lá, ficava a observar o mundo lá fora, que ela tanto
queria poder aproveitar, através de umas cortinas meio opacas, que
deturpavam todas as cores.
Gostava de poder mandar toda aquela multidão para bem longe dela, mas
como podia fazer isso? Os idiotas quase se atropelavam para chegar à porta!
Ah, chegaram os polícias. Mandam-nos dispersar. Alguns vão a bem, outros
não. Au! Um deles deu com a máquina fotográfica na cara de um polícia, que
caiu estatelado no chão. Ai, que o amigo dele não gostou... Pancadaria.
“Sempre a mesma coisa...”, suspirou Íris.
Franziu o sobrolho quando avistou o padre a tentar separar duas crianças à
bulha. Lá estava ele outra vez, como se não fosse facílimo distinguir-lhe o cor-
de-laranja avermelhado do cabelo a quilómetros de distância... Há poucos dias,
tinha conseguido passar por entre a turba de gente e chegado à porta, pedindo
para falar com Íris. Mas rapidamente, tinha sido empurrado dali para fora por
jornalistas furiosos...
Desviou o olhar da janela e deitou-se na cama, fitando o tecto, como se
esperasse que ele a pudesse ajudar.
Ansiava por deixar aquela rotina, por poder falar com mais alguém, por poder
sair de casa. Mas quando chegaria esse momento? Alguma vez chegaria?
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- Onde é que eu guardei o termómetro?
- Ouçam-me! – gritou Íris, levantando-se e batendo com força na mesa – Não
tenho febre, não tenho gripe e não tenho nenhuma constipação. E para que
fiquem a saber, também não tenho fome, por isso, vou para o meu quarto. E
não vale a pena irem lá, porque vou dormir um pouco. Estou cansada e é tudo
o que eu quero agora, com licença.
Afastou-se rapidamente, tentando não olhar mais para a cara de chocados
dos pais, em especial para os olhos lacrimejantes da mãe. Tinha sido
demasiado brusca, sabia disso e até antes de chegar ao quarto, já lamentava
ter falado assim com os pais. Mas todos aqueles meses dentro de casa
estavam a pô-la doida. Pensou ainda em voltar para trás, mas não o fez,
apesar de saber o motivo da preocupação. Eles não eram culpados de nada,
ainda assim, sentiam-se como tal no que rodeava a morte da filha... Ela tinha
percebido isso nos últimos meses. Mas como podiam eles pensar tal? Nem ela
se lembrava do que tinha acontecido...
Não pensou duas vezes. Quando chegou ao quarto e fechou a porta à chave,
pegou na t-shirt e vestiu-a. Colocou o capuz e espreitou pela janela. Ninguém à
vista. Com algum esforço abriu-a (há quanto tempo não seria ela aberta?) e,
com cuidado, saltou para a grande árvore que tinha no jardim. Dessa árvore,
desceu para o chão e começou a correr.
Correr! Já não se lembrava de como era... As pernas pareciam já não
conseguir executar a ordem que o cérebro lhe enviava, mas passados poucos
segundos, começaram a coordenar os movimentos. E que sensação
maravilhosa! O vento contra a cara! Os pés a baterem furiosamente no chão!
Chegou ao jardim e mandou-se para a relva. Estava húmida da rega. Rebolou
para um lado e depois para o outro. Deixou-se ficar deitada de costas e
observou as nuvens. Viu um dragão, um peixe, um homem a nadar e um
campo de flores. Espreitou em volta. Não havia ninguém, por isso tirou o capuz
e deixou que os raios solares lhe batessem em cheio da cara. Apalpou o bolso
das calças. Tinha moedas. Voltou a colocar o capuz e dirigiu-se à geladaria
com esplanada mais próxima. Comprou um gelado de chocolate e ficou a
saboreá-lo. Ainda melhor se sentiu ao perceber que ninguém a reconhecia.
Talvez já fosse seguro voltar a sair de casa!
Para fazer o caminho de volta, Íris decidiu correr mais um bocadinho. Quando
o ia começar a fazer, foi agarrada pelo braço. Como que movida por um
reflexo, Íris soltou-se rapidamente e ficou de frente para a pessoa que a tinha
segurado, uma pessoa fraquinha que, com a força do movimento, quase tinha
caído à frente dos pés de Íris. Era o senhor padre.
