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Impacto do

Software Livre e de Código Aberto


na Indústria de Software do Brasil

Coordenadores
Giancarlo Nuti Stefanuto (coordenação executiva)
Sergio Salles-Filho (coordenação científica)

Equipe de pesquisa
Adrian S. de Witt B.
Ana Maria Carneiro
Angela Maria Alves
Carolina Vaghetti Mattos
José Eduardo De Lucca

Equipe de apoio
Fernando Colugnati (apoio estatístico)
Rogério da Veiga (estagiário)

Apoio editorial
Paula Felício Drummond de Castro

Projeto visual e produção


Serifa Comunicação (www.serifa.com.br)

Este documento está disponível no site www.softex.br

Impresso no Brasil, 2005

O impacto do software livre e de código aberto na indústria de software do Brasil / Softex,


Campinas: Softex, 2005.
76 p.

1. Software livre. 2. Código aberto. 3. Indústria de software.


I. Título. II. Softex.

CDD 005.13

2 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Sumário

Apresentação ...............................................................................................................................................................6
Introdução ...................................................................................................................................................................7
Capítulo 1. Panorama geral do SL/CA ...........................................................................................................................8
1.1 Modelo de desenvolvimento de SL/CA e comunidades ....................................................................................11
Comunidades e colaboração ...........................................................................................................................13
Comunidades brasileiras .................................................................................................................................14
1.2 Licenças .........................................................................................................................................................15
Capítulo 2. Perfil dos desenvolvedores ........................................................................................................................19
2.1 Perfil social, econômico e técnico do desenvolvedor individual .......................................................................20
2.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos desenvolvedores ............................................................21
2.1.2 Perfis dos desenvolvedores (agrupamentos) ............................................................................................24
2.2 Caracterização das empresas desenvolvedoras ................................................................................................30
2.2.1 Caracterização das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias) .......................................................31
2.2.2 Estratégias de algumas empresas selecionadas .......................................................................................35
Capítulo 3. Perfil do usuário de SL/CA .........................................................................................................................37
3.1 Usuário Individual...........................................................................................................................................40
3.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos usuários .........................................................................40
3.1.2 Perfis dos usuários (agrupamentos) ........................................................................................................42
3.2 Empresas usuárias ..........................................................................................................................................45
3.2.1 Caracterização das empresas usuárias ....................................................................................................47
3.2.3 Estratégias .............................................................................................................................................48
Capítulo 4. As dimensões econômicas do SL/CA: motivações, setores e modelos de negócios ......................................51
4.1 As motivações para desenvolver e usar SL/CA ..................................................................................................51
4.2 Intensidade de uso de SL/CA em setores e em áreas de aplicação ...................................................................56
4.3 Modelos de negócios em SL/CA ......................................................................................................................58
4.3.1 Negócios com SL/CA ..............................................................................................................................59
4.3.2 Ameaças e oportunidades do SL/CA para a indústria brasileira de software .............................................61
4.3.3 Dimensionamento dos mercados de SL/CA: aspectos gerais ....................................................................63
4.3.4 Dimensionamento dos mercados de SL/CA: quanto é hoje o mercado de Linux no Brasil? .......................68
Conclusões.................................................................................................................................................................71
Bibliografia ................................................................................................................................................................75

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 3


Índice de Quadros
Quadro 1 - Fatos importantes na história da aproximação entre SL/CA e as empresas..................................................18
Quadro 2 - Comparação com outros surveys no mundo .............................................................................................21
Quadro 3 - Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características socioeconômicas ..................23
Quadro 4 - Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características de atuação com SL/CA ..........24
Quadro 5 - Comparação dos grupamentos de empresas desenvolvedoras ...................................................................34
Quadro 6 - Box resumo com casos ilustrativos de uso de SL/CA por empresas no Brasil ...............................................46
Quadro 7 - Intensidade de uso de SL/CA nos setores econômicos - situação atual ......................................................57
Quadro 8 - Relações entre modelos de negócios específicos para SL/CA e da indústria de software ............................61
Quadro 9 - Importância relativa da apropriabilidade do software para os modelos de negócios da indústria e
principais programas livres desenvolvidos por modelo de negócio...............................................................................62

Índice de Tabelas
Tabela 1 - Comparação dos agrupamentos de desenvolvedores individuais..................................................................27
Tabela 2 - Sistemas Operacionais nos servidores no Brasil ...........................................................................................38
Tabela 3 - Caracterização socioeconômica dos agrupamentos de usuários individuais ..................................................44
Tabela 4 - Caracterização da utilização de SL/CA dos agrupamentos de usuários individuais ........................................45
Tabela 5 – Motivos para desenvolvimento e uso de SL/CA ..........................................................................................53
Tabela 6 - Número de servidores web e respectivos programas no mundo (2004) .......................................................66
Tabela 7 - Número de servidores web e respectivos programas – Brasil (2004) .............................................................68

Índice de Gráficos
Gráfico 1 - Principais sistemas operacionais utilizados em servidores ...........................................................................37
Gráfico 2 - Sistemas operacionais por tipo de operação ..............................................................................................38
Gráfico 3 - Software de banco de dados transacionais ...............................................................................................39
Gráfico 4 - Idade dos usuários ....................................................................................................................................40
Gráfico 5 - Distribuição dos usuários por região ..........................................................................................................41
Gráfico 6 - Se considera parte de alguma comunidade ...............................................................................................41
Gráfico 7 - Localização das empresas usuárias ............................................................................................................47
Gráfico 8 - Faturamento empresas usuárias ................................................................................................................48
Gráfico 9 - Número de empregados de empresas usuárias ..........................................................................................48
Gráfico 10 - Razões de desenvolvimento e/ou distribuição de SL/CA, respondido por desenvolvedores .......................52
Gráfico 11 - Razões de uso de SL/CA, respondido por usuários ..................................................................................52
Gráfico 12 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores ...................................................................60
Gráfico 13 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores ..................................................................60
Gráfico 14 - Evolução esperada do mercado de produtos Linux .................................................................................65
Gráfico 15 - Taxas de adoção de Linux em equipamentos novos e usados ..................................................................65
Gráfico 16 - Evolução do mercado de servidores .........................................................................................................67
Gráfico 17 - Evolução do mercado de planilhas ..........................................................................................................67

4 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Índice de Figuras
Figura 1 - Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA ............14
Figura 2 - Possíveis evoluções do licenciamento de um software livre e de um software proprietário ............................17
Figura 3 - Análise de correspondência do perfil técnico e profissional dos desenvolvedores individuais ........................25
Figura 4 - Análise de correspondência do perfil das empresas dos desenvolvedores .....................................................32
Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CA ........................................................................42
Figura 6 - Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de negócios de SL/CA,
caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital nacional ................................................................................62
Figura 7 - Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de negócios de SL/CA,
caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital estrangeiro ............................................................................63

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 5


Apresentação

O modelo de software livre/código aberto (SL/CA) tem despertado o interesse e suscitado reflexões nos mais diversos âm-
bitos (governo, academia, empresas, etc), no Brasil e no exterior. O surgimento de uma rede virtual de desenvolvedores e
usuários, complexa, auto-organizada, com motivações diversas e a existência de novas formas de licenciamento de software
sinalizam a introdução de novas variáveis no setor de software. O software livre desponta como opção estratégica para o
desenvolvimento tecnológico com vistas à inclusão social, a partir de experiências bem sucedidas em diversas localidades
do Brasil.

O Observatório Econômico da Softex e o Departamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP realizaram, com
o apoio do MCT, uma pesquisa para aprofundar o entendimento do impacto do software livre no Brasil. Foram estudados
aspectos como abrangência de utilização, capacitação dos desenvolvedores e, particularmente, os impactos que dizem
respeito às empresas de software (capacitação, modelos de negócios etc).

Os resultados apresentados compõem a maior pesquisa individualizada por país já realizada em todo o mundo. As princi-
pais conclusões indicam que, apesar de não se tratar de uma ruptura tecnológica, o modelo SL/CA traz uma nova forma
de desenvolver e licenciar software que está quebrando modelos tradicionais de apropriabilidade e de desenvolvimento
tecnológico.

O fenômeno de construção, interação e geração de resultados pelas comunidades é algo sem precedentes na história do
setor de software. Em boa parte destas comunidades inexistem laços formais para participação e parece haver um crescente
fluxo de geração de novas comunidades e do processo de aprendizagem coletiva.

Os resultados desta pesquisa contradizem alguns mitos em relação ao modelo SL/CA no Brasil. O perfil dos desenvolve-
dores brasileiros é semelhante ao perfil europeu, que é bastante profissionalizado, com a predominância de profissionais
qualificados: administradores de sistemas, técnicos de redes, empresários, pesquisadores e estudantes com nível superior.
Dentre as empresas desenvolvedoras há o predomínio de pequenas empresas, mas grandes empresas também já adotam
este modelo para realização de negócios.

Quanto aos usuários, o perfil se inverte. Há predomínio de grandes organizações, com destaque para os setores de tecnolo-
gias da informação e comunicação, governo, comércio e educação. Suas principais motivações são econômicas (diminuição
de custos) e técnicas (desenvolvimento de novas habilidades).

Estima-se que no Brasil o mercado de sistemas operacionais baseados em SL/CA tenha uma dimensão de no mínimo
R$ 77 milhões, considerando-se somente a venda de distribuições e serviços correlatos do Linux, com potencial de cresci-
mento de 2,5 a 3 vezes até 2008. Sendo este um modelo fortemente associado à prestação de serviços, há a existência
de uma parcela considerável de serviços comercializados, que não pôde ser computada, dada a inexistência de estatísticas
sobre o modelo SL/CA no Brasil. Também faltam estatísticas e metodologia para mensurar o mercado de linux nos embar-
cados.

Do ponto de vista das características concorrenciais, o SL/CA ameaça fortemente o modelo de pacotes (plataformas e
sistemas operacionais), componentes de software (enquanto a ênfase de sua utilização for como produto) e produtos
customizáveis, exatamente porque esses modelos têm na apropriabilidade (manter códigos fechados) um fator essencial de
concorrência. Já os modelos de serviços e de embarcados, por terem maior especificidade e menor importância de apro-
priabilidade por meio de códigos fechados, constituem modelos com maiores oportunidades de investimento. A pesquisa
indica como o SL/CA acelera a transição da indústria de software dos produtos para os serviços.

O SL/CA está se profissionalizando no país e começa a sair da periferia da indústria em direção ao seu centro. O SL/CA, ao
nascer de uma contestação aos mercados proprietários mais poderosos da indústria (Unix, Windows, Office), revelou todo
seu apelo político, institucional e emocional. Este apelo chamou a atenção de muita gente, dos que tinham (e têm) como
filosofia um espírito libertário e contrário à apropriação restritiva do conhecimento, aos que viam uma oportunidade de der-
rubar o maior e mais conhecido gigante da indústria de software, passando pelas grandes corporações que viram (e vêem)
no SL/CA uma enorme oportunidade de se desfazer de uma incômoda taxa de monopólio que restringe seus negócios. Os
interesses no SL/CA são diversos e muitas vezes antagônicos, como é apresentado ao longo deste trabalho que merece ser
lido por todos que estudam este setor.

Uma onda de software livre percorre o mundo. Que seja bem vinda também no Brasil.

Arthur Pereira Nunes

6 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Introdução

Este documento apresenta os resultados da pesquisa Impacto do Software Livre e de Código Aberto (SL/CA) na Indústria de
Software do Brasil realizada pelo Observatório Econômico da Sociedade Softex em parceria com o Departamento de Política
Científica e Tecnológica da Unicamp com o apoio do MCT. O objetivo deste estudo foi realizar um primeiro levantamento
das formas de organização técnica e econômica de software livre e código aberto (SL/CA) no Brasil. Fazem parte deste
objetivo a identificação dos principais mercados e modelos de negócio relacionados a SL/CA; um levantamento de compe-
tências em SL/CA no país (desenvolvedores, empresas especializadas, etc); um levantamento dos consumidores e usuários;
a identificação das condições de apropriabilidade envolvidas em SL/CA e outros ativos complementares fundamentais ao
desenvolvimento e uso de SL/CA.

Quatro foram as principais fontes de informação levantadas pelo estudo:

a) um painel de especialistas;

b) uma enquete eletrônica com 3.657 respondentes (a maior já realizada dentro de um único país);

c) um conjunto de entrevistas com empresas desenvolvedoras e usuárias de software livre e open source (SL/CA); e

d) um levantamento exaustivo de informações secundárias sobre empresas que lidam com SL/CA no Brasil.

A partir destas fontes, o trabalho apresenta o maior conjunto de informações sobre o tema SL/CA já realizado até o mo-
mento no país. O texto que segue possui a seguinte estrutura:

No Capítulo 1, Panorama geral do SL/CA, o objetivo é apresentar o que é e como se organiza o SL/CA, bem como as
tendências que estão sendo delineadas nos cenários nacional e internacional, os instrumentos de apropriabilidade (tipos
de licença e formas de apropriabilidade), as comunidades e suas características básicas, além das implicações gerais para a
organização econômica da indústria de software.

No Capítulo 2, Perfil dos desenvolvedores, o objetivo é identificar e analisar o perfil social, econômico e técnico do
desenvolvedor (indivíduos e empresas) incluindo-se suas áreas de atuação e perfil empreendedor.

No Capítulo 3, Perfil do usuário, o objetivo é identificar e analisar o perfil técnico e socioeconômico dos usuários, indi-
víduos, empresários e empresas.

O Capítulo 4, As dimensões econômicas do SL/CA: motivações, setores e modelos de negócio apresenta as


motivações dos diferentes envolvidos com SL/CA no Brasil; os setores econômicos e as áreas de aplicações com maior in-
tensidade de uso e desenvolvimento de SL/CA e, por fim, enfoca os modelos de negócios relacionados a SL/CA e faz uma
análise das implicações para a indústria de software. Complementarmente, este capítulo faz uma estimativa do mercado de
Linux no Brasil no final do ano de 2004.

Finalmente, as conclusões recuperam questões encontradas ao longo do trabalho e se dedicam a discutir aspectos rela-
cionados às políticas e sua importância para o fomento ao SL/CA no País.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 7


Panorama geral do SL/CA

Capítulo 1
Panorama geral do SL/CA

A dinâmica do software livre/código aberto (SL/CA) é o mais recente e interessante fenômeno no cenário da
informática (e que ultrapassa suas próprias fronteiras), gerando um nível de interesse similar aos dos primeiros
momentos da Internet comercial. A conceituação de software livre surgiu em 19831 e ganhou maior divulgação
recentemente. Os mais de 20 anos de evolução permitiram ao SL/CA avançar em diversos aspectos: técnico,
político-estratégico, adequação às necessidades dos usuários, qualidade, segurança, etc. Esta evolução é re-
sultado de um conjunto heterogêneo de eventos, atores e perspectivas. Na verdade, trata-se de um processo
evolutivo, cujos caminhos ainda estão sendo trilhados. Este processo coletivo interrelaciona-se de forma muito
intensa, criando grandes comunidades de prática, em que há engajamento em torno de um domínio comum
no qual, em alguns casos, ocorre a socialização de conhecimento e de práticas2. Esta dinâmica envolve o de-
senvolvimento de software (e de material relacionado, como documentação), difusão, estímulo e apoio ao
uso de SL/CA, que chega até uma visão e ação empresarial, que encontra no SL/CA uma importante opção de
crescimento.

Os princípios do SL/CA fundamentam-se nas premissas básicas de liberdade de expressão, acesso à informação
e do caráter eminentemente coletivo do conhecimento, que deve ser construído e disponibilizado democratica-
mente, e não privatizado. Dentro do modelo de SL/CA, o software é somente mais uma forma de representação
ou de organização do conhecimento e, por isso, um bem comum. Como tal, sua difusão e uso devem ser livres.
Para que estes princípios sejam efetivamente respeitados, existem alguns requisitos como o acesso ao código
fonte dos programas e liberdades concedidas aos usuários dos mesmos.

De forma resumida, entende-se por SL/CA todo software que oferece ao usuário, através do seu esquema de
licenciamento3, as condições de uso, reprodução, alteração e redistribuição de seus códigos fonte. Também é
importante destacar que o modelo de desenvolvimento e o de disponibilização do software são características
que distinguem o software livre do proprietário. Estas peculiaridades serão devidamente tratadas ao longo
deste documento.

Duas denominações convivem com esta definição básica: a de software livre e a de software de código aberto.
Os termos são tradução direta dos utilizados em inglês: “free software” e “open source software”. Na verdade,
estas denominações contêm similaridades e diferenças. Ambas significam mudanças substantivas na indústria
de software, seja do ponto de vista do usuário final, do desenvolvedor de software, ou de outros agentes re-
lacionados.

No presente estudo foi usada a expressão software livre e código aberto (SL/CA) para definir o conjun-
to dos produtos e serviços não proprietários que deveriam ser pesquisados. De acordo com a literatura e
mesmo com a prática, software livre (SL) e de código aberto (CA) são categorias distintas, ou pelo menos

1
A rigor, o software surgiu livre e rapidamente transformou-se em negócio proprietário.
2
Etienne C. Wenger em 1991 (Lave et al, 1991) cunhou o termo “comunidades de prática”, definindo-as como grupos de pessoas
que partilham um interesse e que se unem para desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno desse tópico. Estas
comunidades não estão vinculadas a estruturas hierárquicas ou institucionais. O fato de possuir fronteiras flexíveis (a filiação é aberta) a
difere de uma típica unidade funcional de uma empresa, e potencializa as oportunidades de aprendizagem em situações concretas.
3
Legalmente, a forma como um usuário pode “relacionar-se” com um software é definida através de uma licença de uso, que é escrita/
definida/escolhida pelo produtor do software, e que deve ser aceita e respeitada pelo usuário. A legislação brasileira que trata do assunto
é a lei nº 9.609, de 19/02/1998, artigos 9º e 10º, de Registro de Programa de Computador (www.inpi.gov.br).

8 SOFTEX / UNICAMP / MCT


identificáveis, ainda que façam parte de um mesmo tema: a produção e uso de software não proprietá-
rio. Na verdade, a dúvida mais comum não é exatamente em torno do significado dessas duas categorias,
mas em torno da gratuidade ou não do produto ou do serviço4. Software livre, assim como código aberto,
são ativos que podem ou não ser monetizados e transacionados nos mercados, dependendo da situação.
Software Livre, portanto, não diz respeito à gratuidade, mas à liberdade. Liberdade definida basicamente por
se poder modificar, reproduzir e utilizar livremente, desde que não se restrinja o uso e a capacidade de uso por
outrem. Nas palavras de R. Stallman, em seu Manifesto GNU5:

“GNU is not in the public domain. Everyone will be permitted to modify and redistribute GNU, but no
distributor will be allowed to restrict its further redistribution. That is to say, proprietary modifications will
not be allowed. I want to make sure that all versions of GNU remain free” (Stallman, 1985).

A idéia de que SL/CA não é domínio público (porque o que está em domínio público pode ser transformado
e apropriado e, assim, não valem os direitos de autor) é um diferencial importante que leva à criação de toda
uma categoria de licenças. É preciso garantir que o produto/conhecimento desenvolvido sob a égide do SL não
venha a ser apropriado. O conhecimento deve, portanto, nascer e se desenvolver livre. Resumidamente, seriam
quatro as categorias de liberdade a serem preservadas (Augusto, 2003; Barahona et al, 2003):

• liberdade para executar o programa para qualquer fim, em qualquer ponto e a qualquer tempo;

• liberdade de estudar o funcionamento do programa e adaptá-lo às necessidades de quem o estuda;

• liberdade de redistribuição de cópias;

• liberdade para melhorar o programa e publicar as melhorias.

Um programa é considerado “livre” se os usuários dispõem de todas essas liberdades6. Caso contrário ele po-
derá ser, no máximo, código aberto.

O GNU é uma demonstração da contestabilidade dos mercados de software. Sem quebrar direitos7 e sem ferir
legislações alterou-se uma trajetória institucional de organização da indústria e instituiu-se uma trajetória para-
lela, similar em seus princípios técnicos e tecnológicos, mas diferente em sua organização. As formas Catedral
e Bazar de desenvolvimento, descritas por Eric Raymond (Raymond, 2001), são modelos organizacionais efe-
tivamente diferentes: uma, hierárquica, controlada no interior do projeto ou da firma; outra, não hierárquica,
conduzida pelas comunidades de SL. Ambas com regras e “códigos” de conduta próprios: uma baseada nos
ganhos de propriedade, outra baseada no trabalho e uso coletivos.

Essa seria a essência do SL. Sua origem tem motivações ideológicas (as declarações de Stallman em seu Mani-
festo e em várias entrevistas e escritos comprovam isso), sua proposta altera substantivamente as condições nas
quais um programa de computador pode ser desenvolvido e, mais que isso, utilizado.

Seu desenvolvimento, ao longo dos últimos vinte anos, tomou vários rumos, mas sua maior expressão prática
foi e ainda é o Linux, um sistema operacional que disputa espaço com os sistemas operacionais proprietários
mais difundidos no mundo, como Windows, Windows Server, Unix, Novell e sistemas de mainframe (FIESP/

4
Como visto no primeiro capítulo, o movimento inicialmente denominava-se Free Software, mas a dubiedade do termo “free” levou Eric
Raymond e Bruce Perens em 1998 a fundarem o movimento de software open source, que incorporava essencialmente as mesmas práticas
de licença do software livre, mas procurava enfatizar mais os benefícios práticos dessas licenças do que os princípios ideológicos para,
assim, aumentar a aceitação do software open source pelas empresas de software (von Hippel e von Krogh, 2003; Hertel et al, 2003).
5
GNU significa “GNU is not Unix”, uma brincadeira com a característica recursiva da programação.
6
http://www.gnu.org/philosophy
7
Isso não é exatamente consensual, há vários processos judiciais (Linux x Unix) e as ameaças sobre o Linux por supostamente ter ferido
dezenas de patentes da Microsoft.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 9


Panorama geral do SL/CA

CIESP e FEA/USP, 2004). Daí sua grande importância para o entendimento da dimensão econômica do SL.
Nas palavras de Eric Raymond, “Linux é subversivo”. E de fato o é, em vários sentidos. No que interessa para
o presente trabalho, o Linux altera condições técnicas e econômicas básicas da organização da indústria de
software, a começar pela formação de preços e pela organização industrial (estruturas de mercado e modelos
de negócios relacionados à indústria).

O termo código aberto (ou open source) é, em princípio, uma categoria que enfatiza apenas a abertura dos
códigos dos programas. Assim, seria um conceito diferente do de SL porque os princípios de liberdade não
necessariamente deveriam ser observados. Entretanto, há autores que usam o termo CA como sinônimo de SL,
não fazendo distinção categórica entre eles (European Comission, 2000).

Ao se tomar as características de uma licença CA dada pela Open Source Initiative – OSI8, tem-se o seguinte
conjunto de princípios:

1. distribuição livre, sem pagamento de royalties ou semelhantes;

2. código fonte deve sempre estar aberto;

3. permitir modificações e trabalhos derivados;

4. garantir integridade autoral do código fonte;

5. não discriminar pessoas ou grupos;

6. não discriminar áreas de conhecimento, setores, atividades;

7. direitos de licença redistribuídos sem necessidade de licenças adicionais pelas partes;

8. a licença não deve ser ligada a um produto específico;

9. a licença não pode restringir outros softwares que são divulgados conjuntamente.

Em resumo, pode-se dizer que há uma diferença conceitual entre SL e CA, embora ambos tratem de desen-
volver programas com códigos abertos, coletivamente, e de conferir liberdade de uso desses programas. Os
princípios da OSI são muito parecidos com os preconizados pela General Public License (GPL), exceto pelo fato
de dar ênfase aos direitos autorais e por não restringir, na ponta, o fechamento do código para uso proprietá-
rio. Esta última, talvez, seja a principal diferença entre SL/CA. De toda forma, há um conjunto de atividades de
desenvolvimento de programas que são organizados da mesma forma, seja como SL ou como CA. Esta forma
é o que Raymond (2001) apropriadamente chamou de Bazar: horizontal, coletiva e cooperativa, baseada nas
comunidades de SL.

A única conclusão possível sobre a percepção é a que não há consenso sobre filosofia e implicações para a
forma de atuação de desenvolvedores e usuários. Entretanto, é possível afirmar (inclusive pela literatura e pelas
manifestações dos entrevistados) que a noção de SL é mais ideológica que a de CA, e que esta reúne um con-
junto maior de pessoas (praticamente todos os que pensam que a forma de trabalho é semelhante, mais os que
enfatizam as diferenças e que eventualmente trabalham para projetos de CA), provavelmente porque é menos
radical em suas proposições e permite aproveitar as vantagens do desenvolvimento aberto sem perder alguns
possíveis estímulos relacionados a direitos de autoria e usos proprietários futuros.

No fundo, a percepção de uma ou outra categoria é resultado do posicionamento das comunidades desenvol-
vedoras. Do ponto de vista dos usuários, especialmente as grandes corporações usuárias de Linux, a distinção
é percebida, mas não tem importância na tomada de decisão, exceto para saber localizar-se entre as comuni-
dades.
8
http://www.opensource.org/docs/definition.php, citado por Arroyo et al (2004).

