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Carlos Fausto Inimigos Fiéis guerra e xamanismo na Amazénia re. Figuras da Fartura e da Escassez iamente dito ou Tueré ¢ 0 evolve a Stico e ecol6gico, a imagem que sobre: ics, é de grande homogeneidade. A extensa super ge como uma los de origem pré- sobre o qual se ergue uma nde sea ultrapassam a cota de 2 ir da década de 1970, os ocide do Xingu. O hosas nio raras vezes supe do médio c de formagies 8 600 ido leste-oeste a0 sul das nascentes do rio de mesmo nk Xingu entre os igarapés Bom Jardim e Sio José. Os solos sfo samarelos, com porges de solo afloramentos rochosos nas egies serranas (Radam 1974). Do ponto de vista fleristico, a rea xinguana apresenta uma formagdo flores nsa do que a encontrada 5. prevalecendo uma vegetagio mista com ras (em especial o babagu) e matas de cips “Tocantins & equatorial quente imido, com tempe- >» prolongando-se novembro temos um periodo mais seco, com temperaturas mais elevadas, conhes regionalmente como verio; de dezembro a maio temos uma época chuvosa com tem peraturas mais amenas, referida como invern SILVITORIO Definir limites precisos para o terstério ocupado pelos parakanis desde o final séeulo XIX até 0s anos 1970, nio é tarefa simples, pois 0 bloco ocidental no mais ccupa a dea que entio habitava. Nio hi como saber ao certo se 0 rio Jivé, na bacia do qual se enc desde a década de 1920, € de fato 0 Pacajd. Posso de eventos guerreitos e migragOes, © nas idrogitica por eles conhecida — que 0 nicleo esse terrtério se encontrava entre os ris Pacajazinhos e Pacajé, provavelmente en- tre as latitudes 4°15' © 4°45'S, mos, porém, aos parakanis orient clara da superficie por eles reconhecida como seu tetitéro. “Teri a traduzir a categoria que empregam para definir a érea ), precedida por um pronome possessive de primeira a palavra mais apropriada por eles habitada: a’ pessoa do plural exclusiva, ore-ka’a (“nos abstrata de terra onde um, de uma faixa de ¢ reconhecida pola inscriglo desses atos, através do tempo, no espago fisico e na meméria coletiv. Os topdnimos refletem essa telago do grupo com seu, digamos, “silvitéeio", Dar nome a um lugar no é ‘um ato simbélico antecipado de posse, mas o resultado de um longo processo de ‘cupaglo, que pode encontrar expressio no mito. Os orients narram a histria de Taraka’é, que dew nome aos pais rios de io fazendo de uma caracterfsica fIsia ou ecolégica do lugar uma deno- minagio: assim, chamou o Bacuri de Ita'yngo'a, por If encontrar pedrais com pe- quenas depressoes; 0 rio Repanimento de Paranopiperewa, por sua pouca profundi dade; 0 rio da Direita de Hjokyry’a, pelo sabor de suas fguas. Se no mito an rio, da longa sedimentagdo de experiéncias passadas em uma iva Ao virem habitar a bacia do Xingu, os parakanis ocide conferiram nome aos principals feridos em 1976 e 1983 para o rio do Meio, também ndo o fizeram, embora jé tves- Sem no passado incursionado por aquela reg’ imigo. Os oc smaram um pequeno curso d'igua na bacia do Pacajé de Jyohoa Porque 1a esqueceram certa feita um machado; o Pucuru Inajy'anga, porque 1s encontraram uma casa coberta com palha de ina, Esses no- mes so nam designagaes de lugar, ‘Um nome parece resultar, assim, de um longo processo de uso de uma referén- a, remetendo com frequncia a acontecimentos passados, Os de aldea s 5. pois expressa u 40 bloco Orien dia para além do P gem esquerda, tante da foz do igarapé Pucuruizinho, ido pelos orienta. O Cajazeiras, chamado localmente de flectindo-se para leste em seu além desse vio, pois no ob se aproximam ba Iago duradoura com dda Esquerda (Y" 1 se mudaram por razées Sbvias. Da iio so Sendo consteugdes como Toriarenipojyka im espa fa atravessavam-nos flutuando 0 evidencia de ocupagio de 6 que so 0s dnicos elemen en0s um afluente de sua mar. ocal onde se erigia o posto do SPI, jamais te meridional aleangava 0 formador mais sulino do rio 1 regio prova- velmente pouco explorada por eles no século XX. O extremo ocidental acompanhava curso do rio Pucurui, que flui em sentido s so médio. Nio creio que avangassem a referencia ao Pacajazinho, ta. com o olho da palha de cespago descampado a al verdade"), coberta com palha até chi ¢, por vezes, empa ‘ba como medida defensiva (os ocidentais a denom biqueias no cio e sus laters serve de de redes (us tas, e em cerca de 150 a iva a casa comunal teria uma rea de cerca de 250 m?, 0 ago conservadora, ta que era entio ocupa We 145 pessoast. O espago interno era pou- chefe da Base Pucuru, coronel Blose, que assim \do-se em ct fea ampla e live ente pela localizagio das redes de diferentes familie (Funai 197145) ‘Acasa, durante o dia, era um espago de por homens, mulheres e crangas. Durante lugar de repouso, de rede e sombra, da pro hos, mas de onde estava excluida a intimidade sexual [As rogas (ka), por sua vez, eram o lugar da labuta didtiafeminina. Os homens das atividades agricolas ~ em particular da broca, da derrubada e da iam de julho a outubro -, mas eabia as mulheres o grosso do na roga eno processamento da mandioca. Enquanto espago, ela a, em oposigdo A floresta, dominio masculino, ada a complementaridade existente