- Peço desculpa. Misericórdia! – pediu ele, escondendo-se atrás das mãos, que
tentavam acalmar a jovem – Não era minha intenção! Quero dizer... era,
realmente a minha intenção... Mas, que digo eu?! Não! Não era minha
intenção! Não queria agarrá-la... quero dizer, segurá-la! Não! Pará-la. Eu...só...
Podia...?
Já farta, de sobrolho franzido e braços cruzados, Íris ordenou:
- Vá directo ao assunto.
Confuso, o padre até abanou a cabeça com o espanto e corou. Ajeitando os
óculos, tentou articular uma frase sem pausas ou repetições:
- Se me dessa honra, gostaria que me dispensasse uns minutos para falar
consigo.
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Íris preparava-se para lhe virar as costas sem responder sequer, mas o padre
voltou a detê-la.
- Por favor. – rogou, desta vez muito sério.
Ela queria soltar-se, dizer que não tencionava contar-lhe o que havia para
Além, que nunca mais a chateasse. Mas não foi capaz. Ao olhá-lo nos olhos,
algo pareceu hipnotizá-la. Talvez porque não lhes conseguia distinguir a cor
(pareciam verdes, azuis, avelã e amarelos ao mesmo tempo), talvez porque
brilhavam mais do que os de qualquer outra pessoa, talvez porque a
lembravam algo. Desviou os olhos, como se aquele contacto lhos queimasse.
Olhando para o chão, perguntou em meia voz:
- O que foi?
O padre sorriu, voltando ao seu ar meio aparvalhado, e respondeu com outra
pergunta:
- Posso acompanhar-te até casa?
- Se tiver mesmo de ser... – e Íris começou a andar, sendo seguida pelo jovem
ruivo.
- Só queria saber como andavas... – começou o padre, ao que Íris pensou
“mentiroso...” – Quer dizer, não sair de casa deve ser bastante mau...
“Jeito para padre é o que este tipo não tem...”, Íris continuava a mal pensar o
padre, ainda nem o tinha ouvido durante cinco minutos.
- E os teus pais, como vão?
- Hum... Bem? – “Quando é que ele faz a malfadada pergunta?”, Íris já
desconfiava a demora.
- Que bom. – fez uma pausa. “É agora” - Não te esperava encontrar fora de
casa, para ser sincero... Fico feliz por ti...
Íris parou de andar. O padre fitou-a, admirado.
- Eu sei que queres fazer a pergunta, por isso, fá-la. – desafiou-o.
O padre continuou a olhá-la surpreendido e disse:
- Pois quero. Mas não me parece que queiras responder, por isso é que não
pergunto. – e continuou a andar.
Atónita, Íris ficou alguns minutos boquiaberta a olhar para a figura do padre a
afastar-se até que este gritou um “Vens ou não?”. Nesse momento correu para
acompanhá-lo.
A conversa parva dele já não a irritava. Antes, acalmava-a. Começou a aderir.
Já há muito tempo que não falava cara a cara com alguém que não fosse um
dos pais. Era agradável. E o padre já não lhe parecia tão idiota. Quando
chegaram à porta de casa, Íris não queria voltar para o quarto.
- Podíamos... – começou ela, pausadamente – encontrar-nos amanhã,
também?
- Claro que sim. – respondeu o padre, sorridente – Venho ter contigo às três?
Íris acenou afirmativamente.
Quando o padre estava quase a desaparecer ao fundo da rua ela lembrou-se:
- Como te chamas? – berrou.
O padre voltou-se e respondeu, também como um brado:
- Heitor.
- Heitor? – estranhou Íris – És ainda mais velho do que eu pensava! Em que
século viveram os teus pais?
- Ei! Não meter a família ao barulho, por favor!
Íris sorriu e foi trepar a árvore, de volta ao quarto. Mesmo a tempo. Naquele
momento a mãe vinha bater à porta.
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- Íris, estás acordada? – sussurrou.
Rapidamente, Íris destrancou a porta sem fazer ruído e mandou-se para a
cama, fingindo-se dormida.