10 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Neste trabalho, software livre e software de código aberto serão usados indistintamente para fins de simplifica-
ção, agrupados sob o termo SL/CA9. Será dado o destaque necessário quando houver necessidade de distingui-
los. A principal diferença entre estas denominações, como dito, está na perspectiva do indivíduo. Enquanto as
idéias de software livre estão mais vinculadas às questões de garantia e perpetuação das liberdades citadas, as
de código aberto estão mais ligadas a questões práticas de produção e negócio, como a agilização do desen-
volvimento do software através de comunidades abertas.

Se um desenvolvedor desejar criar um novo software utilizando trechos de software originariamente apresen-
tados com uma licença de código aberto, poderá, a seu exclusivo critério, utilizar qualquer outra licença, inclu-
sive uma que não outorgue nenhum daqueles direitos originais (liberdade de utilização, cópia, modificação e
redistribuição). É o que tradicionalmente se denomina “fechar” o código.

Esta situação não deve ocorrer se o software tiver sido originariamente apresentado com uma licença de
software livre (como a General Public License, GPL), pois os direitos originais outorgados aos usuários devem,
supostamente, ser propagados para todas as novas versões e trabalhos derivados criados a partir daquele origi-
nal, impedindo, em tese, que se “feche” o código. Dizemos em tese porque nada impede que o próprio autor
resolva, em algum momento, colocar seu desenvolvimento em uma outra licença, menos restritiva que aquela
inicialmente registrada. O direito de autor sempre se sobrepõe, pelo menos no plano legal, aos muitos tipos de
licenças que hoje são utilizadas em SL/CA.

1.1 Modelo de desenvolvimento de SL/CA e comunidades

Tradicionalmente, o desenvolvimento de software (proprietário) é realizado por grupos de desenvolvedores


dentro de uma empresa ou de empresas contratadas para tal, sob contratos que impedem a divulgação e
o uso de informações relacionadas ao produto em desenvolvimento. Tudo está envolvido em questões de
sigilo industrial e de propriedade intelectual (direito de autor) e o conhecimento relacionado à produção dos
softwares é considerado um ativo muito importante da organização proprietária.

O SL/CA permitiu o surgimento de inovadores modelos de desenvolvimento de software, com colaboração


em rede de desenvolvedores. Estes modelos são substancialmente diferentes das práticas estabelecidas pela
engenharia de software tradicional. A Internet foi (e é) um ponto-chave desta mudança, pois proporcionou
uma grande expansão nesta forma de organização do trabalho, permitindo a criação simples e ágil de redes
com participantes de todas as partes do mundo e, colateralmente, distribuindo know-how, melhores práticas e
responsabilidades para todos os participantes destas redes, sejam eles desenvolvedores, tradutores ou simples
usuários, que colaboram com sugestões de melhorias e relatando bugs. Estas redes, entretanto, podem ser
mais ou menos “livres”. Podem ser sistemas complexos que se auto-organizam ou podem ser sistemas hierár-
quicos, com regras e níveis de acesso diversificado.

O desenvolvimento do kernel do Linux,10 por exemplo, explorou, no princípio, uma forma descentralizada e
coletiva de projeto de desenvolvimento, largamente viabilizada pela Internet. O autor original do Linux, Linus
Torvalds, manteve o controle do projeto do sistema operacional, mas abriu o processo de forma que outros
pudessem acompanhar seu trabalho e progresso e, acima de tudo, pudessem contribuir para a identificação e
solução de problemas. Por este processo, o desenvolvimento do Linux tornou-se o resultado de um ambiente
de aprendizagem coletiva, no qual a tarefa estratégica do líder é dar a palavra final sobre possíveis disputas, ao

9
Em outros países, entretanto, o termo preferido para unir os dois conceitos é “open source software” (software de código aberto),
freqüentemente abreviado como OSS.
10
O kernel é o núcleo central do sistema operacional GNU/Linux, um dos exemplos mais bem sucedidos de software livre atualmente, tanto
do ponto de vista do produto quanto do processo de desenvolvimento, que garante uma evolução constante e coordenada. Em outros
capítulos deste trabalho voltaremos a este ponto, especialmente no capítulo 4.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 11


Panorama geral do SL/CA

mesmo tempo em que estimula, facilita e mantém o fluxo de idéias, conhecimento, experiências, etc (Molina,
2003).

Com a generalização destas práticas, as implicações para o desenvolvimento de software foram marcantes:
a Internet tornou-se o ambiente de desenvolvimento de projetos e todos os que podem e desejam colaborar
podem fazê-lo em um processo coletivo com diversas formas de colaboração (programação, indicação de fa-
lhas, sugestão de melhorias, tradução, documentação, divulgação ou mesmo financeiramente). São coletivos
heterogêneos e fracamente relacionados (somente uma motivação comum os une: o desenvolvimento de um
software específico), geralmente sem contratos formais ou vínculos a empresas ou organizações para o desen-
volvimento do software. A esses coletivos tradicionalmente denomina-se comunidade de desenvolvimento de
software.11

Nestas condições, o desenvolvimento de um software exige a atuação de líder(es) de projeto, em geral, a(s)
pessoa(s) com atuação mais destacada no mesmo, que decide(m) quais colaborações serão incorporadas na
próxima versão do software, quais as prioridades e os rumos do projeto, ouvida a comunidade que se forma ao
redor do mesmo. Exemplos claros deste modelo de governança (com variações próprias de cada uma) são as
comunidades Apache (www.apache.org) e a de desenvolvimento do kernel do Linux (kernel.org). Aplica-se, na
maioria dos projetos de desenvolvimento de software livre, um princípio baseado nos méritos dos participan-
tes naquela comunidade. O conceito de mérito pode variar de comunidade para comunidade, mas em geral
envolve questões como quantidade e qualidade de código contribuído, sugestões e participação ativa e ainda
coerência e opiniões construtivas em debates sobre os rumos do projeto. Quando prevalecente, esta forma de
governança é essencialmente meritocrática, mas tem também conteúdo estratégico e de segurança.

Este modelo de desenvolvimento também permite que muitos indivíduos e empresas possam colaborar para a
criação de um software que nenhum deles seria capaz de desenvolver individualmente, pela complexidade ou
pelo custo. Portanto, trata-se de uma forma de organização que aproveita economias de escala e de escopo.
Também permite uma correção rápida de falhas e o aumento da segurança, porque o código fonte pode ser
inspecionado publicamente e isto faz com que ele seja exposto a severas avaliações e por haver uma grande
quantidade de pessoas que podem colaborar com a correção das falhas detectadas. Outra característica in-
teressante é a possibilidade de se realizar alterações específicas, de acordo com as necessidades individuais
de cada usuário, gerando diversas versões personalizadas e que atendem perfeitamente cada característica
demandada.

O modelo de desenvolvimento também favorece a possibilidade de bifurcação de projetos: no caso de não


haver acordo quanto aos rumos de um determinado projeto (ou seja, se um grupo de pessoas ou mesmo uma
pessoa que participa do desenvolvimento discordar dos rumos definidos pelo(s) líder(es)), sempre há a possi-
bilidade de dar início a um novo projeto, com novas prioridades e rumos, aproveitando todo o código já de-
senvolvido no projeto original, dando a partida do ponto exato em que houve a ruptura12, enquanto o projeto
original segue suas diretrizes definidas.

Atualmente, a forma de organização do trabalho relacionado ao desenvolvimento de software tem suscitado


muito interesse entre pesquisadores de diversas áreas, desde o direito até a ciência política, e, claro, a eco-
nomia. O termo commons-based peer-production13 já foi utilizado para definir esta forma de produção. O

11
Como se verá adiante, há comunidades mais ou menos profissionalizadas. A do desenvolvimento do kernel do Linux, por exemplo, é hoje
completamente hierárquica, coordenada e seus membros mais próximos, profissionais de software.
12
Esta situação é conhecida como “fork” (bifurcação, desvio) em um grupo de desenvolvimento. É relativamente comum. Também podem
ocorrer “forks” quando um grupo, com necessidades específicas, decide iniciar um projeto usando grande parte de código de um projeto
já em andamento, mas que tem outros objetivos (por exemplo, um grupo que deseja criar um sistema de apoio a educação à distância, e
inicia seu projeto trabalhando com código de um sistema genérico de gerenciamento de conteúdo de sites).
13
Uma possível tradução para esta expressão seria: “Produção de bem comunal realizada entre pares”.

12 SOFTEX / UNICAMP / MCT


criador do termo, Yochai Benkler (Benkler, 2002), caracteriza este modelo de desenvolvimento de SL/CA como
o exemplo mais visível de um novo fenômeno socioeconômico que define um terceiro modo de produção, que
está mais adequado ao ambiente digital em rede. Segundo o autor, este novo modo de produção diferencia-se
dos tradicionais modelos baseados em propriedade (firmas) e em contratos (mercados), pois sua característica
central é a de grupos de indivíduos que colaboram em grandes projetos, por motivações e sinalizações sociais
diversas em vez de preços de mercado e de comando hierárquico-gerencial, típicas das duas outras formas de
produção.

O professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkley, J. Bradford DeLong14, destaca o nascimen-


to, no âmago das comunidades de desenvolvimento de SL/CA, de uma nova modalidade de organização social,
diferente das 3 ferramentas convencionais de engenharia social que ele reconhece como utilizadas pela huma-
nidade para organizar a divisão de trabalho em larga escala: mercados, hierarquias e carisma.15

Comunidades e colaboração

Na realidade, o termo “comunidade”, usado acima, é aplicado em diferentes contextos a diferentes grupos de
pessoas, com maior ou menor granularidade. Aplica-se, por exemplo, em um contexto generalista, a todo o
coletivo de pessoas que se relaciona com SL/CA, que compreende não somente um projeto ou um tema, mas
os participantes de todas as comunidades vinculadas de alguma forma ao desenvolvimento, uso, difusão ou
apoio do SL/CA. Estas comunidades podem ser, por exemplo, grupos de usuários, grupos de desenvolvedores,
grupos mistos, grupos de debates técnicos, grupos de debates políticos, grupos de organização e articulação,
grupos que usam/desenvolvem um software em comum. A figura 1 ajuda a ilustrar esses arranjos, procurando
representar o envolvimento dos diversos autores em um projeto.

Este último tipo de grupo é o que mais comumente se define como comunidade: aquelas que se formam em
torno de um software ou de projeto de desenvolvimento de software. São exemplos típicos a comunidade
Mozilla16, a comunidade Mambo17 e outras, em que se reúnem desenvolvedores, usuários e interessados para
debater e aprimorar uma ferramenta em particular. Estas comunidades também podem se subdividir em outras
mais específicas, como uma sub-comunidade de desenvolvedores (que trata questões técnicas de desenvolvi-
mento e encaminha a solução de problemas) e uma sub-comunidade de suporte (que oferece ajuda a usuários
iniciantes e/ou em dificuldades para utilizar determinado recurso do software em questão). As comunidades
são uma característica marcante de boa parte de projetos de desenvolvimento de SL/CA. Quanto mais destaca-
dos os projetos, maiores as comunidades que se formam ao seu redor. Embora o papel central nestes projetos
seja os dos desenvolvedores, a eles logo se somam os usuários do software, que também contribuem de uma
forma ou outra, para a evolução dos mesmos. Em software, como se sabe, o learning by using é absolutamen-
te crítico, quer seja pela descoberta de bugs, quer seja pela sugestão de melhorias. Existem ainda os usuários
não-ativos, que raramente participam dos debates sobre um software, o que os coloca em posição isolada da
comunidade, mas ainda assim são considerados como tal (contam em estatísticas de usuários, por exemplo).

Outros colaboradores também se unem às comunidades, como tradutores, investidores, artistas gráficos (con-
tribuem com ícones, layouts, estudos de usabilidade) e editores de livros.

Um fator fundamental para a existência destas comunidades é a facilidade de comunicação propiciada pela
Internet, permitindo a interação, cooperação e mesmo competição entre seus membros.

14
Citado por Imre Simon (2004) em www.ime.usp.br/~is/Benkler/cbpp.html
15
Entretanto, pode-se, do ponto de vista da análise econômica, incorporar o elemento “carisma” aos atributos de incerteza, oportunismo
e freqüência normalmente ligados às decisões contratuais (fazer ou buscar fora).
16
www.mozilla.org
17
www.mamboserver.com, www.mamboforge.net

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 13


Panorama geral do SL/CA

Figura 1 – Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA

A colaboração vem se tornando cada vez mais rica, pois ao longo do tempo foram sendo criadas e aperfeiço-
adas ferramentas apropriadas para cada atividade: sistemas distribuídos de controle de versões de software e
sistemas de rastreamento e controle de bugs são dois exemplos de ferramentas para desenvolvedores, enquan-
to listas de discussão, fóruns e chats, sites web e outros são utilizados tanto por desenvolvedores quanto por
usuários. Muitas vezes, comunidades grandes promovem também encontros presenciais regionais, nacionais
ou mesmo internacionais.

Existem ainda as comunidades que se organizam em torno de temas de debate relacionados a questões rele-
vantes no seio das demais comunidades de SL/CA. São grupos heterogêneos, que envolvem usuários, desenvol-
vedores e quadros políticos, e que podem ter como foco das discussões questões de uso de SL/CA, estratégias
de divulgação e difusão e articulação político-estratégica.

Comunidades brasileiras

Em pesquisa recente (Reis, 2003) foram identificadas algumas características referentes às comunidades bra-
sileiras de desenvolvimento de software livre. O perfil das comunidades brasileiras avaliadas é o de pequenos
grupos, com cinco indivíduos em média, em que tanto são desenvolvedores quanto usuários dos softwares em
torno do qual se organizam. É muito freqüente que existam participantes com mais de cinco anos de experiên-
cia nestas comunidades, o que representa uma base sólida para que um projeto avance. Alguns exemplos de
comunidades brasileiras de desenvolvimento de software são:

• OpenOffice18: comunidade dedicada à localização ao português do Brasil e ao desenvolvimen-


to complementar (dedicados ao usuário brasileiro) do conjunto de ferramentas de escritório
OpenOffice.org

• Mozilla19: comunidade de usuários, desenvolvedores e interessados no Mozilla para o Brasil. Além da


tradução das aplicações, o foco é a divulgação e suporte para os usuários do país.

18
http://openoffice.org.br
19
http://mozilla.org.br

14 SOFTEX / UNICAMP / MCT


• MonoBASIC20: comunidade de desenvolvimento que se propõe criar um compilador livre para a lingua-
gem VisualBasic.Net, integrado ao projeto Mono.

• Care2xBrasil21: sistema integrado de aplicativos para área da saúde.

Existem diversos outros projetos brasileiros de desenvolvimento de software em torno dos quais formam-
se comunidades (algumas de usuários, outras de desenvolvedores). Os projetos mais conhecidos, segun-
do pesquisa realizada pelo site br-Linux.org em 200322, são o Kurumin (distribuição Linux de uso fácil),
WindowMaker (ambiente gráfico), txt2tags, rau-tu, dsearch, brazip, slackpkg e sarg.

Por outro lado, no Brasil também há uma profusão de comunidades temáticas, cujo escopo costuma variar
muito, desde pequenos grupos locais, até grandes grupos nacionais. Exemplos claros são as diversas comuni-
dades intituladas Projeto Software Livre (PSL), onde existem os PSL estaduais (PSL-SC, PSL-RJ, PSL-BA, por
exemplo) e os temáticos (PSL-Mulheres, PSL-Jurídico, etc), além do PSL-Brasil, que, em tese, reúne toda a co-
munidade de software livre brasileira interessada em debater questões estratégicas e articular-se nacionalmente
em prol do SL/CA.

Também são muito comuns no Brasil as comunidades de informação, nas quais há intensa troca de informa-
ções, conteúdo, dicas, etc. São exemplos claros o site br-Linux.org e a lista Dicas-L23.

1.2 Licenças

Da mesma forma que o software proprietário, a distribuição e o uso de SL/CA estão baseados em licenças. O
usuário de um software deve concordar e aceitar a licença associada ao software para utilizar os códigos que
ali estão. Estas licenças têm a força de um contrato de adesão, no qual o usuário compromete-se a respeitar
as regras propostas pelo titular do software e pode ser processado no caso de descumpri-las (isto não o coloca
na ilegalidade, a não ser que ele transgrida leis relacionadas ao direito de autor, ou de uma licença associada
a patentes). São as regras definidas nestas licenças de uso que definem se um software é considerado livre, de
código aberto ou não-livre (proprietário). Como já citado, as licenças de SL/CA autorizam qualquer usuário a
utilizar, copiar, modificar e distribuir o software, segundo determinadas regras. Em geral, as licenças de sof-
tware proprietário permitem que o usuário somente utilize o software de acordo com as regras do titular do
software (geralmente a empresa desenvolvedora ou distribuidora), sendo vedada sua reprodução, instalação
múltipla, alteração, cessão, revenda ou redistribuição sem o devido pagamento adicional.

Algumas licenças de SL/CA são muito comentadas, mas nem sempre as informações são claras ou precisas. A
licença de software livre mais utilizada é a mantida pela Free Software Foundation - FSF (do projeto GNU) e
se chama GNU General Public License (GNU GPL), que define as liberdades do usuário de um software: ele
poderá utilizar sem restrições, adaptar para seu uso, redistribuir cópias, implementar melhorias e difundir as
melhorias. Existem muitas outras licenças de SL/CA, como a BSD revisada (Berkeley Software Distribution) ou
a MPL (Mozilla Public License).

Aprimorado junto com a licença GPL, a FSF criou o conceito de copyleft, que é uma forma de garantir que um
software livre e todos os softwares derivados do original, continuem sempre livres24. O copyleft é um recurso

20
http://monobasic.sl.org.br
21
http://care2xbr.codigolivre.org.br/
22
http://brLinux.Linuxsecurity.com.br/noticias/001434.html#001434
23
http://www.dicas-l.unicamp.br
24
http://www.fsf.org/licenses/licenses.htm

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 15


Panorama geral do SL/CA

baseado nos conceitos legais do copyright, em que os direitos autorais são preservados, mas os direitos comer-
ciais (de cópia) são liberados, desde que esta regra se mantenha para todos os futuros usuários. Vale ressaltar
que nem todas as licenças de SL/CA impõem o copyleft.

A licença GNU GPL é hoje uma referência no movimento SL/CA. Segundo Taurion (2004), “é uma licença que
mantém a liberdade do código fonte, evitando que uma empresa se apodere de código livre e o comercialize de
forma proprietária”. Qualquer alteração feita em software que foi liberado sob a licença GPL deve apresentar a
mesma licença (chamado efeito contaminação), garantindo que o novo software também seja tornado públi-
co, para que assim a comunidade que já colaborou com a versão original também possa usufruir das melhorias.
Outros exemplos de licenças25 são:

• LGPL (Lesser General Public License): Versão da GPL com copyleft relaxado, pois permite acoplar
código LGPL a outro código que não o seja (desde que respeitadas algumas condições).

• BSD (Berkeley System Distribution): é uma licença simples que não impõe restrições para o uso,
modificações e redistribuições. Não adere ao conceito de copyleft, mas sim que se possa dar qualquer
finalidade ao software, inclusive associar o código livre original a código não-livre, para criar software
proprietário.

• MPL (Mozilla Public License): é uma licença que impõe copyleft somente para os trechos originais do
código, diferenciando o código já existente licenciado pela MPL e o código novo, que não necessaria-
mente precisa seguir a mesma licença (e inclusive pode ser proprietário).

A figura 2 representa possíveis evoluções do licenciamento de um software a partir da decisão do desenvol-


vedor original em aplicar uma licença GNU GPL ou uma licença tipo BSD. As implicações desta decisão estão
inerentemente ligadas à adesão ou não do princípio de copyleft.

Em muitos casos, a escolha da licença a ser utilizada é decisão do autor. Ele pode escolher uma das licenças
conhecidas ou escrever os termos de uma licença própria. Entretanto, se o desenvolvedor lançar mão de códi-
go já disponível, poderá ter que se adaptar às regras definidas pelo licenciamento do código utilizado. Se, por
exemplo, o desenvolvedor utilizar código sob GPL no seu software, ele deverá teoricamente adotar a mesma
licença para seu código. Entretanto, o desenvolvedor, como autor, pode dar, em seqüência, qualquer destino
que quiser ao código que ele desenvolveu, prevalecendo o direito de autor (situação representada pela seta
vertical descendente na figura 2). Se o código utilizado estiver sob licença BSD, por exemplo, o desenvolvedor
poderá optar por qualquer licença (inclusive GPL e BSD ou mesmo redigir uma própria). Se, por outro lado, ele
utilizar código proprietário, não poderá liberar seu código sob uma licença livre, exceto se ele detiver a proprie-
dade material daquele código (seta vertical ascendente na figura 2).

Cabe ressaltar também a possibilidade de licenciamento dual, ou seja, um mesmo código fonte pode ser
liberado pelo autor sob duas (ou mais) licenças distintas, conforme o caso e o interesse do usuário. É o que
ocorre com o sistema de banco de dados MySQL (da empresa MySQL AB), que apresenta uma licença livre
(compatível com GNU GPL) para ser utilizada em projetos de outros softwares livres e uma licença dita co-
mercial, que permite a incorporação do produto em produtos não-livres. Neste último caso, o esquema de
licenciamento funciona como no caso de software proprietário, com cobrança por cópia do produto, e é
adequada para as empresas que desejarem desenvolver software utilizando MySQL mas que não queiram
liberar seu próprio código com uma licença GPL ou compatível (o que seria uma obrigação desta empresa,
uma vez que ao incorporar código a outro que está sob GPL, o novo código também deve ser apresenta-
do sob esta licença). Outro exemplo de licenciamento dual é o adotado pela empresa Sun para o software

25
A OSI (Open Source Initiative) registra 54 licenças reconhecidas como compatíveis com a Open Source Definition (em novembro de
2004). Consulte www.opensource.org. Também a FSF comenta dezenas de licenças de software, livre ou não, copyleft ou não, e faz
uma comparação e avaliação de “compatibilidade” com a GNU GPL, em www.fsf.org/licenses/license-list.html.

16 SOFTEX / UNICAMP / MCT


OpenOffice.org, que está disponível sob LGPL e sob SISSL (Sun Industry Standards Source License), que tam-
bém é uma licença de software livre, porém diferente da GPL.

Especificamente no Brasil, a questão das licenças de SL/CA é um assunto ainda pouco conhecido pelos usuários
e mesmo por muitos desenvolvedores. Recentemente, a organização Creative Commons26, em cooperação com
a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, publicou a licença CC-GNU GPL em português, como primeiro
resultado de uma cooperação para apoiar a disseminação das licenças definidas por aquela organização no
Brasil27. Na mesma linha, o escritório Kaminski, Cerdeira e Pesserl Advogados, em cooperação com a organi-
zação Open Source Initiative (OSI28), deu início a um projeto cooperativo para tradução para o português (e
segundo as tradições jurídicas brasileiras) das licenças homologadas pela OSI como compatíveis com a “Open
Source Definition”29.

Figura 2 - Possíveis evoluções do licenciamento de um software livre e de um software proprietário

O quadro 1 apresenta alguns fatos que se destacaram relacionando empresas em “aproximação” do SL/CA.
Estas são algumas ações que podem ser um indicativo, em âmbito internacional, dos movimentos de grandes
empresas no sentido de aproximar-se, adaptar-se e, se possível, apropriar-se do conhecimento e dos processos
característicos da dinâmica do SL/CA, ao mesmo tempo em que estes movimentos aproximam o SL/CA do
mundo empresarial e dos grandes capitais.

Em outra escala, também se pode perceber um movimento neste sentido: na adoção de SL/CA por empresas
usuários de tecnologias de informação e comunicação (TICs) como forma de redução de custos. A abordagem
é a de utilizar e beneficiar-se das vantagens com pouca “retribuição” às comunidades de SL/CA daquilo que
é desenvolvido internamente, para resolver problemas específicos, eliminação de falhas no software, etc. Esta
também é a forma de utilização do SL/CA por muitas empresas desenvolvedoras de software: utilizam platafor-
mas de desenvolvimento livres (como compiladores e o próprio sistema operacional) que são úteis e, em geral,
gratuitas, para a criação de seus próprios produtos que não são, entretanto, livres. Estas questões serão melhor
analisadas no capítulo referente a motivações e modelos de negócios ligados a SL/CA.

26
www.creativecommons.org
27
Esta licença é reconhecida e difundida pelo governo federal (www.softwarelivre.gov.br/Licencas/)
28
www.opensource.org
29
Disponível em www.opensource.org/docs/definition.php, a Open Source Definition especifica os requisitos mínimos que uma licença de
software deve observar para que o software licenciado por ela seja considerado de código aberto.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 17


Panorama geral do SL/CA

No próximo capítulo veremos os resultados da pesquisa sobre perfil de desenvolvedores e de usuários. Tanto
indivíduos quanto empresas são analisadas nesse capítulo e comparados com outros levantamentos interna-
cionais.