na produgdo da subsisténcia. Homens e malhe- res no se opdem coletivamente na roga, na casa ou na floresta. Estes espagos sio recortados pelas relagSes familiares, e a unidade minima de produgdo & 0 casal ‘A oposigZo forte & entre casa © roga como espagos de produsio da vida cot diana e a tekatawa como espago da politica, exclusivamente masculino. A praga, a0 contrério do modelo jé, no se encontra no centro, envolta pelo mundo das casas. Ela localiza-se fora, descentrada, sempre a uma certa distincia da habitaglo — dis- ‘Gncia medida entre a necessidade de prover seguranga aos que af permanecem € eres a fala dos homens. Na tekarawa, eles 2s coletivas ¢ compartilham 0s ca no. Ela & o lugar da repeesentaglo politica do € sua pritica cotidiana é vista como a garantia da cia dessa unidade. A fungio mais importante da chefia, € a que idade, € ser um propiciador da reunido: o chefe aquele que, todas as 5, “Yaz a conversa para nés" (oqpo morongeta oreopé). A aldeia para os orientais define-se, assim, pela presenga de tés espagos de rogas de mandioca e praga. Um local de habitagio sem esses elementos no é uma aldeia, mas um ac cexistente na aldeia, O acampamento se diferencia menos pelo earéter provi auséncia de rogas, do que pela inexisténcia da égora parakang, a tekarawa, ‘Aldeia e acampame omplementares na producdo da vida social parakand, assim como a horticult forrageio. Noe 0s orientalis @ primera tendew a predominar Sobre o segundo, entre os ocidentais assstu-se A transformagio da prépria aldeia em enquanto para o segundo foi a aldela que se tomou um lugar incémodo dems. Dispersio e Contragio: Os Ocidentais omo vimos, apés a cislo ocorrida no final do século XIX, os blocos parakand, foram-se diferenciando quanto & mobilidade. Os ocidentais parecem ter estendido a tal ponto os perfodos de trekking, que a aldeiae a horticutura passaram a ter um lugar secundério na vida sociale na subsisténcia do grupo. Embora seja difieil determinar © valor relativo dos momentos de dispersio e de aglutinaglo no passado - mesino porque ele deveria ser varvel conforme as circunstincias -, é plausivel que os pri= ‘meiros predominassem sobre 05 s de guerra, por exemplo, fica imo. Nas a hii sempre pone cmtd, gu age qu dem sro para no coesponis ezamene gue a expedigo de caga. Entre as ias de guerra, contato com ia longas cacadas, Lembremos 0 a pados em uma grande (ators 1993: fta 50) ‘A mandioca aparece com frequncia como a causa do retomo a aldeia e da eunilo do grupo. Apés longos pe a roca dos brancos fez as vezes da jo-thes reagruparem-se uma vez mais. A aldeia dos ocidentas era, assim, uma ad agen €reprodugio, Reprodugio do vegetal e do préprio grupo, tum ponto de referéncia, espécie de pique ao qual retomavam aps incursBes guerei- do grupo. Como diz Maybury-Lewis (1984:50) a propés 4 “comunidade” estava localizada. A aldeia era antes um ponto 4e concentracio para futura dispersio do que um local de morada permanente (0 tempo dedicado ao trekking no passado talvez fosse superior, talvez comps: rivel a0 de outros grupos da floresta tropic 11 nfo fossem inteiramente némades em uma e sedentirios em outra. A aldcia era ‘ccupada durante pare do periodo de estiagem, entre junho e novembro, para o€ tra- buthos de abertra de roga e pla ‘omavam-se mais curtas¢ intermitentes. © momento, porém, era propicio as longas incursBes guerre 1, pois os cursos d'igua se estreitavam e os agaizais secavam. A maioria das Vis tas ao Posto de Pacificagio do Tocantins ¢ 4 Base Pucuruf ocorreu nessa época do no final de novembro, a aldeia ‘As excursdes de caga ¢ col ‘grupos familiares terminavam de torrar a farina que levariam para a mata e part Durante quase todo ham.se fora da aldeia, pois essa é ima época favorivel 8 eaga, Virios frutos silvestres amadurecem durante as chuvas, ‘4 populagdo animal normalmente dspersa para alguns sitios conhecidos. Além disso, & um periodo de engorda da caga e, portanto, de dicta. indigena — gordura qu 1 margo, deveria substtuir em parte a fa ontririo dos arawetés e dos yanomamis, que privilegiam vegetais de ciclo de crescimento curio (milho e banana, respectivamente), os parakands preferem a ‘mandioca-brava, que leva cerea de um ano até alcangar um tamanho razodvel para ‘er arrancada. Se & verdade que também plantavam outos produtos — milho, banana, card e aipim -, nunca os ouvi associar 0 retommo pati Se, como disse, os aldeamentos do bloco ociental aproximavam-se das aldeas base xavante ~ por serem antes um ponto de referéncia do que um local de moradia permanente -, por outro lado afastav habitagées monofamiliares (de familias extensas ou nucleaes) e deslocando a praga para o pitio entre as easas. Tl transformagio no ocorrew de nem foi um processo linear. Ela reflete um movimento progressive de fragu « esgargamento do grupo: néo sio apenas as casas que se {que se vai desvanecendo, Ao deixarem o terittio no Pacajé em meados da década e 1960, esse processo concluiu-se. A partir da, foram duas décadas de vida néma- de em acampamentos sem roga e sem tekatawa. Quando a “pacficagio” foi concre- zada, entre 1976 e 1984, havia uma gerago ineira que nfo conhecera © trabalho agricola informagoes mais seguras sobre o padrio de assent rior ao contato. Para abordar a questi, comes mapeando a evolusio das 8 setenta ou setenta e cinco anos; isto é, desde o nascimento do © presente. Tratemos, iniialmente, do periodo anterior & “pacifica- e tabela 2.17. so" (ver may po médio de ocupacio inte breve mesmo para os padres das rea i ‘di Amaz6nia (cortesponde aproximadamente a0 periodo de maturacso de algumas variedades de mandioca)*. Muitas das aldeias foram abandonadas precoce- mente por questées de seg ntais (¢. 