Aida espreitou e entrou dentro do quarto. Ao ver a filha supostamente a
dormir, voltou a sair e a fechar a porta com cuidado.
Podia ser uma estupidez, mas Íris tinha gostado da sensação de voltar a ter
segredos. Só ela poderia saber dos encontros com Heitor. Mais ninguém
saberia.
*********
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- Arranjaste alguma maneira?
Heitor sorriu docemente e pegou num pedaço de papel, que estendeu a Íris,
dizendo:
- Pareceu-me ter encontrado um bom psicanalista. Escreve-me aqui o teu
primeiro e último nomes e número de telefone, que eu vou falar com ele,
certificar-me que é de confiança e marcar alguma consulta, se for esse o caso.
– estendeu ainda uma caneta com formas estranhas.
- Que caneta tão engraçada. – riu Íris, ao reparar nas várias curvas salientes
de cores escuras e nas bolas brancas que se assemelhavam terrificamente a
olhos.
- Ideias do Arcebispo. – comentou Heitor, com um encolher de ombros
divertido.
Ainda com um sorriso na cara, Íris preparava-se para começar a escrever o
nome, já com os nove números brilhando no papel devido à tinta. Heitor
parecia estranhamente apreensivo. O “Í” estava já completo no papel, a
primeira perna do “r” estava a ser escrita. Quando a última curva do “s” esta a
ser feita, Íris parou repentinamente. Tinha a impressão de já ter feito algo
parecido... pouco antes de ter morrido.
- O que se passa? – perguntou Heitor.
- O contrato! – gritou Íris – Ele também me pediu para assinar aquele papel.
Eu não quis assinar e ele levou-me para lá! Foi ele que me matou! E levou-me
para lá!
- Ele quem? Para onde?
Íris virou lentamente a cabeça para Heitor. Após uma pausa, ela respondeu:
- Para o inferno.
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- Não há tempo para perguntas. Assina. – e fez o papel e a caneta flutuarem
na sua direcção.
Íris permaneceu fitando-os, até que respondeu decididamente:
- Não.
O rapaz fez um ar encolerizado e começou a respirar mais depressa e
profundamente, com a raiva, informando de seguida:
- Não tenho tempo para isto. Assina. Já.
Apesar de estar com algum medo, Íris repetiu:
- Não.
Sem que Íris percebesse, o rapaz estava atrás dela e movia o seu pulso para
que completasse o seu nome.
- Não! – Íris tentou lutar, mas o rapaz tinha demasiada força. Calmamente fê-
la escrever o apelido.
Então, Íris sentiu um aperto no estômago. As cores do mundo mudaram e ela
viu o seu corpo cair no chão, enquanto um buraco se abria no chão e o rapaz a
mandou lá para dentro. Voltou a sentir a mesma impressão no estômago de há
quase um ano atrás, o medo invadiu-a e fechou os olhos.
Quando os abriu, encontrou-se numa sala que lhe era conhecida. Um salão
enorme, que parecia não ter início nem fim, um salão no meio do qual
repousava um grandioso trono, que emanava ondas de energia avermelhada e
onde estava sentado o Rei do Inferno.
Íris desviou os olhos daquela figura. Não que fosse monstruosa, aparentava
ser um humano como qualquer outro, mas era uma figura que inspirava
respeito e temor.
- Pantheras! – gritou temível criatura. Os seus olhos vermelhos luziam de
fúria enquanto os seus cabelos cor de vinho, ondulando pelo chão, de tão
compridos, se eriçavam como se se tratassem de pêlo de gato.
O rapaz apareceu à frente de Íris, pondo-se de joelhos à frente do mestre.
- Mestre Silas.
Com um sorriso perverso e o cabelo já novamente para baixo, o Rei do
Inferno levantou-se do seu trono e pediu, enquanto caminhava em volta da
sala:
- Recorda-me, Pantheras, há quanto tempo trabalhas sob o meu comando?
- Há precisamente oito milénios, mestre.
- É bastante tempo, não te parece? – perguntou ele, observando todo o ouro
que o rodeava, principalmente o das colunas da sala.
- É, sim, mestre. – Pantheras parecia adivinhar o que aí vinha, mas
permaneceu quieto.