Quadro 1 - Fatos importantes na história da aproximação entre SL/CA e as empresas

Período Fato relevante


1998 Investimentos da Intel30 na Red Hat31
1999 Abertura de capital da Red Hat
1999 IBM32 anuncia estratégia de adoção de GNU/Linux
2000 IBM anuncia investimento de 1 bilhão de dólares para compatibilizar software e hardware com Linux e aloca 250
engenheiros para atuar junto às comunidades de SL/CA
2000 Sun Microsystems33 anuncia licenciamento LGPL do OpenOffice (mantendo duplo licenciamento com SISSL)
2000-04 Servidor web Apache34 domina amplamente o mercado
2000-04 GNU/Linux começa a ser amplamente usado em eletrônica de consumo: Sony Playstation35 e TiVO36
2004 Novell37 adquire Ximian38 e Suse39

Fonte: adaptado de Molina (2003)

30
www.intel.com
31
www.redhat.com
32
www.ibm.com
33
www.sun.com
34
www.apache.org
35
www.playstation.com
36
www.tivo.com
37
www.novell.com
38
www.ximian.com, empresa desenvolvedora de software para GNU/Linux de grande sucesso por sua qualidade.
39
www.suse.com, empresa que criou uma distribuição GNU/Linux de destaque.

18 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Capítulo 2
Perfil dos desenvolvedores

Neste capítulo são caracterizados os desenvolvedores de SL/CA no Brasil: na primeira parte é traçado o perfil
dos desenvolvedores individuais. Na segunda parte, o das empresas desenvolvedoras.

De uma forma geral, pode-se dizer que existem vários mitos sobre quem são as pessoas e instituições respon-
sáveis pelo fenômeno SL/CA, em parte devido à sua origem contestatória. Desta forma, para compreender este
fenômeno é preciso notar que o perfil dos desenvolvedores, tanto os indivíduos quanto o das empresas, mudou
nos últimos 5 anos, especialmente depois da entrada de grandes atores como mostra o estabelecimento do
Open Source Developer Labs (OSDL), que é uma organização sem fins lucrativos financiada por corpora-
ções como IBM, Intel, Hewlett-Packard e CA, especificamente para desenvolver Linux para ambientes de grande
escala de produção40. No início do movimento de software livre, o perfil típico era, nas palavras de Andrew
Morton (responsável pela manutenção da forma estável do kernel do Linux) o “do rapaz ‘micreiro’ progra-
mando em seu porão ‘puramente por amor’”. Mas nos últimos anos, diz Morton, a maior parte do código do
Linux tem sido gerada por programadores profissionais, empregados em corporações, como IBM, Red Hat e
SGI, dentro do horário de trabalho.

Além desta mudança, pode-se dizer que nos grandes projetos de SL/CA o processo de desenvolvimento é
bastante hierárquico, pois poucos desenvolvedores (denominados “core group” e reconhecidos pelos pares),
são responsáveis pela maior parte do código, enquanto que um número bem maior de desenvolvedores fazem
poucas contribuições, sendo a maioria relatórios de erros e problemas (bugs) (Lerner e Tirole, 2002, p.206). A
concentração também se dá em termos geográficos, pois segundo Morton, o “core group” do Linux é com-
posto principalmente por desenvolvedores dos Estados Unidos, Europa e Austrália. Há um crescimento do
envolvimento dos países do Leste Europeu, mas a participação da Ásia e América Latina permanece pequena
(Jackson, 2004).

Este quadro está relacionado com a emergência do movimento de software de código aberto em com-
plementação ao de software livre. Como visto, a grande difusão do Linux atraiu um grande percentual de
investimento comercial nos projetos de CA e foram estabelecidas empresas dedicadas a dar suporte ao Linux,
sendo as pioneiras a VA Linux, estabelecida em 1993, e a Red Hat, em 1995 (Lerner e Tirole, 2002). A Red
Hat tornou-se uma grande empresa que pode ser considerada a principal distribuição mundial de Linux. De
forma semelhante, surgiram outras empresas menores com atuação em SL/CA, seja no desenvolvimento seja
nos serviços correlatos. No Brasil, pode-se apontar a empresa Conectiva, que possui uma distribuição Linux e
presta serviços41.

40
Entre outras atividades, OSDL é a responsável pelo pagamento do trabalho de Linus Torvalds, o criador do Linux e a única pessoa a
quem é permitido inserir alterações no kernel do Linux (Jackson, 2004). A atuação do OSDL será retomada no Capítulo sobre motivações
e modelos de negócios.
41
Recentemente, a Conectiva foi comprada pela empresa francesa Mandrake, uma distribuição disseminada na Europa. Mandrake (França),
Conectiva (Brasil), TurboLinux (Japão) e Progeny (EUA) estabeleceram um acordo para desenvolver seus produtos com base em uma
implementação binária comum com base em padrões existentes do Linux. A iniciativa foi denominada Linux Core Consortium (LCC).

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 19


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Estes aspectos do SL/CA têm atraído a atenção dos pesquisadores, tanto no sentido de caracterizar as empresas
desenvolvedoras42 quanto os desenvolvedores individuais43. Isto segundo Barahona et al (2003, p.91) ajudou a
conhecer as pessoas que participam dos projetos de SL/CA, cujo trabalho costuma ser parcialmente anônimo
e distribuído, e desfazer alguns mitos, conhecendo sua procedência, motivação, formação técnica e outros
aspectos. Dessa forma, a enquete eletrônica realizada no âmbito deste estudo ajudou a cobrir amplamente a
lacuna de informação sobre os desenvolvedores brasileiros, bem como os outros instrumentos (entrevistas e
levantamentos secundários).

2.1 Perfil social, econômico e técnico do desenvolvedor individual

Para obter informações sobre os desenvolvedores individuais foi realizada uma enquete eletrônica, respon-
dida por um número supreendentemente alto de desenvolvedores, sendo uma das maiores já realizadas no
mundo (veja o quadro 2), principalmente levando-se em conta que foram apenas desenvolvedores localizados
no Brasil44. Foram consideradas válidas 1.953 respostas ao levantamento de desenvolvedores de SL/CA no Bra-
sil, o que permitiu traçar um perfil bastante representativo.45

A presente pesquisa permitiu, pela primeira vez no país, traçar um perfil dos desenvolvedores brasileiros e situar
o Brasil diante do contexto global de SL/CA. A seguir há informações referentes aos desenvolvedores nacionais
organizadas em termos das características socioeconômicas e da experiência e características organizacionais
do envolvimento com SL/CA. Depois da apresentação das características mais freqüentes a partir da compa-
ração com o perfil internacional, serão apresentados os resultados dos agrupamentos traçados por meio de
análises multivariadas.

42
No plano internacional pode-se citar os estudos de Wichmann (2002) e Arroyo et al (2004) e no cenário brasileiro, o único estudo já
realizado é o de Saleh (2004).
43
No plano internacional as pesquisas seguintes traçaram o perfil sócio-econômico, demográfico e técnico dos desenvolvedores no mundo:
Hertel et al (2003), Ghosh et al (2002) e Robles et al (2001). Também há pesquisas sobre os projetos de SL/CA (Reis, 2003; Gosh et al, 2002;
Krogh et al, 2003; Hertel et al, 2003). No plano nacional, vale citar o estudo de Augusto (2003) que buscou a motivações e orientações
dos programadores brasileiros, através de 102 questionários com participantes de listas de discussão brasileiras, sendo que as listas de
discussão foram Conectiva Linux, Debian-br, versão brasileira do OpenOffice.org, Kurumin, além de usuários/desenvolvedores da UERJ,
Unicamp e ALERJ. Além disso, desenvolvedores brasileiros participaram em pequena escala de estudos internacionais, como Reis (2003),
Gosh et al (2002) e David et al (2003).
44
A enquete foi divulgada de forma ampla na comunidade brasileira de SL/CA, através de listas de discussão e sites relacionados, mas
também excedeu suas fronteiras a partir da divulgação na mídia geral a partir do seu lançamento no 5º FISL (Fórum Internacional de
Software Livre), por meio de uma coletiva de imprensa. Seguindo a linha dos estudos internacionais, a amostra foi voluntária e ficou
aberta para resposta por quem se considerava desenvolvedor ou usuário. A construção do questionário foi inspirada na bibliografia
internacional, especialmente nos estudos semelhante como o Free/libre and open source software: Survey and study (FLOSS) (Gosh et al,
2002). Avaliou-se que seria particularmente vantajoso utilizar os questionários dos estudos internacionais, que já tinham sido testados por
desenvolvedores e que já possuíam modelos para o tratamento dos resultados. Assim o questionário foi, em grande parte, semelhante ao
questionário do FLOSS, mas com adaptações. O questionário foi submetido a um pré-teste antes do lançamento.
45
Entretanto, os métodos estatísticos empregados não farão qualquer suposição probabilística e não terão por objetivo realizar inferências
sobre a população. O levantamento foi feito sobre uma amostra não aleatória, uma vez que este é o primeiro do tipo feito no país.

20 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Quadro 2 - Comparação com outros surveys no mundo
Pesquisa Instituições responsáveis Ano Nº desenvolvedores Localização respondentes
SL/CA Brasil MCT 2004 1.953 Brasil
SOFTEX
GEOPI/DPCT/Unicamp
FLOSS University of Maastricht 2002 2.784 71% Europa Ocidental/Rússia
Europe (Holanda) 13% EUA
17% outros
European Commission
IST programme
FLOSS-US Stanford University’s 2003 1.588 53% Europa Ocidental
Stanford Institute for
Economic Policy Research 27% América do Norte

National Science Foundation 8% Rússia e Europa Oriental


5% Ásia Oriental
3% Austrália e Nova Zelândia
3% América Latina
1% Oriente Médio e África
FLOSS-JP Mitsubishi Research 2003 547 97,4% Japão
Ministry of Economy, 1,3% EUA
Trade and Industry
1,3% outros

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, Gosh et al (2002); David et al (2003); Mitsubishi Research Institute (2004).

2.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos desenvolvedores

A maior parte dos respondentes classificou-se como administrador de sistemas ou técnico de redes básico
(65%)46. Trata-se, na maior parte dos casos, de desenvolvedores “básicos”, cujas atividades e competências
estão no entorno da atividade de programação e desenvolvimento de softwares, como administração de sis-
temas e redes e também suporte. Este perfil de competências era esperado. Confrontando esses dados com
os de outros países, é no entorno das atividades nucleares que prospera a maior parte das competências em
SL/CA. São atividades de suporte e gerenciamento dos sistemas e programas que representam a maior parte
do mercado de serviços em SL/CA (e de resto, em software, de uma maneira geral). De toda forma, a grande
maioria dos respondentes já participou de projetos de SL/CA: em relação à participação em projetos, 76% dos
respondentes já participaram de projetos de programação, 35% de documentação e 31% de tradução/localiza-
ção de SL/CA. Entretanto, a participação como líder é restrita: 45% nunca participaram como líder de projetos,
24% participaram em um projeto como líder e apenas 27% participaram como líder em mais de um projeto.
Assim é possível perceber um grupo de “elite” de desenvolvedores, como será evidenciado adiante nas análises
multivariadas.

Outras características reforçam que a maioria dos respondentes é desenvolvedor básico: 58% não depositam os
softwares desenvolvidos em repositórios e 52% não se preocupam em deixar o software internacionalizado47. O
elevado número de desenvolvedores que não depositam não deve ser entendido como uma falta de preocupa-
ção dos desenvolvedores com compartilhamento. Significa, muito provavelmente, que os desenvolvedores da
amostra não geram códigos com complexidade e integração que justifiquem disponibilizar para a comunidade.

46
De acordo com a explicação do questionário são profissionais que administram sistemas e redes e realizam pequenas adaptações no
código de programas e mesmo em shell scripts.
47
Internacionalizado: software apto para ser adaptado (localizado) para diferentes línguas e países, pela utilização de bibliotecas e
procedimentos de desenvolvimento adequadas. A internacionalização e o depósito dos códigos criados/alterados são muito relevantes
para o desenvolvimento dos projetos e o crescimento do conhecimento nas comunidades, pois possibilita o compartilhamento e formação
de rede.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 21


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Além disso, contribuir para um projeto envolve não só programar, mas também testar e reportar bugs (Lerner
e Tirole, 2002).

É possível perceber um movimento de busca de profissionalização em SL/CA. Apesar de 83% não possuir
certificação profissional ligada a SL/CA – muito provavelmente porque isso ainda não seja exigido – há uma
preocupação acentuada com certificação (apenas 29% não acham isso importante), com documentação dos
softwares desenvolvidos (70% documentam o desenvolvimento e criam manuais) e na autoria dos trechos de-
senvolvidos (53% identificam e acham isso importante).

É interessante comparar o perfil médio brasileiro com o perfil internacional dos desenvolvedores a partir dos
quadros 3 e 4. Há vários pontos semelhantes como idade, estado civil, situação empregatícia, renda e renda
advinda do trabalho com software (com a diferença que internacionalmente o maior percentual vem do traba-
lho com desenvolvimento), envolvimento com software proprietário e participação em projetos de SL/CA (total
de projetos em que já participou). Entretanto há diferenças importantes em relação a:

• nível de escolaridade, pois os desenvolvedores brasileiros estão em grande parte se formando e apenas
42% são no mínimo graduados, em contraste com os 70% já graduados no cenário internacional;

• ocupação principal, pois no Brasil há mais técnicos programadores, administradores de rede e suporte
que engenheiros de software e correlatos;

• embora a idade de início no SL/CA seja parecida (22,0 e 22,9 anos), trata-se de um fenômeno mais re-
cente no Brasil (ano mediano de início é 2002) que na Europa (ano mediano é 1998).

Antes de apresentar os agrupamentos, cabe ressaltar mais três pontos: quanto à concentração geográfica dos
desenvolvedores, a renda e o trânsito de competências entre SL/CA e software proprietário.

• Localização geográfica: os desenvolvedores estão concentrados principalmente na região Sudeste do


país (52%) e na região Sul (26%)48. As duas regiões somam 78% dos respondentes, evidenciando a dis-
paridade existente no avanço do software livre nas diferentes regiões do país, no que segue, em grandes
linhas, a indústria de software.

• Renda pessoal: considerando que a grande maioria tem curso superior, atua em áreas relativamente
sofisticadas e tem idade média relativamente baixa, pode-se dizer que a renda mensal dos respondentes
é média e tem perspectivas de crescimento: 54% recebem mais de 5 salários mínimos, sendo que 29%
recebem mais de 10 salários mínimos. Além disso, as ocupações ajudam a identificar o perfil de renda
na medida em que revelam que boa parte dos respondentes trabalha como técnico de programação,
administrador de redes e dá suporte às operações de informática. Ademais, uma parte substantiva dos
respondentes é de estudantes, supostamente com renda muito baixa (quando alguma). De toda forma,
é possível inferir que se trata de uma massa de profissionais formados ou em formação que apresentam
potencial de inserção e expansão no mercado de trabalho, formal ou informal, corporativo, empreende-
dor ou de profissional liberal.

• SL/CA e software proprietário: o início do desenvolvimento de software proprietário é anterior ao de


SL/CA para 55% dos entrevistados, mas é interessante apontar que para 31% dos respondentes, a atua-
ção com SL/CA iniciou-se antes que com software proprietário. Esta característica aponta dois aspectos:
primeiro, as competências transitam razoavelmente bem do proprietário para o livre (no sentido de que
não há obstáculos técnicos para se fazer um ou outro); segundo, há um contingente expressivo (e cres-
cente) de pessoas que ingressou no desenvolvimento de software pela porta do SL/CA.

48
O maior número de desenvolvedores está concentrado no Estado de São Paulo (32%), seguido de Rio de Janeiro (10%) e Rio Grande do
Sul (10%).

22 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Quadro 3 – Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características socioeconômicas

Pesquisa Pesquisa SL/CA Pesquisa FLOSS Europa


Mediana da idade 26 26
Estado civil 39% solteiros 41,4% solteiros

38% casados 21,1% casados


Sexo masculino 97% 98,9%
Escolaridade superior 42% (20% com pós-graduação) 70% com no mínimo graduação
(37% com pós)
Situação empregatícia 66 % empregados (13% autônomos) 79% empregados (14% autônomos)

15% possuem empresas 17% estudantes


Ocupação principal Técnico programador, administrador de re- Engenheiros de sofware (33,3%)
des, suporte (34%)
Programadores (11,2%)
Engenheiros de software,
Estudantes (20,9%)
analistas de sistemas (20%)
Renda 44%: menos de 5 salários mínimos 45%: menos 2.000 (euro/dólar)
29%: mais de 10 salários mínimos
27%: 2.000 a 4.000

18%: mais de 4.000


Renda de trabalho 22%: não 24,7%: não
com software em geral
38%: desenvolvimento, 50,9%: desenvolvimento

25%: administração 7%: suporte

11%: suporte 17,3%: administração

3%: treinamento

1%: distribuição

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, pesquisa de campo e Gosh et al (2002).

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 23


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Quadro 4 – Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil/Europa): características de atuação com SL/CA

Pesquisa Pesquisa SL/CA Pesquisa FLOSS Europa


Renda de SL/CA 40%: não 46%: não

36%: diretamente 50,3%: diretamente

24%: indiretamente 43%: indiretamente


Dedicação ao 62%: menos de 10 70%: menos de 10
desenvolvimento de SL/CA
37%: mais de 11 14%: 11 a 20
(horas/semana)
16%: mais de 20
Participação em projetos 71%: 1 a 5 projetos 71,9%: 1 a 5 projetos
Liderança em projetos 45%: nunca 35,2%: nunca

24%: 1 projeto 32,1%: 1 projeto


Pertencimento às 26%: SL 48%: SL
comunidades
10%: CA 32,6%: CA

53%: ambas
Mediana da idade de 22 22,9
início no desenvolvimento de SL/CA
Mediana do ano de início 2002 1998
Dedicação ao 51,3% também desenvolvem SP 52% também desenvolvem SP
desenvolvimento de
39%: menos de 10 29,1%: menos que 10
software proprietário (SP)
(horas/semana) 14%: entre 11 e 20 12,8%: entre 11 e 20

43%: mais que 21 58,2%: mais de 21

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, pesquisa de campo e Gosh et al (2002).

2.1.2 Perfis dos desenvolvedores (agrupamentos)

A partir das questões consideradas mais significativas, buscou-se traçar o perfil dos desenvolvedores a partir de
agrupamentos que emergiram das análises multivariadas utilizadas49. As variáveis utilizadas foram:

• Habilidades em SL/CA: autoclassificação em desenvolvedor básico ou desenvolvedor avançado; filiação


às comunidades de SL/CA; motivação para desenvolver/distribuir SL/CA; local de desenvolvimento;

• Dedicação, em horas semanais no último ano, para projetos SL/CA e software proprietário;

• Aspectos técnicos do desenvolvimento: depósito dos softwares desenvolvidos e adaptados em repositó-


rios, preocupação com documentação; internacionalização e autoria;

49
Foram utilizadas duas técnicas: análise de correspondência múltipla (ACM) e análise hierárquica de agrupamentos. A ACM é uma técnica
exploratória multivariada que tem como objetivo a representação gráfica de um grande conjunto de variáveis categóricas através da
redução do espaço original de representação destas. Através da contribuição dos eixos na variabilidade total, identifica-se se há associações
plausíveis de interpretação entre as categorias de resposta, ou seja, a presença de um fator que evidencie a discriminação de diferentes
perfis em escopos sócio-econômico ou técnico. As cargas fatoriais apresentadas foram adequadas à natureza categórica dos dados. Sobre
os resultados da ACM aplicou-se a análise de agrupamentos que consolida os grupos que poderão ser interpretados como os diferentes
perfis dentro de cada escopo. O número de agrupamentos, ou diferentes perfis, é definido arbitrariamente tendo como base algumas
medidas numéricas e a representação gráfica dos mesmos no dendograma. O importante nesta etapa é a interpretabilidade destes grupos
no âmbito do estudo. A interpretação é auxiliada pelas medidas de discriminação das categorias de resposta em cada grupo.

24 SOFTEX / UNICAMP / MCT


• Formação e atuação profissional: escolaridade, ocupação, capacitação e certificação em SL/CA; renda
pessoal e situação empregatícia atual;

• Aspectos econômicos da atuação com SL/CA: trabalho com SL/CA como fonte de renda, posse de em-
presa de software e a dedicação da empresa a SL/CA, setores econômicos, áreas de aplicação, modelos
de negócio.

A partir da utilização da ACM, foi possível perceber 4 grupos (figura 3), confirmados depois pela análise de
agrupamento. Há uma oposição entre os respondentes que se classificaram como administrador de sistemas /
técnico de redes / desenvolvedores básicos e desenvolvedores avançados. Tal fato implica na presença de perfis
distintos quanto à resposta das demais variáveis, como será visto na interpretação dos grupos formados.

O primeiro eixo pode ser interpretado como a propriedade de empresas que atuam com SL/CA (na figura in-
dicado pela seta horizontal quebrada e orientada para a esquerda). O gradiente vai da direita para esquerda,
desde os respondentes que não possuem empresa até os respondentes que possuem empresas cuja dedicação
a SL/CA é superior a 80%. O segundo eixo pode ser interpretado principalmente como o nível de escolaridade
dos respondentes (indicado na figura 3 pela linha vertical quebrada orientada para cima).

Figura 3 - Análise de Correspondência do perfil técnico e profissional dos desenvolvedores individuais


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Os quatro grupos que emergiram da análise são apresentados a seguir por grupo (e de forma sintética) na
tabela 1:

Grupo 1 - Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

O grupo 1 é formado por desenvolvedores avançados cuja maior dedicação profissional é em software pro-
prietário. Os setores econômicos mais freqüentemente citados foram comércio e setor financeiro. Um dado
de destaque do grupo é que alguns dos seus componentes possuem empresas de software, mas cuja dedica-
ção a SL/CA é pequena (até 25% das atividades). Os outros integrantes trabalham em empresas privadas. A

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 25


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

dedicação a SL/CA é pequena: participaram de poucos projetos, dedicam semanalmente menos de 2 horas a
projetos de SL/CA, não depositam os códigos criados ou modificados em repositórios, não se preocupam em
documentar o desenvolvimento e com certificação profissional em SL/CA. Além disso, não se consideram parte
de nenhuma comunidade ou consideram-se parte da comunidade de Open Source. Provavelmente a atuação
em SL/CA seja uma espécie de hobby, pois além da pequena dedicação não desenvolvem SL/CA na instituição
empregadora. A renda pessoal é alta (mais de 10 salários mínimos) e a escolaridade é nível superior completo
ou especialização.

Grupo 2 - Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

O grupo 2 é formado por respondentes que trabalham com administração e suporte de software, atuando
profissionalmente como técnico programador, administrador de redes, suporte e correlatos. Alguns são funcio-
nários públicos, atuando provavelmente nestas mesmas ocupações e tendo o governo como um dos principais
setores de atuação. Sua atuação com software livre é remunerada diretamente ou indiretamente. Alguns deles
não atuam com software proprietário. O nível de escolaridade é médio e a renda varia de 2 a 10 salários míni-
mos. Desta forma, este agrupamento é formado por empregados com renda média (2 a 10 salários mínimos)
que vive de SL/CA. Entretanto, não têm foco no desenvolvimento o que explica o fato de não depositarem seus
códigos. Embora possam trabalhar tanto com software proprietário quanto com SL/CA, parecem possuir baixa
autonomia de decisão.

Grupo 3 - Estudantes (21,56%)

O grupo 3 reúne os respondentes que são estudantes (na maioria de nível superior), que não trabalham ou que
recebem baixa remuneração. Há também alguns professores de TI de universidades públicas com mestrado e
doutorado. Desta forma, a atuação com SL/CA não é uma fonte de renda pessoal e o desenvolvimento é reali-
zado no colégio ou faculdade. Entretanto, a dedicação a projetos de SL/CA no último ano foi de 11 a 20 horas
semanais, apesar de ter ocorrido em poucos projetos (no máximo já se envolveram em 5 projetos). Em geral,
não desenvolvem software proprietário. Neste grupo estão os respondentes que preenchem alguns requisitos
técnicos importantes em SL/CA: já se envolveram em um projeto como líderes, preocupam-se em deixar o sof-
tware que desenvolvem internacionalizado e em identificar os trechos de código que desenvolvem ou alteram,
depositam os softwares em repositório próprio ou internacional. Mas não possuem certificação profissional
ligada a SL/CA ou nem sabem do que se trata. Os softwares desenvolvidos são voltados principalmente para
cultura e entretenimento e educação. Esta categoria é a base da qualificação que vai operar nas demais catego-
rias no futuro. Dessa forma, aqui se encontra parte importante da qualificação profissional e podem se dividir
em qualquer das outras 3 categorias, tanto como empresário quanto como empregados.