1925 Localizagto Obseragio “ytyngopawa 1 2 Akwawaja Ako Bacui suspita de inimigos 3 Rokotawa ‘Alo. Andornha 4 Many'ywa-rakapa Médio. Andorita tagque ocidentais 3 Kakotawa Bacuri 6 Tawymyna cur Visita dos ocidenais ataque ovis sem roa staque ocidenal ataque ocidenal reocupagio roa do iawoho-wa'é presenga de brancos tague ocideatal confi interno sn, Un Yee er. pm, no ce izagao Observagio 4a Diteta 23. Rokotava 24 Orotawa Pa to Pucurut Meso Bac va (aldeia 1), na margem direita do Bacuri, Mudaram-se para Akwawaja (aldeia 2), a jusante. Notando a presenga de angas,transferiram-se para as nascentes do igarapé Andorinha, onde depois em Many" parakanis para a bacia do Bacu ‘onde exguers se para Tawymyna (alla 6), que ficava num tibut do proprio Bacuri. Por volta de 1935, abria esse rio, © constry unejavam se mudar. Os ocidentais, ia. Por isso, iga", reforgando a seguranca 1 Tawya (aldeia 7). No um pouco tempo depois, chegando, dessa feita, até igo abrigou-os a abandonar mais uma vex a regio 20 sul do Bacuri, levando-os para nordeste, onde se fixaram no rio Lontra (aldeia. 8), Dependiam, porém, das rogas da aldeia antiga, pois haviam-se mudado as pressas. Por isso retornavam com frequéncia para fazer farina. Em uma dessas ccasides, so- freram nova investida dos ocidentais. Dois homens morreram no local, € ‘Arakyté foi levada ferida de volta para a aldeia do Lontra, onde veio a fal Na segunda metade dos anos 1930, deslocaram-se ainda mais para nordeste, {onde permaneceram alguns Mapa 2.1: Aldeias parakanis ori entre ¢, 1925 € 12) atacados fo das Por jawoho-iwa’é, de quem tomaram década, howve um confi tatados em 1971 imédio e ourro de longo al imandioca. Ne radouras com roga de mandioca — que os sertanistas da Funai pu ‘momento do contato, conforme vemos no croqui abaixo que a rio da época (mapa 2.2). Mapa 2.1 Ades parakanis orien centre ¢, 1925 ¢ 1971 12), atacados fixando-se na regito das Por jawoho-iwa’é, de quem tomaram uma roga de mandioca déeada, houve um confi vo das rogas. Os parukanis abriam novas rogas a média ia © mudavam-se para elas quando as antigas estavam se exaurindo. Assim, em 4a por wilhas. Foi esse conjunto ~ acampamentos com pequenas plantagdes ¢ abri- 1B05, rogados velhos onde radouras com roga de mandioca ~ que os sertanistas da Funai pu ‘momento do contato, conforme vemos no croqui abaixo que a to da época (mapa 2.2) 0 urucum, uma ou duas habitagses mais du CCroqui da Fre 33 tpirse um pouguinho m Andorinha, a frente da “pacificagio", portato, ‘que express tim padrio de assentamento par de residéncia, do qual as rojas sucessivas i abe {0s conjuntos padeio de Primeiro, porque an 18.420, 23.4%). Esse lar no que concerme 8 caga no fosse Superpredado ¢ Se dava aldeia. Segundo, grupo a se dividir temporariamente ima érea. Rogas passadss,presenes e futuras funcionavam como ia do grupo. Em terceiro lugar, 0 mosaico for- mado por esse conjunto de rosas e florestas em diferentes estigios de re ever favorecer a caga a coleta, bem como a aquisigo de palha de babs oertura das casas, Por fi lade da ccupacio talvez permitisse explorar frequéncia solos antropogénicos, mais fees. contririo daqueles de média di abandono desse conjunto local de aldeias © rogas, fram, quase sempre, motivados por um acto para fora do territéio: as novas delas ocupadas anteriormen: eriores a0 contato: por percurso em ‘As mudangas de longa distancia dos parakands or ‘como os descritos por Hames (1983:406) ou Chagnon (1992:81) is yanomamis. Trata-se, ao contrrio, de uma ocupacio de partes de trio, € nesse sentido a distingéo entre sua, pois ambas slo centripetas”. do con- ss mais densamente p re 0s jfvaros e yanoma a! Em outs durante 18s de mais de um grupo local sem, no “Io. O conjunto de rogas e habitagées formado por uma sequéncia de deslocamentos parece-s, de fato,c dividida em dois grupos I sabiam da existéncia de duas aldcias. Logo perceberam, porém, que estavamn Hi, pois, dois relacionados que merecem atensio: po niio-dtomizagio do grupo: por outro, a impermanéncia das aldeias. O primeiro diz Tespeito aos mecanismos sociolégicos que ga mos, por exet sgumas poucas aldeias fracassaram" apenas emularam Por que ~ su- luos — no se dispersaram em trés ou ‘quatro grupos locais? Ao longo deste ¢ do préximo capitulos, procuratei responder 4 essas questdes. segundo fato, a efe idade das aldeias, resulta de um compromisso_ sui Ide, entre forrageio e hortcultura. © pequeno tem- era apenas fungio da guerra. Se & certo que 0 assédio de a0 abandono precoce de vitios aldeamentes, nio é menos © tempo de ocupagio de compromisso entre a valorizagio da aldeia como espago de sociablidade e a valori- zagio da caca, dirgida scleivamente para algumas poucas espéces. 