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Abstract: Citizenship has always been related to a State matter and therefore with the
nationality. Sovereignty was the most precious power that a Chief of State could have, and it
was completely state-owned. The traditional Marshallian’ speech seemed able to justify and
fill gaps released by liberalism. However, the world changed. The classical citizenship is no
more able to answer the situations arising with the globalization, internationalization and
transnational nature. There is a transposition of the private to the public, the individual to
the collective, from national to supranational level. Though, the rancidity of classical
citizenship proposal by Marshall still persists in the modern legal theory and also in the
popular imagination. That situation difficult the configuration of a citizenship which
transcends the boundaries of the State sovereign and step ways never treads before.
* Mestranda em Direito, área de Relações Internacionais, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Bacharel pela mesma instituição. Bolsista da CAPES. E-mail: <alineb.moura@gmail.com>.
Revista Jurídica - CCJ/FURB ISSN 1982 -4858 v. 13, nº 25, p. 45 - 65, jan./jul. 2009 45
1 INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva analisar o fenômeno da cidadania sob o viés evolutivo, partindo
do discurso marshalliano, passando pelo liberalismo, positivismo e neoliberalismo,
culminando com o processo integracionista impulsionado pela globalização. Perceberemos
como conceitos jurídicos clássicos tais como o de Estado-nação, soberania e cidadania1
relativizaram-se nos últimos anos e como essa situação propiciou a emergência de novas
categorias jurídicas mais adequadas à dinâmica mundial.
De fato, para Marshall “há uma espécie de igualdade humana básica associada com
o conceito de participação integral na comunidade [...] o qual não é inconsistente com as
desigualdades que diferenciam os vários níveis econômicos na sociedade”4 Assim, ressalta
que é possível existir uma compatibilidade entre a igualdade de participação na sociedade, ou
seja, igualdade de cidadania, e as desigualdades proporcionadas pela estratificação social.
Por fim, os direitos sociais, surgidos no século XX, seriam aqueles capazes de
conferir um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar na herança
social, bem como de acesso aos serviços educacionais e sociais. Importante, neste ponto,
ressaltar que os direitos sociais mínimos foram desligados do status da cidadania e, por
conseguinte, aquele que se beneficiasse, por exemplo, da chamada Poor Law, espécie de
auxílio financeiro garantido às famílias menos favorecidas, teria a condição de cidadão
usurpada.9
No mesmo sentido, não haveria como admitir que esse seja um conceito construído
paulatinamente, sem conflitos aparentes, pois a sociedade não é harmoniosa como insiste o
liberalismo nem pode ser vista como dádiva. Dessa forma, a “cidadania é algo que se
conquista através da luta,”12 sendo a história da cidadania o resultado de muito suor e
lágrimas, existindo uma tensão permanente entre a voz e o reconhecimento do Estado e a voz
e o reconhecimento dos sujeitos sociais.
Obtempera, ainda, a visão restritiva utilizada pelo autor, no sentido de que este
“considerou a evolução desses direitos específicos, não ampliando o raio de ação, por
exemplo, a direitos culturais.”13 Ademais, salienta que Marshall jamais apontou à existência
de deveres em contrapartida aos direitos que, segundo ele, eram imprescindíveis ao alcance
da cidadania.
Com efeito, observa-se que no Brasil, a doação dos direitos sociais, ao invés da
conquista dos mesmos, fez com que estes fossem compreendidos pela população como um
favor, colocando os cidadãos em posição de dependência perante seus líderes. Sobre o tema,
aduz José Murilo de Carvalho que “O governo invertera a ordem do surgimento dos direitos
descrita por Marshall, introduzira o direito social antes da exaustão dos direitos políticos. Os
trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua
atuação sindical e política independentes.”14
Dessa forma, direitos que são concedidos, “deixam de ser direitos para serem
alternativas aos direitos. Concessões, como alternativas a direitos, configuram a cidadania
passiva, excludente, predominante nas sociedades autoritárias.”15 Nesse raciocínio, Lígia
Coelho corrobora tal pensamento afirmando que
José Murilo de Carvalho aduz que a inversão da seqüência dos direitos no Brasil
favoreceu a supremacia do Estado. Contudo, para a consolidação democrática, é necessário
“reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para
democratizar o poder. A organização da sociedade não precisa ser feita contra o Estado em si.
Ela deve ser feita contra o Estado clientelista, corporativo, colonizado.”21
Nota-se, diante da análise da evolução do conceito de cidadania em Marshall, que o
sociólogo inglês não chegou a tratar dos chamados direitos de quarta geração, ou seja, dos
direitos de solidariedade. Isso porque, tais direitos vieram a surgir apenas no final da
primeira metade do século XX, tendo como grande marco o ano de 1948 – Declaração
Universal dos Direitos do Homem –, momento em que o citado autor lançava sua célebre
obra.