- Recorda-me uma outra coisa, servo. Até há um ano, alguma vez me tinhas
falhado?
- Não, mestre.
Numa questão de milésimas de segundos, Silas encontrava-se à frente do
servo e, agarrando-o pela franja para que olhasse para ele, berrou
furiosamente:
- Então porque me começaste a falhar agora?! Como é que não consegues
que uma criança assine o contrato?! E, como se não bastasse, cometes o
mesmo erro, com a mesma pessoa, duas vezes! – e mandou Pantheras para o
lado, virando-lhe as costas e voltando a andar à roda – Tens noção do que
fizeste? – voltou-se de novo para o criado, ainda no chão – Eu disse-te que só
se ela assinasse podia vir!
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- Ela assinou, meu senhor. – respondeu, um pouco a medo, Pantheras, que
se voltou a pôr de joelhos.
Entretanto, Íris não sabia o que fazer, olhava de um para outro. De uma certa
maneira tinha até pena de Pantheras, mas nada podia fazer. Tentava lembrar-
se do que fizera para escapar da última vez. Mas porque raios não se
recordava?
- Assinou... – Silas sorriu, fingindo-se sereno, mas a sua expressão logo se
transformou numa de quem estava prestes a explodir – Chamas a isto – e fez
com que no ar aparecesse a imagem do que acontecera há bem pouco tempo,
quando Pantheras a obrigara a escrever o nome no papel – assinar de livre
vontade?! – e, com novo movimento de braço, a imagem esfumou-se.
Pantheras, fitava o chão, enraivecido por nada poder dizer. Por sua vez, Silas
tinha voltado a deixar-se cair no trono, enquanto murmurava:
- Há milénios... Há milénios que estou a juntar este exército. Tu sabes o
quanto eu quero matá-lo. O quanto eu quero rir na cara do idiota do Deus
Piedoso. Sabes tudo o que eu tenho planeado para o destronar, para tomar o
poder absoluto. Mas repara, Pantheras. O tempo escasseia. Os meus escravos
vão ficando mais fracos e eu necessito mais poder do que nunca. Achas que é
tempo para falhar?
Pantheras continuava de olhos fixos no chão.
Suspirando, Silas continuou:
- Olha para eles, Pantheras. Vê como estão fracos. – e uma janela abriu-se
ao seu lado, para que pudesse observar os milhões de pessoas, mal vestidas,
mal nutridas e acorrentadas que trabalhavam para ele. Cada uma dessas
pobres pessoas tinha a sua função fixa, função que repetia diversas vezes por
dia, para toda a eternidade. Árduas missões, que lhes poderiam custar a vida,
se ainda a tivessem.
Aproximando-se da janela de olhos esbugalhados de terror, Íris tornou a
reconhecer os avós, a um canto, cavando o chão; um pouco mais afastado, o
pequeno primo, empurrando pedregulhos com o dobro do seu tamanho; lá
longe, várias pessoas empurravam uma gigantesca manivela, que ligava ao
Céu, coberto de nuvens vermelhas cor de sangue. Dessa manivela vinha uma
corrente de energia que seguia o seu caminho até ao palácio do Rei do Inferno.
Íris associou essa energia à que emanava do trono do Diabo.
A janela fechou-se repentinamente e Silas dirigiu-se a Íris:
- Mas tu não podes voltar para ali. Da última vez os espertos dos teus
amigos tramaram-me bem. – depois riu-se maquiavelicamente, apareceu à
frente de Pantheras e, ajudando-o a levantar-se, abraçou-o dizendo – Mas aí
agiste bem, meu amigo. – e deu-lhe umas pancadinhas nas costas, enquanto
ria com gosto – Tens aí o cristal, amigo?
Com o mesmo ar sério que sempre ostentava, Pantheras respondeu:
- Receio tê-lo perdido, meu senhor.
Silas riu-se ainda mais.
- Melhor para nós, melhor para nós. – mas deixou abruptamente de rir
quando olhou para Íris e ordenou – Leva-a para as masmorras!
Do ar, apareceu um outro rapaz, com curtos e espetadíssimos cabelos loiros
e olhos roxos, que prendeu os braços de Íris.