5 passadas ¢ presentes desempenhava um papel 105 rreBkings dos ocidentais, permitindo que explorassem de ma- iva 05 recursos da floresta. O trabalho para a abertura de novas rogas a média distincia no deveria ser maior do que o necessério para derrubadas jtaglo. Ademais, os machados de metal haviam pert izado por um némero menor de homens, lém de di 0 esto erradas, sua construsZo ndo deveria exigie grande esforgo coletivo para uma populagio de cento e poucas pessoas. Ao que tudo indica, portan- 'o, 0 padrio dos orients era bem-sucedido naquilo que se propunha. A efemeridade MH IKIMIGOS FBI + das aldeias no resullava de um fracasso sede wobilidade e escassez”, de uma asio, como fariacrer a associago freqUente, na A Sedentarizagio Pés-co (Com a “pacificago” em 1971, o padro de assentamento dos parakanis orien- tendo, na dirego de uma maior sedentarizagio, de uma de origem ani- imentares A menor mobilidade é um da conseqiente os agentes do ral, com o abandono de alguns efeito da dependéncia crescente em r ‘entrada em cena de um mundo novo de objetos novos. De inicio, tato passaram a determinar os movimentos do grupo, por contr {de mereadorias e remédios. O posto ¢ seus sevigos, © almoxarifado, tornaram-se eferéncias fundamentais para a constituigdo das alias. (Com a consolidagio dessa infraestrutura — casas, pogos, pista de pouso, estrada -, 0 custo do movimento cresceu. Por outro lado, noves fatores passaram a ser conside- rados na determinago dos sitios de novas aldeias, em particular a facilidade de acesso «© de contato com nicleos regionais fora da ses indi As relocagies ocorridas entre pelos funcionérios da Funai, por raze logisticas ov pela inundagio de parte do ter ‘rio tradicional parakand com 0 enchimento da baragem de Tucurui (Magalhies 1995:30). Apés o momento inicial de consolidacio do contato e demarcagio da re- serva indigena, fixaram-se no atual aldeamento de Para ide parte do grupo permanece tia ecnligea+ uma Ma soca alguns animais de carga, ca- no superpredado (ver Emidio-Si idade da caca. Eles dversiicaram, nova tecnologia (espingardas, lantemas instrumentos de pesca), a compra de alguns suprimentos industralizados ¢ a introduso de novos cultvares mas, até 1995, havia uma continuidade patente no que diz respeito & unidade a do grupo. ‘Um fendmeno recorrente nos process dispersos em urn mesmo ald «exbidas como obstéculos i aculturagdo dos grupos indigenas e & redugSo de seu terité- ro, Dessa perspect rnlo se terem cindido até 1995, no de- veria chamar a nossa atengZo. Ocorre, porém, que desde o inicio da década de 1990, (0s responsiveis pela administraglo da drea sugeriam ser desejével uma divisfo. Era ‘uma politica explicta do Programa Parakan viabilizar 0 surgimento de novasaldeias dlispersas na reserva, de forma a faciltar a vigilancia sobre o territirio, adequar a opulago aos recursos da érea e ronomia nativa. Os orientais, porém, ‘opunham-se a essa politica, assim como os urubus-ka'aporresistem a invers, [Em 1992, quando estive em Paranatinga pela primeira vez, a discussio estava 6 fato de 08 orie jum momento, e niko cumprida, O Programa Para- and herdara a divida, mas se opunha a construglo por duas razSes: primeiro, por- ‘que cla implicaria maior dependéncia do grupo em relagio aos brancos: segundo, Porque signficaria uma maior fixidez e, portanto, menores chances de mudanga de € divisto da aldeia. Os argumentos dot parakands eram igualmente razoaveis: resistentes © confortiveis, ¢ lo estavam interessados em tumpouco em se dividir: Quanto & mudanga, nfo pretendiam afas- ia mais da Transamaz6nica, via de acesso para 0 mundo dos brancos; quanto que viria a partir wa participando da vida da a . © processo de Escolhido o local, abriram um rogado, pois, quando a mandioca estaria no 1999, v a Trans [A mudanga bem-sucedida e 0 apoio que o Programa Parakand ofereceu esti rmularam outro grupo & Bacuri no final de 1998. Essa transfer de improviso e sem gran- de preparagio, aproximando-se das que vém ocorren 4 mediagio possivel para os con ue eclodem e, nesse instante, a separagio torna-se ineviti- vel. Ei 1995, por exemplo, uma facglo abandonou a aldeia de Maroxewara de uma 4 outta. Durante 0 inverno amazénico,saftam para a coleta de c im. Transferiram-se sem roga, casas TL Apyterewa em 1993. A Funai sugeriu a *) ~ que desde antes do contato vivia em per- ‘com o restante do grupo que consiruisse uma aldeia na margem onde ja havia uma roga. Os funcionétios planeja- aram uma infra-estrutura, mas de nada adiantou. Ao perce- berem que havia por parte da Funai uma dispon aldeia, eles abandonaram toda a infra-st se na beira do Xingu A escolha do local foi det afastar-se do grupo maior e aproximar-se da principal via de contato com a sociedade envolvente. Algum tempo depois, os que haviam permanecido no semelhanga com a mobitidade anterior ao contato, pois a mudanga sempre antecede a roya.e a casa ECONOMIA AGRICOLA jos dois ramos parakands © suas presente, Agora, passarei a descrever as Busquei reconstruir © padrio de assentament teansformages do final do século XIX a ividades de subsisténcia, de modo a forecer novos dados para a compreensio do processo de diferenciagio sociocultural entre os dois blocos. Aqui, como na anélise jor, esbarramos em uma dficuldade concreta. 