[...] para que tal articulação seja possível é, contudo, necessário que o campo
do político seja radicalmente redefinido e ampliado. A teoria política liberal
transformou o político numa dimensão sectorial especializada da prática
social – o espaço da cidadania – e confinou-o ao Estado. Do mesmo passo,
todas as outras dimensões da prática social foram despolitizadas e, com isso,
mantidas imunes ao exercício da cidadania.32
Dessa forma, na sociedade as coisas passam a ter mais importância que as pessoas:
personificação das coisas e coisificação das pessoas. As pessoas estão condenadas pela ânsia
de comprar e pela angustia de pagar o que consomem. Ilustrando tal situação, Zygmund
Bauman35 traz uma metáfora acerca do turista e do vagabundo. O turista é um privilegiado
especial que conquistou o prêmio da mobilidade. O turista vive ansioso pela nova
experiência, mas movimenta-se porque quer, como quer e quando quer. Por sua vez, o
vagabundo é o alter ego negativo do turista. É um consumidor frustrado. Apenas se
movimenta porque é empurrado pela necessidade de experiência e, mesmo assim, tem
severas restrições, sendo que seus sonhos são apenas um emprego qualquer, uma tarefa
humilhante para os turistas.
Nesse enredo, podemos afirmar que o espaço público possui um poder estratégico
ainda maior que o próprio Estado, pois aquele compreende e excede este. O medo, a
descrença e a alienação são efeitos malévolos de um mundo vegetativo, onde tão-somente se
prolifera uma globalização desenfreada, sustentada por uma mídia oportunista, que se
aproveita da fragilidade do sistema para impor sua ideologia. Por tais motivos,
imprescindível se torna incrementar o espaço público de participação do cidadão na vida
pública, afastando-o da ótica individualista típica do liberalismo, em prol de um modelo de
cidadania participativa, em que o cidadão não seja reduzido ao consumo e a massificação
generalizada advindas com o capitalismo.
Ademais, diversos esforços foram feitos para ampliar a noção de cidadania, levando-
a para o âmbito internacional, tais como a cidadania européia que, na visão de Jürgen
Habermas, “envolve não apenas as possibilidades para uma ação política coletiva através das
fronteiras, mas também a consciência de uma obrigação com relação ao bem comum
europeu.”44 Deve existir um equilíbrio entre o universalismo e o particularismo, pois como
observa Boaventura de Souza Santos, “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais
quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza”45
Nesse enredo, a cidadania nacional clássica vem sendo abalada pela formação de
instituições supranacionais, como é o caso da União Européia, bem como pela irrupção de
identidades infra-nacionais, que assumem a forma de movimentos reivindicatórios ou até
mesmo separatistas. Assim, a vinculação entre cidadania e Estado-nação começa a
enfraquecer-se e este deixa de ser o lar único e exclusivo da cidadania. 46
Por fim, o exercício da cidadania, seja esta relativa a um ente estatal ou até mesmo
supranacional, torna-se fundamental, caso contrário, não se poderia falar em participação
política do indivíduo nos negócios do Estado ou da Comunidade ou mesmo em outras áreas
de interesse público e comum a todos e, por conseguinte, não há que se falar em democracia.
Assim, a cidadania, em última análise, consiste na manifestação das prerrogativas políticas,
civis, sociais e culturais que um indivíduo possui dentro de uma organização, seja ela estatal
– Estado-nação – seja ela supranacional – como a União Européia.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
NOTAS
1 A noção de cidadania “clássica” utilizada nesse artigo refere-se à cidadania enquanto elemento
vinculado à idéia de nacionalidade e, por conseguinte, de Estado-nação, sendo a soberania vista
como absoluta, una, indivisível, inalienável e imprescritível. Em contraposição, surge o modelo de
cidadania “global”, dissociado do liame estatal e, portanto, de nacionalidade, em que a
supranacionalidade atua como agente emancipador desses conceitos.
2 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho, 2001. p. 11.
3 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. In: Lua Nova Revista de
Cultura e Política, nº 33, 1994. p. 7.
4 MARSHALL, Thomas Humphrey. A cidadania, classe social e status. 1977. p. 62.
5 COELHO, Lígia Martha C. Sobre o conceito de cidadania: uma crítica a Marshall, uma atitude
antropofágica. In: COELHO, Lígia Martha C. et. al. Cidadania/Emancipação. 1990. p. 15-16.
6 MARSHALL, T.H. 1977, p. 85.
7 MARSHALL, T.H. 1977, p. 85.
8 MARSHALL, T.H. 1977, p. 85.
9 MARSHALL, T.H. 1977, p. 72.
10 BONANATE. Luigi. Etica e Cittadinanza in una dimensione Europea. In: PARSI, Vittorio
Emanuele (a curi di) Cittadinanza e Identità Costituzionale Europea. 2001, p. 93. “[…] la
cittadinanza consista innanzi tutto, e comunque prima di riguardare il radicamento territoriale,
nel riconoscimento di quei diritti marshalliani (civili, politici, sociali) che traducono in pratica i
contenuti dei nostri diritti fondamentali. Il problema è, naturalmente, che ove questi non possano
essere esercitati, è come se non esistessero (e questo rimane ovviamente il massimo problema
etico del mondo contemporaneo).” (tradução do autor)
11 CARVALHO, José Murilo de. 2001, p. 43.
12 COELHO, Lígia Martha C. 1990, p. 20.
13 COELHO, Lígia Martha C. 1990, p. 13.
14 CARVALHO, José Murilo de. 2001, p. 124.
15 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. 1994. p. 7.
16 COELHO, Lígia Martha C. 1990. p. 14.
17 MARSHALL, T.H. 1977, p. 76.
18 MARSHALL, T.H. 1977, p. 76.
19 MARSHALL, T. H. 1977, p. 80.
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