- Ó, grande mestre, nós não temos masmorras. – disse ele, com um certo ar
de gozo.
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Um objecto de prata voou na direcção deles, mas antes que pudesse bater
em Íris, o rapaz tinha-se transportado para uns metros de distância.
- Calma, chefe! – riu ele – Eu percebi a mensagem.
E, após olhar uma última vez para Pantheras, que a observava igualmente,
Íris viu-se dentro de uma minúscula sala.
À sua frente, pronto para fechar a porta, estava o tal rapaz loiro, sorrindo
abertamente.
- Tá, tá! – e cerrou a porta.
O som da chave na fechadura provocou-lhe arrepios. O que faria agora?
Assim não podia fugir nem ela, nem todos os outros.
Longos dias pareceram ter-se passado em apenas escassos minutos, quando
a porta voltou a abrir-se. Pantheras apareceu, sendo seguido pelo rapaz loiro.
- General, o que vais fazer? – perguntava o último.
- Pela última vez, Aelius, não sou teu general. – e fechou-lhe a porta na cara.
Tanto Íris como Pantheras ficaram calados durante uns momentos, mirando-
se apenas, até que ele tirou do bolso da capa um pequeno cristal, que mandou
para as mãos dela.
Confusa, Íris perguntou:
- O que é isto?
- As tuas memórias. – respondeu ele – Desculpa ter-tas tirado. – e voltou a
sair, fechando a porta atrás de si.
- Não trancas a porta, general?
- Cala-te e anda.
Sem saber muito bem o que devia fazer com o pequeno cristal reluzente, Íris
não teve de pensar durante tempo nenhum, pois este fundiu-se com ela e as
memórias começaram a voltar. Lembrou-se de quando Pantheras tinha estado
com ela, ainda na Terra, e tinha tentado que ela assinasse o contrato, como ela
apenas escrevera o primeiro nome, o servo do Diabo levou-a com ele.
Lembrou-se de quando chegara e de como o Rei do Inferno não tinha
desconfiado de nada, tendo até congratulado Pantheras. Lembrou-se de como
havia sido obrigada a trabalhar, junto dos seus falecidos familiares e de como
eles haviam descoberto que, afinal, o contrato dela não era legal. Lembrou-se
de como o tinham conseguido destruir, provocando o seu regresso à Terra e a
fúria de Silas.
Queria dizer que... se destruísse todos os contratos, as pessoas voltariam à
Terra? Tinha, ao menos, de tentar.
Levantou-se do chão e abriu lentamente a porta. Pareceu-lhe que não havia
ninguém, mas mal deu uns passos para fora, Aelius apareceu, muito sério. Íris
estacou, temendo pelo pior. Mas o rapaz sorriu e, apontando, disse:
- O que procuras espera-te ao virares à esquerda. Agora, se me dás licença,
vou vigiar a tua cela. – e foi-se encostar à parede.
Não tendo a certeza das suas intenções, Íris não agradeceu, mas achou que
deveria acreditar na informação de Aelius. Virou à esquerda e cautelosamente
espreitou por todas as janelas. Todas as pequenas salas estavam cheias de
prisioneiros. Que teriam feito? Não havia tempo nem para perguntar.
Ao olhar para dentro de uma das salas, teve a certeza – era ali.
Abriu a porta e deparou-se com uma sala infinita, coberta de gigantes
estantes, com as prateleiras cobertas de folhas. Aproximou-se de uma e retirou
o papel que lhe estava mais próximo. Era branco, estando enfeitado por curvas
de ouro às pontas e onde se lia o nome de um homem.
112
“Os contratos.”, pensou Íris.
Olhou em volta. Como conseguiria destruir todos aqueles?
Experimentou rasgar a folha que tinha na mão. Era impossível. Por mais força
que fizesse, o papel não se rasgava.
- Há uma maneira. – assegurou uma voz, vinda de cima. Íris voltou a cabeça
na direcção desta e deparou-se com Aelius, sentado sobre uma das estantes,
de pernas cruzadas e inclinando-se para trás e para a frente, ao ritmo de uma
música inaudível – De os destruir a todos.
- Que maneira? – quis saber Íris.