0 que se oferece aos noss0s ol nif sequer 0 ponto de chegada desse processo, mas um novo ponto de partida que se inaugura com as transformagdes pts-contato, Retomando a Hortcultura No inicio da década de 1960, os parakanis ocidentais haviam abandonado a horticitura, vivendo exclusivamente de caga ¢ coleta e de eventuais roubos de pro- ‘atos de rogasalheias. Durante duas décadas liberaram-se da faina agricola © da initagdes a0 movimento determinadas por ela. Com a “pacificaglo”, a horticultura foi ‘oduzida pelos funcionérios da Funai, com consequéncias importantes para a coletivas, abertas pelos ‘motosterras e machados de metal. Nas rogas, passow-se a culti te, mandioca, milho, banana, arroz e feijlo (card, macaxeira € batata-doce si0 plantadas separadame 3 nucleares). Todo 0 trabalho coletivo ficou a tar, capinar € colber. AS sio sexual do trabalho. Se, com frequéncia, a adogio de novos cultivares ~ e em particular da mandioca-brava, devido ao tempo de seu processamento ~ tem reper ssdes sobre 0 trabalho feminino (Beckerman s/d:$2), no caso dos parakanis oc! dentas 0 impacto mais expressiva se deu sobre os homens. Eles no apenas as ram a maior parte das tarefas agricolas, como passaram a participar atvamente do processamento da mandioca Nos primeiros anos apés contato, os habitantes do aldeamento de Apyterewa se interrogavam sobre a quantidade de trabalho que deveria competi a cada um dos ras circunstincias. Algumas mulheres, quando me viam limpar um peixe {que pescera, comentavam com certa ironia que os homens parakanis eram preguigo- sos, pois jamais fariam isso. Estes, por sua vez, notavam que, em tempos passados, © plantio © a produgdo de farinha cram da algada das mulheres © que agora clas passavam a maior part fas resultara da smpo deitadas em suas redes. A nova divisio de tare- lino pela Funai e da ob 5 funcionérios do posto, onde, de (exceto 0 cozimento), enquanto as mulheres c cavam a exclusio de mulheres da hor se oporia & participagio delas. Por outro lado, a in trodugio de uma nova tecnologia levara a redefini a simbologia de gEnero associa a algumas atividades. As casas de farinha — com sua prensa, caiti a motor, hos de ferro untados a dleo ~ davam nova conotagio a0 process ulheres mais velhas continuavam a fazer jogia rudimentar, mas os homens tor- sveis pela secagem, ralagio e torrefago da massa, 1s eram coordenades pelo chefe do posto, que nio ape- tava a Grea a ser aberta, como estabelecia o calendéio das atividades agricolas e, muitas vezes, trabalhava junto com os indios. Em 1989, cada roga ei Apyterewa pertencia a uma das duas grandes facgdes da aldeia. O grupo maior (96 pessoas) trabalhava e de Ajowyhai (59 pessoas) traba Thava em outra, Em 1995, encontrei uma estrutura semethantes em Maroxewara, onde via também duas rogas coletivas, identficadas com os jovens lideres Jytytia & ‘Tia, Nos dois casos, a separagio das rogas indicava uma cisio mais profunda que logo desembocaria na di tos: © grupo de Ajowyh abandonou Apyterewa no final de 1993; grupo de To'ia deixou Maroxewara em 1995 para fundar Inaxy’anga, ‘A hortcultura, apés virios anos de contato, continua sendo uma atividade quase estranha aos ocidentais. Nio hi coordenagio eficiente das tarefas:talvez. por ser coletivo demais, o trabalho nas rogus termina no sendo obrigaglo de ninguém ¢ continua a depender da diligéncia de um funcionério do posto indigena. Sem a sua direglo,o resultada & previsvel: rogas pequenas, mal queimadas, plant te, por vezes em época errada. Mesmo em Maroxewat i uma estrutura de pro- ser responsivel pela conta na cidade de Tue ‘A posigdo de lider jovem permite acumular prestigio e al é fas de mediagio ¢ tradugio intercultural sio complexas. O lider deve navegar entre as eivindicagSes de seu grupo e as limitagbes aes do Srgio que Ihes presta assisténcia, sem compreender, no entano, a longa teia de fatos poltico-econdmicos que determinam esses limites. Ele fica, assim, ex- posto, por um lado, 3 pressio continua de seus pares ~ seja porque Ihe exigern mais firmeza diante dos braneos, seja porque desconfiam de sua justeza na distribuiglo de bens — €, por outro, aos argumentos, muitas vezes obscures, dos agentes do contato. Op te determina a composigdo dos grupos de producdo & a pat € nilo a afinidade. Eles se estruturam em torno de relagdes de consangti por via masculina. Dos quarentae seis homens adultos, apenas seis trabalhavam © sogro, sendo que em apenas quatro casos consideravam faz8-o para 0 sogro*. Se em 61 AS t = que sio a unidade ‘maturidade sexus mulher passa a produzit nlo ‘mas para a do marido. O trabalho agricola, portan- coordenacio do trabalho feminino através do casamento © pl mais para sua f ago. Em outras palavras, ao que 0 genro produz para a fam rmarido, sal deriva precisamente da au ‘com seu pai ou sogra. Antes do casamento, o homem presta um servigo antecipado © atenuado para