Grupo 4 - Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

No último grupo encontram-se os desenvolvedores de SL/CA mais ativos e profissionalizados, pois as questões
mais diretamente ligadas a SL/CA foram as que mais ajudaram a discriminar o grupo. Consideram-se desen-
volvedores avançados tendo grande experiência com SL/CA: participam atualmente de mais de 3 projetos de
desenvolvimento, já participaram em vários projetos como líderes e participam tanto da comunidade Software
Livre quanto da Open Source. Preenchem os requisitos importantes para SL/CA como preocupação com inter-
nacionalização, documentação e identificação dos trechos do código do software desenvolvido. Além disso,
depositam o software desenvolvido. A atuação é intensa e profissional. Dedicam mais de 40 horas semanais
para projetos de SL/CA. São remunerados diretamente pelo trabalho com SL/CA, atuando como engenheiros
de software/analistas de sistema ou ocupações correlatas ou como consultores em TI, e alguns possuem em-
presas que têm uma grande atuação com SL/CA (entre 30 e 50% ou mais de 80% das atividades são dedicadas
a SL/CA). Possuem certificação profissional em SL/CA. Desenvolvem para quase todos os setores e as áreas de
aplicação mais citados no questionário, sendo que estas não foram variáveis que ajudaram a discriminar o gru-
po. Possuem renda mensal relativamente alta (mais de 10 salários mínimos) e alta escolaridade (mestrado).

26 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Tabela 1 – Comparação dos agrupamentos de desenvolvedores individuais

Variáveis Desenvolvedores de Administradores de Estudantes (21,56%) Desenvolvedores


software proprietário sistemas e técnicos de avançados de SL/CA
(22,63%) rede (36,10%) (19,71%)
Autoclassificação Desenvolvedor Administrador de siste- - Desenvolvedor avançado
avançado mas / técnico de redes/
desenvolvedor básico

Integrante das Considero-me parte - - Participo das duas


comunidades SL/CA? da comunidade Open
Source
Não me considero parte
das comunidades de
SL/CA
Média de horas/semana Menos de 2 2a5 11 a 20 6 a 10
de trabalho em projetos
SL/CA no último ano 21 a 40
Mais de 40
Local de desenvolvimen- Não desenvolvem na Desenvo lve na insti- Não desenvolve na insti- Desenvolve na institui-
to de SL/CA instituição empregadora tuição empregadora tuição empregadora ção empregadora
Não desenvolvem no não desenvolve no Desenvolve no colégio/
colégio/universidade/ colégio / universidade / universidade / faculdade
faculdade faculdade
Não desenvolve em
não desenvolve em outros lugares
casa como autônomo /
hobby
Se desenvolve software 21 a 40 Não desenvolve Não desenvolve -
proprietário, quantas software proprietário software proprietário
horas/semana em média Mais de 40
de trabalho em projetos
de software proprietário
no último ano

Renda principal (de- Desenvolvimento Administração Não está relacionada Desenvolvimento


senvolvimento, suporte
ou administração de Suporte Treinamento / capaci-
software) tação

O trabalho com SL/CA Não é uma fonte de Sim, diretamente; sou Não é uma fonte de Sim, diretamente; sou
é uma fonte de renda renda pessoal pago para dar suporte renda pessoal pago para desenvolver
pessoal? a SL/CA SL/CA

Sim, diretamente; sou


pago para administrar
SL/CA

Sim, indiretamente;
dentre minhas funções,
eu também desenvolvo
SL/CA em meu trabalho,
mas isso não é requerido
Percentual de atividades 5 a 25% Não possui empresa Não possui empresa 30 a 50%
de sua empresa/coope-
rativa que é dedicado a > 80%
SL/CA

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 27


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Variáveis Desenvolvedores de Administradores de Estudantes (21,56%) Desenvolvedores


software proprietário sistemas e técnicos de avançados de SL/CA
(22,63%) rede (36,10%) (19,71%)
Setores de software de Comércio Governo Não desenvolve para Comércio
desenvolvimento de comércio
SL/CA Setor financeiro Comunicação e informa-
Desenvolve para cultura ções (serviços)
Não desenvolve para
e entretenimento Equipamento eletro-
equipamento eletro-
eletrônico e de comu- Educação eletrônico e de comu-
nicação nicação
Equipamento eletro-
eletrônico e de comu- Governo
nicação Saúde
Não desenvolve para Serviços
governo
Setor financeiro
Desenvolve para outros
setores Tecnologias da Infor-
mação

Transporte, logística e
armazenamento
Área de aplicação de Automação comercial Administração - outros Não desenvolve para Automação comercial
desenvolvimento do comércio eletrônico
SL/CA Gerenciador de redes Comércio eletrônico
Educação à distância
Segurança e proteção de Comunicação de dados
dados Outros
Educação à distância
Utilitários
Geoprocessamento

Gerenciador de banco
de dados

Página web

Segurança e proteção de
dados
Autoclassificação do Não classifica como Classifica como serviço Não classifica como Classificam como servi-
trabalho em SL/CA serviço de treinamento, de treinamento, progra- serviço de treinamento, ço de fornecimento de
programação, manuten- mação, manutenção e programação, manuten- soluções e desenvolvi-
mento customizado
ção e integração integração ção e integração
Classifica como produto Não classifica como Não classifica como
customizável serviço de fornecimento serviço de fornecimento
de soluções e desenvol- de soluções e desenvol-
vimento customizado
vimento customizado
Não classifica como
Não classifica como
produto customizável
produto customizável
Não classifica como
Classifica como produto
produto pacote
pacote
Participação em - não respondeu - -
projetos de

Quantidade de projetos 1a5 Não respondeu 1a5 1


de desenvolvimento em
SL/CA que já participou 1a5

Número de projetos de 0 - 1 2
desenvolvimento em
SL/CA que participa 1 3
atualmente 4a5
6a7

28 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Variáveis Desenvolvedores de Administradores de Estudantes (21,56%) Desenvolvedores
software proprietário sistemas e técnicos de avançados de SL/CA
(22,63%) rede (36,10%) (19,71%)
Número de projetos de 0 0 1 2
desenvolvimento em
SL/CA nos quais já se 3
envolveu como líder, 4a5
coordenador ou admi-
nistrador 6a7

Depósito de softwares Não deposita em reposi- Não deposita em reposi- Não deposita em reposi- Deposita em repositório
desenvolvidos em repo- tório fechado da empre- tório fechado da empre- tório fechado da empre- fechado da empresa em
sitórios de SL/CA sa em que trabalha sa em que trabalha sa em que trabalha que trabalha

Não deposita em reposi- Não deposita em reposi- Deposita em repositório Deposita em repositório
tório próprio aberto tório próprio aberto próprio aberto próprio aberto

Não deposita em re- Não deposita em re- Deposita em repositório Deposita em repositório
positório especializado positório especializado especializado interna- especializado interna-
nacional internacional cional cional

Não deposita Não deposita em re- Deposita em repositório


positório especializado especializado nacional
nacional
Não respondeu “não
Não deposita deposito”
Preocupação em inter- - Não respondeu esta Sim Sim
nacionalizar o SL/CA questão
desenvolvido
Não

Não sei / não me im-


porto
Preocupação em docu- Não Não respondeu esta - Sim
mentar o SL/CA desen- questão
volvido, criar manuais
Não

Não sei / não me im-


porto
Identificação dos trechos Não Não respondeu esta Sim, mas isso não im- Sim, eu considero isso
de código fonte desen- questão porta muito para mim muito importante
volvidos/alterados como
SL/CA Não

Certificação profissional Não assinalaram “Sim, Sim, acho isso impor- Não, não acho isso Sim, acho isso impor-
ligada a SL/CA atual- acho isso importante” tante importante tante
mente
Não sei do que se trata Não, mas acho isso Não sei do que se trata Sim, mas não acho isso
importante importante

Não, não acho isso


importante
Principal ocupação atual Empresário Técnico programador, Professor (TI) Eng. de software
administrador de redes,
Estudante (TI) Analista de sistemas e
suporte e correlatos
correlatos
Estudante (outros se-
Funcionário público (TI)
tores) Consultor (TI)

Empresário (TI)
Nível de escolaridade Superior completo Médio Superior incompleto Mestrado

Especialização Mestrado

Doutorado

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 29


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Variáveis Desenvolvedores de Administradores de Estudantes (21,56%) Desenvolvedores


software proprietário sistemas e técnicos de avançados de SL/CA
(22,63%) rede (36,10%) (19,71%)
Renda mensal 10 a 20 2a3 Sem rendimento 10 a 20
(salários mínimos)
Mais de 20 3a5 Até 1 Mais de 20

5 a 10 1a2

Situação empregatícia Sócio/proprietário de Empregado Bolsista, trabalho não re- Sócio/proprietário de


empresa munerado (estudante) empresa

Não estou empregado


no momento

Principal local de traba- Empresa privada Empresa pública Não respondeu esta Empresa privada
lho atualmente questão
Empresa própria/coo- Administração pública Empresa própria/coo-
perativa federal Não está empregado perativa

Outros Universidade pública

Universidade privada

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrtônica.

2.2 Caracterização das empresas desenvolvedoras

Nesta seção é traçado o perfil das empresas que atuam com SL/CA em atividades de desenvolvimento, admi-
nistração, suporte, treinamento e capacitação. Em grandes linhas podemos dizer que há três tipos de empresas
atuando em SL/CA no Brasil:

• pequenas e médias empresas fundadas nas décadas de 1980 e 1990 que atuam principalmente com
software proprietário, mas que começaram a dedicar uma pequena parte de suas atividades a SL/CA
devido a exigências do mercado, entre outros motivos;

• pequenas e médias empresas fundadas mais recentemente, em grande parte devido a SL/CA e que têm
grande parte de suas atividades em SL/CA;

• grandes empresas, algumas delas multinacionais, que também ingressaram recentemente no mundo de
SL/CA com estratégias específicas50.

Foram utilizados instrumentos diferentes para obter informações dos três diferentes tipos de empresas. A
enquete eletrônica e os levantamentos secundários foram eficientes em levantar dados sobre a atuação das
pequenas e algumas médias empresas. Já o painel de especialistas apontou principalmente casos significativos
de médias e grandes empresas, que foram entrevistadas com um roteiro estruturado. Desta forma, em primeiro
lugar serão caracterizadas as pequenas e médias empresas mapeadas através da análise dos dados das fontes
secundárias e da enquete eletrônica. Em segundo lugar, utilizando-se os dados das entrevistas com médias e
grandes empresas, serão apontadas algumas estratégias de empresas selecionadas com vistas a aprofundar o
entendimento de alguns pontos evidenciados pelas outras partes da pesquisa.

50
O exemplo mais significativo disto é a IBM, que suporta o desenvolvimento do Linux através do OSDL e do conjunto de Linux Technology
Center (LTC). Há 5 LTCs no mundo (Alemanha, Inglaterra, China, EUA e Brasil). O LTC no Brasil foi montado em parceria com a Unicamp,
localizado em seu campus. É a primeira experiência de LTC com parceria externa. O trabalho dos LTCs é dirigido pelo OSDL.

30 SOFTEX / UNICAMP / MCT


2.2.1 Caracterização das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias)

A partir do levantamento secundário e da enquete eletrônica foi possível reunir informações mínimas sobre
364 empresas desenvolvedoras51. Estas estão situadas de forma concentrada nas regiões Sudeste (53%) e Sul
(29%), concentração que também foi observada nas respostas dos desenvolvedores e usuários individuais. As
empresas estão concentradas (40,93%) nas capitais dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro
e Paraná52.

As informações levantadas apontam que estas empresas têm capital de origem nacional (98%) e são de peque-
no porte em termos de faturamento e número de empregados: 79% têm faturamento de até R$ 500 mil/ano
(apenas 11% possuem faturamento superior a R$ 2,5 milhões/ano) e 70% possuem no máximo 9 empregados.
Entretanto, a atuação em SL/CA está longe de ser um negócio apenas de pequenas empresas. Como já se men-
cionou neste trabalho, a atuação em SL/CA faz parte também da estratégia de grandes empresas de software.
Comparativamente com o universo de empresas de software no Brasil, as de SL/CA tendem a ser de menor
porte e a apresentar uma concentração geográfica mais acentuada na Região Sudeste53.

Agrupamentos das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias)

Para encontrar os perfis distintos entre as empresas desenvolvedoras utilizou-se análise de correspondência
múltipla (ACM) e análise de agrupamento, da mesma forma que no perfil técnico dos desenvolvedores. Cabe
a ressalva que a análise foi restrita aos dados da enquete eletrônica (n=421), pois estes foram respondidos de
forma intencional sobre mais variáveis que as informações recolhidas no levantamento secundário (n=364)54.
Do total de 421 empresas com informações na enquete eletrônica, as análises multivariadas mostraram que
cerca de 36,8% destes registros eram incongruentes porque possuíam vários dados incompletos ou muito fora
dos padrões apontados acima, provavelmente porque foram fornecidos por funcionários não autorizados a
responder pelas empresas. Estes registros foram desconsiderados e a análise que se segue trata de 266 empre-
sas.

As variáveis que mais distinguiram as empresas foram a dedicação ao SL/CA e a atuação nos setores econômi-
cos e áreas de aplicação como exposto na figura 4 (as elipses procuram indicar os agrupamentos conforme a
legenda).

O primeiro eixo separa as empresas de acordo com a dedicação ao SL/CA em relação ao percentual de ativi-
dades, faturamento e profissionais. É possível perceber a oposição entre aquelas empresas que dedicam mais

51
Foi realizado um levantamento sistemático e extensivo de uma lista de empresas envolvidas com SL/CA no Brasil quanto ao uso,
comercialização e desenvolvimento. Esta lista das empresas foi elaborada a partir da coleta de dados de quatro fontes: (a) empresas que
responderam à enquête eletrônica; (b) empresas cadastradas no site softwarelivre.org, cadastro considerado um dos mais completos
existentes; (c) as empresas citadas no painel de especialistas; (d) empresas cujo uso ou atuação em SL/CA foi, de alguma forma, noticiada
na mídia. Dada a lista das empresas, buscou-se completar e checar as informações sobre cada uma delas, através dos sites e notícias. Foram
excluídas da lista as empresas sobre as quais não foi possível obter dados sobre a localização (cidade e estado) e que não possuíam site.
52
Excluindo-se as capitais, o destaque dá-se para as cidades que possuem centros universitários próximos, que acabam por estimular a
criação destas empresas (Campinas, Juiz de Fora e Americana).
53
A comparação foi feita com os dados da Pesquisa da Qualidade, feita pela SEPIN/MCT em 2001 com 446 organizações, das quais
372 desenvolvem software de pacote ou sob encomenda e 81 distribuem ou editam softwares de terceiros. Sobre o porte, a pesquisa
da SEPIN/MCT apresentou “apenas” 41,8% de empresas com faturamento até R$ 720 mil/ano e 34,9% de grandes empresas (acima de
R$ 2,5 milhões/ano). Sobre a localização geográfica, na pesquisa da SEPIN/MCT de 2001, 43% das empresas estão concentradas na região
Sudeste e 32% na região Sul.
54
Além dos dados de identificação e localização, o banco de dados dos levantamentos secundários tinha informações sobre a origem
do capital, faixa de faturamento, faixa do número de empregados, setores econômicos e área de atuação e classificação com relação ao
tipo de atuação em SL/CA (se a empresa é desenvolvedora de SL/CA, usuária ou usuária/desenvolvedora). Já a base de dados da enquête
eletrônica, que também compôs o banco de dados dos levantamentos secundários, possui informações sobre o percentual de atividades,
faturamento e profissionais dedicados a SL/CA, dados estes impossíveis de serem captados através de fontes secundárias.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 31


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

de 80% das atividades, dos profissionais e do faturamento de SL/CA e as que dedicam menos de 25%, sendo
que os demais percentuais de dedicação aparecem em gradiente no meio dos dois extremos (indicados pelas
setas verdes na figura). As empresas com maior dedicação a SL/CA tendem a ser mais jovens que aquelas com
menor dedicação.

O segundo eixo distingue as empresas por setor econômico de atuação e área de aplicação. Há uma distinção
entre as empresas que desenvolvem ou fornecem para governo, comunicações e informações e aquelas
que atuam nos setores educação, serviços, transporte e logística, saúde e comércio. Da mesma forma,
há uma distinção entre as empresas que atuam principalmente com áreas de infra-estrutura (gerenciamento
de redes, segurança/proteção de dados, comunicação de dados) e educação à distância e aquelas que atuam
principalmente com aplicações dedicadas (comércio eletrônico, administração de serviços e automação comer-
cial) e web page. Há uma indicação de que o valor médio da hora por profissional tende a ser mais elevado
para atividades de integração e consultoria nas áreas de infra-estrutura (entre 61 e 90 ou maior que 90 reais)
do que nas aplicações dedicadas (menor que 31 ou entre 31 e 60 reais).

Figura 4 - Análise de Correspondência do perfil das empresas dos desenvolvedores55


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Para refinar os resultados da ACM e definir melhor os agrupamentos foi utilizada a análise de agrupamento.
Seu resultado comporta a divisão em 2 ou 3 grupos (desconsiderando-se as respostas incongruentes). Na for-
mação de 2 grupos tem-se:

55
No quadrante superior direito concentraram-se as respostas incongruentes dadas aos questionários (categorias sem respostas e dados
incompletos de grandes empresas, provavelmente fornecidos por funcionários). A representação dos anos de fundação é ilustrativa, ou
seja, esta variável não entrou na análise como fator explicativo.

32 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Grupo 1 - Empresas com grande dedicação a SL/CA (48%)

Grupo composto por empresas que dedicam mais que 55% de suas atividades e profissionais ao SL/CA, daí
advindo mais de 55% de seu faturamento que, em geral, varia entre 250 mil a 500 mil. São empresas fun-
dadas recentemente, provavelmente com a “onda” do software livre acreditando na oportunidade que ele
representa. Desenvolvem principalmente para os setores de comunicações e informações, governo, tecnologias
da informação e serviços. As áreas de aplicação mais frequentes são as de infra-estrutura, provavelmente de
serviços relacionados ao Linux (segurança e proteção de dados, gerenciador de redes e comunicação de dados)
e educação à distância. Suas atividades podem ser classificadas em todas as categorias de modelos de negócio
com exceção de pacote, mas principalmente se encaixam em serviços de baixo valor. Dessa forma, atuam em
serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa lucratividade.

Grupo 2 - Empresas com pequena dedicação ao SL/CA (52%)

A principal característica deste grupo, para o qual o SL/CA não é a atividade principal da empresa (até 50% das
atividades, profissionais e faturamento), é a atuação nos setores de comércio, serviços e saúde e a ausência de
desenvolvimento e fornecimento para o governo. São empresas que já existiam antes do “boom” de software
livre e trabalhavam com desenvolvimento de soluções que foram diretamente atingidas pelo software livre e,
por isso, desenvolvem SL/CA para atender o mercado principalmente em automação comercial e aplicações
web. Essas empresas já desenvolviam software sob encomenda e, vendo que o mercado estava solicitando,
começaram a fornecer soluções utilizando SL/CA, mas não deixando de possuir soluções proprietárias em seu
portifólio.

O quadro 5 apresenta o resumo comparativo dos dois grupos.

Na formação de 3 grupos, a diferença é que este terceiro grupo surge do primeiro grupo, a partir da extração
de empresas com dedicação média a SL/CA (entre 55% e 75%) e que atuam principalmente com software
embarcado. Estas atuam em áreas de infra-estrutura e setores comunicações e informações, tecnologias da
informação, equipamento eletro-eletrônico e de comunicação, comércio e serviços. Este sub-grupo ajuda a
explicar o valor médio do profissional para consultoria e integração (61 a 90 reais) mais alto que o do grupo 2
(até 60 reais), pois estes valores mais altos provavelmente estão relacionados com os profissionais que desen-
volvem software embarcado e não com os profissionais contratados pelas pequenas empresas desenvolvedoras
de SL/CA.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 33


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Quadro 5 – Comparação dos agrupamentos de empresas desenvolvedoras

Variáveis Grupo 1 - Empresas com grande dedi- Grupo 2 - Empresas com pequena
cação a SL/CA (48%) dedicação ao SL/CA (52%)

Faturamento decorrente de SL/CA > 80% 5 a 25%

55 a 75% 30 a 50%
Dedicação das atividades da empresa >80% 30 a 50%
para SL/CA
55 a 75% 5 a 5%
Profissionais dedicados a SL/CA >80%

55 a 75%
Setor econômico para o qual desenvolve Comunicações e informações (serviços) Comércio

Governo Serviços

Tecnologias da informação Saúde

Serviços Não desenvolve para governo

Educação

Comércio

Equipamento eletro-eletrônico e de
comunicação
Modelo de negócios Serviço de treinamento, programação, Serviço de fornecimento de soluções e
manutenção e integração desenvolvimento customizado

Serviço de fornecimento de soluções e Produto customizável


desenvolvimento customizado

Produto customizável

Componente / embarcado
Área de aplicação Segurança e proteção de dados Automação comercial

Gerenciador de redes Administração de serviços

Comunicação de dados Página web

Educação à distância

Gerenciador de banco de dados

Administração - outros
Valor médio (em reais) por 61 a 90 < 31
profissional/hora para integração:
31 a 60
Número de empregados da empresa - De 0 a 9
Faixa de faturamento - Até R$ 250 mil

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

34 SOFTEX / UNICAMP / MCT


2.2.2 Estratégias de algumas empresas selecionadas

Foram realizadas 9 entrevistas com empresas desenvolvedoras/fornecedoras de SL/CA dentre um conjunto de


16 empresas entrevistadas56:

• duas que possuem soluções de SL/CA para o setor de varejo, mas também para outros setores;

• cinco empresas públicas que têm como principal clientes órgãos governamentais e que possuem experi-
ências nas áreas de educação e saúde pública, nas esferas municipal e federal;

• duas empresas que produzem equipamentos eletro-eletrônicos e de comunicação, principalmente ro-


teadores e modems com SL/CA embarcado. Apesar de não ser o principal negócio desta empresas, elas
desenvolvem e adaptam SL/CA internamente.

A seguir são apresentadas de forma resumida as informações por conjuntos de empresas de acordo com os
setores econômicos em que atuam.

Comércio (varejo)

As duas empresas que atuam no comércio de varejo têm alguns pontos em comum e de oposição. As duas
divergem quanto ao foco em desenvolvimento. Por um lado, a empresa multinacional aposta no estabeleci-
mento de parcerias e pólos de capacitação para difundir open source no mercado. Para isso, busca em cada
segmento da indústria uma área em que o Linux seja uma alternativa, contando com parceiros de negócios que
têm soluções prontas para o mercado.

Por outro lado, a empresa nacional vê esse momento do Linux como forma de avançar sua marca como desen-
volvedora de software, que pode fazer produtos mais ajustados para seus clientes. Seria uma oportunidade de
voltar ao desenvolvimento, já que nasceu como desenvolvedora de software, mas teve essa linha de atuação
abafada pela presença dos grandes atores. Além disso, o Linux aumentou a competitividade dos produtos,
especialmente aqueles relacionados com automação comercial. Assim, o Linux teria possibilitado o retorno de
discussões que pareciam fechadas há tempos.

As duas empresas possuem pelo menos três pontos em comum. O primeiro é que ambas apostam no suporte
pré e pós venda para o Linux. Para elas, o mercado ressente-se da carência de suporte, isto é, de empresas que
possam dar apoio para os clientes na decisão de migrar ou instalar nova base, e também dar tranqüilidade em
termos de desenvolvimento contínuo. Nesse sentido, ambas montaram centros de prova de conceito e apoio
pré-venda, sendo que a empresa nacional montou um em parceria com uma universidade visando testar e
homologar soluções principalmente para o governo.

O segundo ponto em comum da estratégia das duas empresas é disponibilizar versões de suas soluções pro-
prietárias para rodar no Linux, especialmente para aplicações de equipamentos dedicados no varejo (sistema
de ponto de venda - PDV), ou ainda para outros equipamentos dedicados. Acreditam que os softwares abertos
vão evoluir, mas nos processos críticos os produtos proprietários são e vão continuar sendo mais evoluídos, pois
há compromisso de investimento de longo prazo no desenvolvimento. Por fim, o terceiro ponto em comum é
o estabelecimento de parcerias com universidades.

Governo

Todas as empresas públicas de informática analisadas possuem algum projeto de migração de plataformas
baixas das áreas administrativas para soluções em SL/CA, principalmente colocando Linux como sistema ope-

56
A escolha das empresas para ser entrevistadas deu-se a partir dos setores econômicos que possuem uso mais intensivo de SL/CA
apontados no painel de especialistas. Foram privilegiadas grandes empresas visto que estas não foram cobertas pelos outros levantamentos
(enquête e levantamentos secundários). Por questões de sigilo, as empresas não serão aqui identificadas.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 35


Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

racional. Há também iniciativas voltadas para os usuários finais da área administrativa envolvendo a migração
de desktops.

Em um dos casos, de uma empresa pública municipal, a utilização de SL/CA começou como uma opção técnica
em iniciativas isoladas há pelo menos 8 anos, passando a ser usado pela infra-estrutura (como em servidores de
arquivos e gerenciador de arquivos) e depois atingindo o usuário final. Em meados de 2002 foi criado um gru-
po de trabalho para avaliar o processo de migração. Praticamente toda a equipe interna (operacionais, suporte,
help desk) recebeu treinamento. A partir de 2003 começou maciçamente o uso institucionalizado do SL/CA em
toda a empresa, incluindo as ferramentas de desenvolvimento e as ferramentas de desktop.