- Bem... – começou Aelius, saltando para a estante que estava ao lado –
Neste imenso palácio há uma sala. – tentou equilibrar-se o máximo de tempo
possível com um só pé – Nessa sala há uma chama especial aqui do Inferno. –
naquele momento, tinha decidido tentar fazer o pino – Vamos a isso!
Íris, desconcertada com o comportamento dele, ficou a observá-lo durante
uns segundos, mas quando ouviu Aelius murmurar para si “Agora só uma
mão”, caiu em si e gritou:
- E depois?
- Ah!... – com o susto, Aelius desequilibrou-se e começou a cair de uma
altitude de oito metros.
Quando estava quase a chegar ao chão e Íris até já tinha fechado os olhos,
ele apareceu atrás dela e sussurrou-lhe ao ouvido:
- É uma chama que tudo queima.
Íris virou-se, mas Aelius já não estava atrás dela. Encontrava-se agora com
os pés pegados ao tecto e caminha sobre ele como se estivesse a equilibrar-se
numa qualquer superfície muito estreita.
- Onde é que ela está? – perguntou Íris.
- Bem... Eu podia ir buscá-la por ti...
- Podias? – estranhou a rapariga.
- Sim. Mas...
- Mas?
Aelius parou de caminhar no tecto, tornou-se sério repentinamente e, com um
sorriso inquietante, disse:
- Quero a tua alma em troca.
Tomada pela surpresa, Íris permaneceu alguns segundos a analisar Aelius,
tentando perceber se ele falava a sério. Acabou por achar que sim, então
perguntou:
- E se me dissesses, simplesmente, onde está?
- E para que daria eu informações de graça?
Enfadada e achando que não chegaria a lado nenhum daquele modo, Íris
encaminhou-se para a porta, dizendo:
- Então vou eu procurá-la!
Mas Aelius impediu-a, metendo-se à sua frente.
- Calma, calma! – pediu ele, rindo – Estava a brincar! Não és nada divertida,
pois não?
- “Nada divertida”? “Nada divertida”?! – tinha sido a última gota – Caso não te
tenhas apercebido, eu estou MORTA! E as outras pessoas lá fora, também! E
agora que encontrei uma maneira de as salvar, tu gozas com a minha cara,
pedes-me para ter calma e acusas-me de não ser divertida?
Do nada apareceu Pantheras, que pregou uma cacetada a Aelius, que se
ressentiu com a pancada e murmurou um “Au!”.
113
- Pára de chatear as pessoas.
- Desculpa, general.
Íris ficou maravilhada com o que Pantheras trazia na mão – uma chama
azulada com menos de vinte centímetros. Parecia retorcer-se nas mãos do
servo do Diabo, parecia viva.
- É essa... – começou Íris.
- Sim. – respondeu Pantheras, virando-se para Aelius, que ainda esfregava a
cabeça devido à pancada – Tens o contrato dela?
Sorrindo matreiramente, Aelius retirou uma folha de um dos bolsos do seu
comprido colete:
- Aqui está.
- Óptimo. Toma. – passou a chama para as mãos de Íris.
Esta, pensando que se ia queimar, encolheu-se um pouco, mas a chama,
dançando entre as suas mãos, não emanava uma só onda de calor.
- Tenho de ser eu a...?
Pantheras acenou afirmativamente.
- Nenhum de nós pode, porque o nosso contrato está por aí algures. E,
enquanto estiver, não podemos desobedecer a nenhuma ordem do nosso
senhor.
Íris ficou a olhar para a chama, pensando.
- Mas... Para onde vão as pessoas?
- Não poderão voltar aos corpos. – informou Pantheras – Serão recambiadas
para o Céu.
Aquela ideia era do agrado de Íris.
- Mas... e eu?
- Não há tempo para perguntas. – cortou Pantheras, sempre com a mesma
expressão inexpressiva - Temos pouco tempo. Daqui a nada Silas descobre.
Um violento rugido ecoou pelo palácio, que fez com que Íris e Aelius se
encolhessem.
- Já descobriu. É melhor despachares-te.
Silas apareceu à porta com a sua forma demoníaca. Já não parecia uma
pessoa, mas uma criatura bizarra feita de fogo.