a futura esposa, a quem deve dar parte da presa que cagar. Esta é ‘uma forina de garantir as bous gragas dos sogros e marcar publicamente u iar anos depois. Esse ato nko tem, cont que 56 se cor io se trata de um servigo prestado aos erta de parte de um produto {que ele adquire para si e por si mesmo. De modo semelhante, filhos de sexo mas- para prover o sustento de esposas e “agente econémico”: & a coopera do e sua esposa que movimenta as atividades de subsisténcia. Isso nko significa que inexi ago dos esforgos produtives entre 0$ Fogos fa que ela conforma redes flexiveis de relagdes, © nlo grupos. Os vi aUinidade © afin de forma egoce conferem sentido a essa articulagio, mas cla se ada une pessoas uma a uma, caso a caso. Cunhados, em espe cial os que trocaram inmds, gostam de sai para cagar juntos, assim como os amigos formais. O tnico mais estivel € composto p germanos de sexo 6 dois blocos parakanis no que idem pela coo- igo comum a ambos 4 ras sociedades da floresta tropical, a saber, o carter residual 36 alguns grupos arakanis se diferenciam esse ponto. do servigo-da-no is para uma répida comparacio, veremas © quar Os ara possuem uma, mas peat corganiza-se por familias ‘a coordenagio do ias nucleares, enquanto outros vegetais so cult de propriedade de cada casal 10 ¢ sogro(a} batho masculina, vigos a seu sogro, nem o filho a seu pai. O easamen as entre o casal © de recip nial entre as = (ver Fausto 1991:220-240; 1995:92-10 ser aproximadas daguela dos parakands ori .go-da-noiva, 35 tapirapés, parte das rogas ratrfocais, por equipes de trabalho organizadas pelos chefes dos grupos cerim jar, Estes grupos tinham no \do 0 trabalho através de pessoas © uxorilocal. Entre os 0 anos, podendo estender-se por tes, 05 parakanis sio consistentemet samentos recentes com mulheres nis € suris), e as obrigagdes de um genro pa seu sogro slo residuais. Esse cariter residual, porém, nio deve ser atibuido predominancia da parece ser mais importante do que para os paakanis. plo, que possuem seg Iho agricola cabe 20 “dor ago ena capaci lado, os produtos das rogas adquirem periodicamente um si pois cabe 20 2d bos. A ho fcado politco-ce- 5» promover festa e cavinagen convidan cia do exercicio 1 (conduzindo ou nio a jade tempordria) (Dal 1991:116;139;194). O entrecruzamento de dois lagos de cooperacio ~ entre sogro & genro € srupo de des nas atvidades coletivas de outro grup 46). membros de um mest = é também a tonica I~ as obrigagées dos wife-takers para com seus wife-givers, expressas no <-noiva, constituem a forma bisica de coordenago do wabalho agricola. Esse lo pode entrecruzar-se Com outros 1 €01 sogros, mas os recortam de diferentes formas. mentagio, o5 parakands is slo os que levara importa julgar em que medida a estrutura atual corresponde Se 6 certo que os grupos de produgo sio uma ado de um novo contexto ¢ de safios, 6 também poss izagdes de arranjos mais fuidos que vigoravam a organizagio do trabalho ye a relagdo hier. 1, de qualquer modo, que o principio de a razio para sy ‘Acho impro tenha mudado, px ‘uica entre sogro inante no passado, AAguilo que & um ideal na poltica matrimonial de outros grupos tupis ~ escapar lade e a0 servigo-da-noiva ~ foi realizado pelos parakani ceasamento avuncular 12 multilocal) contribusram para i dlutividade desse porém, ndo conduziu a um mesmo sistema de coordenacio de trabalho entre ocidentaise orientais. A que devemos atribuir essa diferenga? Teria sido ela determinada pela emergéncia da morfologia social diferenciada entre os orien- 1 forma de grupos socioc8ntricos? Embora orfologia, a estrutura da chefiae © modo cestabelecer um zenro no pudesse ser operativa na situa ddeveras in dentais deinarem a drea do Pacajé, na década de 1960? yiicultura “Tradicional A dificuldade aqui reside, uma vez mais, em como determinar essa forma “tra- dicional”, em especial quando se trata dos parakanis acidentais. Como avalar a im- ia da vida alded e 0 peso relativo dos produtos agricolas na dicta entre 1890 [Nilo ha resposta definitiva para a questo, Sabemos apenas que houve um 1950, que resultou em seu abandono uma década depois. Mas nio podemos falar em uma forma tradicional que foi rompida repentinamente pela pressio da sociedade nacional. A os lagdo entre momentos de maior e menor impertincia da horticultura sido a tGnica desde, pelo menos, o final do século XIX. A essas mudangas to da uni sermelho aspecto sem syap6 em clariras de flo- hhumanos: branco tando Thes per respondiam simplesment: caré pequeno exckarajé tores permanentes. O que en- wanente. A parte esta, havia as ‘banana pequens| ‘nana chata co ban ocidentais, que no dos na flores es da ‘A despeito dessas diferengas, nio hi evidéncias defnitivas de que, jé a le do século XX, a agri tais fosse mais pobre © menos ee ee eee eee diversificada do que a de seus ex-parentes. Hi apenas alguns indicios. Comparem, 7 i Por exemplo, o némero de cultivars lembrados pelos informantes mais velhos de cada {Lhe ee ee | um dos blocs, dispostos nas tabelas abaixor ee rmandioca warjinga ou manyangeré banca” oa "mandioca verd ange) gioroa papagaio ‘Tabela 2.2: Nomes parakands para variedades de espécies cultivadas con ee ?