Além da migração das plataformas, as empresas públicas municipais estão trabalhando em migração de servi-
dores e estações de trabalho nas áreas de educação e saúde: tanto há experiências de informatização de escolas
e montagem de laboratórios e telecentros para as secretarias de educação (estações com Linux ou com dual
boot), como há experiências em andamento de informatização de unidades básicas de atenção à saúde através
da utilização de uma lógica semelhante dos equipamentos dedicado como PDV utilizando SL/CA. Por fim, tam-
bém há experiências de desenvolvimento, especialmente em certificação digital e segurança.

O grande desafio destas empresas é lidar com o legado. Muitas empresas têm uma plataforma estável com
muitos anos de aprendizado e interação da equipe. Mudar isso significa risco de perda de estabilidade. A gran-
de maioria das grandes organizações não pensa em migrar o legado, apenas as plataformas baixas. Mudar o
legado exige um alto investimento, depende de anos de trabalho para converter todos os sistemas de automa-
ção governamental.

Em resumo, pode-se dizer que o movimento atual de empresas desenvolvedoras em SL/CA caminha de forma
já profissional, mas ainda com muitas incertezas, especialmente no plano regulatório e das perspectivas de
desenvolvimento do entorno necessário ao crescimento da importância do SL/CA. A impressão é de que todos
sabem da importância do investimento em SL/CA (até pelo que se vê no cenário internacional), mas o nível
de risco ainda é elevado, especialmente por se tratar de mercados em formação, com um quadro de regras
ainda em institucionalização. Portanto, o desenvolvimento profissional de SL/CA no Brasil começa a dar seus
primeiros passos, tanto com empresas nacionais, como com multinacionais e com empresas públicas. A fase é
de redução dos ainda elevados custos de transação para a profissionalização do SL/CA no país.

36 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Capítulo 3
Perfil do usuário de SL/CA

Neste capítulo procura-se caracterizar o perfil dos usuários de SL/CA no Brasil. São analisados dois tipos de
usuários: usuários individuais, que incluem desde os usuários finais que trabalham em empresas e outras
instituições até os usuários domésticos, e os usuários corporativos, entendidos como as empresas e outras
instituições usuárias.

Existem diversos estudos que tratam dos usuários de SL/CA. Lerner e Tirole (2002) apontam que a rápida difu-
são dos softwares deu-se devido à nova forma de organização do SL/CA, que inclui a cooperação no desenvol-
vimento e a distribuição através da Internet, e também devido ao grande investimento de capital nos projetos e
companhias de SL/CA por parte de grandes corporações, principalmente de hardware. Entre os “beneficiários”
de SL/CA estão desde usuários domésticos dos países menos desenvolvidos até algumas das 500 maiores em-
presas da Fortune.

Os levantamentos realizados e a cobertura da mídia especializada no país apontam um crescimento do uso de


SL/CA, em especial no mundo corporativo, o que não foge das tendências internacionais apontadas por Lerner
e Tirole (2002). A grande porta de entrada para o mundo do software livre tem sido o sistema operacional
Linux. Duas recentes pesquisas demonstram esta tendência57. Segundo a pesquisa sobre as 100 empresas “mais
ligadas” da revista Info Exame (Fortes, 2004), 64% destas já utilizam o Linux.

Dados da pesquisa I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004), de 200458,
permitem um detalhamento deste quadro de utilização do Linux em servidores por porte de empresa (gráfico
1) e tipo de aplicação (gráfico 2). Com relação ao porte, apesar da forte presença do Unix em grandes empresas
e do Windows em todos os portes, o Linux aparece em segundo lugar no total, sendo utilizado em 53% dos
servidores das grandes empresas e 56% das médias.

Gráfico 1 - Principais sistemas operacionais utilizados em servidores


Fonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

Cabe ressaltar que os dados das duas pesquisas não são diretamente comparáveis, pois a pesquisa da revista InfoExame trata de grandes
57

empresas nacionais e a da FIESP de empresas de vários portes mas restritas ao Estado de São Paulo.
58
Esta pesquisa foi realizada a partir de uma amostra de 1.334 das 14.485 empresas pertencentes ao cadastro da FIESP.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 37


Perfil do usuário de SL/CA

Tomando-se o uso dos sistemas operacionais em servidores por tipo de aplicação, nota-se a clara predominân-
cia do Windows em todos os tipos de aplicação, especialmente nas funções de gerenciamento de rede e banco
de dados. Mas também se notae também a presença em segundo lugar do Linux, com destaque nas aplicações
para servidor de correio, web e gerenciamento de segurança.

Gráfico 2 - Sistemas operacionais por tipo de operação


Fonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

Desta forma, o Linux concorre fortemente com o Windows no segmento de servidores. Segundo Meirelles
(2004), 12% dos servidores instalados no Brasil são Linux, contra 60% Windows, como apresentado na tabela
2. Como já visto, isso segue tendências mundiais, pois segundo a revista InfoCorporate (Vieira e Nogueira,
2003), a Gartner identificou que em 2002 o Linux respondeu por 6% do mercado mundial de sistemas opera-
cionais e em 2003 chegou a 9%. A estimativa para 2007 é que seja responsável por 18%.

Tabela 2 – Sistemas Operacionais nos servidores no Brasil

Sistema % de penetração
Windows 60
Unix 18
Linux 12
Novell 7
Outros 3

Fonte: Meirelles, 2004.

Em outros segmentos para além da infraeestrutura, o uso de SL/CA é restrito. Os dados da pesquisa I-Digital
mostram que, em banco de dados transacionais (gráfico 3), há a predominância de Oracle para as grandes e
Microsoft SQL Server em empresas de todos os portes. O uso de banco de dados de SL/CA (MySQL) fica bem
atrás de outros bancos de dados de pequeno porte, como Clipper e Access, independente do porte da empre-
sa.

Com relação aos navegadores, a penetração também é pequena. O browser Mozilla tem 7% do mercado, fi-
cando bem atrás do Internet Explorer que, mesmo tendo perdido 5% de participação, continua dominando o
mercado global com 88,9%.

38 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Pode-se dizer que o uso de SL/CA em desktops ainda é restrito e talvez será o último filão a ser abarcado
(ComCiência, 2004). Segundo pesquisa da Internacional Data Corp., o Linux terá 6% do mercado global de
computadores de mesa até 2007, o que representa um crescimento significativo em relação aos 2,7% corres-
pondentes ao ano de 2002 (ComCiência, 2004). Desta forma, apesar de não existirem levantamentos sobre
usuários individuais no Brasil, imagina-se que seja pequeno o número de usuários individuais com perfil não
técnico que espontaneamente usem SL/CA.

Gráfico 3 – Software de banco de dados transacionais


Fonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

Um fator que pode ser apontado como responsável por esse uso restrito é a ainda pouca maturidade das in-
terfaces gráficas. Até muito recentemente a difusão se dava majoritariamente entre usuários finais sofisticados,
como administradores de sistemas, devido ao modelo de desenvolvimento que tende a privilegiar os desenvol-
vedores (Lerner e Tirole, 2002). Reis (2003) em sua pesquisa de mestrado, que buscou caracterizar os principais
projetos de desenvolvimento de SL/CA do mundo, mostra que há pouca atenção para a “usabilidade” no pro-
cesso de desenvolvimento do software, o que provavelmente seria um dos principais fatores para a reputação
amplamente presente de que o SL/CA é complexo e difícil de operar.

Desta forma, Lerner e Tirole (2002) apontam que dentre os desafios recentes está o desenvolvimento de pro-
dutos mais amigáveis para os usuários finais, sem formação em computação, devido à menor ênfase dada até
então no processo de desenvolvimento para os aspectos de documentação, suporte, interfaces, entre outros
(id. ibid, p.203). As iniciativas de criação de interfaces mais adaptadas, e próximas do padrão Windows, como
os projetos Gnome e KDE, podem ser vistas como uma tentativa de ampliar a difusão de SL/CA entre usuários
“comuns”59. Também neste sentido podem ser avaliados os esforços para facilitar a instalação como a distribui-
ção brasileira Kurumin, que permite a instalação do programa direto do CD, que automaticamente configura
todos os dispositivos do computador (ComCiência, 2004)60.

Tendo situado o contexto da utilização de SL/CA em linhas gerais, passa-se para a apresentação dos resultados
da pesquisa. As fontes de informações utilizadas para analisar os usuários neste item foram a enquete eletrô-

59
Em geral, costuma-se comparar os processos de desenvolvimento da Microsoft e do Linux através do tipo de usuários que seriam
consultados durante o desenvolvimento. Enquanto a Microsoft procuraria ouvir seu usuário “menos técnico”, os desenvolvedores do Linux
buscariam a opinião de seus usuários “mais técnicos”. Segundo Lerner e Tirole (2002), o declínio do licenciamento em GNU/GPL seria
influenciado por interesses econômicos mais pragmáticos que tentariam levar em conta os usuários comuns.
60
É importante salientar que o Kurumin foi construído a partir do Debian e do Knoppix, uma distribuição Linux que roda diretamente do
CD sem necessidade de utilizar o sistema instalado no disco-rígido do computador. (Fontes: http://www.guiadohardware.net/kurumin/ e
http://br-Linux.org/main/noticia-lancado_knoppix_37_versao_e.html).

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 39


Perfil do usuário de SL/CA

nica, os subsídios aportados no painel de especialistas, as entrevistas de campo com 16 empresas usuárias/de-
senvolvedoras e a Lista de Empresas Usuárias.

Os dados e análises a serem apresentados são subdivididos segundo as duas categorias de usuários. Com rela-
ção aos usuários individuais será traçado o perfil social, econômico e técnico a partir dos dados da enquete
eletrônica. Sobre os usuários corporativos, será traçado o perfil das empresas usuárias a partir de dados
secundários e apontadas algumas estratégias, principalmente das grandes empresas usuárias, a partir das En-
trevistas realizadas.

3.1 Usuário Individual

3.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos usuários

Através da enquete eletrônica foram levantadas informações de 1.704 usuários individuais. A grande maioria
dos usuários de software livre é do sexo masculino (89%), tem até 35 anos de idade, sendo que há uma maior
concentração de desenvolvedores que possuem entre 18 e 27 anos (50,85%) (gráfico 4). A maioria, portanto,
é jovem, não possui filhos (68%) e não vive ou não possui um(a) companheiro(a) (43%).

Estes usuários estão concentrados nas regiões Sudeste (58%) e Sul (26%), concentração que é mais acentuada
que entre os desenvolvedores (gráfico 5). O maior número de usuários está concentrado no Estado de São
Paulo (33%), seguido do Rio Grande do Sul (11%) e Rio de Janeiro (9%).

Gráfico 4 - Idade dos usuários


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Do total de usuários, 62% se consideraram usuários avançados61, o que, aliado a alta escolaridade62 e formação
em cursos de TI63, confirma a expectativa inicial de que a maior parte dos usuários tem formação em compu-
tação ou pelo menos facilidade com os aspectos técnicos.

61
O respondente se auto-definia como “usuário que instala seus próprios softwares e periféricos, configura seu ambiente de trabalho,
software e periféricos. Usa com desenvoltura ferramentas mais avançadas do sistema operacional e do seu ambiente de trabalho.”
62
40% possuem nível superior incompleto (sendo que destes grande parte deve ser estudante universitário), 38% são graduados, sendo
que 20% do total possuem pós-graduação.
63
Dentre os usuários com nível superior (completo ou incompleto), 55% estão cursando ou são formados em cursos relacionados com TI
(ciência da computação/sistema de informação e engenharia elétrica), o que confirma o perfil técnico esperado.

40 SOFTEX / UNICAMP / MCT


A participação nas comunidades de SL/CA é outro fator que reforça a expectativa inicial: a maioria dos respon-
dentes (80%) participa das comunidades sendo que 32% consideram-se parte da comunidade de software
livre, 9% da de open source e 39% participam de ambas. Apenas 12% declararam não se considerar parte
das comunidades e 8% não souberam indicar o pertencimento (gráfico 6). Perguntados se consideram que as
duas comunidades sejam diferentes, a maioria (77%) respondeu que são diferentes, mas quase metade dos
respondentes (47% do total) acham que na prática funcionam da mesma forma, apesar de apontarem que
ambas são diferentes.

Gráfico 5 – Distribuição dos usuários por região


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Gráfico 6 - Se considera parte de alguma comunidade


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Desta forma, os respondentes da enquete eletrônica são usuários que participam das comunidades e conhecem
minimamente seus princípios e funcionamento, o que pode indicar que, em um futuro próximo, parte destes
usuários, especialmente aqueles com formação em TI, possa passar para a categoria de desenvolvedores.

Em resumo, estes usuários podem ser encaixados na classificação de usuários participantes das comunidades
de SL/CA, que dão suporte ao desenvolvimento através do uso e teste dos softwares, como apontado no mo-
delo esquemático do desenvolvimento do capítulo 1.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 41


Perfil do usuário de SL/CA

3.1.2 Perfis dos usuários (agrupamentos)

Após a apresentação dos resultados mais freqüentes para o conjunto dos usuários, são apresentados os perfis
de usuários vistos por meio de análise de correspondência multivariada (ACM) conjugada com análise de agru-
pamento hierárquica. Para esta análise foram utilizadas as seguintes variáveis:

• Local de utilização de SL/CA;

• Onde tomou conhecimento de SL/CA;

• Razões para utilizar SL/CA e dificuldades encontradas;

• Principal ocupação atual, nível de escolaridade e renda mensal;

• Situação empregatícia e local de trabalho.

O resultado gráfico da ACM (figura 5) apresenta a disposição das respostas destes indivíduos. O primeiro eixo
pode ser interpretado como a experiência do usuário, caracterizado principalmente por variáveis que pos-
suem um gradiente, como idade, renda mensal, escolaridade e ano em que começou a utilizar SL/CA. O gra-
diente ocorre da direita para esquerda no eixo horizontal, sendo o inverso apenas na questão relativa ao início
do uso. Ou seja, os usuários mais velhos, com renda mais alta e com nível mais alto de escolaridade começaram
a utilizar SL/CA há mais tempo que os usuários mais jovens, com renda menor e com nível de escolaridade mais
baixo. O eixo 2 opõe os perfis de atuação com relação ao SL/CA e podem ser melhor entendidos a partir dos
agrupamentos encontrados. Foram identificados 4 agrupamentos descritos a seguir e apresentados de forma
resumida na tabela 3. Como indicado no resultado gráfico, de forma geral, as variáveis que compõem os agru-
pamentos aparecem de forma ordenada com relação à idade, nível de escolaridade, renda e ocupação.

Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CA


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

42 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Grupo 1 - Estudantes de nível médio (14,5%)

Constituído por indivíduos menores de 19 anos, sem renda, sem emprego, que utilizam SL/CA aparentemente
em colégios/faculdades. Estes usuários tomaram conhecimento do SL/CA através de veículos da mídia não di-
recionados e consideram-se pouco capacitados para usar as ferramentas. Por isso, uma das motivações deste
grupo é aprender e desenvolver novas habilidades.

Grupo 2 - Universitários bolsistas (20%)

O grupo 2 é formado por estudantes, em grande parte universitários de cursos de TI, um pouco mais velhos
que os do grupo 1, com idade entre 18 e 24 anos, com renda de até 3 salários mínimos, muitas vezes advin-
das de bolsas. São usuários que começaram a utilizar SL/CA recentemente (em 2003), tendo tomado conhe-
cimento através da universidade e da rede pessoal (amigos e parentes). As principais motivações indicam um
interesse profissional pelo SL/CA, pois imaginam que o SL/CA irá melhorar suas oportunidades de emprego e as
ferramentas são mais adequadas. No entanto, não se sentem muito capacitados para utilizar as ferramentas e
desconhecem o estoque de softwares existentes em repositórios.

Grupo 3 – Profissionais da área técnica (35%)

Neste grupo estão usuários empregados ou autônomos, cuja renda varia entre 2 e 10 salários mínimos, com
idade entre 25 e 34 anos e nível médio de escolaridade. São profissionais de áreas relacionadas com TI e tam-
bém de outras áreas. Utilizam SL/CA desde 2001 em casa, provavelmente como autônomos, e no trabalho.
Para estes profissionais, o uso de ferramentas de SL/CA é motivado pela facilidade de personalização e porque
são mais adequadas, além de representar uma possibilidade de melhorar as oportunidades de emprego.

A despeito destas motivações, os usuários deste grupo apontaram uma série de dificuldades para usar SL/CA
que não constavam na lista inicial de categorias desta questão. As principais dificuldades apontadas foram:

• Cultura estabelecida do software proprietário: as empresas ou clientes obrigam o uso de software pro-
prietário e muitas vezes não há compatibilidade com os arquivos gerados em softwares comerciais;

• Problemas para instalação, como a falta de padronização dos sistemas a fim de facilitar a instalação e
configuração de dispositivos e ferramentas, para utilização, pois as interfaces com o usuário não são
intuitivas e são mal elaboradas;

• Dificuldades em obter os drivers compatíveis com os fabricantes de hardware;

• Falta de versões em SL/CA de ferramentas especializadas, como Autocad, Photoshop; para muitos, por
enquanto, alguns softwares proprietários ainda são superiores;

• Falta de documentação, arquivos de ajuda e poucas bibliografias em português;

• Falta de suporte técnico ao usuário final (help desk).

A partir desta lista é possível supor que se trata de profissionais que se vêem obrigados a utilizar ferramentas
de SL/CA no trabalho ou que querem utilizá-las em suas profissões, mas que ainda esbarram em várias de suas
limitações.

Grupo 4 – Professores e profissionais da área gerencial de TI (31%)

Este grupo é formado por profissionais de TI (engenharia de software/analista, professor de TI e funcionário


público em TI) de outras áreas, que possuem renda acima de 5 salários mínimos. Além da renda mais alta, são
os usuários com escolaridade mais alta e mais velhos (mais de 30 anos) dentre os grupos e também com maior
experiência em SL/CA, pois usam desde 1995-1997. Usam SL/CA no trabalho e uma das principais motivações
é a diminuição de custos, ao lado de uma questão mais ideológica (“limitar o poder das grandes corporações”).

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 43


Perfil do usuário de SL/CA

Muitos não encontram dificuldades de uso e não há problemas de capacitação. Os problemas que enfrentam
estão relacionados a problemas técnicos das ferramentas e na pouca adequação das ferramentas disponíveis
para a solução de seus problemas. Ainda apontaram dificuldades devido a questões culturais dos outros usu-
ários com quem trabalham e a dificuldade de encontrar pessoal qualificado e empresas que prestem suporte
à SL/CA.

Tabela 3 - Caracterização socioeconômica dos agrupamentos de usuários individuais

Variáveis Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4


Estudantes de nível Universitários Profissionais da área Professores e profissio-
médio (14,5%) bolsistas (20%) técnica (35%) nais da área gerencial
de TI (31%)
Principal ocupação Estudante Estudante (TI) e Outros Técnico programador/ Engenheiro de software/
atual analista
Adm. de redes/ Suporte
Engenharia (outra)
Consultor TI
Professor TI
Outros (TI e demais)
Professor

Funcionário público (TI)

Funcionário público (ou-


tro)
Nível de escolaridade Médio Superior incompleto Nível médio Superior completo

Superior incompleto Mestrado

Doutorado
Renda mensal Sem rendimento Até 1 2a3 5 a 10
(salários mínimos)
1a2 2a4 10 a 20

2a3 3a5 Mais de 20

5 a 10
Situação empregatícia Não está empregado no Bolsista Autônomo Empregado
momento
Empregado Sócio/proprietário
Local de trabalho Não se aplica Universidades (públicas Empresa privada Empresa privada
e privadas)
Empresa multinacional Administração pública
federal
Empresa própria/ coo-
perativa
Autônomo

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

44 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Tabela 4 - Caracterização da utilização de SL/CA dos agrupamentos de usuários individuais

Variáveis Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4


Estudantes de nível Universitários Profissionais da área Professores e profis-
médio (14,5%) bolsistas (20%) técnica (35%) sionais da área ge-
rencial de TI (31%)
Onde utiliza Colégio/ universidade/ Colégio/universidade/ Em casa No trabalho
faculdade faculdade
No trabalho
Onde tomou Jornais e Revista Colégio/universidade/ Na Internet/ listas de No trabalho
conhecimento faculdade discussão
Telecentros
Amigos/parentes Amigos / Parentes

Jornais/ Revistas/ TV
Razões para utilizar Participar da comuni- Melhorar oportunida- Pela facilidade de per- Diminuir custos
SL/CA dade des de emprego sonalização
Limitar poder das gran-
Aprender e desenvolver Ferramentas mais ade- Melhorar oportunidade des corporações
novas habilidades quadas ao meu uso de emprego

Ferramentas mais ade-


quadas ao meu uso
Dificuldades Falta de capacitação Falta de capacitação Cultura do Sw proprie- Pouca adequação dos
encontradas tários softwares disponíveis
Desconhecimento dos
na solução de proble-
softwares em reposi- Limitações na Interface
mas
tórios com usuários
Problemas técnicos
Ausência de drivers
compatíveis com fabri- Questões culturais de
cantes de hardware usuários

Falta de ferramentas Dificuldades de RH/


especializadas empresas de suporte

Falta de suporte e ma- Não encontro dificul-


nutenção dades

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

3.2 Empresas usuárias

Nesta seção é analisado o uso de SL/CA em empresas e outras instituições no país. Para isso, serão utilizados
os dados obtidos no painel de especialistas, na enquete eletrônica e nos levantamentos secundários. A mídia
tem apresentado, com freqüência, exemplos de utilização bem sucedida de SL/CA, especialmente nos setores
de comércio varejista e bancário. Em termos de camadas, o mais comum é a migração ou implementação de
SL/CA nas áreas de infra-estrutura de TI. O quadro 6 apresenta um resumo de casos ilustrativos obtidos a partir
de reportagens.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 45


Perfil do usuário de SL/CA

Quadro 6 - Box resumo com casos ilustrativos de uso de SL/CA por empresas no Brasil

Varig. A Varig, no ano de 2001, teve que dar um grande crescimento no número de usuários de e-mail, de 3.000 para 6.000 usuários. Isso sig-
nificaria um gasto, somente com licenças do Exchange, de 240 mil dólares mais 3 dólares por usuário por mês de manutenção. A empresa optou
por uma solução aberta (Courier + Qmail). Atualmente a empresa possui 13 mil contas de e-mail com software livre. Além do e-mail, a empresa
pretende que 100% da área de Internet da empresa seja com software livre em 3 anos, possuindo atualmente no mínimo 30 sistemas rodando em
cima do modelo aberto. A empresa estima economia anual de 12 milhões de reais com o uso de software livre. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O
fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Extracta. A Extracta é uma empresa de biotecnologia situada no Rio de Janeiro. O software livre domina a área de tecnologia da empresa, que conta
com todo o processamento de testes químicos e biológicos. O Windows sobrevive em apenas alguns poucos desktops. A economia estimada é de
US$ 160 mil/ano. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Sucos Mais. A Sucos Mais é uma empresa localizada em Linhares, no Espírito Santo, que produz mensalmente 4,5 milhões de litros de suco. 100%
dos servidores da empresa rodam Linux. Só com licenças, economizou US$ 100 mil. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software
Livre”, citado em Fortes, 2004).

Carrefour. Irá utilizar Linux para rodar o Calypso (sistema da Unisys) em seus 7.220 terminais, migrando de 30 a 40 lojas por ano. (Info Exame
– Fevereiro de 2003. O fenômeno do Software Livre, citado em Fortes, 2004).

Grupo Pão de Açúcar. Irá utilizar o Linux no Pontos de Venda (PDV) para rodar o SIAC (Sistema Itautec de Automação Comercial) nas 500 lojas
da rede (Pão de Açúcar, Extra e Compra Bem) somando 8.500 PDVs. Tem prazo de migração previsto de 3 anos. (Info Exame – Fevereiro de 2003.
O fenômeno do Software Livre, citado em Fortes, 2004).

Wall-Mart. Pretende migrar os 1.000 terminais das 25 lojas brasileiras, mas não disponibilizou o prazo estipulado para essa migração. (Info Exame
– Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Grupo Sonae. Grupo que possui 5 mil PDVs distribuídos nos supermercados Big, Candia, Mercadorama, Nacional e Maxxi Atacado utiliza um piloto
em 3 de suas 174 lojas em Linux. Todos os servidores de missão crítica utilizam o Linux como sistema operacional e equivalem a 10% do total de
servidores do grupo. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

Embrapa Informática. Utiliza Linux em parte dos servidores e dos desktops e possui 30% dos desktops em sistema de dual boot. Fora isso, a
empresa está montando um repositório de software livre onde irá disponibilizar alguns de seus programas. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O
fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Petrobrás. A Petrobrás utiliza o Linux em aplicações de cluster para análise de dados de prospecção. São mais de 1000 CPUs de variados fornece-
dores em cluster com Linux. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Banrisul. A migração começou em 2000 e vem sendo realizada gradativamente. Parte dos serviços de cada rede local das agências funciona com
Linux, como auto-atendimento, proxy, servidores de rede e servidor DHCP (distribuição de endereço IP para as estações). As diversas plataformas, no
entanto, devem continuar coexistindo. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?” citado em Vieira e Nogueira, 2003).

UOL. O Universo Online está trocando seus servidores SOLARIS por Linux. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em
Vieira e Nogueira, 2003).

Telemar. A Telemar usa Linux em seu sistema de coleta e tratamento de pulsos. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado
em Vieira e Nogueira, 2003).