Sem tempo para pensar, Íris lançou a chama para a estante mais próxima.
Como um enxame, a chama propagou-se rapidamente e vários contratos
estavam já a arder.
A criatura urrou de dor e começou a transformar-se gradualmente em
humano. O palácio começou a desaparecer e Pantheras teve de pegar em Íris
para que esta não caísse com o chão. Aos poucos, as tenebrosas nuvens
vermelhas foram-se dissipando e as pessoas iam ganhando asas e afastavam-
se a voar, em direcção ao Céu. Íris viu novamente os avós e o primo. Não pôde
deixar de sorrir.
- E o meu contrato? – acabou por perguntar.
- Tem de ser o último a destruir-se. – explicou Pantheras.
- E não é precisa a chama, general?
- Não. Basta rasgar-se, já que não foi ela que assinou. Passa-lhe o papel,
Aelius.
Com um encolher de ombros, Aelius entregou o papel a Íris.
Estavam a observar todos os humanos a partir para o Céu quando, aparecido
do meio dos escombros, Silas, já humano, investiu contra Pantheras, gritando:
- Seu traidor!!
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Mas Pantheras, com excelentes reflexos, estendeu o braço direito e tocou
com a mão na testa de Silas, enquanto que na sua mão esquerda se ia
formando um cristal. Silas gritava de dor.
Quando a última pessoa abandonou o Inferno, Pantheras gritou:
- Agora!
Íris, respondendo à ordem, rasgou o papel.
*********
- Mas como quer que eu acredite nisso?! – era a voz do pai.
- Estou a dizer-lhe a verdade! – conhecia esta voz, mas de quem era?
- Está a dizer-me que adormeceu no meio da rua e que, quando acordou, viu
que tinha a minha filha, sem sentidos e, aparentemente, morta ao seu lado? –
desta vez tinha sido a mãe.
- Sim! Quer dizer, não! Eu não adormeci no meio da rua! Quer dizer, pelo
menos acho que não... Não é meu costume... Devo ter levado com uma
pancada na cabeça... Sim! Deve ter sido isso! Ela tem-me estado a doer
terrivelmente desde que acordei. – mas quem era?
- Eu é que lhe vou pôr a cabeça a doer!
- Gabriel, não!
- Heitor! – Íris lembrou-se de repente e, abrindo os olhos, sentou-se no sofá.
O que viu foi a mãe, agarrando o pai, agarrando o padre pelo colarinho, que
escondia a cara atrás das mãos.
Todos ficaram petrificados. Quem saiu do choque mais depressa foi Heitor,
que se soltou e se foi ajoelhar ao lado de Íris.
- Estás bem?
- Diz-me só uma coisa. – pediu a rapariga, pegando nas mãos do padre.
- Sim...? – perguntou ele, corando ligeiramente.
- Chamas-te mesmo Heitor?
- Sim... É o meu nome. – respondeu ele, confuso.
De tão contente estava, Íris abraçou-se a Heitor, gerando uma grande
confusão, que foi culminar no desmaio do padre.
Entretanto, lá fora, um homem ainda jovem, de longos cabelos pretos e óculos
de sol, observava a cena, com um sorriso na cara. Do bolso do longo casaco,
tirou um cristal vermelho que brilhava imensamente ao sol. Lançou-o ao ar e
apanhou-o com uma só mão, voltando depois a guardá-lo no casaco.
- Vamos, amigo? – virou-se para um dos dois homens que o
acompanhavam.
- Amigo? Eu sou teu amigo? É que não me lembro de muita coisa... – esse
homem, com o cabelo castanho avermelhado mais ou menos pelos ombros e
ondulado, seguia o primeiro com um ar perdido.
- Claro! – um terceiro homem, mais jovem e loiro, aproximou-se e agarrou no
braço de cada um dos outros dois – Somos todos amigos! Vamos comer um
gelado, pode ser? Eu quero um de chocolate!
- Eu alinho. – respondeu o primeiro.
- O que é um gelado? – perguntou o segundo.
- Não é muito mais divertido estar vivo do que morto?