-chata-vermel rmandioss-ol kan Oriental rmandioca dooe Tradugto milho verdadiro papa rilho vermelho maniva vermetha boca vermelha cat arapa rmandioca ver (bara) fara’ isa-pluda saraiabwera exarajé ?-chata-vermetha arapy Tradugio banana pequena banana chat mada por um termo gt yuma earacteritica par to ou da planta ~ ou por um sufixo Dos termos genéticos ~ apenas este citimo no tem forma, consisténcia) da riz, do jcando conformidade a0 protstipo ccognatos evidentes em pako'a designa apenas 2 banan: cinco de mandioca (Sendo duas pouco toi card, quatro de batata-doce e trés de banana. Dos dezoito temo de fava, quatro de smbrados por estes, aqueles. 8 pelos orients, duas foram adquiridas na década de 1950, em uma roga inimiga na bacia do rio da Dieita, onde se estabe- leceram apés malar seus ocupa woho-iva’é), pois a mandioca na aldeia de jo Essa pritica reforga 0 que dissemos sabre mo sna (ue eon ee) man Ketel dee minds eto Sa a 4ue di o nome a um sitio que abandonaram as pressas no final dos anos 1920. Entre 0s parakands ocidentais, a perda foi uma constante: is de uma vee ~ logo apés 2 cistio e na década de 1960 ~ ficaram sem quaisquer produtos agricolas. A mobil- dade, contudo, também favoreceu a aquisigZo de novas variedades. Parte do conhe- to de plantas domésticas dos mais velhos esté associado as pilhagens de rogas gas. Assim, por exemplo, referem-se a um evento remoto em que obtivertm cultivares de inimigos conhecidos como awajeawyhiwa; dizem ter trazido cari dos cabwa’awa e batata-doce dos temeikwary'yma na década de 1910, bem como milho ¢ amo dos amowaja (os orientais) em décadas subseqUentes. Pouco antes do contato, retiraram maniva das rogas arawetés para plantar. {As plantas domésticas de uso nio-alimenticio ~ como 0 algodio (amynyjoa), © turucum (rokoa) 0 tabaco (petymopiara) — parecem ter sido cultvadas permanente- ‘mente pelos orients ¢ apenas ocasionalmente pelos cidentais. Entre aqueles o plantio do fumo tem uma elaborasio particular: sua rosa & aberta em Grea separada, dstante das demais, ¢ sob a responsabilidade de uma Gnica pessoa. Em 1995, essa fungio cabia precipuamente a Ywyrapytd, homem mais velho do patrigrupo apyterewa. Os ‘cidentais, ao contririo, perderam por mais de uma vez essa cultura e ainda hoje no «8 cultivam sistematicamente. Seu plantio ndo envolvia medidas especiai: contam, por exemplo, que certa feita levaram sementes de fumo da roca de seus ex-parentes ¢ al raptada para plantar. Quando no dispunham de tabaco para preencher seus longos cigarrosfeitos da entecasca do tauati(petyma'ywa, “rvore do cigarro"), usavam a folhagem de um cip6 conbecido como ipowyronaé ( mesmo parece ter ocortido com 0 algodio, Os ocidentais afrmam que costu- ‘mavam semeé-lo antigamente, mas suspeito que ele logo se tomou um cultivo ape- deram-nas a uma mulhe bricavam redes de tucum e adquitiam as de algodio em suas visitas a0 Posto do 24a dent evr ple la at Lcd eam a a o-t pucih ‘er Court 27 Exim do px pri eee rani pouae mot O pic terms nr ase cra ou em pilhagens 2 acampamentas de bancos lis inimigas. Quanto aos ce-me que utlizavam tanto 0 algoddo como a seda do tucum, ma dizer se havia preferéncia por um ou outro na confecso de redes. Segundo Ma- galhdes (1982:120), as tipbias ers feitas exclusivamente de algodio, Independentemente de quio semelhante ou quio dispar era a horticultura de cada uum dos blocos no passado, o certo & que gradativamente a ocidental foi-se tornando ‘mais pobre © menos intensa. Pessoas nascidas nas décadas de 1940 e 1950 recor- ‘dame de rogas com um pequeno nimero de s,basicamente mandioca e cai Muito antes desse processo se concluir, contudo, sugiro que a hoticultura nBo $6 ja recebia um investimento de trabalho menor do que entse os orientais, como também possuia menor importincia cultural Mitos ‘Uma evidéncia interessante do lugar ocupado pela hortic blocos parakanis pode ser encontra xado em uma narrativa mitica maior formada po ‘fo da terra, a obtengio do fogo, a origem da 10 da farinha, ¢ adi o dos povos indigenas. Transerevo, smi, uma verso que me foi contada por Arakyté em 1992: © Dia em que Puraram a Terra (wy‘amomokawera) Foi durante o ritual ymo. AS mulheres sairam para pegat Lenka. Quando volt 8 plumagem de urubu-ei ou harpia usa no ritual. Ele soprow mui ‘A gua comegou a trot wundou. Elesarrancaram a casa do chio e voaram. ia subia no pf de bacab, Dos subirum. Viram ue defecaram sobre a cabesa dele pra que ivessem a cabepa raspada. O que estava ‘mais embaino desceu para bebe. Levu Sgua para 0 outro em sua boca. A gue ~ Eu vou beber, a gua em sua boca est le desceu,escoregou ¢ caiu. Foi coms no pé de aca, o outro via muita cage passa, Dis Quem vai endurecer a tera para mim? Mas a capivara foi embora. Chepou o veado = Quem vai endurecer a tera para mim? — Eu vou, respondeu 0 veado, pelos pexes jaguar Agua e veio até ele. = Quem vai endurecer a tera para mim’? ‘Anta corre, bateu as pas. A égua se foi. Eno, o jurva diss: ~ Eu vou primeiro até tera, {A piranha cotou o seu rao, por isso jurua tem o rabo assim. Enido, a anta disse: = Vamos, des até aqui Cora primero