Infoglobo. Empresa responsável pelos jornais O Globo, Diário de São Paulo e Extra. Devido à especificidade do negócio, precisavam de agilidade,
pois como seu produto é jornal e este tem um prazo exato a ser cumprido, qualquer atraso significa perda dinheiro. Escolheram o Linux e tiveram
um custo de 60% do previsto. A Infoglobo investiu na migração aproximadamente 200 mil dólares, contra uma previsão inicial de gastos da ordem
de 650 mil dólares.

Itaú. Utilizará Linux nos desktops que têm configuração fechada. Querem, com isso, que seus funcionários se acostumem com o sistema para que
não paguem um preço muito elevado no momento da migração. Pretendem também que o software chegue até os caixas eletrônicos. (Info Corpo-
rate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

GVT. A GVT já trocou alguns servidores RISC por outros com a plataforma Intel-Linux. Tiveram, com isso, uma economia superior a 1 milhão de
reais. Pretendem trocar todo o parque de servidores de Unix. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e
Nogueira, 2003).

Lojas Colombo (eletrodomésticos). Plataforma Linux implantada em todo sistema operacional da rede. A migração levou 2 anos e aproveitou
equipamentos que teriam que ser trocados, como micros com configuração Pentium 100 MHz, fator que foi decisivo na decisão da empresa. Todos
os micros das lojas utilizam o Linux da Conectiva. O Linux roda em 3200 PDVs e 290 servidores. O CIO das Lojas Colombo estima que economizou
80% em relação a uma solução com produtos da Microsoft. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e No-
gueira, 2003).

Metrô SP. Na análise da implementação de serviços de e-mail para os funcionários, os primeiros cálculos mostravam que o preço da licença do
software de e-mail proprietário girava em torno de 100 dólares por usuário, valor que poderia cair para 30 dólares com a compra em grande quan-
tidade. Mesmo assim, seria um investimento pesado, já que o Metrô tinha cerca de 3 mil usuários de correio eletrônico. Além disso, a implantação
do Notes exigiria a instalação de vários servidores e a troca de praticamente todo o parque de micros da empresa. Este custo foi evitado com a
utilização de uma solução livre. Além disso, com a utilização de pacotes livres de escritório a economia anual tem sido de R$ 700 mil para o parque
de 1.600 microcomputadores hoje existentes no Metrô (http://www.metro.sp.gov.br).

46 SOFTEX / UNICAMP / MCT


3.2.1 Caracterização das empresas usuárias

Através de levantamentos secundários e da indicação dos clientes das empresas desenvolvedoras na enquete
eletrônica foi possível reunir 154 empresas usuárias de SL/CA64. A distribuição geográfica das empresas
usuárias demonstra a grande concentração nas regiões Sul/Sudeste, em parte decorrência da concentração dos
grandes produtores e consumidores de software do país. Entretanto, o Rio Grande do Sul destaca-se dentre os
estados da Região Sul, concentrando 25% das empresas identificadas como usuárias de software livre (gráfico
7). Com relação às cidades das empresas usuárias, somente São Paulo e Porto Alegre são responsáveis por 43%
e 20% do total de empresas respectivamente65. O destaque do uso no Rio Grande do Sul e, particularmente da
cidade de Porto Alegre, decorre em grande parte da ação do governo estadual, pois na gestão de Olívio Dutra
foi criada uma lei estadual que dava preferência ao software livre em compras governamentais, posteriormente
derrubada pelo governo sucessor. Como conseqüência, Porto Alegre tornou-se uma das principais porta-vozes
a favor deste modelo em âmbito internacional e tem sido a sede do Fórum Internacional de Software Livre.

Gráfico 7 - Localização das empresas usuárias


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Grande parte das empresas usuárias são de porte médio ou grande, pois 64% têm faturamento superior a
R$ 1 milhão/ano (48% acima de R$ 50 milhões) (gráfico 8) e 65% das empresas possuem mais de 99 funcio-
nários (gráfico 9). Isto pode indicar que o uso de SL/CA seja característico de grandes empresas atualmente. O
predomínio das grandes empresas entre as usuárias, como apontado adiante, decorre, dentre outros fatores,
da maior economia com licenças, proporcionadas pela adoção do SL/CA.

O uso se dá majoritariamente em empresas de origem de capital nacional (87%), embora exista um número
maior de multinacionais utilizando SL/CA (13%) do que desenvolvendo no país.

64
Imagina-se que esta lista seja maior, pois o levantamento de dados das empresas usuárias é mais difícil que o das desenvolvedoras, pois
estas não constam em catálogos e nem sempre disponibilizam em seus sites informações sobre os tipos de softwares utilizados.
65
Outras cidades que se destacam são: Rio de Janeiro (18%), Curitiba (15%), Brasília (12%), Belo Horizonte (11%) e Campinas (8%).

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 47


Perfil do usuário de SL/CA

Gráfico 8 - Faturamento empresas usuárias


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica (nota: n=140)

Gráfico 9 - Número de empregados de empresas usuárias


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica (nota: n=105)

3.2.3 Estratégias

Para detalhar um pouco mais a utilização que está sendo feita do SL/CA, aponta-se algumas estratégias obser-
vadas nas grandes empresas usuárias que foram entrevistadas, procurando organizar as estratégias por setores
econômicos.

Setor financeiro

No setor financeiro observou-se uma tendência à utilização de SL/CA nos sistemas operacionais dos servidores e
em equipamentos dedicados (ATM). As operações de TIC do setor exigem grande estabilidade e maturidade das
tecnologias adotadas, o que parece ser alcançado com estas aplicações de Linux. Entretanto, há poucos casos
de outras aplicações para além do sistema operacional, pois as soluções em vigor são maduras e estáveis.

Em um dos casos, a economia com a utilização do Linux pode chegar a R$ 17 milhões em 4 anos, sendo que
90% disto deve-se às economias com o pagamento de licenças e os demais 10% com aproveitamento de
hardware, pois em vários casos o uso de SL/CA evitou a necessidade de novas aquisições. Embora os ganhos
tenham suplantado de longe os investimentos, a redução nos custos não foi a motivação mais forte. As prin-
cipais motivações foram a maior aderência a padrões e maior estabilidade. Apesar de um dos motivos para
a migração ter sido a descontinuidade do suporte ao DOS, a opção por Linux não deixou de ser uma decisão
ousada. Os desenvolvimentos, suporte e manutenção foram feitos internamente com pouco apoio externo

48 SOFTEX / UNICAMP / MCT


especializado66. Apesar de já haver migração nas estações de trabalho, no que se refere a aplicativos verticais
do sistema financeiro, percebe-se pouquíssima movimentação.

Comércio varejista

Foi observada uma tendência à utilização de SL/CA nos sistemas operacionais dos servidores e em equipamen-
tos dedicados (PDV). Estas migrações foram realizadas utilizando-se a equipe interna e o suporte e consultoria
das principais empresas de TI que atuam neste setor e que também estão envolvidas com fornecimento e su-
porte em SL/CA.

No setor de comércio e varejo existe uma grande sensibilidade a preço de licenças e hardware, pois normalmen-
te os parques de equipamentos das grandes redes varejistas poussuem milhares de computadores. Conseqüen-
temente, a principal motivação foi a redução de custo, principalmente com relação a equipamento visto que,
em todos os casos observados de migração de PDV, esta acontece do DOS para o Linux (e não do Windows
para o Linux, com exceção de pequena parte dos equipamentos de escritório em que houve migração a partir
do sistema da Microsoft). Entretanto, também são motivos significativos alguns aspectos técnicos, como es-
tabilidade67, segurança e transparência. Além disso, destaca-se principalmente nos hipermercados a migração
devido aos limites do DOS em relação ao gerenciamento de memória, pois as novas aplicações principalmente
de cartões de crédito/débito, necessitam de muito mais memória do que limitados 640 KB do DOS. O fato de
os fornecedores de hardware do setor assumirem a responsabilidade pelo suporte ao Linux também tem per-
mitido uma maior tranqüilidade na decisão destes grandes usuários.

Saúde

No setor de saúde se observa também uma migração dos sistemas operacionais dos servidores, mas também
migração em estações de trabalho, em menor grau, e desenvolvimento específico para a área criado sobre
plataforma livre, especialmente no setor público. A motivação maior é a redução de custos e a autonomia do
fornecedor que refletem diretamente no desempenho financeiro da instituição. Há um imenso mercado a ser
explorado.

No próximo capítulo vamos definir alguns elementos econômicos que explicam a dinâmica e a lógica de inser-
ção do SL/CA na indústria de software, particularmente na indústria de software nacional. Pretende-se apontar
para os modelos de negócios e as ameaças e oportunidades colocadas pelo software livre.

66
Fatores para o sucesso foram o legado de conhecimento em Unix e a manutenção de padrões e normas durante a história.
67
Uma das vantagens listadas é a estabilidade do sistema, bastante valorizada nestas empresas onde qualquer parada é responsável por
alguns milhares de reais a menos no faturamento.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 49


Capítulo 4
As dimensões econômicas do SL/CA:
motivações, setores e modelos de negócios

Neste capítulo são apresentados e discutidos três temas principais: (a) as motivações para o desenvolvimento e
o uso de SL/CA; (b) os principais setores e áreas de uso do SL/CA; e (c) os modelos de negócios envolvidos em
SL/CA. Estes temas têm feito parte de um grande número de estudos no exterior e mais recentemente no Brasil,
embora no país não se tenha aprofundado na discussão dos modelos de negócios. Quase todos os levanta-
mentos dos caminhos do SL/CA tentam compreender motivos e interesses envolvidos, particularmente porque
é preciso identificar as especificidades do SL/CA frente à indústria de software proprietário. Na verdade, o mé-
todo aqui utilizado para entender os modelos de negócios parte do princípio que SL/CA é parte da indústria de
software e que, portanto, sua análise deve ser feita desde o interior dessa indústria.

Quais as dimensões econômicas envolvidas com SL/CA e como elas vêm se desenvolvendo são as questões
que estão por trás dos estudos. A seguir, apresentam-se os resultados do levantamento realizado no presente
trabalho, incluindo micro, pequenas e médias empresas de software, desenvolvedores, grandes corporações
usuárias, usuários genéricos, acadêmicos, entre outros. Como nas demais partes deste estudo, são utilizados
três levantamentos principais: painel de especialistas, enquete eletrônica com desenvolvedores e usuários e
entrevistas com empresas.

4.1 As motivações para desenvolver e usar SL/CA

A literatura sobre o tema “motivações de usuários e desenvolvedores de SL/CA” é vasta. Em geral, as opções
de motivações apresentadas aos entrevistados envolvem aspectos técnicos, ideológicos, sociológicos e econô-
micos. No presente trabalho foram investigadas as motivações nas três principais fontes de informação deste
estudo: painel, enquete com desenvolvedores e usuários e entrevistas com empresas.

Na enquete com desenvolvedores, foram a eles colocadas questões específicas sobre motivações, como pode
ser visto no gráfico 10.

A grande maioria dos respondentes destacou opções relacionadas à capacitação, como “desenvolver novas
habilidades” e “compartilhar conhecimento”. Em seguida aparece uma motivação de ordem técnica: “resol-
ver problema sem solução com o software proprietário”. Segue-se uma motivação de natureza ideológica:
“software não deve ser proprietário”. Vale ainda comentar duas motivações de natureza econômica: “melhor
empregabilidade” e “aplicações comerciais”, ambas com baixa colocação no ranking da enquete.

Já para os usuários os resultados foram um pouco diferentes (gráfico 11). “Reduzir custos” e “desenvolver
novas habilidades (capacitação)” foram as razões com maior freqüência de respostas. As demais motivações
são uma mistura de razões técnicas (“facilidade das ferramentas”) com ideológicas (“software não deve ser
proprietário” e “limitar o poder das grandes corporações”). É interessante notar que as razões ideológicas são
mais fortes entre usuários que entre desenvolvedores, provavelmente porque estes têm no desenvolvimento
de programas um elemento fundamental de sustentação financeira. Ainda que o componente ideológico seja
importante, há razões de natureza prática que os tornam mais pragmáticos.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 51


Dimensões econômicas do SL/CA

Não sabe

Foi meu primeiro contato

Distribuir software sob licenças SL/CA

Limitar o poder das grandes corporações

Reputação

Melhorar empregabilidade

Visando aplicações comerciais

As ferramentas são mais adequadas para meu uso

Aperfeiçoar produto SL/CA

Novas formas de cooperação

Participar da comunidade SL/CA

Software não deveria ser proprietário

Resolver problema sem solução com proprietário

Compartilhar conhecimento

Desenvolver novas habilidades

Gráfico 10 – Razões de desenvolvimento e/ou distribuição de SL/CA, respondido por desenvolvedores


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Não sei

Primeiro contato foi com SL/CA

A empresa que trabalho só disponibiliza SL/CA

Ferramentas mais adequadas ao uso

Melhorar oportunidades de emprego

Participar da comunidade

Limitar o poder das grandes corporações

Software não devia ser proprietário

Facilidade/flexibilidade das ferramentas

Desenvolver novas habilidades

Diminuir custos

Gráfico 11 - Razões de uso de SL/CA, respondido por usuários


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

52 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Na identificação das motivações feita pela enquete entre desenvolvedores e usuários foram utilizados critérios
diferenciados, devido às diferenças entres estes atores. No entanto, no Painel e nas entrevistas com empresas
esses critérios foram padronizados. A tabela 5 apresenta os resultados da consolidação das entrevistas nas
empresas e em seguida discutem-se os resultados do Painel.

Tabela 5 – Motivos para desenvolvimento e uso de SL/CA

Motivos Média Desvio padrão


Redução de custos (hardware e software) 4,36 0,84
Maior flexibilidade/liberdade para adaptação 3,71 1,44
Maior qualidade (estabilidade, confiabilidade, disponibilidade) 3,64 1,34
Maior autonomia de fornecedor 3,64 1,69
Maior segurança/privacidade/transparência 3,57 1,34
Maior escalabilidade 3,50 1,29
Maior aderência a padrões/interoperabilidade 3,43 1,65
Filosofia/princípios 3,29 1,73
Inclusão digital/social 2,64 1,95
Maior legalidade (licenças) 2,57 2,28
Disponibilidade de recursos humanos qualificados 2,14 1,03
Menor tempo para o desenvolvimento 2,29 1,45

Fonte: pesquisa de campo, entrevistas com empresas


Nota: 15 empresas, escala de Likert de 1 a 5, crescente em importância

Os resultados das entrevistas nas empresas mostram como principal motivação para uso de SL/CA a “redução
de custos”, seguida de “maior flexibilidade para adaptação”, “maior qualidade (estabilidade, confiabilidade,
disponibilidade)”, “maior autonomia do fornecedor” e “maior segurança”. Desta forma, as principais motiva-
ções são de ordem econômica (custos e fornecedores) e técnicas (flexibilidade e qualidade). Já as motivações
de natureza ideológica ficaram em segundo plano.

De menor importância para as empresas é a disponibilidade de recursos humanos qualificados, porque apa-
rentemente esse não se constitui nem num motivador, tampouco num obstáculo para o crescimento do SL/CA
no país. A questão do menor tempo para desenvolvimento não pôde ser avaliada integralmente porque duas
empresas não deram pontuação para esse critério. Sabe-se, entretanto, que para os desenvolvedores que têm
no software seu negócio principal, esse critério assume importância elevada.

Na verdade, à exceção do motivo “redução de custos”, quase uma unanimidade entre os respondentes, houve
grande dispersão de respostas, com desvios padrão elevados, o que mostra que as motivações são variadas
segundo um vasto conjunto de critérios (se é principalmente desenvolvedor ou usuário, o setor de atuação, o
tamanho da empresa, entre outros).

Em relação às motivações no painel, os resultados apenas diferem dos das empresas (entrevistas) e dos usuários
(enquete) no que se refere à importância dada em redução de custos. Diferentemente do que se verificou nas
entrevistas com empresas e na enquete com usuários, a motivação “redução de custo” ficou em sexto lugar.
Nas primeiras três posições prevaleceram motivações de natureza técnica: “flexibilidade e liberdade para adap-
tação”, “segurança/privacidade/transparência”, e “interoperabilidade”. Autonomia em relação a fornecedores
e qualidade do produto ficaram ainda à frente de redução de custos.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 53


Dimensões econômicas do SL/CA

De outro lado – e a exemplo dos resultados nas empresas entrevistadas e contrariamente aos resultados da en-
quete com desenvolvedores – os fatores ideológicos ficaram em segundo plano. Novamente – e corroborando
o que se viu com as empresas – disponibilidade de recursos humanos não foi considerada uma motivação para
se desenvolver e usar SL/CA.

Em resumo, os três caminhos utilizados por este estudo para se levantar as motivações para desenvolvimento
e uso de SL/CA mostraram as seguintes conclusões:

• Não há um padrão de motivações que possa ser representativo de todos os atores envolvidos em SL/CA.
Os motivos são muito heterogêneos e oscilam entre razões de natureza técnica, econômico-financeira,
capacitação e ideológica.

• As razões de natureza técnica estão mais ligadas à flexibilidade, segurança, potencial de adaptação e
interoperabilidade de programas.

• As razões de natureza econômico-financeira dizem respeito à redução de custos operacionais e de capi-


tal (não pagamento de licenças, menor taxa de renovação de hardware, atualizações mais baratas)68 e
à possível redução de custos de transação (economias de rede no desenvolvimento69, maior autonomia
em relação aos fornecedores).

• Os ganhos de custo de transação em SL/CA estão mais associados às economias de rede que a outros
eventos. Pode também haver aumento desses custos caso haja dificuldade de se encontrar serviços
de suporte e risco de descontinuidade do desenvolvimento de programas. Na verdade, a redução dos
custos de transação só ocorre quando há estabilidade no mercado de um determinado produto ou
serviço.

• Este é um dos motivos pelos quais o sucesso do SL/CA está muito mais em sistemas operacionais que em
aplicativos. Em geral – e no momento, o SL/CA parece ser mais um ampliador de custos de transação,
exatamente pela incerteza, pelos riscos e pela alta especificidade dos ativos. Produtos menos específicos
(sistemas operacionais) são mais facilmente padronizados e permitem maior e mais rápida aceitação
pelo mercado, podendo oferecer redução de custos de transação.

• É evidente que o fator redução de custos tem maior importância para grandes usuários. As dimensões
elevadas de adoção de SL/CA por parte de uma instituição financeira com dezenas de milhares de pontos
de trabalho espalhados pelo país ou de uma grande empresa de comércio varejista significam estímulo
para redução de custos pelo não pagamento de licenças e por não precisar atualizar anualmente seus
equipamentos para poder acompanhar as últimas atualizações dos softwares proprietários que utiliza.
Em geral, em sistemas de grande porte (para uso e para desenvolvimento) o fator redução de custos é
o principal motivador. Outra motivação apontada principalmente pelas grandes empresas de comércio
varejista foi a virtual adoção de SL/CA como arma de barganha para negociar reduções significativas nas
licenças dos softwares tradicionais.

• As razões de natureza de capacitação referem-se às possibilidades de aprendizado compartilhado (e,


por isso, ampliado) e de um “desfile” de competências frente a um universo relativamente grande de
observadores (efeito vitrine). Possibilitam ainda ampliar as condições de empregabilidade dos desenvol-

68
Em empresas que utilizam automação comercial, a redução de custos foi um consenso, particularmente por conta dos PDVs.
69
As economias de rede implicam alterações tanto nos custos de produção (porque podem gerar diminuição nos gastos com mão-de-obra
e capital), como nos custos de transação (pelas externalidades derivadas).

54 SOFTEX / UNICAMP / MCT


vedores, exatamente por essa exposição permanente (em rede) de competências.70 O comportamento
altruísta em SL/CA se completa com reciprocidade e considerações relativas ao mercado de trabalho
(Lerner e Tirole, 2002).

• As razões de natureza ideológica são fortes e se manifestam em princípios contrários à restrição do uso
e do avanço do conhecimento e à concentração econômica (oligopólios e monopólios), e em princípios
favoráveis à inclusão social.

• Assim, as motivações devem ser vistas como reflexo das diferentes perspectivas dos atores:

• Desenvolvedores ligados às comunidades de SL/CA apontam razões de natureza técnica e ideoló-


gica como seus motores principais (flexibilidade, segurança, interoperabilidade, princípios contrá-
rios ao software proprietário e aos grandes oligopólios). Mas têm também razões de capacitação
muito fortes (empregabilidade, no sentido de encontrar trabalho e renda)71. O Estudo FLOSS
– Free/Libre Open Source Software: survey and study (Ghosh et al, 2002) em seu componente
perfil de desenvolvedores, confirma exatamente este perfil.

• Usuários genéricos têm motivações de capacitação, econômicas e ideológicas mais ou menos


misturadas.

• Empresas usuárias e usuárias-desenvolvedoras têm claramente a noção de redução de custos


(natureza econômico-financeira) como motivo principal, que se complementa por mais opções
de fornecedores (possível redução de custos de transação)72 e por características técnicas, como
flexibilidade e segurança.

• Esperava-se que empresas desenvolvedoras e fornecedoras de SL/CA observariam, primeiramente,


os ganhos econômicos ligados às economias de rede, com o que se pode desenvolver um novo
produto com o concurso de um número elevado de desenvolvedores e por isso mesmo em tempo
muito menor. Entretanto, ninguém citou esse fato, mas se alguém o fizesse, seriam empresas
desenvolvedoras e não usuárias (que “compram” o software livre da mesma forma que com-
praria outros softwares, buscando garantias e preço mais baixo). Se alguém fosse se beneficiar
das “economias de rede” seriam os fornecedores e não os usuários (usuários corporativos) pois
estes não entram na comunidade e não têm nem porque entrar. Seu contato é apenas com seu
fornecedor de software e este sim, pode ter contato com a comunidade e economia de rede. O
argumento “que utilizam distribuições Linux conceituadas” não se aplica aqui. Os critérios de
natureza técnica vêm em segundo lugar e os de natureza ideológica em geral estão num plano
inferior de importância. Isto está de acordo com levantamentos internacionais. O Estudo FLOSS
para empresas (Wichmann, 2002) aponta para as empresas quatro motivações principais:

70
Como Raymond (2001) afirma: “dada uma base grande o suficiente de testadores, e co-desenvolvedores, quase todos os problemas irão
ser caracterizados rapidamente e o ajuste será óbvio para alguém.”.
71
Em dissertação recente, Augusto (2003), analisando o perfil de 102 desenvolvedores, encontrou como principais motivações “aumentar
conhecimento em computação”, “ganho de reputação” e “melhor empregabilidade”.
72
A possibilidade de maior autonomia de fornecedor varia de acordo com o tipo de software. Uma das empresas de comércio varejista
entrevistadas apontou que não recebeu nenhuma proposta de soluções para desktop de SL/CA, o que para ela é um indicador de que essa
área ainda não está madura.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 55


Dimensões econômicas do SL/CA

• Estandardização;

• Redução de custos;

• Estratégias de mercado;

• Ampliação de compatibilidades.

• Todas as categorias de atores juntos, em processo interativo, como foi o painel, demonstraram
preferência por motivos de ordem técnica, o que leva a crer que entre as quatro categorias princi-
pais de motivações (técnica, econômica, capacitação e ideológica) a técnica aparece como ponto
de convergência, o que facilita o diálogo e a interação entre as diferentes perspectivas presen-
tes.

• Ou seja, as vantagens técnicas relacionadas ao SL/CA funcionam como um atrator comum para
as diferentes (e muito diferentes) perspectivas que povoam o mundo do software livre. Grandes
corporações nacionais e multinacionais de diversos setores, micro, pequenas e médias empresas
de software, hackers, agentes governamentais, grandes consultoras, universidades, organizações
de pesquisa, entre outros, trabalham com diferentes preferências (e motivações) para o desenvol-
vimento do SL/CA.

• A hipótese forte que se pode tirar dessa análise é a de que o desenvolvimento do “mundo do
software livre” depende de todos esses atores. Ainda que os conflitos sejam visíveis, há razões
econômicas, técnicas, de capacitação e ideológicas que movem o SL/CA para frente. É difícil, se-
não impossível, quantificar a contribuição de cada um para esse movimento que é, em essência,
progressivo.

4.2 Intensidade de uso de SL/CA em setores e em áreas de aplicação

Este item procura analisar os setores e as áreas de uso (domínios) de SL/CA que hoje têm maior importância.
A dificuldade de se encontrar uma classificação apropriada para investigar a importância econômica setorial e
de mercado do SL/CA levou, neste estudo, à adoção de uma classificação de 29 setores, utilizada pela Unesco
para software em geral e já aplicada em diversos levantamentos. Esta lista serviu de referência para o presente
trabalho. Quanto às áreas de aplicação/uso de SL/CA empregou-se a classificação utilizada na Pesquisa da Qua-
lidade (SEPIN/MCT, 2001). Eventualmente serão utilizados subconjuntos dessas áreas ao longo do capítulo.

Em todos os levantamentos feitos houve uma convergência bastante convincente sobre a intensidade de uso
de SL/CA nos setores econômicos, com clara predominância de quatro setores: tecnologias de informação e
comunicação, governo, comércio e educação (ver quadro 7).