Elsa Vila
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ILUSTRAÇÃO 22 SCRAT BRASILIAN, PEDRO FERREIRA
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ELORA
Dia horrível com o céu cor de sépia… Nem sequer sinto uma mísera brisa a
soprar. Parece que parou tudo menos eu… Ou… Será que não? Será que fui
eu que parei?
Acho que sim… Sinto me apático. Pelo menos hoje. Não devo estar normal.
Este não sou eu.
Como definir o meu estado de espírito? Cinzento. É a melhor palavra que
encontrei.
Na minha estúpida introspecção tentando desbloquear as ondas de
negativismo que me assolam de cima abaixo, vi-te ai abandonada a um canto.
Sempre tão solene e séria minha querida… Porém consegues sempre
compreender-me. Arrastei-te para mim e agarrando-te passei os meus dedos
por ti.
Que espécie de poder tu tens sobre mim… Apagaste logo um pouco da minha
apatia. Mas preciso que me acordes. Preciso que enchas por completo.
Encostei-te a mim com força e muito cuidadosamente comecei. Primeiro
devagarinho… Devagar… Para cima e para baixo…
Estou a sentir-me mais calmo… Como a pairar no ar. A brisa que antes não
havia conseguia senti-la agora, mesmo que o resto do mundo não.
Querida Elora… Estás a chorar? Quase parece que sim… Estás triste?
A culpa é minha eu sei… A tua tristeza parte-me o coração. Desculpa. Não
quero que fiques triste por minha causa, eu não mereço as tuas lágrimas, os
teus suspiros e murmúrios desolados.
Mais rápido desta vez. Mais alegre. Acho que o teu riso me anima sempre e
não me enganei.
Saber que estás feliz faz-me estar feliz. Fluis tão bem entre os meus dedos
transbordando aquelas ondas que encheram a sala pequena e gris por
completo.
Fecho os olhos e volto atrás… Bem atrás. Lembras-te de antes? Tu eras
enorme comparada comigo, mas desde que te vi que me encheste de
fascínio.
Eu, uma pequena e inocente criança de olhos grandes rebrilhando, vi-te mais
uma vez sozinha.
Porque é que estás sempre sozinha? Porque é que te escondes sempre dos
outros Elora?
Elora… Quando é que eu te pus esse nome? Acho que lá bem no íntimo teu
nome já lá estava bem guardadinho só para ti desde sempre.
Mas primeiro que eu te compreendesse… Demorou não foi?
Admito que se calhar até sofreste um pouco às minhas mãos. Tivemos que nos
habituar um ao outro, mas acho que a cada dia a minha paixão por ti
aumentava gradualmente.
Temos um ligação um pouco especial não temos? Agora dá-me a sensação
que sempre que estou triste ou alegre tu também estás. Mas eu não te quero
ver triste Elora. Até podes ter uma candura especial quando estás deprimida,
quase fazendo lembrar a chuva. Tal como ela é doce e meiga a cair na nossa
cara tu também o és sempre que te toco, mas recuso-me fazer-te sofrer com as
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minhas depressões ridículas e sem sentido que me aparecem sem aviso
prévio.
Ah… Mas quando tu estás alegre… Até me custa a compreender como é que o
resto do mundo não se anima… Como é que tudo continua a andar sempre em
frente sempre tão… cinzentos. Tal como eu agora. Não os posso acusar. Eles
não te têm. Se eles te tivessem Elora… Se eles sentissem o teu calor, o teu
cheiro, a tua suavidade… Que era eu sem ti meu amor? Tenho a lua e o sol na
palma da minha mão quando estás feliz… Não preciso de mais nada. É um
rodopio de raios celestes envolvendo-me por completo, uma sensação de…
Eis o teu problema Elora. A melhor palavra para te descrever é indescritível. Eu
tento por tudo descrever aquilo que sei que sinto por ti, aquilo que me
transmites, mas não o consigo por palavras.
Só te tocando Elora… Que música queres agora? Toco aquela que tu quiseres,
aquela que todos os violoncelos conhecem…
Patrícia Matono
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ILUSTRAÇÃO 23 LISA COM CHAPÉU, DAVID CHORÃO
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BELEZA NATURAL
Paula Pereira
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ILUSTRAÇÃO 24 SCRAT CHINESE, PEDRO FERREIRA
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