para eu ve, responde-ihe 6 homem. A ant st corendo e wotow = Vamos, desga até aqui (Corr uma vex mais para eu ver. ise = Vamos, desea Ble desceu at a raize com a pont dos pés toc a tera = Vamos, desea Ble desceu © se fo le moqueavapeixe sem fog = Noct tem fogo?, perguniou Miia we cupim sobre mim, para fzer er seu futuro fogo,disse-Ihe Maia le colocou cupimn aru descer para voce, para que poss ace: sre Mira, que ficou 3 imagem de uma presa pode. Bs os urubus ~ Pegue o fog0 do urub- Veio um urubupeba. Ele har 0 fo disse tbe Mira em vio. 10 © paw de fogo que levava sob as asa, soprou e fez com fog. Assim, le abriv uma ropa Si. Ossos de gente quebrou ¢enterou como maniva. A maniva ré minha mandioea para mim? Siu para capa. Fizeram farnha e mingau para ele. Ele vi (Quem fez farina ara mim? da mata, = Quem fee farinha pars mim? Ninguém respondeu. Foi eagar de nove. Ao lado de sua jem estéfazendo farina para mi? Grou, ninguém respondes. Ele chegou em cas, assou um jabotie comeu. No dia se auine,escondeu-se. Chegaram duas mulheres: ~ Sto elas que fazem farina para mim, Sain corendo e aparrou uma delas, a de pele morena. Deixou escapar ade pele bran a, Wyrajinga, a fara branca, aram os dois. Eno, ele fez seus fhe. Fee primeiro dos disse ele, Depois fox mais dois Estes serio apyterena, disse cle. Todos filhos de Wyrapina Ent, fez mas: © que disse, Outros fe: Estes serto pa'amerywena = Estes seo jimokwera Estes foram oslo. (Arakyté 192 ita 11) Os virios episédios sio apresentados como a saga de Wyrapina, 0 antepassado dos indios. Uma desavenga entre homens © mulheres, na qual estas querem impedic aqueles de sonhar, eva-os a furar a terra por meio do poder xamdnico. A gua sub- terrinea invade a superficie, produzindo dois movimentos vertcais simultineos: 0s ‘xamis-sonhadores elevam a casa até o céu e Wyrapina e seu compankeiro sobem num de bacaba. Os que foram com a casa pousam numa tera distante ¢ saem de cena! diz-se que se tomaram toria. Enquanto isso, no pé de bacaba, nosso hersi ganha identidade, perdendo os cabelos que apodrecem com as fezes dos 6 talhado pelo evento: contragio de wyra Craspar [p8los}"), arescido de uma vogal nominalizadora. Por fim, a anta seca para Wyrapina ¢ ele desce solitrio na vastidio ora inabitada, Enire os parakands ocidentais, a histria termina aqui. A narrativa transcrita cima, ao contririo, tem seguimento, incorporando dois pequenos em aligns iio final, em que o her cesposa e se mt 4. O primeiro & a conquista do fogo, em que Mi fingindo-se de morto para que os urubus descam e Wyrapina possa tomar 0 segundo aparece como introducio & histria das mulheres que fazem farinha ~ uma ppequena glosa que explica como o her6i possufa a mandioca. O episédio elabora um tema comum na mit -guarani: 0 das plantas cultivadas brotando de um morto ). lo completo articula em uma s6 narativa temas que aparecem de modo fragmentirio em outras mitologias. & uma composigio que passa do mundo pode & do fozo eu 9) € os mbyés (Cadogan 1959:57-66) -,e desse roubo 2 origem das plan- ada, passagem que surge em uma mito kayap6 da o sentido contrério, em uma narrativa tikuna, em que se busca o fogo culinirio para ccozinhar a macaxeira. Finalmente, passa do advento da agri diferenciagio dos povos, sucess¥o que ocorre em uma nar 3-76). No conjunto, temos a perda de um p “nosso pri minar as artes da civlizagdo. Wyrapina, io, em de resgaté-las de um mun- do podre. © ciclo narrado por Arakyté os mitemas, mas nio é uma bricolagem qualquer: os temas seguem uma Idgica seqUencial clara®. Ente os ocidentas, essa série esti ausente: eles narram apenas, ede modo inde ppendente, #histéria do dildvio e das mulheres que fazem farinha. A origem do fog0 ram um s6 grupo hé um século; logo, as difeengas em processos recents de peda, crigo de um tema novo el de temas ad no raptaram neahuma mulher estrangcira © Ps, a presenga dos mitos do fog, mandio- ca ¢ diversitiagio dos povos no podem ser uma aquiigho posterior &cisto". A crigo, por sua vez, dadas as semelhangas com as variants tps, sx 3 previamente. Restan-n0s, por uss hipéteses:reelaboragio por parte dos orients ou perda por parte dos vient. Embora a segunda seja mais econtmice, € posivel que algum dos tés temas nio estvese presente na mitologia prakand antes da separagi. And assim, © significado é 0 mesmo: seo esquecimento ou a reclaboragio de mitos guardam algum vineulo com uma atvidade conerca,énotivel qe fale jutamente 2080: que abandonaram a agrcultura, um mito da origem da mandoca.E também 8 € quanto a0 mito do fogo? A perda do fogo na vida real tem implicagées diversas para cada um dos blo- 0s. Para 0s orientais, & um estado de tamanha privagio que conduz & deterioragio Psiquica. Os que se perdem na mata e permanecem sozinhos sem fogo ficam bobalhades. Assim justificam o estado de torpor mental de um homem, hoje com mais de sessenta anos, que se teria desgarrado do grupo durante 0 processo de “pe ciffcagdo". Para os ocidentais, 20 contro, apés 0 ataque dos Para os orientais, pretada como réncia, nfo se comporta como esperado, nio fala em pablico. Para os oci-

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