Nos cinco outros segmentos mais destacados também houve coincidência entre as fontes de dados. Embora
com uma ordenação menos coincidente que nos quatro setores mais importantes acima destacados, houve
grande convergência para os seguintes setores: serviços em geral (menos comércio), saúde, financeiro, cultura
e entretenimento e equipamento eletro-eletrônico e de comunicação.

O levantamento da importância atual foi complementado no painel de especialistas por uma visão prospectiva
da importância futura do uso de SL/CA nos mesmos setores (horizonte temporal de 5 anos). Os resultados
deste exercício com os especialistas mostrou um panorama muito próximo ao descrito para o momento atual,
com um crescimento da intensidade de uso em saúde e serviços em geral, e queda de importância relativa do
comércio e do setor financeiro. Importante destacar que governo e educação seguem tendo perspectivas de
elevada intensidade de uso, ambos atrás de TICs.

56 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Quadro 7 - Intensidade de uso de SL/CA nos setores econômicos - situação atual

Setor Somatório das notas dadas pelos grupos


Comunicações e Informação 46
Governo 44
Comércio 43
Educação 41
Setor Financeiro 27
Serviços 20
Equipamento Eletro-eletrônico e de Comunicação 20
Saúde 15
Cultura e Entretenimento 11
Energia 10
Transporte, Logística e Armazenamento 3
Agricultura, Extração Vegetal, Silvicultura, Caça 2
Indústria Bélica 1
Fonte: pesquisa de campo, painel de especialistas

Retomando agora as análises multivariadas apresentadas nos capítulos precedentes (feitas com base nos re-
sultados da enquete), observa-se que, para os desenvolvedores que têm no SL/CA sua principal competência
e seu principal negócio, os setores de atuação são coincidentes com aqueles observados para o conjunto dos
levantamentos realizados, com forte ênfase em governo. Já as empresas que não têm no SL/CA seu principal
negócio e atuam tanto em proprietário quanto em software livre, os mercados são mais restritos e concentram-
se, sobretudo, em comércio e serviços em geral e, curiosamente, não desenvolvem para governo. Tal faz crer
que a maior parte dos desenvolvimentos de SL/CA para o governo (exceto o feito pelo próprio governo) vem de
empresas pequenas e dedicadas a software livre. Por outro lado, é compreensível que empresas mais especia-
lizadas em SL/CA atuem em um conjunto mais amplo de segmentos de mercado do que as empresas que não
têm no software livre seu principal nicho de atuação (ver capítulo 2).

Em resumo, há hoje uma concentração da intensidade de uso de SL/CA em mercados de TIC, governo, comér-
cio, educação, e outros serviços, caracterizando três tipos principais de mercados:

• TIC, berço natural do SL/CA e portanto alvo sistemático de desenvolvimentos tanto de sistemas opera-
cionais, infra-estrutura, middleware, como de aplicativos;

• Governo, pela forte demanda dirigida, provocada por razões filosóficas e de suposta redução de custos
e incluindo, principalmente, sistemas operacionais, mas também as demais camadas (infra-estrutura,
middleware e aplicativos); e

• Serviços, principalmente em comércio e educação, mas também em saúde, com forte presença de sis-
temas operacionais e, secundariamente, outros itens de infra-estrutura, mas muito pouca presença de
aplicativos.

Para o futuro, o Brasil, nos próximos cinco anos (horizonte 2010), deverá seguir a trajetória inaugurada nos
início dos anos 2000, com papel crescente do SL/CA em TIC, governo e serviços de grande escala, como edu-
cação, saúde e comércio.

Essa composição de importância setorial coloca algumas questões sobre os modelos de negócios relacionados
a software livre no Brasil. Porém, antes de se abordar esse tema, vale conferir as principais áreas de aplicação
de SL/CA identificadas neste trabalho. As áreas de aplicação dos desenvolvedores permitem, de certa forma,
complementar a informação sobre os setores econômicos.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 57


Dimensões econômicas do SL/CA

Por exemplo, nota-se que página web, comunicação de dados, gerenciamento de redes e segurança e proteção
de dados compõem a maior parte das aplicações de SL/CA, justificando a importância para o setor de TIC (ain-
da que para outros setores também, mas de certa forma são típicas de TIC). Ademais, automação comercial,
comércio eletrônico (comércio), educação à distância, administração escolar (educação), administração de ser-
viços (serviços), dentre outras, mostram que as áreas de aplicação estão concentradas em modelos de negócios
baseados em serviços de baixo e alto valor (este ponto será retomado adiante).

Existe desenvolvimento de SL/CA para as mais diversas áreas. A atuação mais freqüente está relacionada com
os serviços referentes ao sistema operacional Linux. Estes serviços envolvem configuração de rede, instalação
de sistema operacional e aplicativos, configuração para maior segurança, dentre outros.

Tomando os resultados do levantamento de dados secundários de empresas desenvolvedoras e usuárias, nota-


se um perfil coincidente com o levantamento realizado por meio da enquete. A área de atuação das empresas
desenvolvedoras foi identificada com base na descrição de seus serviços em seus respectivos sites. Algumas
atendiam a nichos específicos de fácil identificação. Outras eram desenvolvedoras de soluções não específicas
para um segmento (softwares sob encomenda). Nestes casos, a área de atuação foi classificada como “desen-
volvimento de utilitários”, pois os sistemas são bastante variados, de acordo com a necessidade dos clientes.

Houve forte convergência entre os resultados da enquete (dados primários) e o da lista de empresas (dados
secundários), com pequenas modificações. Adicionalmente, deve-se registrar que as empresas desenvolvedoras
de software livre são, em sua grande maioria, empresas de TI (do total de 364 empresas da lista, 355 são de
TI).

As empresas usuárias, por seu turno, estão situadas em setores econômicos bastante diversificados. Serviços e
comércio possuem os maiores índices. No comércio, pode-se destacar o uso de Linux nos equipamentos dos
pontos diretos de venda (PDVs). Estes equipamentos rodam apenas o sistema de PDV responsável por efetuar
a venda e o sistema operacional da máquina é totalmente transparente ao usuário. Esta transparência é impor-
tante pois elimina custos com treinamento para os atendentes dos caixas das lojas, uma vez que eles continu-
arão acessando a mesma aplicação de PDV que antes. A economia feita com licenças é razoável, considerando
que cada loja possui dezenas destes equipamentos e para cada PDV seria necessário pagar uma licença de
sistema operacional.

As empresas de tecnologias da informação também podem ser importantes usuárias de software livre, uma
vez que existem diversas ferramentas livres que auxiliam no desenvolvimento (como por exemplo, Eclipse, Net
Beans, Jboss e os bancos de dados livres).

4.3 Modelos de negócios em SL/CA

Software livre faz parte da indústria de software. Por óbvio que isso possa parecer, é importante realçar a condi-
ção de pertença do SL/CA a uma indústria, à sua indústria, que é a indústria de software. Mesmo considerando
o potencial revolucionário do SL/CA, é preciso identificar com clareza as estruturas que ele revoluciona. Como
modelo de negócio, o SL/CA incorpora novas formas de se fazer dinheiro na indústria de software. Sendo as-
sim, ele altera padrões de concorrência junto à indústria que o gerou. Portanto, para identificar modelos de
negócios de SL/CA é preciso antes olhar como ele altera os modelos de negócios da indústria de software.

Vale também responder às seguintes questões: o SL/CA acaba com os regimes proprietários da indústria?
Quais? Ele engendra novos regimes tecnológicos e novos mercados? Quais? O que deve mudar na organização
do mercado de software com o crescimento do SL/CA?

As respostas que são aqui dadas a essas questões dizem mais ou menos o seguinte: o SL/CA não acaba com os
regimes proprietários, mas com alguns tipos de regimes proprietários, especificamente os que combinam baixa

58 SOFTEX / UNICAMP / MCT


especificidade de aplicação (programas mais genéricos, normalmente comercializados como pacotes) com
elevado interesse na reprodução (cópia desejável). Em paralelo, o SL/CA não engendra propriamente novos
regimes tecnológicos, não na acepção dada por Nelson & Winter (1982) ao termo, ele engendra, sim, novos
rumos para velhas trajetórias e novas trajetórias dentro de um mesmo regime tecnológico. Nessa reorganização
de trajetórias a indústria de software vem assumindo novos contornos e certos padrões proprietários tendem a
desaparecer, particularmente os utilizados em sistemas operacionais.

4.3.1 Negócios com SL/CA

A bibliografia especializada aponta vários modelos de negócios, que na verdade são mais formas variadas de
se fazer dinheiro com SL/CA (Hecker, 2000):

• Serviço integral: negócio baseado na venda do pacote físico (CD, booklets) e na venda de todo tipo de
suporte ao software (treinamento, consultoria, pré-venda, desenvolvimento customizado, pós-venda
etc).

• Criação de clientela (Loss leader): negócio não está baseado no SL/CA especificamente, mas este serve
para criar hábitos e preferências que depois serão úteis para a introdução de software comercial proprie-
tário baseado no SL/CA.

• Habilitando hardware (widget frosting): uso do software livre para drivers, interfaces ou mesmo sistema
operacional visando à redução de custos e de preços do equipamento a ser comercializado.

• Acessórios: venda de itens físicos relacionados ao SL/CA (hardware compatível, livros, canecas, imagens
etc).

• Oferta on-line: desenvolvimento e oferta de SL/CA em sistemas on line cujo acesso é autorizado me-
diante pagamento de uma taxa de associação. Além disso, este modelo também apresenta ganhos com
propaganda.

• Licenciamento de marcas: criam-se e licenciam-se marcas associadas a SL/CA.

• Primeiro vender, depois liberar: abertura do código após amortização dos investimentos, criando clien-
tela para novos desenvolvimentos associados ao programa aberto.

Nestas categorias percebem-se duas coisas importantes: os focos dessas formas de negócios em serviços e em
programas embarcados.

Vejamos agora como se pode analisar o SL/CA desde a ótica dos modelos de negócios da indústria de software.
Retomando agora a enquete realizada no presente trabalho, vejamos os resultados das questões que trataram
dos modelos de negócios de SL/CA a partir das categorias apontadas por Stefanuto et al (2002).73

Os desenvolvedores de uma maneira geral e os empresários desenvolvedores em particular enquadram clara-


mente seus mercados em três principais modelos: serviços de alto e baixo valor e produto customizável. Na
verdade, essa preferência é mais acentuada no segmento dos empresários que dos desenvolvedores em geral.
Os gráficos 12 e 13 ilustram esse ponto.

Se cruzarmos agora as formas de se fazer dinheiro específicas de SL/CA com os modelos de negócios da indús-
tria de software, então teremos a perspectiva de que os maiores impactos dão-se principalmente pelos modelos

73
Recordando, as categorias apontadas por Stefanuto et al (2002) são as seguintes: serviços de baixo valor, serviços de alto valor, produtos
customizáveis, componentes/embarcados e pacotes. É um gradiente que transita de serviço a produto e que representa muito bem os
padrões de concorrência da indústria de software aqui e no mundo.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 59


Dimensões econômicas do SL/CA

de “serviço integral” e “habilitando hardware”. Embora “vender e liberar” (que é complementar ao modelo
“criação de clientela”) e “acessórios” impactem na indústria, é nos dois primeiros modelos que se localizam os
principais impactos. É significativo o impacto do modelo “serviço integral” (cujos exemplos são Conectiva, Red
Hat e IBM) em praticamente todos os padrões de concorrência da indústria em geral.

Da mesma forma, mas com mais especificidade, o modelo “habilitando hardware” abre oportunidades para
software embarcado, exatamente porque reduz custos e amplia as possibilidades de comercialização de har-
dware. O quadro 8 faz o cruzamento dos modelos de negócios da indústria com as formas de se fazer dinheiro
com SL/CA.

Produto pacote

Componente / embarcado

Produto customizável

Serviço de alto valor

Serviço de baixo valor

Gráfico 12 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Produto pacote

Componente / embarcado

Produto customizável

Serviço de alto valor

Serviço de baixo valor

Gráfico 13 – Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores


Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

60 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Quadro 8 - Relações entre modelos de negócios específicos para SL/CA e da indústria de software

Negócios com SL/CA Fonte de receita* Modelos de negócios da indústria de software


Serviço integral*** Direta, indireta SBV; SAV; CUST; PAC
Criação de clientela Indireta PAC
Habilitando hw Indireta EMB
Acessórios Indireta
Oferta on line Direta, indireta
Licenciamento de marcas Indireta
Vender e liberar Indireta PAC; CUST

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica e elaboração própria

Notas
* Fonte de receita direta: rendimento provém da venda de SL/CA; fonte de receita indireta: rendimento provém da venda ne
serviços ou produtos relacionados ao SL/CA
** SBV - serviço de baixo valor; SAV - serviço de alto valor; CUST - produto customizável; PAC - pacote; EMB - embarcado
*** Os modelos sublinhados são aqueles mais desenvolvidos no Brasil

Exceto pelo serviço integral e pela oferta on line, todos as demais formas de se fazer dinheiro são
indiretas. Ademais, serviço integral é a forma mais abrangente de negócios em SL/CA, impactando
praticamente todos os modelos de negócios da indústria de software.

4.3.2 Ameaças e oportunidades do SL/CA para a indústria brasileira de software

Avançando um pouco mais na discussão das trajetórias conformadas pelo SL/CA, cabe perguntar qual a im-
portância dos regimes de apropriabilidade para os diferentes modelos de negócios da indústria de software.
Essa pergunta é fundamental porque ajuda a entender quais as ameaças que o SL/CA coloca para a indústria
tal como ela é hoje. Permite, em conseqüência, vislumbrar quem são os mais afetados e, por oposição, onde
estão as principais oportunidades para a indústria nacional de software.

Com este intuito, fez-se um exercício de reflexão sobre a importância relativa de se garantir apropriabilidade
para os diferentes modelos de negócios da indústria. Ou seja, por meio da importância relativa dos regimes de
apropriabilidade em software, identificar os modelos de negócios da indústria de software mais impactados
pelo software livre.

Como se pode ver no quadro 9, a entrada do SL/CA no mercado dá-se exatamente naqueles modelos nos quais
a garantia de apropriabilidade para o sucesso do negócio é mais importante. Complementarmente, o impacto
do SL/CA será tanto maior quanto menor for a especificidade do produto/serviço. Em outras palavras, modelos
de negócios para os quais a propriedade do código é crucial e que apresentam baixa especificidade de uso
(produtos horizontais na indústria) são os mais ameaçados.

Nesta linha, os produtos de amplo mercado, como sistemas operacionais, bancos de dados e componentes
genéricos são justamente aqueles cujos modelos de negócios são mais afetados.

Dentre esses, os modelos mais contestáveis (ameaçáveis) são justamente os pacotes, que apresentam alta im-
portância de apropriabilidade e baixa especificidade de mercado. Os modelos com baixa importância de apro-
priabilidade não são ameaçados e, ao contrário, encontram no SL/CA oportunidades de negócios. As figuras
6 e 7 ajudam a ilustrar as diferentes situações em que se encontram os modelos de negócios da indústria de
software frente ao SL/CA.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 61


Dimensões econômicas do SL/CA

Quadro 9 – Importância relativa da apropriabilidade do software para os modelos de negócios da indústria e


principais programas livres desenvolvidos por modelo de negócio

Modelos de negócios*
Serviço de Serviço de Produto Embarcado Componentes Pacotes
baixo valor alto valor customizável
0 1 3 1 3 3
Principais SL/CA envolvidos**
? ? MySQL ? Componentes em Linux
geral para SL/CA
PostgreS OpenOficce
(Bind, fetchmail,
Compiere emaccs, etc) Apache

Mozila

Gnome

Fonte: elaboração própria


Notas
* 0 – nenhuma importância; 1 – baixa importância; 2 – média importância; 3 – alta importância
** ?: sem exemplos de SL/CA desenvolvidos

As figuras 6 e 7 mostram que as principais ameaças para as empresas nacionais estão no desenvolvimento de
componentes, justamente por ser este um mercado contestável pela emergência de bancos de componentes de
acesso livre. Embora essa ameaça ainda não exista de fato no país, as empresas que têm componentes como
seu principal negócio precisam monitorar a evolução da oferta de bancos de componentes livres. Produtos
customizáveis são ameaçados em menor medida, porque sempre comportam uma parcela de especificidade no
desenvolvimento que não é ameaçada pelo SL/CA. A parcela genérica, esta sim, pode ser ameaçada. Como se
vê nas figuras 6 e 7, pacotes genéricos são uma preocupação maior para empresas multinacionais, por motivos
óbvios.

Figura 6 – Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de


negócios de SL/CA, caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital nacional
Fonte: elaboração própria

62 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Figura 7 – Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de
negócios de SL/CA, caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital estrangeiro
Fonte: elaboração própria

De outro lado, as oportunidades abertas pelo SL/CA são efetivas para quem lida com serviços (de baixo ou
alto valor) e software embarcado. Na verdade, os embarcados, por sua alta especificidade e baixos requisitos
de apropriabilidade (porque o software, embutido no equipamento pode prescindir de regimes jurídicos de
propriedade mais fortes) são uma das maiores oportunidades para empresas nacionais (e também para estran-
geiras). Já os serviços de alto valor comportam tanto sinais de ameaça como de oportunidades, estas maiores
que aquelas exatamente por estarem mais na zona de elevada especificidade e média apropriabilidade.

Em resumo:

• Os principais modelos de negócios para empresas nacionais de software são os serviços de baixo valor,
alto valor e produtos customizáveis.

• As ameaças mais importantes colocadas pelo SL/CA para a indústria nacional de software estão em pro-
dutos customizáveis e em desenvolvimento de componentes. Em menor medida, para serviços de alto
valor.

• As oportunidades mais importantes estão em SL/CA para embarcados, serviços de baixo valor e parcial-
mente em serviços de alto valor (valer-se de componentes livres).

• Já as principais formas de se fazer dinheiro com SL/CA são “serviço integral” e “Habilitando HW” (con-
trapontos de serviços de baixo e alto valor e de embarcados).

• Há oportunidades colocadas para negócios de “criação de clientela” (loss leader), “oferta on-line”, “li-
cenciamento de marcas”, “vender e liberar”.

4.3.3 Dimensionamento dos mercados de SL/CA – aspectos gerais

O dimensionamento do mercado de SL/CA em nível global é marcado por iniciativas isoladas e por informações
mais ou menos confiáveis. Como se verá adiante, quando se discutirá o dimensionamento do mercado brasi-
leiro de SL/CA, é muito difícil encontrar dados confiáveis, gerados a partir de metodologias devidamente expli-
cadas. No mais das vezes, os números são dados e sua credibilidade fica por conta da fonte das informações.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 63


Dimensões econômicas do SL/CA

Dados levantados pela consultoria internacional IDC (www.idc.com) mostram a evolução do mercado global
de Linux. Corroborando aquilo que já se podia intuir há cerca de três ou quatro anos, o mercado de SL/CA é
crescente e não mais se o considera como nicho ou, muito menos, como uma ação idealista. Virou negócio da
dimensão de bilhões de dólares. Como se viu, o adjetivo “livre” não significa sem custos.

O mercado de Linux, por exemplo, é hoje uma das grandes renovações da indústria de software em todo o
mundo. Um fato pode representar bem essa trajetória: a criação do Open Source Development Labs (OSDL)
(www.osdl.org.br) por parte de grandes corporações no ano de 2000. Para se ter uma idéia do interesse des-
pertado pelo Linux, o OSDL foi fundado por um conjunto de empresas cujos nomes dispensam apresentação:
IBM, HP, NEC, CA e Intel. Hoje, o OSDL conta com 75 empresas, dentre elas nomes como Alcatel, Bull, Ericsson,
Mitsubhsi, Nokia, Novell, Unilever e Fujitsu. Tal empreendimento vem tendo impacto decisivo no desenvolvi-
mento do Linux (que aliás, como se verá a seguir, já é totalmente profissionalizado e hierarquizado) e de outros
programas ditos livres. A iniciativa OSDL tem como objetivo acelerar o desenvolvimento e o uso de Linux por
parte das empresas e, como aparece na sua página na Internet, o OSDL “é o lar de Linus Torvalds, o criador do
Linux”.

A profissionalização do desenvolvimento do Linux ganhou formas hierárquicas que fogem completamente ao


formato dos primeiros momentos do SL/CA. Hoje o desenvolvimento opera com uma estrutura de círculos con-
cêntricos, tendo ao centro o próprio Linus Torvalds e, na perifieria, qualquer um que queira participar. Da peri-
feria ao centro há vários círculos intermediários que filtram as contribuições até sua incorporação ao programa.
Dos cerca de 1.000 contribuidores mais próximos, 100 são pagos para isso e contribuem com mais de 95% das
mudanças que são incorporadas ao Linux. Dentre estes 100, vinte formam o núcleo dos desenvolvedores e são
pagos por seus empregadores (OSDL, Red Hat, IBM, entre outros).

O desenvolvimento e a implementação do padrão LSB 2.0 (Linux Standard Base) gerou uma outra iniciativa
coletiva entre empresas, o Linux Core Consortium (LCC). Dentre as empresas que apóiam esta iniciativa está a
Conectiva, ao lado da Mandrakesoft, a Progeny e a Turbolinux. Estas iniciativas mostram com clareza a trajetó-
ria em curso no desenvolvimento do Linux: a profissionalização visando a mais ampla e rápida substituição dos
sistemas operacionais prevalecentes (Windows e Unix).

A lógica disso é clara: o padrão proprietário Windows tornou-se um incômodo para alguns e um empecilho
para outros. Nunca na história do capitalismo o mercado suportou por tanto tempo e de maneira tão ampla
o pagamento de uma taxa de monopólio (virtual) a uma única empresa (Microsoft) para que todas as outras,
literalmente, funcionassem. O atual padrão proprietário do mercado de sistemas operacionais, tal como se es-
truturou nos últimos vinte anos, é uma aberração do ponto de vista do capital e sua tendência é desaparecer.

Os números sobre o crescimento do mercado de Linux são expressivos. Segundo o IDC, o mercado de servidores
hoje movimentado por produtos e serviços Linux alcança cerca de US$ 3,5 bilhões (IDC, 2004) e a expectativa é
de que esse número quadruplique até 2008 (gráfico 14). Já o mercado global (servidores, PCs e serviços) deve
alcançar, no mesmo ano, cerca de US$ 36 bilhões.

O mais interessante deste padrão é que a maior parte da incorporação do Linux vem se dando em novos
hardwares. Ou seja, o processo natural de renovação e ampliação de equipamentos vem se dando com a incor-
poração a taxas crescentes de Linux. Tal não exclui a reconversão de equipamentos existentes para Linux, porém
a uma taxa menor do que a observada para novos hardwares. O gráfico 15 ilustra essa característica. Segundo
este mesmo estudo, Linux agora é mainstream.

Segundo a Consultoria Gartner (www.gartner.com), em 2002 o Linux respondeu por 6% do mercado mundial
de sistemas operacionais e em 2003 chegou a 9%. A estimativa para 2007 é que seja responsável por 18%.
Ou seja, há uma clara tendência de substituição de produto e de quebra de um padrão proprietário de resto
inconveniente para boa parte dos usuários (e mesmo para empresas desenvolvedoras).

64 SOFTEX / UNICAMP / MCT


Gráfico 14 - Evolução esperada do mercado de produtos Linux
Fonte: IDC (2004)74

Se para sistemas operacionais a trajetória do software livre é razoavelmente clara, para programas de midd-
leware e para aplicativos em geral não se pode dizer o mesmo. Tomando a análise feita neste trabalho sobre os
modelos de negócios e a importância relativa do SL/CA, a tendência mais visível para o SL/CA é justamente a de
substituição de programas proprietários de uso genérico (Office, servidor web, banco de dados). Neste sentido,
expressiva tem sido a penetração de servidor web, particularmente Apache, que hoje já ocupa mais de 70% dos
servidores pontocom, superando em muito os 20% da Microsoft (tabela 6). À exceção do sistema operacional
e de servidores web (cujos mercados são expressivos), os demais mercados de SL/CA são ainda marginais.

Gráfico 15 – Taxas de adoção de Linux em equipamentos novos e usados


Fonte: IDC (2004)75

74, 75
The Linux Marketplace - Moving From Niche to Mainstream. IDC Software Consulting, www.idc.com, 2004.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 65


Dimensões econômicas do SL/CA

Tabela 6 - Número de servidores web e respectivos programas no mundo (2004)

Número Número
Servidor % em novembro % em outubro Diferença
em novembro em outubro
Apache 14.131.338 74,64% 13.107.363 73,96% +0,68%
Microsoft 3.631.236 19,18% 3.542.151 19,99% -0,81%
Netscape 141.636 0,75% 140.934 0,80% -0,05%
Zeus 109.496 0,58% 111.427 0,63% -0,05%
WebSTAR 101.479 0,54% 46.740 0,26% +0,28%
WebSite 20.098 0,11% 20.374 0,11% +0,00%
Other 796.764 4,21% 754.272 4,26% -0,05%
Fonte: www.securityspace.com (dezembro de 2004)

Se no plano global a quantificação dos mercados de SL/CA não é tarefa simples, no Brasil as dificuldades são
ainda maiores. Não há muitos dados e as informações que existem são fragmentadas e, em geral, pouco
confiáveis (a grande maioria se origina em entrevistas com especialistas e em matérias de jornais e revistas de
grande circulação, sem método e sem memória de cálculo explícitos). São números muitas vezes contraditórios
e espontâneos que a pessoa é obrigada a fornecer quando solicitada. Nem governo nem setor privado têm
essa conta razoavelmente fechada. Entretanto (e embora esta não seja propriamente uma tarefa do presente
trabalho), vamos aqui tratar do problema e apontar para alguns números que podem ser úteis para o dimen-
sionamento dos mercados de SL/CA.

A primeira questão a registrar (e que já foi apontada em outros itens deste trabalho) é a de como os modelos
de negócios relacionados a SL/CA estão muito mais baseados em serviços que em produtos. Para se ter uma
idéia, a mais importante empresa brasileira no negócio de software livre (modelo de negócios do tipo “serviço
integral”), tem cerca de 9% de seu faturamento devidos à venda de produtos. Dos 91% restantes, 68% devem-
se a serviços em geral e 23% a treinamento.76 Como se mostrou no item sobre modelos de negócios, a grande
maioria dos empresários que responderam à enquete localiza seu negócio como serviços de alto e baixo valor
e como produtos customizáveis, nos quais a componente serviços especializados é fundamental. Aparente-
mente, não se vive de pacote em SL/CA, embora o produto (por exemplo, sistema operacional, Office) seja o
elemento portador que vai gerar faturamento com serviços.

Segundo levantamento feito por Meirelles (2004) em mais de 1.500 empresas de médio e grande porte no país,
o emprego de Linux vem aumentando desde 1999 chegando em 2003 a cerca de 15% da amostra (12% em
2002). Já a pesquisa I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP 2004) mostrou (con-
forme apresentado no capítulo 3 deste trabalho) que cerca de 34% das empresas (amostra de 1.334 empresas)
já adotam Linux em seus servidores.77

Apesar das diferenças dos resultados das duas pesquisas (provavelmente devidas às metodologias empregadas,
as quais não puderam ser aferidas), o maior emprego do Linux está em servidores, tomando lugar do Unix mais
que do Windows (gráfico 16).

Interessante notar no gráfico 17 como o mercado de planilhas eletrônicas foi, em poucos anos, totalmente
dominado pelo Excel (MS Office). Por outro lado, este mesmo gráfico mostra a emergência do StarOffice, já
ocupando cerca de 8% do mercado das planilhas eletrônicas. Esta situação pode ser extrapolada para dois
outros componentes do mercado Office: editor de texto e programa de apresentação.

76
Informações obtidas a partir de entrevista com a empresa aludida.
77
Na pesquisa da Fiesp há dupla contagem, ou seja, registra-se quem usa tanto Linux como outros sistemas.

66 SOFTEX / UNICAMP / MCT


No caso dos servidores web, o Brasil segue o padrão internacional, embora com uma taxa menor de uso do
Apache daquela encontrada para o conjunto dos países pesquisados pela Security Space. A tabela 7 ilustra essa
situação.

Gráfico 16 – Evolução do mercado de servidores


Fonte: Meirelles (2004)

Gráfico 17 – Evolução do mercado de planilhas


Fonte: Meirelles (2004)

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 67


Dimensões econômicas do SL/CA

Tabela 7 - Número de servidores web e respectivos programas – Brasil (2004)

Número Número
Servidor % em novembro % em outubro Diferença
em novembro em outubro
Apache 113.151 53,97% 106.721 66,97% -13,00%
Microsoft 50.661 24,16% 49.407 31,00% -6,84%
Netscape 231 0,11% 225 0,14% -0,03%
Zeus 10 0,00% 10 0,01% -0,01%
WebSTAR 21 0,01% 19 0,01% +0,00%
WebSite 43 0,02% 43 0,03% -0,01%
Other 45.532 21,72% 2.935 1,84% +19,88%
Fonte: www.securityspace.com (dezembro de 2004)

4.3.4 Dimensionamento dos mercados de SL/CA


quanto é hoje o mercado de Linux no Brasil?

O mercado brasileiro de software segundo Stefanuto et al (2002) alcança cerca de vinte bilhões de reais
(US$ 7 bilhões).78 Segundo a Pesquisa Anual de Serviços do IBGE, a receita operacional líquida das empresas
de informática no Brasil com mais de vinte pessoas ocupadas alcançou, em 2002, cerca de R$ 17,1 bilhões. O
mercado de “desenvolvimento e produção de softwares prontos para uso, inclusive customização” (rubrica na
qual se incluem os sistemas operacionais), teria alcançado, no mesmo ano, cerca de R$ 1,13 bilhão.

A título de dimensionamento do mercado de Linux, se considerarmos que estes R$ 1,13 bilhão representa,
grosso modo, o mercado de sistemas operacionais no Brasil e admitindo que este valor deve se elevar de
cerca de 30% para se chegar à receita das vendas (receita operacional bruta) e de mais 30% para representar
o mercado total no país (lembrando que a pesquisa do IBGE identifica cerca de 70% do mercado nacional),
teríamos então um mercado aproximado para o ‘produto sistema operacional’ da ordem de R$ 1,9 bilhão/ano
no Brasil.

Considerando agora que o país tem cerca de 20 milhões de computadores e aceitando uma proporção média
de 15:1 entre o número de desktops e o número de servidores79, teríamos no Brasil cerca de 1,3 milhão de
servidores80 e 18,7 milhões de desktops. Dados recentes da IDC mostram que o mercado de Linux no Brasil já
alcança 3% dos desktops. Já com relação aos servidores, a pesquisa de Meirelles (2004)81 aponta para uma
penetração do Linux em cerca de 15% das máquinas. Assim, teríamos, grosso modo, algo como 195 mil servi-
dores e 561 mil desktops operando com Linux.

Bem, assumindo agora que o valor médio do pacote Linux para desktop é, segundo informações obtidas
junto à principal empresa de comercialização de pacotes Linux do país, de R$ 100,00 e que para servidores
este valor é de R$ 300,00, então teríamos um mercado estimado de Linux de R$ 56,1 milhões e de R$ 59,4
milhões, respectivamente, perfazendo R$ 115,5 milhões em produto Linux. Entretanto, sobre este número seria
preciso aplicar um redutor correspondente ao número de licenças, bem inferior ao número de computadores
rodando Linux no Brasil. Neste sentido, se considerarmos que para cada pacote Linux adquirido são instalados,

78
1 dólar em dezembro de 2004 = 2,8 reais.
79
Informação obtida junto a especialistas no Brasil.
80
Este número de servidores é coerente com o número de domínios pontocom.br hoje registrados no Brasil (cerca de 650 mil domínios;
ver www.nic.br).
81
Optou-se aqui pelos números disponíveis mais conservadores.

68 SOFTEX / UNICAMP / MCT


em média, 15 computadores82, aquele valor reduz-se para cerca de R$ 7,7 milhões. Considerando agora que
o “produto Linux” corresponde a cerca de 10% das receitas de quem o comercializa, este valor subiria para
R$ 77 milhões83. Este seria o mercado estimado de Linux no Brasil hoje.84 Seu potencial de crescimento, se to-
marmos as taxas anuais globais, e as estimativas da própria IDC, seria de 2,5 a 3 vezes até 2008, alcançando,
então, algo entre R$ 192 e 231 milhões.

Complementarmente, pode-se ainda comentar o quanto esse mercado reduziria de pagamento de licenças
para os sistemas operacionais proprietários. Este é outro valor difícil de ser mensurado. Mas supondo custos
operacionais semelhantes entre proprietário e não proprietário85 o não pagamento de licenças pode significar
uma economia de cerca de oitocentos reais por desktop e de cerca de dois mil reais em média por servidor,
o que levaria a uma economia de cerca de R$ 85 milhões/ano. Se se considera que alguns pacotes de Linux
hoje comercializados trazem ainda o MS-Office e mais um conjunto de outros softwares, este valor tende a se
multiplicar por cerca de 10 vezes. Entretanto, como vimos ao longo deste trabalho, o ritmo de substituição de
aplicativos desktop como o Office é ainda muito lento.

82
É completamente irrealista supor que todos os 3% e todos os 15% de desktops e de servidores, respectivamente, que hoje usam Linux no
Brasil tenham adquirido uma licença. A realidade é que boa parte dos indivíduos pode baixar livremente seu Linux da Internet e, ademais, os
pacotes Linux não são restritos a número de licenças. Destarte, impõe-se a necessidade de um redutor. Para calculá-lo utilizou-se a mesma
proporção empregada para o cálculo da relação desktop / servidor (15:1). Parte-se do princípio de que firmas e indivíduos compartilhariam
do mesmo comportamento maximizador. Teríamos assim uma média de 15 computadores instalados para cada pacote comprado, tanto
no mercado corporativo quanto no mercado de computadores pessoais. O redutor é arbitrário mas aproxima o mercado da realidade.
83
Este valor de mercado é totalmente coerente com os números e o market share das principais empresas que comercializam Linux no
Brasil. A Conectiva, por exemplo, tem participação estimada em 35% do mercado nacional (cerca de R$ 25 milhões, segundo pesquisa
de 2003 do IDC), o que daria algo em torno a R$ 71 milhões de mercado total. Considerando-se que o dado de market share refere-se a
2002, é bastante plausível o número acima estimado de de R$ 77 milhões para 2003.
84
A este número teriam de ser acrescentados os valores referentes a Linux embarcado e a aplicativos cujos mercados se desenvolvem na
esteira do interesse pelo Linux.
85
Este é outro assunto polêmico. A Microsoft tem alardeado que o total cost of ownership (TCO) do Windows em quatro anos seria menor
que o do Linux. Outros estudos mostram o contrário (ver, por exemplo, http://linux.slashdot.org/article.pl?sid=04/12/13/042223&from=rss).
Nesta guerra, preferimos assumir aqui que não há diferenças substantivas entre eles.

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 69


Conclusões

Este trabalho examinou vários aspectos relacionados ao desenvolvimento e uso de software livre e código
aberto (SL/CA) no Brasil. Levantou e analisou os perfis de desenvolvedores, de usuários, as motivações, as pers-
pectivas econômicas, os modelos de negócios associados ao SL/CA e as ameaças e oportunidades que o SL/CA
coloca para a indústria de software.

Muitas reflexões têm sido realizadas acerca do modelo software livre e de código aberto ser (ou não) um novo
padrão ou mesmo uma quebra de paradigma na indústria global de software. Na verdade, importa saber quais
os impactos que os movimentos de SL/CA têm na indústria de software. Sendo este um processo ainda em
formação, não se pode afirmar com toda convicção se SL/CA é ou não um novo paradigma. Tudo indica que
não. Trata-se, até o momento, de um conjunto de trajetórias que compõem caminhos mais ou menos normais
da indústria em seu processo de crescimento e desenvolvimento.

A emergência do Linux como plataforma alternativa ao Unix e, principalmente, ao Windows, nada mais é do
que a quebra de monopólios que durante anos vêm impondo restrições de rentabilidade e de oportunidades a
praticamente todas as atividades econômicas. Como já se discutiu neste estudo, nunca na história se registrou
um monopólio de mercado tão abrangente e por tanto tempo, como o imposto pela solução única dos siste-
mas operacionais. Nenhuma surpresa, portanto, que isso seja contestado pelo próprio capital.

A seguir apontam-se algumas das principais conclusões do presente estudo.

• O SL/CA traz, de fato, variáveis novas para a indústria de software. Embora não se trate de uma ruptura
tecnológica, traz uma nova forma de desenvolver e licenciar software, quebrando alguns modelos estru-
turais de apropriabilidade nesta indústria.

• Os canais de comunicação proporcionados pela Internet levaram à emergência de oportunidades de


exploração de economias de escala e de escopo para a indústria de software. Neste contexto surgiram as
comunidades virtuais de prática e muitas formas de organização para o desenvolvimento de software,
algumas mais abertas e horizontais (o que a literatura chama de modelo Bazar), outras mais verticais
e hierárquicas (também chamado de modelo Catedral). Entre um e outro modelos, há hoje uma gama
relativamente extensa de situações. Assim, as formas de organização de SL/CA são variadas e atendem a
interesses diferenciados.

• O fenômeno de construção, interação e geração de resultados pelas comunidades é algo sem prece-
dentes na história da Indústria de Software. Em boa parte destas comunidades inexistem laços formais
para participação e parece haver um crescente fluxo de geração de novas comunidades e do processo de
aprendizagem coletiva. Entretanto, há cada vez mais comunidades organizadas em mecanismos contra-
tuais formais, como é o caso do OSDL.

• Por trazer em seu bojo características que tocam diretamente em pontos nevrálgicos para a acumulação
de capital (a apropriabilidade coletiva), o modelo SL/CA ainda apresenta dificuldades para equaciona-
mento de modelos de negócios próprios. Por outro lado, parece ter resultados muito promissores para
usuários públicos e privados.

• Os diversos levantamentos realizados pelo presente estudo, além do ineditismo no país, ajudaram a
cobrir lacunas importantes de informação. Entre outros fatores, a pesquisa teve o papel de desfazer
alguns mitos, tanto sobre as pessoas e empresas atuantes em SL/CA (através do perfil das competências)
quanto sobre o uso que está ocorrendo (através do perfil dos usuários). A pesquisa ajudou a mostrar
a profissionalização do movimento, pois nem os desenvolvedores individuais são apenas “garotos” ha-

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 71


Subsídios para a política pública de SL/CA

ckers contestando o monopólio de grandes corporações multinacionais, nem essas corporações estão
alheias aos modelos de negócios que estão se formando com o SL/CA.

• O movimento de SL/CA mundial é altamente concentrado geograficamente na tríade (Europa, EUA e


Japão), conforme apontam estudos internacionais. A presente pesquisa ajudou a mostrar que países
periféricos têm se inserido no entorno das atividades principais, especialmente nas atividades de suporte
e gerenciamento dos sistemas e programas. Ademais, a concentração geográfica também se verifica no
âmbito nacional: 78% dos desenvolvedores individuais, 81% das empresas desenvolvedoras, 84% dos
usuários individuais e 85% das empresas usuárias encontram-se nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Rio
Grande do Sul e São Paulo são os dois principais focos de desenvolvimento e uso de SL/CA no País.

• Os desenvolvedores individuais, que responderam em peso à enquete eletrônica, possuem um perfil


socioeconômico e demográfico semelhante ao perfil europeu, com exceção das características que vão
além do movimento de SL/CA. O fenômeno do SL/CA é mais recente no País que na Europa e no Brasil
há menos profissionais atuantes com nível superior (engenharias e cursos de TI) e mais técnicos, o que
explica a maior parte dos respondentes da enquete se classificar como desenvolvedor básico.

• Entretanto, é importante lembrar que os projetos de SL/CA envolvem não apenas a atividade de de-
senvolvimento, mas também os procedimentos de teste e relatórios de erro. Tais procedimentos talvez
representem um dos maiores diferenciais do SL/CA em comparação com software proprietário, o que é
citado recorrentemente como um dos fatores de sucesso técnico em relação à estabilidade das soluções
e à resolução de problemas.

• Nas análises estatísticas feitas no presente estudo, vêem-se tanto profissionais de software proprietário
movendo-se para SL/CA, em parte por exigências do mercado, quanto um grupo de elite em SL/CA al-
tamente qualificado e ativo nos projetos de desenvolvimento. Além disso, dentre os desenvolvedores há
um grande número de estudantes, o que aponta a existência de um estoque de profissionais formados
ou em formação, que pode se inserir no crescente mercado de SL/CA. Assim, tanto percebe-se que as
competências do software proprietário transitam razoavelmente para SL/CA, quanto que há um número
considerável e crescente de pessoas que ingressou no desenvolvimento de software já diretamente pela
porta do SL/CA.

• Quanto às empresas desenvolvedoras, foram detectadas três tipos de empresas atuando em SL/CA:
a) pequenas e médias empresas fundadas nas décadas de 1980 e 1990 dedicadas principalmente ao
software proprietário, mas que entraram no SL/CA, algumas inclusive por exigências do mercado; b) pe-
quenas e médias empresas de fundação mais recente que têm grande parte de suas atividades em SL/CA;
e c) grandes empresas, algumas delas multinacionais, que também ingressaram no mundo de SL/CA.
Estas últimas possuem pelo menos duas estratégias específicas: oferecer suporte pré e pós vendas para
o Linux e disponibilizar seus produtos proprietários para rodar nesta plataforma.

• Nota-se então que o desenvolvimento profissional de SL/CA no Brasil começa a se fortalecer, tanto com
empresas nacionais, como com multinacionais e com empresas públicas. Mas a fase é de diminuição dos
ainda elevados custos de transação para a profissionalização do SL/CA no País. Além disso, as empresas
que se desenvolvem utilizando os modelos de negócio de SL/CA enfrentam problemas semelhantes aos
que pequenas empresas baseadas no modelo proprietário hoje enfrentam. Se por um lado elas podem
ter acesso mais fácil à capacitação tecnológica e à tecnologia, baixando seus custos de produção, por
outro enfrentam maior concorrência, uma vez que as barreiras à entrada são, até o presente momento,
menores (para determinados modelos de negócios, como serviços de baixo e alto valor e mesmo pro-
dutos customizáveis).

• Uma das formas de abrir oportunidades para estas empresas é investir na formação de uma nova classe
empresarial. Este momento de transição no desenvolvimento de um novo modelo parece indicar tam-

72 SOFTEX / UNICAMP / MCT


bém o surgimento de um novo modelo de empresa, mais ajustada aos principais elementos inovado-
res do SL/CA: a estrutura em rede, a cooperação virtual e o compartilhamento de conhecimentos. São
elementos, pouco comuns para as estruturas empresariais tradicionais, mesmo para a indústria de sof-
tware.

• Há ainda que se considerar o tempo necessário para as empresas que desenvolvem em plataforma pro-
prietária adequarem-se a este novo modelo e por último, mas não menos importante, a consideração do
usuário final. Os casos bem sucedidos de implantação de SL/CA em empresas, principalmente nos níveis
superiores ao de infra-estrutura (middleware, aplicativos, etc), só acontecem com estratégias simultâne-
as de sensibilização e capacitação do usuário final.

• Os usuários individuais que responderam a enquete são na sua maioria participantes das comunidades
de SL/CA, contribuindo também através do uso e teste dos softwares. São usuários com um perfil mais
técnico, de certa forma, próximo do perfil dos desenvolvedores. Este perfil pode ser em parte explicado
pelo fato do usuário final (camada de desktop) ser provavelmente um dos últimos filões que serão explo-
rados. Os agrupamentos provenientes da análise multivariada aparecem ordenados em termos de idade,
escolaridade, renda e experiência com SL/CA: dos mais novos, com menos escolaridade e renda até os
mais velhos, mais escolarizados e com maior experiência em SL/CA. A análise apontou a existência de
dois agrupamentos de estudantes – que não se sentem muito capacitados mas buscam no SL/CA melho-
rar suas oportunidades de emprego e aprendizado – e dois grupos de profissionais, sendo um da área
técnica de TI (muitos deles profissionais obrigados a utilizar ferramentas de SL/CA no trabalho ou que
querem utilizá-las em suas profissões, mas submetidos às suas limitações) e outro da área gerencial (que
busca principalmente diminuição de custos, às vezes associado a uma preocupação mais ideológica).

• As empresas usuárias têm um porte bem maior que as desenvolvedoras, em termos de faturamento e
número de empregados. Muitas delas também são proprietárias de grandes parques de equipamentos
e buscam no SL/CA soluções robustas que ajudem tanto no aproveitamento de equipamentos obsoletos
quanto na economia em licenças de sistemas operacionais. A decisão de migração se dá, em parte, pela
segurança oferecida pelos fornecedores de hardware, especialmente no setor de comércio varejista.

• Este estudo mostrou que há quatro motivações que se interrelacionam: técnicas, econômico-financeiras,
capacitação e ideológicas. Evidentemente, as motivações são diferentes em função da categoria de ato-
res.

• As empresas usuárias têm como principal motivação para uso de SL/CA a “redução de custos”, seguida
de motivações de natureza técnica, como “maior flexibilidade para adaptação”, “maior qualidade (es-
tabilidade, confiabilidade, disponibilidade)”, “maior autonomia do fornecedor” e “maior segurança”.
As motivações de natureza ideológica ou filosófica existem mas estão em plano secundário. Mesmo
adotando-se um conjunto mais amplo de atores (desenvolvedores individuais, usuários individuais, aca-
dêmicos etc) as questões ideológicas não aparecem como determinantes de primeira ordem.

• No conjunto dos atores que responderam à enquete e que participaram do painel, as questões de na-
tureza técnica, ligadas ao desenvolvimento e uso de software, são as que fazem convergir as diferentes
perspectivas. Enquanto empresas e usuários individuais são motivadas por questões técnicas e econô-
micas, desenvolvedores individuais o são por questões de capacitação (aprendizado) e empregabilidade
(efeito vitrine) e alguns (poucos) exclusivamente por questões ideológicas.

• No que diz respeito à adoção e difusão de SL/CA por setores de aplicação, o estudo mostrou preferên-
cia hoje por quatro deles: tecnologias de informação e comunicação, governo, comércio e educação.
Em um segundo grupo encontram-se: serviços em geral (menos comércio), saúde, financeiro, cultura e
entretenimento e equipamentos eletro-eletrônicos e de comunicação. Para o futuro próximo (2010), há

Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil 73


Subsídios para a política pública de SL/CA

uma expectativa de crescimento do setor saúde e de serviços em geral, seguindo com elevada importân-
cia governo e educação.

• Automação comercial, comércio eletrônico (comércio), educação à distância, administração escolar


(educação) e administração de serviços (serviços) compõem as principais áreas de aplicação de SL/CA
hoje no Brasil. Como se nota, são modelos de negócios baseados em serviços de baixo e alto valor e, em
alguns casos, em produtos customizáveis e em embarcados.

• Software livre pertence à indústria de software. Nela se desenvolve e a transforma. Os modelos de negó-
cios do software livre são os modelos de negócios da indústria de software. O SL/CA tem, assim, poder
de modificar padrões de concorrência dentro da própria indústria e é exatamente isso que vem fazendo.
Seu principal impacto está em segmentos nos quais a importância da apropriabilidade (manter códigos
fechados) é um fator crítico de concorrência e a especificidade de aplicação (produtos mais ou menos
específicos) é menor.

• Neste cruzamento de características concorrenciais, o SL/CA ameaça fortemente o modelo de pacotes


(plataformas e sistemas operacionais); componentes de software; e produtos customizáveis, exatamente
porque esses modelos tem na apropriabilidade um fator essencial de concorrência. Já os modelos de
serviços e de embarcados, por terem maior especificidade e menor importância de apropriabilidade por
meio de códigos fechados, são, na verdade, modelos que apresentam as maiores oportunidades de
investimento. Por definição, o SL/CA acelera a transição da indústria de software dos produtos para os
serviços.

• A pequena empresa de software (grande maioria das empresas do setor de TI), assim como todo o setor
produtivo de TI no país precisa se ocupar desse assunto. Da mesma forma, o governo, peça chave no
assunto software livre, precisa examinar com mais cuidado as implicações que um fomento aberto ao
SL/CA pode provocar na indústria e nas empresas nacionais. Oportunidades há, mas ameaças também.
É preciso que as ações governamentais e as políticas a elas associadas sejam embasadas mais em infor-
mação e análise do que em adesão voluntariosa. Software livre pode ser bom para a sociedade brasileira
por vários motivos, e é bom que se os explicite de forma convincente. Este trabalho, longe de ser con-
clusivo, até porque é o primeiro levantamento dessa natureza, sugere cautela e aponta a necessidade de
permanente e melhor monitoramento.

• O SL/CA está se profissionalizando no país, seguindo passos já dados por países desenvolvidos e come-
çando a sair da periferia da indústria para adentrar seu centro. O SL/CA, ao nascer de uma contestação
aos mercados proprietários mais poderosos da indústria (Unix, Windows, Office), revelou todo seu apelo
político, institucional e emocional. Este apelo chamou a atenção de muita gente, dos que tinham (e
têm) como filosofia um espírito libertário e contrário à apropriação restritiva do conhecimento, dos que
viam uma oportunidade de derrubar o maior e mais conhecido gigante da indústria de software, até as
grandes corporações que viram (e vêem) no SL/CA uma enorme oportunidade de se desfazer de uma
incômoda taxa de monopólio que restringe seus negócios. Os interesses no SL/CA são diversos e muitas
vezes antagônicos, como vimos ao longo deste trabalho.

• O SL/CA não é, a priori, bom ou mau. Assim, seria uma ingenuidade imaginar que os princípios originais
que nortearam o software livre são alguma garantia de benefício social. Mais uma vez, isso deve ser
analisado com o devido cuidado. Software livre, queiram ou não seus idealizadores, é hoje um negócio
de alguns bilhões de dólares, com perspectivas de crescimento acelerado nos próximos anos. Mesmo
organizações que surgiram na onda libertária provocada pelo Linux hoje transformaram-se em grandes
empresas, com atuação global. Outras estão querendo percorrer a mesma trajetória.

74 SOFTEX / UNICAMP / MCT


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